SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.36 número3Formação de Professores: os currículos das licenciaturas na expansão universitáriaMultiletramentos em aulas de português em uma escola pública de Ouro Preto-MG índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Perspectiva

versão impressa ISSN 0102-5473versão On-line ISSN 2175-795X

Perspectiva vol.36 no.3 Florianopolis jul./set 2018  Epub 29-Jul-2019

https://doi.org/10.5007/2175-795x.2018v36n3p835 

Artigos

Círculos dialógicos investigativo-formativos: uma metodologia de pesquisa inspirada nos círculos de cultura freireanos

Investigative-formative dialogical circles: a methodology inspired in the circles of freirean culture

Círculos dialógicos investigativo-formativos: una metodología inspirada en los círculos de cultura freireanos

Larissa Martins Freitas2 
http://orcid.org/0000-0003-0304-6672

Melissa Noal da Silveira3 
http://orcid.org/0000-0002-1337-6037

1Universidade Federal de Santa Maria, UFSM

2Universidade Federal de Santa Maria, UFSM

3Universidade Federal de Santa Maria, UFSM


Resumo

Este artigo objetiva apresentar a metodologia dos Círculos Dialógicos Investigativo-formativos, desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa Dialogus: Educação, Formação e Humanização com Paulo Freire da Universidade Federal de Santa Maria, RS. A referida metodologia, inspirada nos Círculos de Cultura de Freire, toma como matriz epistemológico-política as obras do autor em diálogo com as de Josso (2004, 2010), pressupondo a realização de estudos de cunho qualitativo do tipo pesquisa-formação, pois os sujeitos participam como coautores e coautoras em todo o processo. A partir de um olhar hermenêutico, buscamos compreender a potencialidade dos Círculos Dialógicos como dispositivos de pesquisa e auto(trans)formação permanente com professores. Compreendemos que a metodologia apresentada contribui significativamente com o aprofundamento epistemológico da temática geradora da pesquisa, permitindo ao pesquisador ou à pesquisadora-líder e aos sujeitos coautores e coautoras a processualidade para a auto(trans)formação permanente, bem como a reflexão sobre a práxis pedagógica.

Palavras-chave:  Círculos Dialógicos Investigativo-formativos; Auto(trans)formação permanente com professores; Pesquisa-formação

Abstract

We present methodology of the Investigative-Formative Dialogical Circles, developed in a Research Group of the Federal University of Santa Maria/RS. The aforementioned methodology, inspired by Freire's Culture Circles, takes as its epistemological-political matrix the author's works in dialogue with those of Josso (2004, 2010), presupposing studies of a qualitative nature of the research-training type, since subjects Participate as coauthors throughout the process. We study, from a hermeneutical perspective, the potential of the Dialogical Circles as a research device and permanent self(trans)formation with teachers. The presented methodology contributes significantly to the epistemological deepening of the generating theme for the research, allowing the researcher-leader and co-authors to process for permanent self(trans)formation.

Keywords:  Investigative-formative Dialogical Circles; Permanent self(trans)formation with teachers; Research-training

Resumen

Este artículo objetiva presentar la metodología de los Círculos Dialógicos Investigativo-formativos, desarrollada en un Equipo de Investigación de la Universidade Federal de Santa Maria/RS. La referida metodología, inspirada en los Círculos de Cultura de Paulo Freire, tiene como matriz epistemológico-política las obras del autor en diálogo con las de Marie-Christine Josso, presuponiendo la realización de estudios de naturaleza cualitativa del tipo investigación formación, pues los sujetos participan como coautores en todo proceso. A partir de una mirada interpretativa hermenéutica, buscamos comprender la potencialidad de los Círculos Dialógicos como dispositivo de investigación e auto(trans)formación permanente con profesores. Comprendemos que la metodología presentada contribuye significativamente con la profundización epistemológica de la temática generadora de la investigación, permitiendo al investigador-líder y los sujetos coautores la procesualidad para la auto(trans)formación permanente, así como la reflexión sobre de la praxis pedagógica y de constitución de la docencia de los participantes.

Palabras-clave:  Círculos Dialógicos Investigativo-formativos; auto(trans)formación; Investigación Formación; Práxis Educativas

1 Palavras iniciais

Este artigo nasce das interlocuções dialógicas, revisitando o legado freireano, a partir dos Círculos de Cultura1, e aproxima-se da pesquisa-formação proposta por Marie-Christine Josso, para a constituição da metodologia dos Círculos Dialógicos Investigativo-formativos como possibilidade epistemológico-política de pesquisa e formação com professores e professoras. Nessa perspectiva, buscamos resgatar e reinventar os Círculos de Cultura para a possibilidade de criação de processos – os encontros de pesquisa-auto(trans)formação – a fim de construirmos espaços-tempo, através do diálogo cooperativo e comprometido, que possibilitem a ação-reflexão-ação e a dialogicidade para a pesquisa em educação como auto(trans)formação permanente com professores.

As pesquisas que instituem a metodologia dos Círculos Dialógicos Investigativo-formativos vêm desenvolvendo-se no Projeto “Humanização e cidadania na escola: diálogos com professores”, cujo objetivo é proporcionar espaços-tempo de investigação-ação, oportunizando uma reflexão sobre a realidade social e escolar e sobre possíveis mudanças nas práxis educativas dos professores. Isso porque o Grupo prioriza o direito de cada um dizer a sua palavra, bem como acredita que só existe transformação, quando esta parte do diálogo-problematizador e da escuta sensível ao outro. Porém, é importante lembrar que “eu só escuto na medida em que eu respeito, inclusive o que fala me contradizendo” (FREIRE, 1992, p. 05). E essa escuta, quando feita de maneira atenta e aberta às proposições dos outros, contribui para o aprendizado mútuo e mobiliza à auto(trans)formação permanente.

Assim, temos como questões orientadoras desta pesquisa: qual o papel dos círculos dialógicos no processo de conscientização para a práxis educativa?; como a pesquisa pode possibilitar a auto(trans) formação com professores?; como o diálogo previsto por Freire sustenta-se na práxis docente e na pesquisa-formação; quais elementos aproximam os círculos dialógicos da pesquisa-formação de Marie-Christine Josso? qual o diferencial desta metodologia para a pesquisa?.

Nessa perspectiva, este estudo tem como objetivo apresentar e problematizar a proposta epistemológico-política de pesquisa dos Círculos Dialógicos Investigativo-formativos, inspirada nos Círculos de Cultura freireanos em um entrelaçamento com os pressupostos da pesquisa-formação de Josso (2004, 2010). Metodologicamente, pautou-se em uma pesquisa bibliográfica, a qual buscou entrelaçar a perspectiva dialógica freireana à pesquisa-formação de Josso (2004, 2010).

Inicialmente, refletiremos sobre a constituição dos Círculos de Cultura; em seguida, discorreremos sobre a própria proposta de pesquisa auto(trans)formativa e seus movimentos e, por fim, abordaremos os caminhos metodológicos escolhidos para o desenvolvimento da metodologia de pesquisa epistemológico-política dos Círculos Dialógicos Investigativo-formativos.

2 Círculos de cultura... o legado freireano

Nos idos de 1960, uma equipe de professores nordestinos da Universidade de Pernambuco, conjuntamente com o Movimento de Cultura Popular, sob a orientação de Paulo Freire, realizou as primeiras experiências na alfabetização de adultos. Lavradores de Angicos e Mossoró, no Rio Grande do Norte, vivenciaram seus processos de alfabetização, como leitura de mundo e leitura da palavra, dentro da proposta dos Círculos de Cultura que já vinha acontecendo dentro do movimento de cultura popular, desafiando-os a aprender a dizer a sua palavra com os outros e com o mundo. Partindo da realidade dos adultos estudantes, a equipe buscou fazer com que eles percebessem que, mesmo ainda não alfabetizados, todos ali eram produtores de cultura. Isso porque, conforme Barreto (1998, p. 05),

Os alfabetizandos adultos possuem, fortemente introjetada pela ideologia, a idéia de que não têm Cultura. Para eles, apenas as pessoas que estudaram é que são produtoras e portadoras de Cultura. Para superar esta visão restrita que alimenta uma atitude de inferioridade, Paulo Freire sistematizou e codificou em algumas imagens o conceito antropológico de Cultura. Nele a Cultura é conceituada como toda a produção humana.

Nessa perspectiva, a ideia de alfabetização para Paulo Freire parte do contexto vivido, das problematizações que as palavras geradoras2 significam, tornando vivos, primeiro, os sentidos e, depois, o entendimento dos vocábulos, das letras, das sílabas, e aí se tinha a palavra como leitura de si e do mundo. “Os primeiros a serem alfabetizados de dentro para fora, através de seu próprio trabalho” (BRANDÃO, 2013, p. 19), eram as gentes do povo que partiam de suas realidades para construir possibilidades para o pensar e, a partir disso, pensar as letras, as sílabas e a escrita. Lendo o mundo, tornava-se possível significar o ler a palavra. Dessa forma, via-se a possibilidade de mudança no paradigma de educação, de educando e de sociedade possíveis.

Com isso, desenvolveu-se uma proposta de alfabetização de adultos que se constituiu como processos de "leitura do mundo e leitura da palavra" (FREIRE, 1997, p. 11). Na mesma processualidade em que aprendiam a ler e escrever letras e palavras, os não-alfabetizados iam aprendendo a ler criticamente a realidade sócio-político-econômica que os explorava e oprimia. Desse modo, instaurava-se um processo de conscientização e de emancipação dos oprimidos, abrindo a possibilidade de ser mais3.

Um dos pressupostos da proposta pedagógica é a ideia de que “ninguém educa ninguém e tampouco ninguém se educa sozinho, a educação é um ato coletivamente instaurado, solidário, é um ato de amor” (BRANDÃO, 2013, p. 23). A mudança de perspectiva, a quebra de paradigma está no fato de que Paulo Freire vai viver a palavra que diz, no sentido de que educar é troca entre as pessoas e não tarefa de um ser isolado sobre os outros; não pode ser o depósito ou o despejo de quem supõe possuir todo saber sobre aquele, “do outro lado, [que] foi obrigado a pensar que não possui nenhum” (BRANDÃO, 2013, p. 23).

Assim se constituíram os Círculos de Cultura, em que em roda as gentes da comunidade se juntaram em uma ação dialógica, em um trabalho coletivo, coparticipado, lugar de compartilhar conhecimento, realidades, experiências e esperanças. Na ação de trabalho nos Círculos de Cultura não havia questionários ou roteiros prontos e pré-determinados, daí que é fundamental, na perspectiva dialógica, fugir da ideia de pesquisa tradicional que se alimenta da oposição pesquisador/pesquisado. Não se pretende coletar dados ou tratar as pessoas como objetos; a proposta pedagógica aponta as perspectivas do fazer, mas não como fazer, uma vez que cada realidade será regida por suas especificidades.

O funcionamento do Círculo de Cultura é colocado em discussão, enfatizando-se o trabalho de reflexão como motor do trabalho de alfabetização, a importância do diálogo e o caráter dinâmico dado a esta nova forma de alfabetização. Por serem capazes de pensar sobre o mundo feito para refazê-lo melhor, os participantes do Círculo de Cultura se percebiam capazes de dominar a escrita, adquirindo nova e poderosa forma de comunicação. (BARRETO, 1998, p. 115).

A própria dinâmica dos Círculos de Cultura se davam pela processualidade dialógica, pensando o mundo para reconstruir, além de palavras, novas possibilidades, daí o caráter político dado ao ato de educar.

Com tudo isso, Paulo Freire tornou-se um educador conhecido em todo o Brasil, com a “proposta pedagógico-educativa” de alfabetizar adultos em 40 dias. Como consequência, foi convidado a participar da elaboração das propostas para as políticas públicas de educação popular do país, junto ao Ministério da Educação. Em fevereiro de 1964, foi designado pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) para coordenar a Comissão Especial do Programa Nacional de Alfabetização de todo o país. Sobre isso, escreve na obra “Conscientização” (2001):

Decidiu-se aplicar o método em todo o território nacional, mas desta vez com o apoio do Governo Federal. E foi assim que, entre junho de 1963 e março de 1964, foram realizados cursos de formação de coordenadores na maior parte das Capitais dos Estados brasileiros [...]. O plano de ação para 1964 previa a instalação de 20.000 círculos de cultura, capazes de formar, no mesmo ano, por volta de 2 milhões de alunos (cada círculo educava, em dois meses, 30 alunos) (FREIRE, 2001, p. 20).

Jornais da época, inclusive aqui no Rio Grande do Sul, anunciavam que Freire ministraria por estes pagos cursos sobre seu método de alfabetização. Aqui muitos e muitas puderam participar dos Círculos de Culturas e constituírem-se, agora, alfabetizados.

Numa manchete da “Folha da Tarde” de dois de maio de 1963 (p. 10) lemos: ”VERDADEIRO “RUSH” EM TODO O RIO GRANDE” – e a manchete com destaque “SEC INSTALA HOJE 650 CURSOS DE ALFABETIZAÇÃO NO ESTADO”. O mesmo jornal, no dia dez de maio (p.10) anuncia: “PARA ADOLESCENTES E ADULTOS” e, de novo, com destaque: “130 CLASSES DE ALFABETIZAÇÃO DA SEC FUNCIONAM EM PORTO ALEGRE” (ANDREOLA et al., 2011, p. 05).

Em um clima de grande engajamento, o Rio Grande do Sul foi tomado, assim como todo o Brasil, de uma vivacidade única, de uma empolgação, espalhando otimismo nos vários setores da sociedade que apoiavam essa promissora iniciativa revolucionária de ânsias por leitura de palavras e de mundo. E, dessa forma, sucedeu-se, em outras tantas manchetes de vários jornais e revistas, esse feito extraordinário. A chamada do jornal Folha da Tarde, em 23 de dezembro de 1963, trazia a manchete: “‘O MELHOR PRESENTE DE NATAL É A GENTE APRENDER A LER’, cuja frase repercutiu tanto que o mesmo jornal em várias edições propagou: aprender a ler é presente para toda a vida” (ANDREOLA et al., 2011, p. 05).

Nesse movimento em que a própria instituição Estatal toma para si o papel de agente social, as questões populares começam a ter fôlego e esperança como real possibilidade de ler o mundo e a palavra. Cria-se o Instituto de Cultura Popular, cujo Presidente foi o professor Ernani Maria Fiori que ocupou o cargo por apenas dez meses devido o golpe militar de 1964, que deteve todo o empreendimento realizado até o momento, no campo da educação de adultos e da cultura popular. Diante do papel assumido por Paulo Freire, comprometido com a causa dos oprimidos, bem como de uma educação para a conscientização e para a liberdade, seu nome foi incluído, pelo novo governo, entre os inimigos da ordem social, sendo sua Campanha Nacional de Alfabetização denunciada como subversiva. Sob esta justificativa, o educador brasileiro Paulo Freire acabou preso por 75 dias e, após esse período, foi obrigado a exilar-se. Tristemente, ele próprio relatou: “Fui considerado como um subversivo internacional, um traidor de Cristo e do povo Brasileiro” (FREIRE, 2001, p. 18).

As ideias de Paulo Freire, para além da alfabetização, traduzem o legado de uma presença que mobiliza a práxis pedagógica no sentido de tomar como ponto de partida a realidade do educando em uma perspectiva dialógica. Considerava-o alguém que tem saberes em que o sentir/pensar/agir (HENZ, 2003) são elementos no processo de conhecer que estarão presentes na reinvenção da realidade.

Os Círculos de Cultura denotam a emersão de possibilidades advindas das vozes dos estudantes na perspectiva da pedagogia da pergunta, uma vez que as certezas não contemplam a todas e a todos. Cada sujeito vive uma realidade diferente, e problematizar as diversas possibilidades é reconstruir o legado freireano na perspectiva da libertação e da humanização.

Recriar esse legado é um desafio urgente e necessário para que se constitua uma sociedade que valoriza as diferentes vozes, os diferentes saberes, as diversas unidades da criação humana. Com a preocupação em não apenas relembrar o “método” de alfabetização de Paulo Freire, mas além, recriar através de sua perspectiva libertadora ao ler o mundo e a palavra, reinventamos novos Círculos, os Círculos Dialógicos Investigativo-formativos.

3 Os círculos dialógicos investigativo-formativos como metodologia de pesquisa e de auto(trans)formação permanente com professores: reinventando os círculos de cultura

Inspirados nos Círculos de Cultura freireanos, buscamos, assim como o próprio autor dizia, “reinventar” a sua criação, pois ele, da mesma maneira que se denominava um ser inacabado e inconcluso, considerava ter deixado um legado que também precisava ser “reinventado” por aqueles que se comprometem com uma educação crítica, libertadora, transformadora e humanizadora, adequada a seu tempo e capaz de possibilitar a consciência crítica de homens e mulheres em busca do ser mais.

De acordo com Brandão (2013), a proposta de Paulo Freire “não se impõe sobre a realidade ou sobre cada caso. Ele serve a cada situação. O mesmo trabalho coletivo de construir o método4, a cada vez, deve ser também o trabalho de ajustar, inovar e criar a partir dele” (p. 68). Nessa perspectiva, não existem receitas determinadas e prontas, tudo depende da situação e do contexto. Então, o “método” não precisa apresentar uma estrutura rígida, podendo ser pensado e adequado com vistas a atender às necessidades dos sujeitos envolvidos e ao contexto, buscando sempre a libertação e a emancipação de todos.

Acreditando na pesquisa como espaço para o diálogo e a reflexão crítica, a partir do contexto dos sujeitos envolvidos, em que cada um tem o direito de efetivamente dizer a sua palavra, manifestando-se como sujeito da práxis, o nosso Grupo de Pesquisa Dialogus: Educação, Formação e Humanização com Paulo Freire começou a desenvolver a proposta epistemológico-política dos Círculos Dialógicos Investigativo-formativos em suas pesquisas de mestrado e doutorado, com vistas a realizar pesquisas auto(trans)formativas com os professores e não para ou de professores; ou seja, partindo das situações-limites levantadas pelo grupo com base na realidade vivenciada por seus participantes Afinal, só é possível “conhecer a realidade de que participam a não ser com eles, como sujeitos também deste conhecimento que, sendo, para eles, um conhecimento do conhecimento anterior (o que se dá ao nível da sua experiência quotidiana) se torna um novo conhecimento” (FREIRE, 1996, p. 35).

Desse modo, assim como os Círculos de Cultura reuniam “um coordenador com algumas dezenas de homens do povo, num trabalho comum de conquista da linguagem em que a condição essencial da tarefa é o diálogo” (FREIRE, 2001, p. 27), os Círculos Dialógicos Investigativo-formativos procuram, em roda, pelos diálogo-problematizador, proporcionar uma reflexão crítica sobre o ato educativo, com um coletivo de pessoas, educadores e/ou educandos, com base nas questões levantadas pelo grupo em relação à temática. Nesse contexto, é importante esclarecermos que, na premissa freireana, o diálogo é entendido como

[...] uma relação horizontal A com B. Nasce da matriz crítica e gera criticidade. Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança. Por isso só o diálogo comunica. E quando os dois polos do diálogo se ligam assim, [...] se fazem críticos na busca de algo. Instala-se então uma relação de simpatia entre ambos. Só aí há comunicação. (FREIRE, 2014, p. 141).

Sendo assim, a comunicação se estabelece a partir da palavra como forma de dizer e fazer o mundo, ou seja, a palavra verdadeira torna-se práxis social comprometida com o processo de humanização, no qual ação e reflexão constituem-se de modo dialético. Sob esse prisma, podemos afirmar que “o diálogo possui uma força transformadora. Onde um diálogo é bem-sucedido, algo nos ficou e algo fica em nós que nos transformou” (HERMANN, 2002, p. 91). Essa dialeticidade efetiva-se nos Círculos Dialógicos Investigativo-formativos, a fim de que homens e mulheres percebam-se como sujeitos no mundo, imersos e inseridos em uma realidade sócio-histórico-cultural e capazes, então, de transformá-la.

Nessa dimensão, cada sujeito envolvido na pesquisa ocupa um papel único e singular e, por isso, têm a possibilidade de dizer a sua palavra, compartilhando saberes em um processo de construção colaborativa e auto(trans)formativa do conhecimento e de reflexão sobre a própria prática educativa, pois “somente um trabalho coletivamente realizado pode chegar à construção de um saber” (JOSSO, 2010, p. 27), capaz de gerar coautoria e autonomia.

Sob esse prisma, a metodologia dos Círculos Dialógicos Investigativo-formativos busca a efetivação harmônica e crítico-reflexiva dos encontros. Para isso, é necessário expor aos participantes, desde o primeiro encontro auto(trans)formativo, alguns movimentos importantes para a dinâmica dos Círculos Dialógicos, os quais apresentamos a seguir.

4 Movimentos metodológicos dos círculos dialógicos investigativo-formativos

Os movimentos metodológicos dos Círculos Dialógicos Investigativo-formativos “não ocorrem linearmente ou de forma estanque; todos estão imbricados uns nos outros, dentro da processualidade dialética de uma espiral” (HENZ e FREITAS, 2015). Na figura abaixo, apresentamos, de forma sistematizada, os movimentos já observados ao longo das pesquisas.

Fonte: HENZ e FREITAS (2015).

Figura 1 - Movimentos metodológicos dos círculos dialógicos investigativo-formativos 

Partindo do pressuposto de que o diálogo é fundamental para que os movimentos aconteçam, inicialmente, o pesquisador ou a pesquisadora-líder5 orienta os/as participantes coautores e coautoras6 sobre a dinâmica dos Círculos, esclarecendo que, durante os encontros, todos precisam estar atentos à fala de cada um dos interlocutores e são livres para dizerem a sua palavra, conforme forem se sentindo desafiados à fala. Neste movimento, a ideia é que pesquisador ou pesquisadora-líder e interlocutores coautores e coautoras possam vivenciar uma experiência concreta de troca de sentimentos, de percepções, de crenças, de opiniões, de saberes e de conhecimentos, baseada na escuta sensível e no olhar aguçado ao outro, na busca pela razão de ser das problematizações apontadas pelo grupo. Ressaltamos aqui que essa escuta sensível transcende “a capacidade auditiva e difere-se da pura cordialidade” (SAUL, 2010, p. 159); para além da palavra, consideramos também os gestos, os olhares, as reações, os sentimentos despertados por esses momentos reflexivos dialógicos, numa espécie de “colocar-se no lugar do outro” e com ele também fazer um “caminhar para si” em mim (JOSSO, 2010).

Ao longo dos encontros, o pesquisador ou a pesquisadora-líder precisa ir provocando os diálogos com os interlocutores envolvidos, com vistas a convidá-los a adentrar no movimento da dinâmica em que cada um vai se descobrindo como ser inacabado e tem, consequentemente, a progressiva consciência de que, como humanos, estamos em permanente processo de busca e (trans)formação. É importante destacarmos que o pesquisador ou a pesquisadora é parte integrante do processo e não mero observador, atuando como coordenador dos diálogos, porém este intervém minimamente, sempre procurando mediar para que a temática geradora da pesquisa esteja sendo problematizada. Dessa maneira, temos a possibilidade de desafiar os sujeitos coautores e coautoras a refletirem sobre o cotidiano da escola e da sala de aula em vistas a repensar criticamente a prática para melhorá-la (FREIRE, 2011, p. 40). Ressaltamos, no entanto, que os diálogos realizados nos círculos dialógicos investigativo-formativos não são conversas dirigidas, mas possibilidades de ação-reflexão-ação cooperativa sobre a práxis educativa, com vistas à emancipação de todos.

Nesse movimento dialético, começam a emergir temáticas inerentes aos objetivos da pesquisa. E, nesse processo de emersão, os coautores e as coautoras vão conscientemente imergindo nelas, desconstruindo práticas e reconstruindo novas possibilidades, as quais irão emergindo novamente, agora transformadas. Esse se constitui um movimento fundamental da dinâmica, o da emersão/imersão nas/das temáticas geradoras, em que cada um vai pronunciando o seu sentir/pensar/agir num movimento permanente. “Ao proceder dessa forma, eles denunciam suas condições existenciais, movidos pela ação-reflexão-ação e pela proposição de saídas para o impasse, anunciando novas possibilidades de intervenção na realidade” (ROMÃO, 2006, p. 179-180). Ou seja, o mundo pronunciado passa a ser, para os sujeitos da fala, um mundo agora posto em reflexão e, por essa razão, passível de ser (trans)formado.

Nessa perspectiva, vão se constituindo os diálogos-problematizadores, outro movimento da dinâmica, o que mobiliza cada um dos participantes a pensar sobre os questionamentos que foram sendo levantados. Com base nessas discussões, novas indagações começam a surgir, isso porque, ao indagar, o ser humano mobiliza a sua capacidade de fazer opções, de decidir e de escolher e, quando exerce essa capacidade de escolha, não muda totalmente o mundo, mas muda sua posição diante e dentro dele. “O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar” (FREIRE, 2011, p. 108).

Imbricado a esses movimentos está outro, o do distanciamento/desvelamento da realidade. Esse movimento é provocado, primeiramente, a partir da troca, do contato com o outro, para então haver o distanciamento da realidade, a fim de que esta possa ser observada “de fora” para dentro, desconectada das ações impensadas, buscando reconhecer esse espaço e refletir sobre ele, desvelando-o e transformando-o.

Daí a importância do movimento do registro [re]criativo, individual e coletivo. Esse movimento, além de capturar a realidade concreta a ser problematizada pelos sujeitos coautores e coautoras, possibilita a reflexão sobre tudo que está sendo problematizado coletivamente, assim como sobre o que vem sendo reelaborado individualmente. Isso porque “a prática de registrar leva a observar, a comparar, a selecionar, a estabelecer relações entre os fatos e as coisas” (FREIRE, 2013, p. 145). Durante os encontros, cada um poderá sistematizar, a partir de sua percepção, as reflexões feitas nos diálogos, para posteriormente organizar as próximas discussões, partindo das problematizações levantadas, num movimento dinâmico de ação-reflexão-ação sobre a própria prática e sobre a que foi e está sendo construída cooperativamente. Esse registro pode ser, então, individual e/ou coletivo e exige um movimento de distanciamento do sujeito coautor e coautora, para que ele possa “olhar de fora” sua práxis, para refletir sobre ela e recriá-la.

Nesse contexto, caminhamos rumo ao movimento de auto(trans)formação. Nesse momento, os participantes dos círculos têm a possibilidade e a responsabilidade de vivenciar seu sentir/pensar/agir em busca da própria emancipação e da emancipação de todos. Segundo Henz (2014), “a auto(trans)formação permanente de professores se dá por meio de uma circularidade em espiral ascendente proativa que se movimenta dentro da condição ontológica do inacabamento humano em busca do ser mais”. E isso, para o autor, só é possível por meio do processo dialético de ação-reflexão-ação com os outros e com o mundo, de maneira que todos se percebam como sujeitos condicionados, mas também como capazes de mudar essa realidade.

Nessa dinâmica, o movimento da conscientização vai se manifestando e constituindo mais explicitamente. Cada um dos participantes, em seu tempo, vai tomando consciência das situações-limite que o circundam, refletindo criticamente sobre elas, condição essencial para que o comprometimento humano com o mundo e com os outros aconteça. Freitas (2010, p. 88), inspirada nos pressupostos freireanos, enfatiza que “é através da conscientização que os sujeitos assumem seu compromisso histórico no processo de fazer e refazer o mundo, dentro das possibilidades concretas, fazendo e refazendo a si mesmos”.

Nesse viés, “a pesquisa é entendida como a realização de atividades transformadoras da subjetividade do sujeito aprendente e cognoscente. É, portanto, igualmente o sujeito da pesquisa e o sujeito cognoscente que estão em formação.” (JOSSO, 2010, p. 19). Desse modo, acreditamos que, durante os encontros dialógicos, tanto o pesquisador ou a pesquisadora, quanto os sujeitos interlocutores do estudo encontram-se em processo permanente de diálogo e reflexão e, consequentemente, de aprendizagem e de construção mútuas. Diante disso, apresentamos uma proposta de pesquisa-formação dialógico-reflexiva.

5 Caminhos metodológicos para uma pesquisa dialógico-reflexiva

Os resultados das práticas formativas e das pesquisas de mestrado concluídas (14) entre os anos de 2013 e 2017 e em andamento (2) e das Teses em andamento (5) fundamentam-se em uma abordagem qualitativa. Isso porque possibilitam valorizar o processo através do qual as pessoas vão se relacionando dentro de seu contexto social, levando em conta suas vivências e experiências da cotidianidade, bem como suas expectativas e contribuições direcionadas ao espaço-tempo em que estão situadas.

Nesse contexto, “todas as pessoas que participam do estudo qualitativo são reconhecidas como sujeitos que elaboram conhecimentos e produzem práticas adequadas para intervir no problema que identificam” (CHIZOTTI, 2010, p. 83). Isso faz com que tanto os sujeitos participantes, quanto o pesquisador ou a pesquisadora possam ir refletindo sobre as vivências, as falas, as expressões, os sentidos dados às situações experienciadas pelo grupo, para, a partir dessas reflexões, irem modificando e produzindo ações. Assim, as experiências tornam-se “fonte de interrogação das teorizações originais e não servem mais para corroborar teorizações. [...] É nessa reversão que o pesquisador encontra os meios de efetuar uma pesquisa que seja informadora e transformadora de sua epistemologia, que seja para ele uma formação intelectual” (JOSSO, 2010, p. 30). Então, pela “pesquisa-formação” cada participante vai se constituindo em sua autoria e autonomia como sujeito cognoscente da sua própria formação, em diálogo cooperativo com os outros, responsabilizando-se também pelas possíveis mudanças das suas práxis educativas.

Nesse sentido, entendemos que “[...] não se pode, no processo de investigação, deixar de valorizar a imersão do pesquisador-líder no contexto, em interação com os participantes, procurando entender o significado que eles atribuem aos fenômenos estudados” (ALVES, 1991, p. 55). Todavia, para alcançar esse entendimento, é necessário que o pesquisador ou a pesquisadora não seja apenas um mero observador, e sim um pesquisador que assume uma conduta participante e busca compreender a significação social atribuída pelos sujeitos ao mundo que os rodeia e aos atos que realizam (CHIZZOTTI, 2010, p. 82); estando atento a todos os fenômenos, desde os claramente manifestos até os que permanecerem ocultos, colocando-se ele próprio em processo de auto(trans)formação com os participantes coautores e as coautoras.

Partindo desse pressuposto, reiteramos que não pretendemos apenas conhecer como pensam, falam e vivem os sujeitos dentro de uma realidade social, muito menos de prever possíveis “soluções” para as situações-limites levantadas por esse grupo. O que buscamos é mergulhar em sua realidade para, com eles, captar a lógica dinâmica e contraditória do discurso de cada ator social e de seu relacionamento com os outros atores, com vistas a despertar nesses sujeitos o desejo de mudança e, com eles, criar meios para a transformação (JOSSO, 2004, p. 25).

Diante disso, esta pesquisa epistemológico-política possui características de pesquisa-formação, visto que “os participantes investem ativamente em cada etapa do trabalho” (JOSSO, 2010, p. 135), sempre dentro da dialética individual/coletivo e teoria/prática. A pesquisa-formação ultrapassa a ideia de dissertar apenas sobre a formação dos sujeitos, para que estes se assumam como sujeitos da formação. Isso porque o sujeito interlocutor, na processualidade dialógica dos encontros, vai tomando consciência de si, do outro e da sua realidade, e, a partir das reflexões feitas com o grupo, vai descobrindo “novos meios de pensar e de fazer diferente” (JOSSO, 2004, p. 241), torna-se capaz também de fazer e refazer o mundo e a si mesmo.

Desse modo, os sujeitos participantes do estudo têm a oportunidade de compartilhar com o grupo e com o pesquisador ou a pesquisadora reflexões sobre a prática, distanciando-se dela para melhor compreendê-la e modificá-la. Dito de outra forma, os sujeitos da pesquisa dialogam-refletem sobre seu próprio quefazer, reconhecendo-se como produtores de conhecimento e, portanto, como sujeitos capazes de “refletir sobre si mesmos e sobre sua própria atividade” (FREIRE, 1979, p. 39), constituindo-se como seres da práxis, os quais projetam a ação para transformar a realidade que os condiciona, caminhando em busca do ser mais.

Os diálogos resultantes dos encontros nos Círculos Dialógicos Investigativo-formativos constituem o corpo da pesquisa, não como dados coletados, pois a metodologia aqui apresentada ultrapassa essa ideia, mas como reflexões realizadas durante os encontros que permitem compreender o processo de ação-reflexão-ação e de possível auto(trans)formação experienciado individualmente pelos participantes e no coletivo. Além disso, esses diálogos devem ser apresentados ao grupo, de maneira que este possa (re)elaborá-los e (re)significá-los.

Nessa perspectiva, todos os sujeitos participam ativamente da pesquisa como coautores e coautoras, construindo práticas capazes de intervir na sua realidade. Afinal, quando estamos a serviço da emancipação de homens e mulheres, temos como premissa que cada um “participa na investigação como investigador e estudioso e não como mero objeto” (FREIRE, 1999, p. 37). Por meio das “vozes” desses/dessas coautores/coautoras, é necessário buscar desvelar, durante os encontros formativos, as situações-limites, refletindo e analisando com eles/as as relações e interações do contexto em que se encontram, para que todos, pesquisador ou pesquisadora-líder e participantes interlocutores, no diálogo, encontrem juntos novos sentidos para as suas práticas, pela vivência individual e coletiva da coautoria.

Desse modo, novos sentidos são construídos e experiências ou teorizações anteriores são [re]significadas em função de novos quefazeres pessoais e profissionais. O sentir/pensar/agir é pronunciado e mobilizado quase que totalmente através do diálogo que se torna elemento orientador e possibilitador de toda ação-reflexão-ação da pesquisa. Mas não há como falarmos em diálogo sem falarmos em linguagem, em interpretação, o que, como vimos, não se restringe apenas a textos escritos, mas a todo o processo interpretativo. Sendo assim, escolhemos a hermenêutica como método de análise e interpretação, pois esta “possibilita o aclaramento dos horizontes de significados” (GUEDIN e FRANCO, 2011, p. 164).

6 Hermenêutica filosófica: buscando compreender o não dito através do dito

Para análise e interpretação dos diálogos, utilizamos o enfoque hermenêutico, por entendermos que ele contribui para a compreensão e o desvelamento do que é significativo para cada pessoa, a partir das suas vivências e experiências dentro de seu contexto sócio-histórico-cultural. Possibilita a tomada de consciência de si e do outro, visando compreender a realidade que se apresenta a partir do modo pelo qual cada um está no mundo, daí a sua aproximação com a proposta dos Círculos Dialógicos Investigativo-formativos. Compreender aqui

[...] significa aprender o sentido. Mas esse sentido sempre encontra-se num determinado contexto; é aquilo que é “significativo” num respectivo mundo, a partir do qual a linguagem humana pode descortinar muitas significações e/ou intencionalidades dentro de uma totalidade impregnada pela história, tradição, vida cotidiana, diferentes maneiras de ver e viver a existência humana e o mundo em que ela se constitui (HENZ, 2003, p. 24).

Nesse sentido, “compreender é sempre um processo de fusão de horizontes” (HERMANN, 2002, p. 49), no qual as pessoas trazem consigo as suas concepções sobre o mundo, sobre os outros e sobre as coisas que as cercam. Ainda de acordo com a autora, a hermenêutica reivindica olhar o mundo com base na sua finitude e historicidade de onde decorre o caráter interpretativo, visando à busca de sentido para as coisas e a interpretação. A interpretação, então, “ultrapassa o texto escrito e se refere a uma manifestação vital que afeta as relações dos homens entre si e com o mundo” (HERMANN, 2002, p. 15).

No entanto, o fato de compreendermos não significa que precisamos concordar com o que ou quem se compreende, mas sim, termos a oportunidade de pensar e ponderar aquilo que o outro pensa (GADAMER, 2002, p. 23), dialogicamente. Para isso, é importante que todos estejam abertos às novas vivências, compartilhando com o grupo, através do diálogo nos Círculos Dialógicos Investigativo-formativos, reflexões sobre quem são, como se constituíram e o porquê de suas práticas.

Desse modo, a hermenêutica auxilia na compreensão desses diálogos, uma vez que possibilita buscar o que está implícito nas entrelinhas da conversa, desvelando como o ser humano atribui sentido a si próprio e à totalidade histórico-cultural em que está imerso.

7 Finalizando para prosseguir em diálogo...

Com base no exposto, percebemos que a reinvenção dos Círculos de Cultura, concretizada a partir dos Círculos Dialógicos Investigativo-formativos, contribui significativamente com a perspectiva de pesquisa como ação libertadora, pois estes se configuram em espaços e em dispositivos de estudos em que pesquisador ou pesquisadora-líder e sujeitos interlocutores têm a possibilidade de dialogar abertamente, descobrindo-se e assumindo-se inacabados e em permanentes processos de auto(trans)formação.

Dessa forma, a metodologia dos Círculos Dialógicos Investigativo-formativos estabelece uma forma de sentir/pensar/agir que estará fortemente correlacionada com a transformação não somente da realidade, e porque não dizer dos mecanismos de pesquisa em educação, mas também de uma perspectiva de mudança do próprio ser, vislumbrando a condição de auto(trans)formação pessoal e profissional. Ao longo dos encontros com professores e acadêmicos, observamos o quanto os momentos e os movimentos de diálogo são indispensáveis para que possamos problematizar o cotidiano da escola, bem como a realidade de cada um dos interlocutores, para que aconteçam efetivas auto(trans)formações nas suas concepções e ações e, consequentemente, no contexto em que atuam.

Nesses movimentos dialógicos e intersubjetivos, cada um passa a refletir com mais criticidade sobre suas práticas, afastando-se da sua própria realidade, olhando-a de longe para então questioná-la, como afirmou o grande educador Paulo Freire. Durante os encontros cada um vai tomando consciência do seu próprio fazer pedagógico, em um processo permanente de reflexão, (des)construindo práticas e (re)construindo-as, em vistas de uma perspectiva humanizadora comprometida com a conscientização e libertação de todos.

A metodologia dos Círculos Dialógicos Investigativo-formativos, criada e utilizada pelo Grupo de Pesquisa Dialogus, em suas atividades de encontros, em suas pesquisas e em seus projetos auto(trans)formativos, possibilita a aproximação dialógica, permitindo voz e vez a cada interlocutor, bem como o repensar das práticas do grupo e de auto(trans)formação permanente.

Os resultados das práticas formativas e das pesquisas de mestrado concluídas (14) entre os anos de 2013 e 2017 e em andamento (2) e das Teses em andamento (5) fazem-nos acreditar que essa abordagem metodológica contribui expressivamente não só com os processos auto(trans)formativos de reflexão sobre a prática e de constituição da docência dos professores participantes, mas, especialmente, com o aprofundamento dos estudos na área da pesquisa em educação, sempre com os professores.

1Nome dado por Freire ao grupo de alfabetização. A denominação diferenciada da usual no sistema escolar reforçava as diferenças que a nova metodologia trazia. Ver sobre em Dicionário Paulo Freire (1997, p. 80) e em LYR (1996).

2Questão central no processo metodológico. Ver Educação como prática da liberdade, última parte.

3Conceito fundante do pensamento freriano. Não se dissocia do compreensão do "inacabamento"... "vocação ontológica".

4É importante destacar aqui que Paulo Freire incomodava-se “quando lhe atribuíam a autoria de um método de alfabetização. Ele dizia que tinha criado uma metodologia que mais se aproximava com um método de conhecer do que de ensinar” (FEITOSA, 2008, p. 74).

5É um interlocutor dialógico do processo de pesquisa. Atua como coordenador dos diálogos, intervindo minimamente nas discussões, mas sempre procurando mediar para que a temática da pesquisa esteja sendo problematizada e os objetivos considerados, evitando a fuga ao tema.

6Não são pessoas a serem observadas ou colocadas em análise, e sim sujeitos proativos, que constroem conhecimento, uma vez que se sentem tocados pela experiência do diálogo.

Referências

ALVES, A. J. O planejamento das pesquisas qualitativas em educação. Caderno de Pesquisa, São Paulo 77(1): 53-61. 1991. [ Links ]

ANDREOLA, B. A.; GHIGGI, G.; PAULY, E. L. Paulo Freire no Rio Grande do Sul – Diálogos, aprendizagens e reinvenções... Revista e-curriculum, 7(3):1-20, 2011. [ Links ]

BARRETO, V. Paulo Freire para Educadores. 1ª ed., São Paulo: Arte e Ciência, 1998. [ Links ]

BRANDÃO, C. R. O que é método Paulo Freire. 34 ed., São Paulo: Brasiliense, 2013. [ Links ]

CHIZZOTTI, A. Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. 11 ed., São Paulo: Cortez, 2010. [ Links ]

FEITOSA, S. C. S. Método Paulo Freire: a reinvenção de um legado. Brasília: Liber Livro Editora, 2008. [ Links ]

FREIRE, P. Educação e Mudança. 12ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. [ Links ]

_______. Para trabalhar com o povo. 2 ed., São Paulo: Centro de Capacitação da Juventude, 1992. [ Links ]

_______. A importância do ato de ler. 35 ed. São Paulo. Cortez, 1997. [ Links ]

_______. Política e educação. 1 ed., São Paulo: Cortez, 1996. [ Links ]

_______. In: BRANDÂO, Carlos Rodrigues. Pesquisa Participante. 8 ed., São Paulo: Brasiliense, 1999. [ Links ]

_______. Conscientização. Teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. Tradução de Kátia de Mello e Silva, 3 ed., São Paulo: Centauro, 2001. [ Links ]

_______. Pedagogia da Autonomia. 53ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011. [ Links ]

_______. Professora, sim; tia, não. Cartas a quem ousa ensinar. 24 ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013. [ Links ]

_______. Educação como prática da liberdade. 36 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2014. [ Links ]

FREITAS. A. L. S. Conscientização. In: STRECK, D. R.; REDIN, E.; ZIKOSKI, J. J. (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. 2ª ed., Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010. [ Links ]

GADAMER, H. G. Verdade e Método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Trad, Flávio Paulo Meurer. 4 ed. Petrópolis: Vozes, 2002. [ Links ]

GHEDIN, E.; FRANCO, M. A. S. Questões de método na construção da pesquisa em educação. 2ª ed., São Paulo: Cortez, 2011. [ Links ]

HENZ, C. I. Razão-emoção crítico-reflexiva: um desafio permanente na capacitação de professores. 2003. 286p. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2003. [ Links ]

_______. “Círculos Dialógicos Investigativo-formativos”: pesquisa-formação permanente de professores. In: Anais do VIII Seminário Nacional: diálogos com Paulo Freire – por uma pedagogia dos direitos humanos, Bento Gonçalves, URI, 2014. Anais... Bento Gonçalves, URI, 8, 1-14. [ Links ]

HENZ, C. I.; FREITAS, L. M. Círculos dialógicos investigativo-formativos: uma proposta epistemológico-política de pesquisa. 1 ed. In: HENZ, C. I.; TONIOLO, J. M. S. A. Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores., Santa Maria/RS: Oikos, 2015. [ Links ]

HERMANN, N. Hermenêutica e educação. 1 ed., Rio de Janeiro: DP&A, 2002. [ Links ]

JOSSO, M. C. Experiências de Vida e Formação. 1ª ed., Cortez: São Paulo, 2004. [ Links ]

_______. Caminhar para si. 2ª ed., Porto Alegre: Artmed, 2010. [ Links ]

LYR, c. As quarenta horas de Angicos. São Paulo: Cortez, 1996. [ Links ]

ROMÃO, J. E. (Org.) et al. Educação & Linguagem: Globalização e Educação. 13 ed, São Bernardo do Campo: U. Metodista, 2006. [ Links ]

SAULA. M. Escuta. In: STRECK, D. R.; REDIN, E.; ZIKOSKI, J. J. (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. 2ª ed., Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010. [ Links ]

SCOCUGLIA, A. C. Reinventar. In: STRECK, D. R.; REDIN, E.; ZIKOSKI, J. J. (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. 2ª ed., Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010. [ Links ]

Recebido: 24 de Janeiro de 2018; Aceito: 03 de Julho de 2018

Email:

Email:

Email:

Revisores:

Língua Portuguesa

Larissa Martins Freitas

E-mail: lari.mfreitas@yahoo.com.br

Língua Inglesa

Bernardo Henz

E-mail: bernardohenz@gmail.com

Língua Espanhola

Melissa Noal da Silveira

E-mail: melissa@ufsm.br

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.