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Revista Educação em Questão

versão impressa ISSN 0102-7735versão On-line ISSN 1981-1802

Rev. Educ. Questão vol.58 no.58 Natal out./dez 2020  Epub 16-Out-2020

https://doi.org/10.21680/1981-1802.2020v58n58id21968 

Resenha

Sociedade do cansaço

Tiredness society

La sociedad del cansancio

Máximo Luiz Veríssimo de Melo1 
http://orcid.org/0000-0003-4887-0630

1Secretaria Estadual de Educação e Cultura (Rio Grande do Norte, Brasil)

HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Giachini, Enio Paulo. 1ª reimp. Petrópolis: Vozes, 2015.


Han é um filósofo sul-coreano, professor da Universidade de Artes de Berlin (Alemanha). Nesta obra, procura descrever como que a sociedade moderna (ocidental) está se tornando uma sociedade cansada. Na obra, o autor também escreve como que esse cansaço se apresenta, se caracteriza e explica o seu porquê. A obra tem 78 páginas, divididas em 7 capítulos.

No primeiro capítulo, “a violência neuronal”, Han demonstra que vivemos numa sociedade neuronal. Se no passado vivíamos numa sociedade bacteriológica, que teve o seu fim com surgimento dos antibióticos, agora vivemos na sociedade neuronal. O autor classifica o século XXI dessa forma, pois, segundo ele, o que marca esse século é exatamente a grande incidência de doenças neuronais. A depressão, transtornos de déficit de atenção, e síndromes como o TDAH (Síndrome de Hiperativivade), o TPL (Transtorno de Personalidade Limítrofe) ou SB (Síndrome de Bournout), entre outras, vêm caracterizando esse século. Tais doenças que “[...] escapam a qualquer técnica imunológica [...]”, são provocadas não por negatividades, mas por positividades em excesso (HAN, 2015, p. 8).

No capítulo dois, “Além da sociedade disciplinar”, Han nos informa que o que disciplina a sociedade atual são as “[...] academias de fitness, prédios de escritórios, bancos, aeroportos, shopping centers e laboratórios de genética”. Para o autor, essa sociedade atual substituiu a sociedade disciplinar de Foucault, feita de hospitais, asilos, presídios, quarteis e fábricas.

Para Han, a sociedade atual não é mais uma sociedade da disciplina, e, sim, uma sociedade do desempenho, onde as pessoas são sujeitos de desempenho e produção. Assim, é uma sociedade, além de disciplinada, sempre em busca de mostrar desempenho em tudo o que faz. Não mais se rege pela lei e negatividade, como na sociedade disciplinar, mas pelo poder ilimitado e pela busca da máxima produtividade. E quando a máxima produtividade (ou desempenho) não se concretiza, cria ou produz pessoas depressivas e fracassadas.

No capítulo três, “O tédio profundo”, Han escreve que a sociedade atual vive imersa num mundo de excesso de positividades, de estímulos, informações e impulsos, não há tempo para parar e contemplar a vida. E isso leva à fragmentação e destruição da atenção. Han diz que a nossa civilização é multitarefa, mas que isso não se configura como um progresso civilizatório, mas como um retrocesso. Finaliza o capítulo citando Nietzsche, ao dizer que nossa civilização, por falta de repouso, caminha para uma nova barbárie.

No quarto capítulo, “Vita activa”, Han defende que o homem deva ser não somente um ser ativo, mas também, contemplativo. Nesse capítulo, o autor estabelece um diálogo com Hannah Arendt sobre ser contemplativo ou ser ativo. Arendt defende que a sociedade moderna, que é a sociedade do trabalho, está transformando o homem em um ser que só trabalha (animal laborans), condição que, além de lhe fazer mal, o faz perder a capacidade de contemplar a vida e criar novos processos, acabando por transformá-lo apenas em mais um ser no mundo, vivendo numa eterna passividade mortal.

Han, por outro lado, contesta Arendt, dizendo que esse homem moderno, homem trabalhador (animal laborans), não é nada passivo. Han (2105, p. 44) diz: “Visto com precisão, o animal laborans pós-moderno é tudo menos animalesco. É hiperativo e hiper neurótico.” Assim, para o autor, nessa sociedade moderna, que ele chama de sociedade do desempenho, essa busca incessante pelo melhor desempenho em tudo leva os seres humanos a uma realidade de doenças como o TPL e o SB. Para o autor, é a sociedade da histeria e do nervosismo. E tal realidade é exatamente provocada pelo trabalho ativo e falta de vida contemplativa.

No quinto capítulo, “Pedagogia do ver”, Han diz que a vida contemplativa requer que o homem aprenda a ver. Esse “ver” aqui se refere à maneira como as pessoas veem e vivem no mundo. Essa deveria ser a primeira aprendizagem do homem, criar o seu caráter de espírito. “A falta de espírito, falta de cultura repousaria na incapacidade de oferecer resistência a um estímulo” (HAN, 2015, p. 52). Para o autor, a falta do espírito, levaria o homem a não ter a capacidade de controlar seus impulsos e isso já seria uma doença com sintomas de esgotamento.

O sexto capítulo é intitulado de “O Caso Bartleby”. Aqui, Han faz uso de uma obra de ficção sobre Wall Street para exemplificar a sociedade do cansaço. Na realidade descrita pelo autor do conto Melvilles, é possível constatar o quotidiano de trabalhadores que, mesmo vivendo num mundo moderno com centros urbanos, prédios etc., as pessoas vivem isoladas (dentro de si mesmas), trabalhando atrás de paredes (muros) que as separam e isolam do resto do mundo. É um ambiente de trabalho sem vida, como podemos entender pelas palavras do autor: “[...] parece uma caixa de água, falta todo e qualquer traço de vida” (HAN, 2015, p 60). Estão presentes entre esses trabalhadores, a melancolia, o mau humor e vários outros tipos de distúrbios neuróticos que caracterizam a sociedade ocidental.

No sétimo e último capítulo, “Sociedade do cansaço”, Han escreve que a sociedade atual (do cansaço) aos poucos está se transformando numa sociedade do doping. Ou seja, numa sociedade que precisa fazer uso de substâncias químicas, por vezes proibidas, para conseguir continuar com seu trabalho ou função e mostrar desempenho.

Assim, a sociedade do desempenho (e ativa) de Han se caracteriza como uma sociedade que acaba gerando um cansaço e um esgotamento, onde as pessoas estão se isolando umas das outras e se individualizando. As pessoas vivem cercadas por outras pessoas, mas isoladas dentro de si, e o resultado disso são as inúmeras doenças e síndromes (doenças do corpo e da alma) que acometem os seres humanos todos os dias, até tirando vidas.

A obra, que apresenta uma reflexão sobre os elementos presentes hoje em nossa sociedade que afligem as pessoas, levando-as a doenças e a tantas síndromes, é de extrema importância para as pessoas e profissionais de todas as áreas do conhecimento. Essas doenças e síndromes tem atingido a todos, independentemente de sua situação (riqueza, cor da pele, religião, profissão etc.). Assim, a obra é de extrema relevância e pode ser recomendada para qualquer pessoa ou profissional, principalmente agora que a pandemia do novo coronavírus provocou o afastamento e o distanciamento social, o que acelerou e fez aumentar uma série de distúrbios neurológicos. Ou seja, no período da pandemia, mais do que nunca as pessoas começaram a precisar de ajuda de especialistas como psicólogos, psiquiatras etc. Então, mais do nunca, essa obra esteve tão atual.

Recebido: 30 de Julho de 2020; Aceito: 06 de Agosto de 2020

Prof. Ms. Máximo Luiz Veríssimo de Melo

Secretaria Estadual de Educação e Cultura (Rio Grande do Norte, Brasil)

Orcid id: https://orcid.org/0000-0003-4887-0630

E-mail: maximo.luiz@hotmail.com

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