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Revista Estudos Feministas

Print version ISSN 0104-026XOn-line version ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.31 no.1 Florianópolis  2023  Epub Jan 01, 2023

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2023v31n183060 

Ponto de vista

A interpretação em guerra: os relatos de Isabela Figueiredo e Noemi Jaffe

Interpretation’s war: the reports of Isabela Figueiredo and Noemi Jaffe

Interpretación en guerra: los relatos de Isabela Figueiredo y Noemi Jaffe

1Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, MG, Brasil. 35420-000 - delet@ufop.edu.br


Resumo:

A partir da provocação contrainterpretativa de Susan Sontag, neste ensaio, buscamos refletir sobre a alteração dos paradigmas epistemológicos em dois relatos escritos por mulheres, que operacionalizam, às suas maneiras, uma crítica à universalidade, pela afirmação do não todo. Nossa hipótese é a de que a habitação feminina na linguagem, no caso de Isabela Figueiredo e de Noemi Jaffe, afirmando aquela anterioridade que lhes antecede, seja na figura do pai ou na da mãe, desdobra-se em uma figuração de linguagem em permanente atenção para com os limites do juízo e do cognoscível.

Palavras-chave: interpretação; relato; não todo; literatura contemporânea; epistemologia

Abstract:

Based on Susan Sontag’s against-interpretative provocation, this essay aims to reflect on the change in epistemological paradigms in two reports written by women, which operationalize, in their own way, a critique of universality, by affirming the not-all. Our hypothesis is that the female habitation in language, in the case of Isabela Figueiredo and Noemi Jaffe, affirming that previous precedence, whether in the figure of the father or in the mother, unfolds in a figuration of language in permanent attention towards the limits of judgment and the knowable.

Keywords: interpretation; report; not-all; contemporary literature; epistemology

Resumen:

A partir de la provocación contra interpretativa de Susan Sontag, este ensayo busca reflexionar sobre el cambio de paradigmas epistemológicos en dos relatos escritos por mujeres, que operacionalizan, a su manera, una crítica de la universalidad, a través de la afirmación del no-todo. Nuestra hipótesis es que la mujer, habitando el lenguaje, en el caso de Isabela Figueiredo y Noemi Jaffe, afirmando que la anterioridad que les precede, ya sea en la figura del padre o de la madre, se despliega en una figuración del lenguaje en permanente atención hacia los límites del juicio y lo cognoscible.

Palabras clave: interpretación; relato; no-todo; literatura contemporánea; epistemología

1. A violência interpretativa

Em 1964, Susan Sontag escreve o ensaio “Contra a interpretação”, dando continuidade ao que viria a se consolidar como a tendência metacrítica de seu pensamento, no qual pesa, mais do que a avaliação propriamente dita, a elucidação dos pressupostos e condições de possibilidade do juízo e do gosto. Lembremos que meados do século XX, nos Estados Unidos, é o momento das chamadas retaguardas1 que, como o action painting, de Pollock, tentavam livrar-se do subjetivismo, apostando no gesto enquanto conservação de uma dinâmica em que a potência e o ato se tornam indiscerníveis. Estes deslocamentos e alterações no paradigma do gênio, bem como no significado da arte, em que se problematiza a referencialidade por meio da citação, do conceitualismo e do fazer, certamente atravessam o estatuto da crítica. Sontag, partindo de uma reabilitação do caráter ritualístico da arte, entrevisto nas pinturas rupestres, alcança algo disso que se reencena nas expressões artísticas modernistas, nas quais forma e conteúdo, assim como também contingência e necessidade, estariam mutuamente implicados. Caberia ao juízo, portanto, desconsiderar a diferença entre essência e acessório, levada a cabo pela teoria mimética da arte, que, pautando-se sobretudo no referencial, teria tornado insignificante tudo o que não está a serviço da mensagem do texto.

Toda a questão se reposiciona no ensaio de 1965, “Sobre o estilo”, em que se afirma: “o conhecimento que obtemos por meio da arte é uma experiência da forma ou estilo de conhecer alguma coisa, e não um conhecimento de alguma coisa (como um fato ou um juízo moral) em si mesma” (Susan SONTAG, 2020c, p. 38). Segundo a pensadora norte-americana, a arte colocaria a seguinte proposta para a crítica: o verbal não pode ser separado de sua representação material e visual, assim como o juízo não deve jamais distinguir o conceito de seu envolvimento ou de sua atualização prática, sendo o regime estético precisamente esta indistinção entre as coisas da arte e as coisas da sensibilidade. O estilo não é um exagero ou uma artificialidade, é a “fisionomia da obra”, o “ritmo da obra”; algo que, no sentido, se apresenta contingencialmente.

Sontag dá um passo atrás para melhor olhar a arte do presente, e estabelece uma continuidade, ainda que impensada, entre o ritualismo antigo ou o círculo mágico dos gestos primordiais e um fenômeno que despontava no cenário norte-americano em meados do século XX: os happenings. Estas duas expressões sensíveis, por mais distantes no tempo e no espaço, se assemelhariam no compartilhamento de certo regime de sensibilidade, ao serem ambas experimentadas por não artistas, por se projetarem como eventos sem enredo, de duração imprevisível, e que evitam o discurso racional. À parte da interpretação, do intencional, algo de imprevisível teria mais a dizer ou a se colocar corporalmente do que o que se projeta na elaboração do dito. Assim, podemos afirmar que, tanto nas performances, quanto no emprego ritual e gestual das imagens e palavras, haveria certa aleatoriedade (mesmo que em parte prevista), bem como o uso de materiais fortuitos a estimular os sentidos e as propriedades sensoriais dos objetos, oferecendo ao pensamento um juízo sensível.

Em um ensaio dessa mesma época, intitulado “Happenings: uma arte da justaposição radical”, Sontag (2020b) chama a atenção para a indiscernibilidade na performance entre o que é cenário, o que é personagem e o que é público, ao estilo dos rituais antigos que também lhe interessam por um certo trabalho na questão da ênfase. O relevo dramático dado a algo que sempre esteve lá, mas que através, de um deslocamento, revela-se de modo inusitado, altera o sensível de nossa percepção, fazendo da própria interpretação uma aliança com a experiência. Trata-se, no fim das contas, de entender a arte como uma forma-de-vida e, por isso mesmo, como uma forma de agir que não esgota a potência. O que a crítica denominara de método da “justaposição radical” não deixa de evidenciar certo entendimento da arte não como inauguração, mas como inscrição ou ato sem moldura, que, na falta de uma delimitação racional ou institucional, permite a excitação em tempo real do que nela se implica. A forma, nestes casos, é o conteúdo - uma associação não exatamente formalista, mas referente ao gesto, imprevista.

Naturalmente, quando focalizamos a importância do gestual, colocamos em cena o pensamento do filósofo italiano Giorgio Agamben. Em seu ensaio “Notas sobre o gesto”, afirma-se como o artista moderno, a exemplo de Marcel Proust e Rainer Maria Rilke, além do cinema mudo, tentou a todo custo traçar “o círculo mágico no qual a humanidade procurou, pela última vez, evocar aquilo que lhe estava escapando das mãos para sempre” (AGAMBEN, 2015, p. 55). Assim, se pensamos no contexto da arte norte-americana em que Sontag se baseia, pode-se afirmar que o que caracteriza “o gesto é que, nele, não se produz nem se age, mas se assume e suporta” (AGAMBEN, 2015, p. 58), de modo que esse tipo de sustentar da ação acaba por evidenciar, como no caso de dançarinos, por exemplo, que estaria em questão uma exibição do corpo ou da matéria como puro meio, transmissão da transmissibilidade.

O confronto com a perspectiva sontaguiana da interpretação como via única de recepção e experiência artísticas, levado a termo quase que simultaneamente à defesa dos happenings, parte desse mesmo projeto de emancipação do ato criativo e receptivo em relação à imposição referencialista. Para Agamben, o gesto é a “comunicação de uma comunicabilidade” (2015, p. 60), o que nos leva a crer que a criação também pode ser entendida como criação de uma criatividade ou exposição de uma expositividade. Sabemos, no entanto, que, no argumento de Sontag, esta transformação é efeito da perda de um ter-lugar da arte; como se, à medida que sua essencialidade simbólica se diluísse socialmente, o próprio conteúdo assumisse o lugar desse vazio. Há aí a passagem da literatura enquanto sinônimo de saber, para ser gesto de escrita que veicula o não saber ou a potência do saber. No primeiro caso, escreve Sontag, “uma obra de arte dizia, porque se sabia (ou se pensava saber) o que ela fazia” (2020a, p. 17). Porém, na falta de uma relação necessária e representativa entre dizer, saber e fazer, típica da modernidade, o próprio conteúdo engendra o discurso que o justificará. O pensamento de Agamben corrobora tal perspectiva quando afirma que

como o ser-na-linguagem não é algo que possa ser dito em proposições, o gesto é, em sua essência sempre gesto de não ter êxito na linguagem, é sempre gag no significado estrito do termo, que indica, antes de tudo, algo que se coloca na boca para impedir a palavra, e também a improvisação do ator para suprir um vazio de memória ou uma impossibilidade de falar (AGAMBEN, 2015, p. 60-61).

Por caminhos distintos, Agamben e Sontag se encontram no ponto que poderíamos descrever como o da defesa, para ambos os pensadores, de uma percepção da arte como gesto, potência, meio sem fim, experiência. A crítica norte-americana defende que a essencialização do conteúdo na arte seria o que maquina a violência da interpretação, ao excluir da crítica o lugar do erro, da lacuna, do ritmo, isto é, dos elementos formais tão caros à configuração e à atualização de uma ideia. Com o foco no necessário, perde-se de vista o contingencial. Na visão da ensaísta, a querela entre antigos e modernos, por exemplo, se pautaria nessa espécie de reconciliação do mito com a ciência interpretativa, algo próximo ao que Theodor Adorno e Max Horkheimer (1985) descrevem como a Dialética do Esclarecimento, mas que, com Sontag, é explicitada como a operação de soldar na interpretação a discrepância entre a Antiguidade clássica e as exigências modernas. Este primeiro momento de uma interpretação como tradução traidora é apresentado pela crítica:

A interpretação é uma estratégia radical para preservar um texto antigo, considerado precioso demais para ser rejeitado, submetendo-o a uma reforma. O intérprete, sem apagá-lo ou reescrevê-lo de fato, altera o texto. Mas não pode admitir que é isso que está fazendo. Ele alega que está apenas tornando o texto inteligível, ao revelar seu verdadeiro sentido (SONTAG, 2020a, p. 19).

Desse momento em que a modernidade se inaugura como ato de interpretação violadora, Sontag salta para o furor analítico do presente de sua enunciação, ancorado em duas principais correntes hermenêuticas: a marxista e a freudiana.2 O contexto deste ensaio, sabemos, é ainda o da recepção de uma obra com ampla repercussão à altura; Eros e civilização, de Herbert Marcuse - filósofo próximo a Sontag, que causou um abalo (sobretudo nos Estados Unidos, considerando sua complexa receptividade às ideias freudianas) ao desdobrar a teoria psicanalítica em uma analítica dos afetos sociais. Com este horizonte, a ensaísta percebe uma mudança na própria concepção de esclarecimento: entender, na modernidade, passa a significar interpretar, quando o processo de compreensão responde pelo atravessamento do “conteúdo manifesto” para alcançar o “conteúdo latente”, pelo escavar a aparência de realidade e toda a sua arbitrariedade para encontrar-se com o que se esconde essencialmente atrás dela.

Sontag se posiciona contra este modelo de interpretação exaustivo, esgotante, insensível ao que já está manifesto ou ao que o gesto atualiza; aquele que “envenena nossas sensibilidades” (SONTAG, 2020a, p. 21) em favor de categorias e esquemas mentais formulados a priori e cuja aplicação se propõe a ser totalizante. A crítica se dirige frontalmente a Marcuse, confirmando a importância de Eros na civilização, quando termina o ensaio com o aforisma em tom de manifesto revolucionário: “Em vez de uma hermenêutica, precisamos de uma erótica da arte” (SONTAG, 2020a, p. 29). Ainda que, para ela, esse erotismo da civilização não seja possível através de Freud, como o é para Marcuse, haveria algo de sincretismo no pensamento freudiano do sociólogo que lhe interessa, não no sentido de reafirmar a civilização como repressão, mas de confirmar a arte como experiência libertadora, levando em conta sua qualidade antissimbólica, contingencial, injustificável. “Precisamos aprender a ‘ver’ mais, a ‘ouvir’ mais, a ‘sentir’ mais” (SONTAG, 2020a, p. 29), escreve Sontag sobre o caráter acontecimental que, mesmo não encontrando correspondência simbólica na palavra, nos comove e nos move vigorosamente, como nos happenings, na música ou na dança, quando algo do regime estético se faz notar na alteração entre sensibilidade e saber.

Claro está que esses ensaios, sobretudo “Contra a interpretação”, são atravessados por um paradigma que percorrerá outros de seus escritos: o paradigma da nomeação, suspenso entre a qualidade descritiva e a potência performativa. Em A doença como metáfora, por exemplo, podemos arriscar que, das variadas qualificações de “doença da paixão” à “doença do espírito”, entre a tuberculose e o câncer, o que sobressai não é a impossibilidade da linguagem simbólica em alcançar o referencial biológico ou sensível da doença, mas o fato de a metáfora revelar-se como uma doença da linguagem, no sentido de um uso da palavra como “vingança do intelecto contra o mundo” (SONTAG, 2020a, p. 21), em que o que não é literal, científico ou factual incorre no risco de ser “insolente, covarde, sufocante” (SONTAG, 2020a, p. 20). Sontag, naquele momento, luta contra a metáfora imposta pelo outro, a linguagem estigmatizante que reduz o ser à interpretação do que lhe acomete. Mas, de algum modo, é também contra essa metáfora doentia que ela luta quando se defende contra a conversão do irredutível da vida em linguagem e intencionalidade.

A metáfora, nesse sentido, não deve interpretar. Como diz o escritor Joseph Brodsky, amigo e interlocutor de Sontag: “a metáfora é incurável”, “proclama seu diagnóstico independentemente da natureza de sua enfermidade” (BRODSKY, 2006, p. 54). Também Agamben diz algo próximo a esse irremediável do gesto enunciativo, quando descreve “o próprio ser-na-linguagem como um gigantesco vazio de memória, como um incurável defeito de palavra” (AGAMBEN, 2015, p. 610). No entanto, diante do colapso ou da tragédia, a linguagem poética, ao seu modo, atua no limiar entre o esquecimento e a recordação, sem que esse querer dizer se esgote no dito e subtraia a força de seu antissimbolismo. A arte moderna, assim como também certa arte primitiva, propõe um para além da decifração, afirmando o seu ter-lugar no regime da sensibilidade e da experiência. O que se anuncia nestes ensaios da década de 1960 é sobretudo a proposição de uma nova relação entre imaginação artística e imaginação crítica, liberdade e repressão, literalidade e metáfora, saber e interpretação, pares outrora vistos como antitéticos, e que agora são convocados simultaneamente com o intuito de que revejamos os instrumentos de que dispomos diante do que nos convoca enigmaticamente ou através da aporia.

2 O umbigo da interpretação

O campo dos relatos e dos testemunhos, nos quais se torna forçosamente problemática a questão do dizível, do visível e do sensível, é notoriamente alterado quando as mulheres tomam parte nele. Através do gesto metacrítico de Sontag, por exemplo, percebemos que, mais do que condenar a metáfora ou a interpretação, está em causa evidenciar como, no jogo de revelação, algo sempre se oblitera às custas da visão, seja por razão das lógicas falogocêntricas, seja por questões inerentes ao processo de percepção. Para além de uma mais comum referência aos excessos e exibicionismos da linguagem, bem como à importância da dimensão do corpo, tão desgastado e abusado pelas catástrofes e genocídios vivenciados no século XX, e à interpretação que reduplica a violência na exclusão do que permanece invisível e impensado, o modo como os acontecimentos são, de fato, sentidos e manifestados pela enunciação da mulher, diverge muitas vezes daquele outro relato, tantas vezes assumido como o lugar da interpretação universal ou da totalização do sentido. Nesse estilo feminino, por assim dizer, a interpretação é o modo privilegiado de exibir como nossa observação singulariza e protege alguns objetos em detrimento de outros ou, mesmo, da pretensão à universalidade do todo.

Não raro identificamos a literatura e a crítica elaboradas por mulheres evidenciando o caráter violento de certos mecanismos e operações da universalidade, que excluem ou abstraem aquele umbigo do sonho, de que falava Freud, sobre a irredutibilidade do mecanismo onírico. Judith Butler, dialogando principalmente com Adorno, Michel Foucault e Nietzsche, em Relatar a si mesmo, discorre sobre a pulsão de supressão ou abstração dos paradigmas e dificuldades locais ou parciais, que faz do universal (ou de certa propensão universalista) um movimento em grande medida reacionário e conservador - a conservar apenas aquilo que sustenta seu ponto de vista. Entre a universalidade, na qual não se realiza o universal, e o eu, que sente a falha da inclusão (porque o não universal atinge-o frontalmente, excluindo-lhe genericamente), o vazio de uma discrepância obriga o sujeito a experimentar a moral, e converter tal experiência de defasagem em relato de si.

Recuperando Nietzsche de Genealogia da moral, Butler mostra como o gatilho da autorreflexão (ou ainda na autonarratividade) devém do medo e do terror das normas sociais. Não se trata de recorrer à linguagem para encadear fatos e efeitos, como se a violência nos interpelasse a descrever uma história de nós a partir dos eventos que nos atingem, mas de entender como a narrativa é a condição para refletirmos, em forma de relato, sobre responsabilidade, ação, resposta e interpelação. Há uma inclinação a partir da ex-propriação da lei, em que a violência de um sem-sentido demanda a procura pelo enunciado, ainda que esse relato recorra também à imaginação. Para Nietzsche, haveria uma agressão originária que nos colocaria como objetos e sujeitos da linguagem, entendendo por relato essa exposição a si, mas também ao outro de nós, e ao nós dos outros, em constante atravessamento pelo que o filósofo chamará de bem e de mal:

Por um escrúpulo que me é peculiar, e que confesso a contragosto - diz respeito à moral a tudo o que até agora foi celebrado na terra como moral -, escrúpulo que surgiu tão cedo em minha vida, tão insolicitado, tão incontido, tão em contradição com ambiente, idade, exemplo, procedência, que eu quase poderia denomina-lo meu “a priori” - tanto minha curiosidade quanto minha suspeita deveriam logo deter-se na questão de onde se originam verdadeiramente nosso bem e nosso mal (Friedrich NIETZSCHE, 1998, p. 9, grifo no original).

Também Adorno e Foucault, às suas maneiras, concordam com este originário, seja ele a norma, a moral, a condição social ou mesmo a história disciplinar dos corpos, a partir de onde o eu se pensa e se experimenta linguisticamente. De todo modo, para estes pensadores, a eclosão ética pautada no gesto de reconstrução narrativa de uma vida não seria nem absolutamente determinada nem totalmente livre. Por mais que seja do interesse retomar ou romper com o que vem antes, há algo da ordem do irrecuperável na reflexão, assim como há qualquer coisa de externo e incontrolável no gesto de tornar-se reconhecível para si mesmo - o que Nietzsche denomina de “incontido”.

De Nietzsche a Butler, no entanto, algumas diferenças se colocam. A emergência deste a priori no filósofo alemão surge em contradição ou de modo independente ao “ambiente, idade, exemplo, procedência”. A filósofa norte-americana descreve a aporia genealógica de outro modo: “sou usada pela norma precisamente na medida em que a uso” (Judith BUTLER, 2017, p. 51). Ainda que isto não seja dito, arriscamos afirmar que o sentir-se usada pelo imperativo categórico é concomitante à experiência ‘no’ mundo, enquanto, para o filósofo alemão, a busca primeira dá-se “por trás do mundo” (NIETZSCHE, 1998, p. 9). Para a mulher, nesse caso, não seria dada a chance de experimentar essa independência do a priori, uma vez que sua ex-propriação do universal da lei se faz sentir precisamente por questões relativas ao ambiente, ao gênero, à ideia, ao exemplo e à procedência. Por mais que ambos os pensadores percebam na destinação ao conhecimento o atravessamento do próprio desconhecer-se, este antecedente que opera ativamente no sujeito não apenas desautoriza o relato de portar-se como a versão única ou definitiva dos fatos, mas alerta-os para uma relação particular com o universal. É Butler quem fala sobre humildade e generosidade:

Reconhecer nossa própria opacidade ou a opacidade do outro não a transforma em transparência. Conhecer os limites do reconhecimento é conhecer esse fato de maneira limitada: como resultado, é experimentar os próprios limites do saber. A propósito, isso pode constituir uma disposição tanto da humildade quanto da generosidade: terei de ser perdoado por aquilo que não posso conhecer totalmente e terei obrigação semelhante de perdoar os outros, que também são constituídos com uma opacidade parcial em relação a si mesmos (2017, p. 60-61).

Ao abordar a questão dos limites do saber, Butler, ainda que não esteja lidando especificamente com Lacan, ecoa algumas das prerrogativas do Seminário 20, sobre a mulher como experiência do assim chamado não todo. Em Mais, ainda, são estas as palavras do psicanalista: “a mulher se define por uma posição que apontei com o ‘não-todo’ no que se refere ao gozo fálico” (Jacques LACAN, 2008, p. 14). Isto é, por não se estar submetida inteiramente à função fálica, ao poder, haveria um gozo suplementar que põe em cena toda a questão do contingente e do necessário. Este outro modo de gozo é apresentado também como obstáculo a Eros, na forma do Tânatos, que faria “redução à poeira” (LACAN, 2008, p. 73). Aí se inscreveria uma oposição à totalidade e ao universal, pelo gozo Outro, mais-além do princípio do prazer, que escapa ao domínio do significante. A psicanálise lacaniana contribui com a discussão precisamente quando oferece na ideia do feminino enquanto ‘não-todo’ a experiência de uma não captura absoluta daquelas normas que, além de não conseguirmos usar, ainda, elas nos usam como exceção. Assim explica Lacan: “A questão é, com efeito, saber no que consiste o gozo feminino, na medida em que ele não está todo ocupado com o homem, e mesmo, eu diria que, enquanto tal, não se ocupa dele de modo algum, a questão é saber o que é do seu saber” (LACAN, 2008, p. 94).

Pensar nesta incomensurabilidade constitutiva que faz do relato uma narrativa in media res, antecedida pelo universal ou pelo todo, nos alerta para uma instabilidade, sem suporte, como única via de acesso ao posicionamento feminino na linguagem, e no que resta e escapa ao significante. Não estaria também Sontag alertando-nos para o que, aliado ao gesto, não se reduz ao significado? Como poderíamos operacionalizar tal dimensão do relato que, provocada pela recepção particular do ser-mulher-na-linguagem do mundo, nos aproxima de um exibir da pura medialidade afirmando, de modo mais amplo, como a “falta de êxito” na linguagem poderia ter outros sentidos? Afinal, nossos gestos de interpretação ou de relato não seriam precedidos por uma análise cristalizada da qual desejamos nos desvencilhar, justamente porque sabemos que há algo que a palavra não pode dizer? No caso das duas obras literárias as quais abordaremos a seguir, o relato pressupõe como interlocução uma versão sedimentada dos fatos, uma borda de significado e de historicidade, com a qual se relacionam não exatamente no sentido de desmenti-la ou de dela curar-se, mas para propor uma interpretação ancorada nas perspectivas corporais, nas experiências sentidas e não totalmente ditas, em contato e em contraste com o mundo, a desbancar os limites falogocêntricos do juízo.

3 O caderno de Isabela Figueiredo

A submissão aos preceitos e às leis universais, assim como a pulsão condenatória e ordenadora na figura de um supereu ou de um pai, é sentida pelos obstáculos que impõem ao conhecimento de si. Por mais barrada que nos pareça a autorrealização ou a autonarratividade, isso não significa que não se deva lançar-se como um projeto, tendo em vista, é claro, que a opacidade que lhe faz jus é contrária à transparência que sustenta a acusação e a escoriação. A obra Caderno de memórias coloniais, relato de Isabela Figueiredo sobre o seu passado em Moçambique, lida objetiva e sensivelmente com esta questão, sob o signo insolúvel do pai português enviado à África para trabalhar em prol da urbanização das cidades. A colonização atravessa o cenário dos africanos subjugados pelos portugueses, e atinge-a no âmbito familiar, fazendo do que é próprio e comum o motivo de sua recusa, assim como de sua resposta literária. A obra começa com o chamado daquele que não encontra sepultura simbólica:

Disse alto, com voz forte e jovial, muito perto da minha cabeça.

- Olá!

Era um olá grande, impositivo, ao qual me seria impossível não responder. Reconheci sua voz, e, ainda no sono, pensei não podes ser tu; tu já morreste.

E abri os olhos (Isabela FIGUEIREDO, 2018, p. 31).

O que lhe convoca é o que estava até então fora de sua visão. O espectro do pai marcará a escrita precária e imprevisível deste relato que se dá em forma de Caderno, como aprendizagem do incerto. A história de seu pai, Manuel, com África, começa quando embarca para Maputo (na altura, Lourenço Marques) na missão de trabalhar na companhia elétrica (e simbolicamente iluminar os que viviam no não esclarecimento). E acaba, de algum modo, na eclosão das guerras de libertação, quando a problemática identificação com Moçambique o impede de sair dali e retornar para Portugal, a terra de origem deixada para trás quando era ainda jovem. Impossibilitado de abandonar o único lugar que sentia ser seu, pede a Isabela que vá; “contas tudo o que nos têm feito, diz que perdemos tudo, que o dinheiro não vale nada, que não há que comer” (FIGUEIREDO, 2018, p. 128). No entanto, esta missão compreendida sempre do ponto de vista da universalização de uma condição ocidental, a alastrar-se na educação, na catequização e na moralização, nunca é assumida pela filha, tal como Hamlet não consegue fazer do desejo de vingança do pai, um desejo que reconheça como seu. A este chamado de dentro do sonho é que ela irá responder - mas na medida em que o que deveria ser narrado fracassa. O luto, já nos mostrou Freud, não opera apenas como homenagem, mas sobretudo como prestação de contas.

Um dos principais méritos da obra tem a ver com o paradigma do desejo, tal como é trabalhado pela escritora. O pai é apresentado no início da obra por seus hábitos sexuais, e pela diferença entre o gosto por “foder”, relacionado às mulheres locais, tantas vezes violadas pelos colonizadores, e o que acontecia às portas fechadas com a mãe, quando a menina escutava-a chorar. A diferença entre um contexto e outro marca a soberania do pai enquanto aquele que dita leis, que compete pelo gozo e que, por isso, não precisa colocar-se sob a norma, excedendo-a ao formalizá-la, tal como o paradoxo da soberania de Carl Schmitt explicita, sobre o soberano estar dentro e fora da lei, e que Agamben (2004) retoma em O estado de exceção.

Na primeira fotografia em que Figueiredo aparece na obra, uma mulher negra encontra-se de pé com os seios à mostra. A complexa e problemática relação entre nudez, natureza e violência também é vivida em causa própria, em um jogo que estabelece o que pode ou não ser visto, tal como é próprio do interdito. Nesse caso, a “erótica da arte” de que fala Sontag assume seu caráter mais perverso. Em sua primeira experiência de troca e de desejo, quando estavam a narradora e Luisinho “a jogar a foder”, o pai aparece e lhe desfere “violentas bofetadas”, “rosto, braços, nádegas, costas, pernas. Onde caísse. Foi bruto” (2018, p. 50). “Pior do que a dor da pancada era a humilhação por ele me ter visto foder”, conclui Figueiredo (2018, p. 50), sobre a mítica relação entre interdição e revelação. Nessa cena, ou encenação do desejo, todos os elementos (raciais, sexuais, familiares e sociais) são convocados a apresentar-se para que o mundo se monte. O pai é determinado como sendo o que dita as leis, cuja infração ou exceção, própria e alheia, não pode ser vista. A interpretação do gozo é por si violência, neste palco primeiro em que as coisas se dão e se revelam perversamente.

A descoberta do desejo se mistura à descoberta do desejo pela violência, marcada nas descrições do tratamento dado pelo pai aos seus funcionários, muitas vezes indevidamente pagos e agredidos injustificadamente por ele. A punição da filha, pelo jogo sexual, e a dos negros, pela cobrança de seus direitos, é a tentativa de impedir a autonomia de ambos, erodindo as possibilidades de autorreflexão e de pensamento próprio. Aquele que tudo observa, que tem acesso à visão do todo, panóptico na colônia e na residência, revela o seu componente estruturalmente violador, o qual culmina em dominação e submissão, presente na lógica do senhor. O projeto, neste caso, é o de destruir a vontade e impedir a interpretação enquanto gestos emancipadores dos fins. Porém, o que tudo vê passa a ser olhado pela narradora, de um modo que a cena se emancipa do todo e se singulariza como uma forma de conhecer o pai, a pátria, a família em âmbito doméstico e estrutural.

Filha e empregados, impossibilitados de rescindirem seus vínculos, emocionais e empregatícios, fazem uso, em termos de responsabilidade, dessa “suscetibilidade não desejada” (BUTLER, 2017, p. 121), isto é, daquilo que não pediu permissão para invadir, para tomar a palavra. A morte nem sempre é o ponto final. Mais para uns do que para outros, é a violação que inaugura esses sujeitos. Figueiredo, mesmo punida primeiro pelo pai, depois pelo que dele se lembra, não procura a saída mais à mão, que seria perpetuar a condenação, e assim substituir a condição totalitária anterior pela sua continuidade. Por meio das fotos que se misturam ao relato verbal, entendemos que ali não há olhar insuspeito, e que de algum modo estão todos condenados, mesmo os não capturados pela objetiva/objetividade. O gesto que resta será, portanto, o de viabilizar a reversibilidade e o dialogismo entre as perspectivas, incluindo nós, leitores e leitoras, quando passamos a ser vistos na cena, pelo olhar que se dirige a nós. Naquele contexto de colonização, sabemos como se nasce já condenado: no cinema, os bancos de pau eram reservados aos negros, que sabiam que não podiam olhar para trás, para a plateia ou para o balcão onde se sentavam os brancos. A rigor, esta demarcação espacial imputava uma limitação para os corpos, e também para os gestos e para o imaginário:

De forma geral, no cinema ou fora dele, o olhar dos negros nunca foi, para os colonos, inocente: olhar um branco, de frente, era provocação; baixar os olhos, admissão de culpa. Se um negro corria, tinha acabado de roubar; se caminhava devagar, procurava o que roubar (FIGUEIREDO, 2018, p. 72).

É desta metáfora do olhar que se sabe cúmplice do horror, que Figueiredo parte, enfrentando a precariedade de suas memórias colonizadas (posto que se mistura às histórias e às ideologias colonizadoras), bem como a indeterminação entre desejo e repulsa, sexo e violação, autoridade e autoritarismo. Apesar da implicação de todos os olhares na cena de violência, há ainda algo que permanece sem inscrição. A sua formação, afinal, se deu em meio à interdição do outro de se autodeterminar. Se não só falamos, mas somos também falados, se não somos senhores da visão, mas reféns do que não conseguimos ver, é esta a herança que antecipa o seu mundo, o a priori de que falam Nietzsche e Butler. Seu relato, portanto, jamais poderia se desfazer absolutamente desse não lugar do olhar do outro, ou mesmo do outro de si. O ter que falar que marca a passagem dos afetos aos sentimentos, terá que se ver, portanto, com o quê, e em nome de quem, pronunciar essa espécie de carta ao pai.

É certo, para ela, que este Caderno deve lidar com a herança em toda a sua complexidade. “E eu sou o meu pai. O que resta dele” (FIGUEIREDO, 2018, p. 58), escreve sobre o passado que se firma não em ‘relação a’, mas ‘apesar de’. A narradora não é mais aquela vigiada pelo pai, e sim a que se transforma em objeto por si mesma olhada. O relato autobiográfico, por essa razão, não cinde memória e interpretação, descrição e posicionamento. Há algo em relação ao dizível e ao cognoscível de sua história e da história de Moçambique passível de ser deslocado pela narração, mas há, no entanto, algo que se submete a ser falado pelo passado, do qual não se tem controle, mas que se deixa falar. Descrevendo Manuel pela face colonizadora e também pelo que em seu amor se manifestava no cuidado, a escritora mostra que o posicionamento crítico não devém necessariamente na condenação, uma vez que condená-lo exigiria abandoná-lo, fingindo reconhecer sua opacidade como transparência. Figueiredo mantém, na cena enunciativa, o discurso do outro que faz outro de seu discurso, restabelecendo este elo problemático com pai, não porque precisa dele, não porque ele lhe é necessário, mas porque o que seu Caderno transmite, não sendo a versão paterna, constitui-a pelo avesso simbólica e contingencialmente. Trata-se, como dissemos no início deste texto, de uma transmissão da transmissibilidade, de uma pura exposição da expositividade. Nada mais.

A decisão de Figueiredo é pela ética, no sentido de que entende essa despossessão inerente à relação com o outro, como fato inaugural do pensamento dialógico sobre si. É comum, diria Lacan, solicitar à testemunha “dizer a verdade, nada mais que a verdade, e ainda mais, toda, se ela puder” (LACAN, 2008, p. 98). No entanto, o desejo revela-se o inconfessável, diante deste soberano que lhe interpela e disputa o sentido do desejo e o desejo pelo sentido. Quando Butler se aproxima da psicanálise, diz que a narração, de qual natureza for, tem “função crucial, em especial para quem se sente profundamente afligido pela experiência involuntária da descontinuidade” (BUTLER, 2017, p. 81). A importância está sobretudo em colocar-se diante deste imperativo de relato, e ao mesmo tempo do não narrável e do inconfessável, deste descontínuo que interrompe nossa inserção social - o que deslocamentos na linguagem em termos do cognoscível já diz respeito à própria subjetividade enquanto produção. Por isso, mesmo que o trauma não possa ser interpretado no sentido existencialista ou hermenêutico do termo, há algo da ordem do relatar e do contar que se elabora na palavra antes mesmo de seu conteúdo informativo ou encadeado realizar-se enquanto mensagem. Pura transmissão.

Entre o que na narradora se fala e o que ela conscientemente afirma, a estranheza para consigo não se revela apenas consequência desta desidentificação com os princípios colonialistas familiares, mas também imanência de uma relação com o corpo escritor, que permanecerá em devir, não regrado pelas normas nem pelos gestos herdados. A desapropriação de sua família da casa em que morava, em decorrência da descolonização, apenas faz sobressaltar aquela anterioridade do que não encontrava correspondência ou afinidade:

A minha terra havia de ser uma memória, uma língua, um corpo enterrado na esperança, uma ideia miscigenada de qualquer coisa de cultura e memória, um não pertencer a nada nem a ninguém por muito tempo, e ao mesmo tempo poder ser tudo, e de todos, se me quisessem, para que merecesse ser amada (FIGUEIREDO, 2018, p. 110).

Ora, o termo “retornado” com o qual se nomeiam aqueles que foram obrigados ou desejaram voltar aos países europeus quando das guerras de libertação apresenta-se, por si só, como metáfora da aporia. Se, como é o caso de Figueiredo, nunca se esteve em Portugal, como retornar a um lugar do qual nunca se partiu? Sabemos, assim, que à linguagem metafórica nem sempre corresponde a aporia da metáfora, uma vez que ela não é obra do imaginário ou da fantasia, mas que, através de uma captura inescrutável e não necessária da linguagem, diz-se por outros caminhos o que o signo censura. O retornado encontra quase sempre o vazio, e o obsceno da metáfora é ela trazer à luz a própria fratura na qual se inscreve o significante, sendo a forma o conteúdo mesmo do que se escreve.

O relato de Figueiredo, portanto, não é apenas a escrita do que a nudez da vida lhe advertiu. À maneira de Proust, o performativo narra não “uma vida como ela de fato foi, e sim uma vida lembrada por quem a viveu” (Walter BENJAMIN, 1987, p. 37), não sendo o enunciado uma questão de verdade ou falsidade, mas um gesto muitas vezes sem correspondência factual, inerentemente significante. De algum modo, o narrar das memórias toma o lugar do passado, substituindo o que viria a ser a verdade por um espaço de questionamento e autoquestionamento contínuos, no qual voz e significação se separam para que o discurso jogue a escrita sempre para o outro lado, o lado do outro. As modulações do pronunciável, do recordável, do relatável tensionam as bordas que as limitam pelo confronto direto com o regime de verdade de seu tempo, bem como com tudo o que na posse (de línguas, de vínculos familiares, de atributos físicos) tende à despossessão. Nesse sentido, sem querer trocar uma visão por outra, uma universalidade por uma parcialidade, ou a racionalidade pela sensibilidade, Figueiredo questiona o próprio estatuto do cognoscível subjacente aos movimentos de reconhecimento, que não operam, no entanto, simplesmente pela identidade, pela interpretação ou pela representação. O reiterado obsceno presentifica este lugar fora do campo da visão, ênfase problemática a confundir o que é público, cenário ou personagem, como declara Sontag sobre a performatividade crítica da arte, e que configura, no entanto, o ponto de vista por onde olhamos obras como este Caderno de memórias coloniais.

3 A carta à mãe de, Noemi Jaffe

São vários os exemplos de obras que tratam dessa exposição a um discurso ou a um afeto que está dentro de nós ou anterior a nós, constituindo-nos em parte, mas que nos é inacessível, “incontido”, como disse Nietzsche. Há ainda uma série de objetos que nos atravessam, os quais não conseguimos integrar de modo interpretável do ponto de vista do relato que fazemos de nós. A escritora brasileira Noemi Jaffe (2012) trabalha os diários de sua mãe, prisioneira em Auschwitz e em Bergen-Belsen, na obra O que os cegos estão sonhando? (2012), em uma estrutura notoriamente singular e incomum, no que diz respeito à separação entre um discurso opaco que o outro faz de si mesmo e a desestruturação que implica a convivência com algo que não transparece. A saber, há uma primeira parte, formada pelos relatos diarísticos breves e sequenciados escritos por Lili Jaffe, de 1944 a 1945, dos dias passados no campo de concentração já ao fim do regime, de onde ela foi salva pela Cruz Vermelha e levada para a Suécia; e uma segunda seção, em que a filha recorta alguns trechos e comenta-os, em uma espécie de apêndice ou suplemento de sentido, endereçado, que retoma a anterioridade para localizar a sua própria cegueira ou gagueira.

A rigor, o diário desafia a estrutura do relato uma vez que estes fragmentos foram escritos a posteriori, quando já estava na Suécia, mas em forma diarística, “para dar a sensação de que eram narrados enquanto estavam sendo vividos” (JAFFE, 2012, p. 8), como comenta a filha. Da crueza e literalidade da memória da mãe, destacam-se as indagações de Jaffe, separadas em verbetes que não confrontam apenas o que é recordado e o que é esquecido, e sim a sua própria relação com o drama da linguagem e da memória, sempre impondo-se na percepção de sua condição relacional e de um dizer que se resguarda num semidizer, que, segundo Lacan, “se verifica por se guardar de ir até à confissão”, “não a verdade que pretende ser toda” (LACAN, 2008, p. 100). Afinal, nesta seção suplementar, por manter-se entre o necessário suspenso do relato da mãe e a contingência de seu suplemento de sentido, dá-se a experiência deste impasse de formalização, impossibilidade mesma de relatar que diz respeito à tentativa de escrever o Real.

Reflitamos, a princípio, sobre o diário da mãe. Ainda antes da chegada ao campo de concentração, Lili escreve: “Não tínhamos medo do alarme, porque da morte não tínhamos medo, apenas do sofrimento” (2012, p. 32). O medo do sofrimento, este sim intolerável, se fará notar na recorrência das menções às partes do corpo, como se ‘o que não quer dizer nada’ estivesse no lugar do ‘querer dizer’, metonimicamente: “Nossas mãos estavam congeladas” (2012, p. 33); “Eu sofria demais com a perna” (2012, p. 34); “Dentro do campo vemos homens magros, do outro lado, mulheres magras” (2012, p. 35); “Não sentimos as pernas e todos estão gemendo” (2012, p. 36); “Quase metade de nós tem problemas com as pernas” (2012, p. 37). Ao mesmo tempo, a percepção dos tecidos, das superfícies das coisas, reforça o ter-lugar deste corpo em parte, partido, parcial, impreciso, mesmo quando ele serve às ordens impostas: “- Sente-se onde estiver!” bradava um alemão, ao que Lili comenta: “Senti um cimento úmido. Não me sentei, ajoelhei apenas” (2012, p. 17). A testemunha, na vivência do trauma, é aquela que não pode tudo dizer, não podendo fazer coincidir simultaneamente o dito com a sua finalidade.

O controle dos corpos, por isso, se faz sentir através de tudo o que a toca e, paradoxalmente, do que consegue tocar. Quando Lili Jaffe se encontra na viagem de libertação, com destino à Suécia, escreve: “Pela primeira vez me senti semelhante a um ser humano. Dentro do trem, pudemos nos sentar em assentos forrados” (2012, p. 39). E na próxima viagem, o mesmo é descrito: “Viajamos de segunda classe. Assentos de couro, limpeza total” (2012, p. 42). É a partir da sensação, de como o corpo é tocado ou invadido, que esta voz narra os acontecimentos: pelo que elas lhe causam nos sentidos, e não na inteligência racionalizante do pensamento. A mudança drástica no tipo e quantidade de alimentos que lhes eram oferecidos, inclusive lançados nas janelas do trem onde os antigos prisioneiros viajavam, marca não só no simbólico, mas também no real, a permanência do ‘tiro’: “Atiravam dentro do trem balas, chocolates, doces, e o que cada um possuía” (2012, p, 42, grifo nosso).

Há, como se nota, uma atenção para os detalhes metassensíveis, posto que, na paisagem do relato, esses se sobressaem por indicarem as condições de possibilidade e de impossibilidade da própria sensação e da dizibilidade naquele contexto. Trata-se daquilo que Sontag quis dizer quando falava da importância da ênfase. Tais detalhes funcionam como gestos, na medida em que comunicam a própria comunicabilidade da experiência vivida em seus limites, avultada pelas mais insuspeitas matérias, como daquilo de que é feito a poltrona que a transporta para um destino desconhecido. Esses materiais deliberadamente fortuitos se organizam no limiar simbólico das horas e das reiteradas contagens que resgatam o sujeito da angústia do atemporal. Aqui, o que Sontag denomina de “antissimbólico”, por estar à margem do conteúdo, oferece-se enquanto experiência significante diante da falta de sentido e da arbitrariedade do que lá acontece (e permanece em acontecimento na rememoração), embora haja, de fato, uma recusa à interpretação da própria narradora. A descrição de Auschwitz, por exemplo, cede terreno aos números e às quantificações, que dão conta da anestesia e da cegueira impostas pelo trauma:

Num campo, éramos trinta mil - trinta blocos com mil pessoas cada. Campos iguais, um ao lado do outro, havia uns vinte e, mais longe, onde nem a vista chegava, havia mais. O campo tinha um quilômetro de comprimento. No final, havia uma guarita. O campo era cercado por arame eletrificado. Havia oito crematórios sempre acesos; podiam-se ver as chamas (JAFFE, 2012, p. 18).

Os números não contabilizam o sofrimento; são inexpressivos, resistem à interpretação, mas expressam tangencialmente o impulso de significação, a condição de sua possibilidade. As reiteradas vezes em que esta voz nos relata dos quilos de batata e de repolho, do horário de acordar e de dormir, do tamanho dos espaços, não há exatamente uma fuga das outras palavras que poderiam mais objetivamente dizer o horror, mas um entrelaçamento inexorável entre a linguagem e o simbólico, que reescreve o Real naquilo que ‘não se diz’. O não dito, portanto, é a recusa da interpretação como sobra. Esta literalidade de Lili provoca a filha, que comenta: “Ela não tem sonhos complexos, com operações metafóricas de deslocamento e condensação. Seus sonhos são mais simples e ela os interpreta com certeza e facilidade” (JAFFE, 2012, p. 101). Mas, não seriam as pequenas obsessões com os tecidos, a medida dos espaços e os horários, já movimentos de deslocamento e de condensação?

Podemos dizer, de todo modo, que esta escrita da organização, ou escrita organizada, por si só, testemunha o horror da ordem dos campos. O filósofo francês Gilles Deleuze, em Sacher-Masoch, descreve como há um masoquismo no excesso impessoal da descrição, como se a quantificação, a concatenação e o próprio encadeamento revelassem a violência da linguagem. Para o filósofo, no sadismo, trata-se de “mostrar que o próprio raciocínio é uma violência, e que está do lado dos violentos, com todo o seu rigor, toda a sua serenidade, toda a sua calma” (Gilles DELEUZE, 2009, p. 21). De modo muito semelhante, Lili expressa a identidade entre violência e demonstração: “O que se vê no campo, por toda parte, além das sombras da morte, é a organização, outra forma, ou, na verdade, a linguagem da morte” (JAFFE, 2012, p. 121). Essa linguagem da morte, espécie de infralinguagem, atenua o horror cobrindo-lhe com o véu de uma intensidade leve.

Uma outra maneira de entender esta tentativa de aplainamento da linguagem tem a ver com a recusa em consentir com qualquer gesto que componha o ritual da guerra, mesmo em um momento de reparação. Quando Lili chega a Copenhagen, descreve o estranhamento em ver-se recebendo algo que, tal como o campo de concentração, não lhe dizia respeito:

Consolavam-nos, não entendíamos o que nos diziam, mas sentíamos que nos consolavam. Depois vieram cônsules de vários países e cantavam seus hinos conosco. Primeiro, o holandês, porque havia mais deles. Depois, os tchecolovacos, os húngaros e, depois, nós, os iugoslavos. Ainda havia um cônsul do rei iuguslavo, e cantamos “Boje pravde”, nós que não tínhamos nada a ver com a política (JAFFE, 2012, p. 44, grifo nosso).

O gesto de Jaffe não é exatamente contra a recusa de interpretação da mãe, mas a favor de um não esgotamento do sentido. A filha confronta a memória revelando a densidade do que é recordado. Lidar com esta opacidade numerada, no entanto, desfaz em Jaffe as ilusões de autonomia e de completude. Ela descreve, acrescenta, atravessa, desdiz, não para concluir, porque toda conclusão é injuriosa, mas para que o acontecimento não termine, revele sua não completude, a demanda de sua interpelação. “A filha entende tudo e não entende nada” (JAFFE, 2012, p. 194). Neste trecho, inclusive, revela-se o que responde pela estratégia de Jaffe nestes suplementos de sentido: o uso da terceira pessoa, convocada pela assim chamada “aporia de Auschwitz” que constitui, segundo Giorgio Agamben, o fato de a experiência impossibilitar o esquecimento e ao mesmo tempo não conseguir ser narrada. Essa não coincidência nas pessoas do testemunho atinge também a questão do relato, uma vez que sobre a shoá seria “impossível testemunhar tanto a partir de dentro - pois não se pode testemunhar de dentro da morte, não há voz para a extinção da voz - quanto a partir de fora -, pois o outsider é excluído do acontecimento por definição” (AGAMBEN, 2008, p. 44).

Diante dessa dupla impossibilidade, Jaffe faz de seu suplemento narrativo o testemunho da impossibilidade de testemunhar, bem como de interpretar. A filha cita a mãe, testemunhando a produção da palavra, que vale sobretudo pelo que nela falta. Quando diz que “a filha não quer explicar, não sabe muito bem” (JAFFE, 2012, p. 188), está marcada aí toda a estratégia testemunhal perante o problema da pessoalidade, apenas diferentemente manifesto no relato da mãe. Sabemos, com a linguística de Émile Benveniste (1991), que a terceira pessoa a princípio parece não participar do ato de fala, respondendo apenas pela instância da qual ou sobre a qual se enuncia o “eu” e o “tu”, temporal e espacialmente demarcados. Fazendo-se impessoal, aquela sobre a qual se falaria também revela sua impossibilidade de assumir a primeira pessoa. Nesse sentido, vemos a inviabilidade do conhecimento sobre o que se fala ou sobre quem se fala comprometer todas as esferas da enunciação e da cognoscibilidade.

Jaffe se assume como porta-voz desta que, por ser a testemunha, relata o absurdo em primeira pessoa, por meio de uma extraordinária decência e dignidade. O negativo, no entanto, espraia-se em todos os lugares, como afirmamos ser próprio da operação demonstrativa da linguagem, ainda que nem tudo no discurso da mãe seja negação. Jaffe, por sua vez, coloca-se no lugar de uma história que é uma “história-não-história” (JAFFE, 2012 p. 188). Quando pergunta à mãe sobre o motivo que a levou a escrever este diário in media res, a resposta é: para que você leia. “Lembre por mim as coisas que eu escrevi. Mas não me conte. Não quero lembrar”, registra a escritora (JAFFE, 2012, p. 164). É só deste perder o sentido que toda palavra poderá vir a significar algo - assim como é também da impessoalidade da terceira pessoa que qualquer pessoalidade, mesmo que precária e instável, poderá se dar. Paradoxalmente, é por não ter estado lá que Jaffe deve citar Auschwitz.

O testemunho de O que os cegos estão sonhando? se propõe a partir da “não pessoa”, contrariamente à reversibilidade eu-tu da cena enunciativa, que deixa em aberto as posições reversíveis da “pessoa-eu” e da “pessoa não eu”. A aporia é, portanto, da passagem da língua ao discurso, da implicação à exposição, da experiência ao sentido, de um detalhe sem correspondência com o contexto à contextualização. A mãe não se lembra de grande parte do léxico usado nesses onze meses de terror, à exceção dos termos Achtung [atenção] e Zeltappel [chamada]. Não há lugar adequado na lembrança para o horror, assim como não há um dicionário distinto, no máximo uma semântica, um modo de se valer e encadear as palavras de modo perverso. O que restariam nessas duas palavras restantes, tão voltadas para o presente da enunciação, ao mesmo tempo tão veemente e tão instável?

4 Figurar a linguagem

O que nos chama atenção em ambas as obras é precisamente o fato de se colocarem diante da dificuldade de interpretação, recorrendo a metáforas ou a metonímias, condensando e deslocando o sentido nos limites e limiares do impossível. Ambas encaram a falência de certo furor interpretativo, evidenciando como o figurar da linguagem tem lugar naquele furo da significância. Jaffe, no verbete “Dignidade”, rememora um incêndio em sua casa na década de 1970, que a faz deparar-se com o incognoscível das razões da mãe. Com a ajuda de um vizinho, o fogo que tomava conta da casa cessou, e enquanto pai e filha tentavam recuperar o pouco que havia sobrado, a mãe, Lili, decidira ir jogar cartas com as amigas, fato que leva Noemi a se indagar:

É difícil lidar com esta interpretação. Talvez seja a questão mais difícil de todas. Aceitar que ela é o esquecimento. Que o esquecimento é o eixo constitutivo da sua personalidade. É difícil que tudo se justifique pela guerra. Mas, por outro lado, tudo se justifica, sim (JAFFE, 2012, p. 125).

Justificam-se as descrições em que nada sobra. A metáfora e a metonímia justificam a linguagem que se sabe impasse de formalização. Está justificado a mãe não se valer das “palavras-papagaio”, ainda que haja uma tagarelice em palavras como “mãe”, que de tanto serem repetidas, já nada dizem. Justifica-se, no caso de Figueiredo, colocar-se em relação dialógica com o pai, aquele que “foi colono até morrer” (FIGUEIREDO, 2018, p. 120), e que, por isso mesmo, imputa que a linguagem da filha seja feita de “palavras de fronteiras, de transição, manchadas, duas” (FIGUEIREDO, 2018, p. 128). Mãe e pai: estas figuras primeiras, doadoras do léxico e da semântica, aquelas que primitivamente provocam a experiência inaugural da violência da interpretação, para que depois cada filho construa o seu próprio alfabeto de significações, a língua própria, ex-propriação dramática de uma perda consentida da origem, como mostramos a partir da discussão de Butler em Relatar a si mesmo. Nestas duas obras literárias, aos pais se retorna, para que a linguagem mesma mostre seu caráter violento, ao lidar com o que se herda e com o que resta. No caso da escritora brasileira, porta-se a voz daquela que se dirigiu oblíqua e elipticamente ao terror. No caso da escritora moçambicana, confessa-se: “Nunca entreguei a mensagem de que fui portadora” (FIGUEIREDO, 2018, p. 132). Em nenhum dos casos há paz, mas a traição (de des-dizer ou redizer a mãe, de não dizer ou contradizer o pai) muitas vezes opera pela dignidade: a dignidade atrasada, posterior, in media res, que sabe que o tempo é demasiado curto, desajustado e injusto para a elaboração do nosso amor. Isto é, da justiça.

Talvez o problema do relato e da verdade se reconfigure na diferença que Jaffe faz do drama em relação ao trágico: “O trágico sabe; o drama quer saber. O trágico não pensa; o drama interpreta. O trágico é; o drama imita” (JAFFE, 2012, p. 143). Ainda que o relato se construa a partir do passado, os verbos estão no presente, entre o indicativo e o infinitivo, entre a constatação e o devir, compondo por mais de um lado o gesto de escrita que, figurando a linguagem, faz a passagem entre o saber e o querer saber, o não saber e o indeterminar, o ser e a invenção. Uma tragédia completa seria se as escritoras se mantivessem na razão do conhecimento, do não pensamento, do ser, eliminando a potência dos gestos em defender a comunicabilidade. Porém, entre o trágico e o drama, há a performatividade que faz a palavra atuar, sem palco, mas em cena analítica e crítica, corpo expressivo e experimental, tomando o lugar daquele furor interpretativo conclusivo. Dizendo de outro modo, a diferença enquanto tal é que faz divergir, de modo digno e sensível, o que não cessa de não se inscrever, como tragédia, e aquela pulsão de escrever que provoca nossa compressão do necessário, enquanto drama.

Referências

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1O termo é apresentado por Marjorie Perloff na obra O gênio não original, no sentido de abarcar as vanguardas da metade do século XX que, com o intuito de retomar os valores transgressores e revolucionários do início do século, desobrigam a obra de sua condição de originalidade.

2Nas palavras de Sontag, estes dois elaborados sistemas de hermenêutica seriam exemplos de “ímpias e agressivas teorias da interpretação” (2020a, p. 20). A rigor, para Freud e para Marx, tudo o que acontece é ocasião para interpretação, e “interpretar é reformular o fenômeno; é, com efeito, encontrar um equivalente para ele” (2020, p. 20).

Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista: ANGLADA, Carolina. “A interpretação em guerra: os relatos de Isabela Figueiredo e Noemi Jaffe”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 31, n. 1, e83060, 2023

Financiamento: Não se aplica

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Não se aplica

Recebido: 29 de Julho de 2021; Revisado: 28 de Julho de 2022; Aceito: 11 de Outubro de 2022

carolina.anglada@ufop.edu.br; angladacarolina@gmail.com

Carolina Anglada (carolina.anglada@ufop.edu.br; angladacarolina@gmail.com) é professora de Literaturas de Língua Portuguesa na Universidade Federal de Ouro Preto

Contribuição de autoria: Não se aplica

Conflito de interesses: Não se aplica

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