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Educar em Revista

versão impressa ISSN 0104-4060versão On-line ISSN 1984-0411

Educ. Rev. vol.39  Curitiba  2023  Epub 14-Nov-2023

https://doi.org/10.1590/1984-0411.87519 

Dossiê - Histórias da Educação na Pan-Amazônia: Sociedades, Culturas, Tempos e Espaços

A utilização da técnica do inventário como instrumento de pesquisa: uma contribuição metodológica à história da educação na Amazônia

Use of the inventory technique as a research tool: a methodological contribution to the history of education in the Amazon

Livia Sousa da Silva* 
http://orcid.org/0000-0002-7463-3578

Tayana Helena Cunha da Silva* 
http://orcid.org/0000-0002-6672-2896

Welington da Costa Pinheiro* 
http://orcid.org/0000-0002-6717-2013

*Universidade Federal do Pará, UFPA, Belém, Pará, Brasil. E-mail: liviasilva@ufpa.br; tayanacunhahcs@gmail.com; welingtoncpinheiro@hotmail.com


RESUMO

O presente artigo objetiva analisar o inventário como instrumento técnico-metodológico para análise de dados documentais caros às pesquisas realizadas no campo da História da Educação, a partir de produções acadêmicas no contexto amazônico, em particular, no estado do Pará. O estudo é caracterizado como uma pesquisa bibliográfica, que apresenta 19 trabalhos encontrados nos repositórios de dissertações e teses dos Programas em Educação da Universidade do Estado do Pará (UEPA), da Universidade Federal do Pará (UFPA) e do Programa em Currículo e Gestão da Escola Básica da UFPA, que assumiram a utilização da técnica do inventário na elaboração dos seus estudos ou apresentaram abordagens aproximativas. A análise das dissertações e teses suscitam a significativa contribuição da técnica do inventário ao processo de organização e sistematização das fontes, bem como ao processo analítico de documentos de diferentes tipos que compuseram estudos que se debruçaram em dar visibilidade para a história de instituições, de práticas e de sujeitos na Amazônia. O inventário se mostrou, ainda, um instrumento que contribui para uma política de preservação do patrimônio histórico-educacional e pedagógico, por sua capacidade de agrupar documentos que, geralmente, estão dispersos em acervos e arquivos nem sempre bem-organizados e acessíveis à sociedade.

Palavras-chave: História da Educação na Amazônia; Inventário; Patrimônio Educativo

ABSTRACT

This paper aims to analyze the inventory as a technical-methodological instrument for analyzing documentary data that is important to research carried out in the field of History of Education, based on academic productions in the Amazon context in the state of Pará. The study is characterized as bibliographic research, which presents nineteen (19) works found in the repositories of dissertations and theses from Postgraduate Programs in Education at UEPA and UFPA and in the Program in Curriculum and Management of the Basic School of UFPA, which assumed the use of the inventory technique in the elaboration of their studies or presented approximate approaches. The analysis of dissertations and theses raises the significant contribution of the inventory technique to the process of organization and systematization of sources, as well as to the analytical process of documents of different types that composed studies that focused on giving visibility to the history of institutions, practices, and subjects in the Amazon. The inventory also proved to be an instrument that contributes to a policy of preservation of historical-educational and pedagogical patrimony, due to its ability to group documents that are generally dispersed in collections and archives that are not always well organized and accessible to society.

Keywords: History of Education in the Amazon; Inventory; Educational Patrimony

RESUMEN

El presente artículo tiene como objetivo analizar el inventario como instrumento técnico-metodológico para el análisis de datos documentales caros a las investigaciones realizadas en el campo de la Historia de la Educación, a partir de producciones académicas en el contexto amazónico, en particular, en el estado de Pará. El estudio se caracteriza como una investigación bibliográfica, que presenta 19 trabajos encontrados en los repositorios de disertaciones y tesis de los Programas en Educación de la Universidad del Estado de Pará (UEPA), de la Universidad Federal de Pará (UFPA) y del Programa en Currículo y Gestión de la Escuela Básica de la UFPA, que asumieron la utilización de la técnica del inventario en la elaboración de sus estudios o presentaron abordajes aproximativos. El análisis de las disertaciones y tesis suscitan la significativa contribución de la técnica del inventario al proceso de organización y sistematización de las fuentes, así como al proceso analítico de documentos de diferentes tipos que compusieron estudios que se enfocaron en dar visibilidad a la historia de instituciones, de prácticas y de sujetos en la Amazonia. El inventario se mostró, aún, un instrumento que contribuye para una política de preservación del patrimonio histórico-educativo y pedagógico, por su capacidad de agrupar documentos que, generalmente, están dispersos en colecciones y archivos no siempre bien-organizados y accesibles a la sociedad.

Palabras-clave: Historia de la Educación en Amazonia; Inventario; Patrimonio Educativo

Introdução

A área da História da Educação na Amazônia vem crescendo nos últimos anos, o que contribui para dar visibilidade às produções acadêmicas que se debruçam na investigação de tempos, espaços, contextos, práticas e dos múltiplos sujeitos que compõem a realidade amazônica. O crescimento de estudos nesse campo é fruto de investimento e de esforços de pesquisadores, de grupos e de programas de Pós-graduação que se mobilizam para compreender os processos históricos que constituíram a trajetória da educação na região amazônica.

A maior visibilidade para a área da História da Educação evidencia lacunas a serem preenchidas, e se amplia o quantitativo de pesquisadores em formação para enveredar nos meandros da pesquisa historiográfica em interseção com a educação, o que implica reconhecer a necessidade de se produzir conhecimento que assuma uma dimensão didático-pedagógica e teórico-metodológica capaz de apresentar alguns caminhos a serem percorridos no desenvolvimento de uma pesquisa dessa natureza.

Nossa principal inquietação para a proposição deste texto depreende da experiência na orientação de discentes na Pós-Graduação, que, por vezes, mesmo no contexto do Doutorado, ainda apresentam fragilidades teórico-metodológicas no trabalho de pesquisa com fontes documentais. Nesse sentido, vê-se com frequência a inexperiência para o levantamento dessas fontes, em quais lugares procurá-las, qual manejo e organização necessários podem ser conferidos a potencializar as análises.

É oportuno salientar que as dificuldades nem sempre se atém à inexperiência do pesquisador, posto que, na busca por fontes históricas, há desafios outros como acesso e condições de conservação, como manusear, organizar, e proceder análise ao ter em mãos uma profusão de dados ― documentos, imagens, jornais, testemunhos etc. ― “[...] para dá-las a conhecer e criar as condições para que sejam tornadas acessíveis à investigação”, como sugere Felgueiras (2011, p. 78).

Nessa direção, o presente estudo objetiva analisar o inventário como instrumento técnico-metodológico para análise de dados documentais caros às pesquisas realizadas no campo da História da Educação, a partir de produções acadêmicas no contexto amazônico, em particular, no estado do Pará. O inventário, aqui entendido como um instrumento de considerável relevância para organização, manejo, arquivo e classificação de dados, se bem realizado já se configura como material de análise prévia ao possibilitar uma melhor visualização das fontes conforme determinadas categorias de organização.

Metodologicamente, foi realizado um levantamento bibliográfico nos bancos de dados do Programa de Pós-Graduação da Universidade do Estado do Pará (PPGED/UEPA), do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Pará (PPGED/UFPA) e do Programa de Pós-graduação em Currículo e Gestão da Escola Básica (PPEB) da UFPA, no período de 2012 a 2021. Dentre esses trabalhos, foram selecionados os que denotassem a utilização do inventário nas pesquisas da área da História da Educação.

O artigo se estrutura em dois momentos principais, a contar a partir deste Introdução. O primeiro momento apresenta o inventário enquanto instrumento para as pesquisas históricas, em especial, no campo da História da Educação, destacando conceitos, procedimentos e contribuições do inventário. O segundo, traz a caracterização da produção acadêmica e as contribuições do inventário nas Dissertações e Teses analisadas.

O inventário como instrumento de pesquisa: conceitos, procedimentos e contribuições

O inventário é um dos tipos de instrumento de pesquisa de arquivos e/ou de pesquisa arquivística que, na sua construção, envolve atitudes de classificação e descrição do material selecionado. Além disso, podemos compreendê-lo enquanto um instrumento de pesquisa que traz a possibilidade de ser analítico quando bem sistematizado (LOPEZ, 2002).

Para a tradição da arquivologia, o inventário caracteriza-se por “[...] um quadro sumário de um ou mais fundos ou coleções [...] conjuntos documentais com algum nível de organização [...] conjuntos documentais classificados [...] um instrumento para a pesquisa especializada” (LOPEZ, 2002, p. 29-30). Dessa forma, o inventário é entendido enquanto possibilidade de organização de um corpus de pesquisa de maneira orientada, por uma classificação dada, ou uma lógica organizativa sob a qual resida princípios de seleção e organização pré-estabelecidos, e até orientadas por uma teoria ou um problema de pesquisa fundante.

Observamos que há pelo menos dois tipos de inventários ― um arquivístico, que se caracteriza mais descritivo (LOPEZ, 2002), e outro analítico ― os quais podem ser complementares. No tocante à organização de arquivos, há uma norma internacional que busca padronização “[...] a partir de uma estruturação multinível, isto é, do geral ao particular” que considera: identificação, contexto, conteúdo e estrutura, acesso e utilização e documentação associada, segundo Lopez (2002, p. 15).

Sob a perspectiva analítica, que sobrelevamos do próprio campo da História da Educação, o inventário passa a ser tomado como um instrumento de pesquisa flexível a fim de atender às necessidades de organização, classificação e sistematização provenientes de cada estudo (SAAVEDRA; MENEZES, 2011). Isto implica que, embora haja uma diretriz e um modelo de inventário proposto, esse pode e deve ser ressignificado conforme as demandas de pesquisa, o que permite destacar que ele não é imutável, podendo ser aproveitado em sua multimodalidade.

Moraes et al. (2011, p. 119) assumem o inventário como “[...] instrumento facilitador do uso pedagógico do arquivo”. Essa característica se mostra interessante e útil, já que atribui ao inventário uma importância e/ou dimensão didática, posto que favorece o manuseio fácil do conjunto das fontes quanto à localização rápida e orientada por critérios.

Quanto ao modo de fazer o inventário, Silva e Petry (2011) propõem que a atitude de inventariar deve se dar tal e qual uma aventura e um desafio. Uma aventura se nos permitirmos percorrer caminhos de descobertas, “[...] para que se avive a riqueza de práticas inscritas nessa materialidade” (SILVA; PETRY, 2011, p. 121); e um desafio já que nos exige mobilizar uma série de competências, quer sejam éticas, estéticas, interdisciplinares; essas atitudes nos impedem de engessá-lo em uma organização burocratizada para que, dessa forma, garanta-se a conservação da fonte, não só no que diz respeito a sua condição física, mas também sobre o que ela comunica. Inventariar, portanto, é uma forma de “[...] ‘descobrir’ o objeto, descrevê-lo, registrá-lo, dar contornos à informação que será socializada”, mas compreendendo que “[...] a subjetividade sempre estará presente” (SILVA; PETRY, 2011, p. 121).

Quais seriam esses dois componentes do inventário segundo a teoria arquivista? Um primeiro componente seria uma espécie de introdução, que visa a apresentar de maneira geral e sumária as fontes inventariadas. Nessa fase introdutória da constituição de um inventário, dever-se-ia destacar a importância dos artefatos inventariados para a pesquisa desenvolvida; esclarecer os princípios e critérios utilizados para a sistematização empreendida, que, de maneira geral, irão se apresentar a partir de um “plano de classificação”, e situar as categorias conceituais que subsidiam o levante e a organização das fontes inventariadas (LOPEZ, 2002). Em uma segunda parte, é que se especifica um pouco mais o conteúdo das fontes. Em arquivologia, destaca-se que data-limite, ordenação e localização são imprescindíveis.

Menezes (2011), por exemplo, orienta como etapa inicial a identificação. Ao inventariar espólios da Escola Normal de Campinas, ensina-nos que a simples tarefa inicial de identificar a tipologia, o período ou datação de cada fonte, já permite um primeiro panorama de compreensão do que se chama de “massa documental”. A partir dessa primeira identificação, pela aproximação ao conteúdo, ainda que preliminar, é possível construir categorias de classificação mais específicas aos objetivos da pesquisa a ser empreendida, o que supera, assim, o processo de mera catalogação.

A instrumentalização a partir da mobilização de procedimentos próprios do campo arquivístico é uma recomendação de Menezes (2011, p. 96) como possibilidade de utilização do inventário para “[...] a constituição de fontes históricas como uma via de fertilização da pesquisa em história da educação”. Dessa forma, encaminha-nos para um segundo passo importante na laboração de um inventário, que é a descrição dos artefatos históricos.

A partir dos procedimentos de como fazer um inventário, conforme Menezes (2011), percebemos que na etapa de identificação tem-se um quadro geral preliminar, mas que é no processo de descrição que nos debruçamos aos pormenores, aos detalhes, às peculiaridades do acervo, o que nos permite reaver o quadro anterior genérico, além de possibilitar ao pesquisador transitar “[...] com maior propriedade e entendimento de sua composição” (MENEZES, 2011, p. 97). O processo de descrição ocasiona a percepção de particularidades que começam a organizar-se em grupos e/ou categorias.

Na tessitura de um inventário, Menezes (2011, p. 97-98) também chama nossa atenção a respeito da importância de um plano de organização. Este deve cuidar de duas dimensões: do inventário com uma perspectiva epistemológica e como um instrumento de controle. Na primeira dimensão, há que se compor uma sistemática de arranjo fundamentada em critérios teórico-metodológicos da pesquisa. Essa, contudo, é uma etapa que se dá no processo de conhecimento das fontes e do diálogo possível e/ou necessário das fontes para com certa pesquisa. Para tanto, devemos seguir uma das principais recomendações de Menezes (2011): devemos “ouvir as fontes”.

O que significa para o pesquisador “ouvir as fontes”? Geralmente, quando partimos para o levantamento de dados em uma pesquisa, já possuímos pressupostos, um problema delimitado, hipóteses, objetivos e muitas vezes até um arcabouço de análise delineado. E, ao ter alguma experiência com inventário, quase sempre, já vamos com critérios pré-estabelecidos para classificar determinadas informações que precisamos colher já orientadas de antemão, o que pode limitar o conhecimento de todas as riquezas que as fontes possam ter a expressar.

Silva e Petry (2011) colaboram com essa discussão ao propor a compreensão das fontes históricas enquanto socioculturais. Dito isso, na composição de um inventário, faz-se necessário mais que indicações intrínsecas à fonte; quer dizer, o processo de Identificação para os historiadores da educação é só o começo para uma maior aproximação de compreensão do artefato estudado. Dessa forma, buscar identificar elementos extrínsecos às fontes inventariadas também é aconselhável, o que resulta que ao inventariar estamos estabelecendo um diálogo, uma interlocução com a fonte enquanto artefato produzido em sociedade e que expressa elementos de cultura. “Aqui percebemos a importância de educar para sensibilizar: a comunicação entre fonte e receptor [...]” (SILVA; PETRY, 2011, p. 22). Por conseguinte, mesmo uma descrição minuciosa não evita a necessidade do processo de revisão.

Uma outra dimensão do trabalho com inventário seria a de instrumento de controle que se relaciona diretamente com suas contribuições à preservação e publicização do patrimônio educativo. Ao ter o inventário por objetivo a organização em si, o manuseio adequado, a descrição para melhor orientar buscas ao material, facilitar o acesso, criar critérios para o arquivamento, pressupor os canais de publicização, e a guarda e ou acondicionamento. Ou seja, para preservação e difusão de um patrimônio histórico-educacional e pedagógico.

Mas, há uma questão ainda muito pertinente no âmbito do inventário como instrumento de controle, e que deve ser planejada com atenção, que são as formas de publicizar os inventários. Para tanto, há desafios. Um primeiro desafio diz respeito ao que Felgueiras (2011, p. 77) chama de “perda da tradição de arquivamento nas instituições”, quer dizer, do fato de as instituições em seu processo de modernização terem se desfeito de muitos documentos e/ou artefatos históricos, doando, destruindo ou distribuindo.

A esse respeito, Saviani (2017) destaca dois aspectos nucleares na preservação de fontes histórico-educacionais, um diz respeito à constituição coletiva e intencional de critérios de salvaguarda e descarte de materiais. Revelando outro desafio, qual seja, a preocupação não só com a salvaguarda de documentos físicos, mas também com os virtuais, tendo em vista que, com as transformações das novas tecnologias digitais, mais se tem avançado no processo de digitalização de muitos documentos, e isso tem facilitado organizar e conservar diferentes acervos.

Moraes et al. (2011, p. 120) apontam possibilidades de fomento e publicização de “[...] conjunto documental inédito, de interesse substantivo para a reconstrução histórica das práticas educativas” e de “arquivos pessoais” como o faz ao inventariar o Arquivo Escolar João Penteado, o que contribui para suprir “[...] lacunas de informação causadas pela ausência de fontes e/ ou dificuldade de se reunirem séries documentais completas” e abertura de novas perspectivas de pesquisa a partir desses inventários socializados amplamente.

Para Felgueiras (2011, p. 76), “[...] conservar e tornar acessíveis as fontes são indispensáveis à verificação dos trabalhos e interpretações efetuadas, à continuidade de outras análises assim como à manutenção do registro desses testemunhos, como alicerces da memória”. Sob essa perspectiva, a conservação de arquivos possíveis pelo ato de inventariar representa também transparência nas pesquisas porque disponibilizar as fontes investigadas possibilita a contiguidade às pesquisas e faz avançar mais facilmente os limites da área, e ainda nos resguarda “alicerces de memória”, um patrimônio subsidiário do que nos constituiu como sociedade e como campo educacional.

Por fim, salientamos que, pela natureza diversa de fontes, não é possível estabelecer um modelo único de inventário para não correr o risco de prejuízo às necessidades de nossos estudos, de um inventário que convirja para determinados objetivos, mas não os das nossas pesquisas; e em prejuízo a descobertas interessantes, criatividade e contribuições aos nossos itinerários analíticos aos quais vimos ser o inventário um tributário. Até mesmo diferentes tipos de fontes não se encaixam em um único molde. Um plano de organização em uma perspectiva epistemológica precisa ser pensado conforme a natureza da fonte, e os objetivos pretendidos. Por isso, ao tratar de modelos, preferimos nos referir a “inventários” no plural. Que se constitui a partir de um itinerário comum - identificação, descrição, plano de organização e revisão - mas que pode vir a se compor em diferentes planos estéticos e conceituais.

Levantando dados sobre pesquisa com inventário na área da história da educação

Para o levantamento de Teses e Dissertações na área da História da Educação que foram produzidas no seio do PPGED-UEPA de 2007 a 2018, e no PPGED-UFPA de 2005 a 2018, tomamos por base o estudo de Alves, Nery e Silva (2019). De forma a complementar, realizamos o levantamento nessas mesmas bases de dados no período subsequente (2019 a 20221); e o levantamento no site do PPEB/UFPA, a partir dos descritores História da Educação + inventário. A partir desse levantamento, encontramos os seguintes resultados que sintetizamos na tabela a seguir:

TABELA 1 SÍNTESE DO LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO EM ESTUDOS DO CAMPO DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO (HE) EM COMPARAÇÃO À UTILIZAÇÃO DA TÉCNICA DO INVENTÁRIO 

Programa Ano de criação Período de levantamento Total de trabalhos defendidos Total de estudos HE Trabalhos com inventários ou com abordagens aproximativas
Teses Dissertações Total
PPGED / UEPA 2005 2007-2020 325 Dissertações 52 Teses Dissertações Total
PPGED / UFPA 2003 2005-2022 395 Dissertações 177 Teses 86 - 5 5
PPEB / UFPA 2015 2017-2021 106 Dissertações 12 6 6 12
- 2 2

FONTE: elaboração dos autores (2023).

Em síntese, foram encontrados um total de 19 achados referentes ao descritor “inventário” e oito com desenvolvimento de metodologia aproximativa. Do total de 19, seis são Teses no PPGED/UFPA e 13 são Dissertações, sendo cinco no PPGED/UEPA, seis no PPGED/UFPA, e dois achados referentes ao PPEB/UFPA.

Achados dos Programas de Pós-Graduação em Educação da Cidade de Belém

No que concerne aos achados do PPGE/UEPA, encontramos dois registros que citam o ato de inventariar no resumo: Miranda (2015) e Saldanha (2017); e três que não indicam diretamente, mas que realizam ensaios aproximativos da técnica: Buecke (2019); Brabo (2019) e Conceição (2020), o que se pode melhor observar no Quadro 1.

QUADRO 1 ACHADOS DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - UFPA 

Autor Título Tipo/Ano Descrição
Júlia Cleide Teixeira de Miranda O Ritual da Festa do Moqueado: educação, cultura e identidade na sociedade indígena Tembé Tenetehara. Dissertação 2015 Indica o inventário de narrativas, mas não desenvolve pormenores sobre a técnica. Relaciona inventário a mapeamento.
Monise Campos Saldanha Saberes afro-amazônidas: as narrativas iorubá sobre a orisá oxum como fonte educativa. Dissertação 2017 Aponta o desenvolvimento de inventário de narrativas/saberes, sem especificar o modelo e a construção.
Jane Elisa Otomar Buecke Infância e práticas educativas na Amazônia seiscentista. Dissertação 2019 Trata de um fichamento das Fontes. Descrição da crônica de Bettendorff (1990).
Sylvia Elieny Calandrini Brabo A letra nacional: análise discursiva do ensino de leitura na 1ª República (1889-1930) no Pará na obra selectalitteraria, de Francisco Ferreira de Vilhena Alves. Dissertação 2019 Não menciona a utilização da técnica do inventário, mas ensaia um processo de identificação, e classificação observável nos Quadros 1 e 2 (p. 51-56).
Evellin Natasha Figueiredo da Conceição A chama da estrela que pulsa e arde: educação sensível na prosa poética de Abguar Bastos. Dissertação 2020 Aproximativo. Quadro descritivo das fontes.

FONTE: Elaborado pelos autores (2023).

Miranda (2015) propõe o “inventariar saberes” e/ou “mapear saberes” sem, contudo, desenvolver como instrumento metodológico. O termo Inventário/Inventariar é citado duas vezes no texto, uma no resumo e outra na introdução do trabalho intitulado “As primeiras teias da pesquisa”, ao indicar como um dos objetivos específicos: “Inventariar os principais saberes presentes no Ritual da Festa do Moqueado” (MIRANDA, 2015, p. 18).

Quando avança para a seção metodológica, então o termo inventário desaparece, e possíveis especificações a respeito da organização dos dados são inexistentes. O desenvolvimento da seção privilegia a apresentação da “observação direta, observação participante, conversas informais, entrevistas, gravações em áudio e notas de campo técnicas” (MIRANDA, 2015, p. 28) como as técnicas de coleta de dados utilizadas.

Somente lá nas Considerações Finais é que novamente a autora menciona um certo “plano de classificação e organização” dos dados ao salientar que categorizou os saberes presentes no ritual identificando-os enquanto objetos de conhecimento do processo educativo, e procurou “[...] organizá-los de forma que cada um deles correspondesse a uma categoria de educação, que, integradas e conectadas se configuram em um processo educativo amplo, organizado, intencional e eficaz” (MIRANDA, 2015, p. 98).

Da mesma forma, o trabalho de Saldanha (2017), que parece compreender a captação de entrevistas como o próprio inventário “Venho utilizando como instrumentos de pesquisa, a observação participativa e a entrevista semiestruturada que serviram para a catalogação de dados” (SALDANHA, 2017, p. 9). Importante ressaltar que tais técnicas servem à coleta de dados, e por si só não são suficientes para empreender “catalogação”, que foi interesse mencionado da autora. E, desse modo, não avança em especificações metodológicas, de construção e/ou modelo. O ato de inventariar é mencionado uma única vez no texto, na seção metodológica, com sentido de catalogação de dados e como etapa metodológica.

Em sua dissertação, Buecke (2019), apesar de não mencionar explicitamente a utilização do inventário, indica em seu resumo que “[...] nos documentos foram esmiuçados os relatos [...] capturando-se situações identificadas como práticas educativas”; aponta, ainda, na seção metodológica, que após a seleção das fontes, realizou a leitura e o fichamento dos textos “[...] a fim de compreender que práticas eram essas nas quais as crianças estavam, de algum modo, envolvidas” (BUECKE, 2019, p. 36). E, que opta por “[...] utilizar categorias temáticas conceituadas como elementos do fato ou situação em estudo”, que são classificados e reunidos em eixos ou unidades temáticas a partir e com os dados coletados (OLIVEIRA; MOTA NETO, 2011, p. 164 apud BUECKE, 2019, p. 37).

Buecke (2019), além disso, apresenta em seu estudo o Quadro 3 - Descrição da crônica de Bettendorff (1990), que se aproxima da primeira etapa do ato de inventariar que seria o processo de identificação, porém não avança para as etapas seguintes, as quais são consideradas necessárias para a caracterização da técnica ― plano de classificação, plano de organização, revisão e controle.

Brabo (2019), em sua dissertação, constrói dois quadros complementares entre si, o primeiro que apresenta a identificação das fontes por título, autor e número de páginas correspondentes; e o segundo que organiza por título, tipologia e gênero/conteúdo. Embora não mencionando o inventário como técnica, a autora acaba por demonstrar um ensaio de construção de inventário do tipo arquivístico, que priorizou aspectos mais descritivos. De maneira semelhante, é realizado por Conceição (2020), quando apresenta o quadro descritivo nas páginas 41 e 42, indicando os títulos e a tipologia das fontes históricas que encarnam a poética e a militância do autor estudado ―Abguar Bastos.

Percebemos, dessa forma, que a atitude de organizar, catalogar, mapear, fichar, esmiuçar e sistematizar em quadros indicam a necessidade que esses estudiosos/as sentiram de dar sentido a fontes/dados de pesquisa em uma organicidade. Por outro lado, indiciam um sentido de atividade dada, que não necessita de pormenorização de explicações quanto às suas decisões. Quer dizer, organizar é importante, foi realizado como condição sine qua non, então será compreensível mesmo estando ausente no texto.

Como vimos com os/as autores/as supracitados/as (FELGUEIRAS, 2011; GALVÃO et al., 2012; MELONI, 2012; MENEZES, 2011; SILVA; PETRY, 2011), inventariar é uma ação consciente de planejamento ético, estético, social e epistemológico de organização e apresentação de conjuntos de dados, e que, a despeito dessa intencionalidade de escolhas, irá expressar sentidos próprios desse planejamento organizativo.

Nesse sentido, por um lado esses trabalhos em si concentram um certo compêndio de saberes advindos da experiência; a importância de práticas educativas advindas de espaços sociais não escolares, os quais nos formam a própria identidade amazônida ao considerar os saberes afro-amazônidas, os rituais festivos indígenas; o reconhecimento das incursões coloniais por meio das práticas educativas para a infância no período seiscentista; o estudo de obras e intelectuais importantes para a História da Educação na Amazônia; e que estejam esses saberes e conhecimentos acessíveis na leitura de suas mais de cem laudas. Contudo, faz falta a síntese didática dessas narrativas organizadas em um quadro, e as especificações acerca de um plano de Identificação e Organização desses dados, que sabemos ter influenciado na própria abordagem analítica. Sobretudo porque poderia contribuir em muito para sobrelevá-los enquanto patrimônio educativo amazônida, datado, circunstanciado e reiterado.

Tanto o PPGED-UEPA como o PPGED-UFPA são programas praticamente contemporâneos em seus marcos de criação, ainda nos primeiros anos do século XXI, e já contam com vultuoso número de trabalhos defendidos de maneira geral, mas também no que se refere àqueles situados no campo da História da Educação, como se demonstra na Tabela 1. E, por isso, imaginamos encontrar um maior número de achados de estudos que utilizassem a técnica do inventário.

Mas, contrário às nossas expectativas, no PPGED-UFPA encontramos apenas seis Dissertações e seis Teses ao todo. Desse total de 12 trabalhos, somente nove demarcam explicitamente a utilização do Inventário como recurso metodológico, os outros três são esforços aproximativos (Quadro 2).

QUADRO 2 ACHADOS DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - UFPA 

Autor Título Tipo/Ano Descrição
Autor Título Tipo/Ano Descrição
Livia Sousa da Silva Os discursos do jornal impresso O Liberal sobre violência escolar em Belém (2001-2010). Dissertação 2012 Apresenta o inventário das matérias de jornal em apêndice.
Bárbara Danielle Damasceno Moraes Vilas, “logares” e cidades: a história da educação rural do Pará na primeira República - 1889 a 1897. Dissertação 2013 Comenta sobre um inventário que não fica claro se foi realizado pela autora. Não há modelo expresso.
Welington da Costa Pinheiro A infância nas páginas de jornal: discursos (re) produzidos pela imprensa paraense na primeira década do século XX. Dissertação 2013 Expressa a utilização do inventário manuscrito como técnica de organização das fontes. Fonte: jornais. Fala vagamente sobre as categorias utilizadas (tipo, ano, jornal, temática de cada seção).
Michelle Araújo de Oliveira Concepções de infância e educação nos discursos do periódico a escola - Revista Oficial de Ensino do Pará (1900 a 1905). Dissertação 2018 Elabora o inventário e disponibiliza em apêndice. Fonte: Revista Oficial de ensino do Pará. Categorias destacadas: datas, edições, seções e gêneros discursivos.
Carmeci dos Reis Viana Discursos sobre violência contra a criança nas notícias do jornal “Folha do Norte” em Belém do Pará: perspectiva de educação no início do século XX. Dissertação 2019 Indica a utilização do Inventário para catalogação dos dados.
Uisllei Uillem Costa Rodrigues O que você veio fazer na sala de aula? Intelectuais indígenas brasileiros e a educação. Dissertação 2019 Não indica o Inventário de forma direta, mas ensaia aproximações de ações inventariantes do tipo arquivísticas.
Cibele Braga Ferreira do Nascimento História da Fundação Pestalozzi do Pará (19531975): os discursos político-social e educacional na assistência à criança excepcional. Tese 2018 Inventariou as fontes. Apresenta os inventários em apêndice separado por tipo de fonte.
Léia Gonçalves de Freitas Políticas de assistência, proteção e educação à infância pobre, abandonada e órfã e as ações da prelazia do Xingu no município de Altamira - Pará (1970-1979). Tese 2019 Indica a utilização da técnica do Inventário. Sem fundamentação metodológica de como desenvolver a técnica. Apresenta o inventário a partir de dois quadros. Do tipo analítico.
Marlucy do Socorro Aragão de Sousa O mobiliário escolar na instrução pública primária do Pará na primeira república: entre as “vitrines do progresso” e o “estado de ruínas”. Tese 2019 Indica a utilização da técnica do Inventário. Sem fundamentação metodológica de como desenvolver a técnica. Apresenta o inventário do tipo arquivístico.
Rogerio Andrade Maciel Cultura material escolar e as representações de educação no sistema radiofônico para os caboclos “ingênuos” na prelazia do Guamá (1957-1980). Tese 2019 Indica a utilização do inventário com base analítica, no entanto, não observamos fundamentação teórica de base, para a realização da técnica.
Vitor Sousa Cunha Nery Colonialidade pedagógica na instrução pública primária da comarca de Macapá (1840-1889). Tese 2021 Não indica o Inventário de forma direta, mas ensaia aproximações de ações inventariantes do tipo arquivísticas.
Cilene Maria Valente da Silva Representações do movimento escola nova no Pará: uma análise da revista escola (1930 -1935). Tese 2021 Não indica o Inventário de forma direta, mas ensaia aproximações de ações inventariantes do tipo arquivísticas.

FONTE: Elaborado pelos autores.

Percebemos, nesses estudos, que, quanto à compreensão da utilização do inventário como instrumento de pesquisa, são esboçadas algumas aproximações, tais como “mapeamento”, “organização das informações”, “catalogação”, “agrupamento”; mas, em nenhum deles aparece uma fundamentação teórica que embase a utilização dessa ferramenta.

Quanto à percepção de modelos de inventário utilizados por esses autores (as) que possam vir a colaborar, vimos em Silva (2012) que há um modelo de inventário disponível nos apêndices, que está divido por ano, com descritores definidos de forma geral e específica para os objetivos de análise. Moraes (2013) apresenta um esquema que teria sido resultado de um inventário. Em Pinheiro (2013), não há um modelo expresso, mas a indicação da realização de um inventário manuscrito, que consta no decorrer do texto, como quadros com a apresentação dos dados, que poderiam ser tomados por uma sistematização.

Em Nascimento (2018), há diferentes configurações para cada tipo de fonte inventariada: matérias de jornal, atas, mensagens de governo e fotografias. E, por sua vez Oliveira (2018) também possui em apêndices o seu inventário na íntegra. Em Viana (2019, p. 110), há uma breve indicação da realização do inventário na seção metodológica, e depois, ao final, a autora o apresenta. Trata-se de um inventário que apresenta aspectos do processo de identificação e plano de classificação e organização, porque se organiza por mês/ano, notícia/ título, categoria, acusado, vítima, local do delito, descrição da matéria.

Freitas (2019, p. 59), por sua vez, contribui com a produção de dois quadros representativos de um inventário do tipo analítico, que organiza Relatórios Presidenciais Brasileiros: 1970-1979, por ano, presidente, eixo, ação, e o Quadro 4 mais do tipo descritivo que apresenta a relação das congregações estudadas: Prelazia do Xingu, Missionários do Sangue de Cristo, Instituto Maria de Mattias, Adorados do Sangue de Cristo, Casa Divina Providência Irmã Serafina Cinque, e os documentos referentes.

Sousa (2019) também apresenta inventário constituído acerca do mobiliário escolar na instrução primária do Pará (1889-1930), nos apêndices de sua Tese, do tipo arquivístico/descritivo, organizado por tipo de fonte, origem, título, assunto, tipo de mobília e data.

Maciel (2019, p. 90) apresenta dois quadros de inventário analítico, referentes às fotografias, documentos e falas dos sujeitos sobre os objetos de comunicação e escolares no Sistema Educativo Radiofônico de Bragança e um “[...] Inventário de figuras e documentos sobre os objetos de comunicação e escolares no (prelazia do Guamá) (análise ancorada nos três eixos de representação proposto por Roger Chartier (1990) e a problematização dos objetos escolares em Paulo Freire (1987)”.

São trabalhos que melhor representam a execução da técnica do inventário proposta pelas autoras (FELGUEIRAS, 2011; GALVÃO et al., 2012; MELONI, 2012; MENEZES, 2011; SILVA; PETRY, 2011); ainda que não os realizem com a rigidez dos diferentes passos mencionados ― Identificação, Classificação, Organização e Revisão ― é possível observar claramente a intencionalidade de planos de classificação e organização ao propor categorias organizativas e de análise.

Rodrigues (2019), Nery (2021) e Silva (2021) apresentam aproximações do inventário tipo arquivístico, o que se percebe pela produção de quadros descritivos das fontes; e, no caso de Silva (2019), inclusive com caráter analítico.

Configuraria uma iniciativa robusta de inventário organizar todas as fontes levantadas e que serviram ao estudo e outras que por vezes captamos, mas ao cabo não colaboram para os nossos objetivos, ainda que em conjunto possam expressar uma “massa documental”, como concebe Menezes (2011).

Importante ressaltar que os que apresentam modelos mais definidos têm em comum a utilização de quadros para apresentação; há de certa forma uma identificação e descrição que é feita, quase sempre no decorrer dos seus textos de dissertação e tese, e na construção dos inventários a preocupação maior é em estabelecer descritores que colaborem com a análise de seus objetos em particular. Dessa forma, percebemos duas coisas: a) o inventário tem servido mais objetivos de pesquisa e não de constituição e preservação de patrimônio educacional e ou pedagógico; e b) a construção dos inventários nos estudos do PPGED-UFPA estão intimamente relacionados aos procedimentos de análise, até mesmo como uma premissa analítica.

A preocupação em apresentar um inventário mais geral, para além das premissas próprias de seu trabalho, e que demonstra de certa forma, uma preocupação com a possível utilização de seu inventário para estudos posteriores aparece somente em Silva (2012, p. 54), ao pontuar que em seu estudo empreende-se

[...] uma descrição em linhas gerais do que se tem exposto nas matérias do jornal [...] que se supõe virem a ser úteis noutros empreendimentos de pesquisa com documentos [...] a complementar-se e refinar-se enquanto método de abordagem e captação de informações em estudos similares.

No mais, é a centralidade nos objetivos de cada pesquisa que sobressai. Por outro lado, enquanto autocentrados esses inventários contribuem sobremaneira com o processo de análise em propriamente dita. O que se vê nitidamente em Ferreira (2018) ao indicar que o inventário não foi sua análise, mas colaborou para com esta, na aproximação inicial às fontes e seus conteúdos; já Oliveira (2018), quando aponta claramente que as categorias eleitas para organização das informações e ou “mapeamento” como a autora trata, está inteiramente relacionada com as suas análises e os objetivos próprios de seu estudo; e em Pinheiro (2013, p. 56) cujo excerto diz: “[...] a realização de tal agrupamento e da visualização do inventário construído [...] permitiu a criação de categorias analíticas [...]”. Evidenciando a íntima relação entre a construção do inventário e o processo de análise em si.

No site do PPEB/UFPA é possível ter acesso às dissertações defendidas no período de 2017-2021. O programa foi criado em 2015 e hoje possui uma Linha de Pesquisa no campo da História da Educação Básica. Ainda não conta com o Doutorado e por isso, não há achados de tese. Nesse interstício de cinco anos, encontramos 109 dissertações. Ao considerar os mesmos critérios propostos XXX2, apontamos um total de 12 trabalhos assentados no campo da História da Educação. Em nenhum desses estudos observou-se a indicação direta da utilização da técnica de inventário.

As abordagens metodológicas variam entre pesquisas do tipo Documental (oito), de Campo (uma) e documental e de Campo (três). Os encaminhamentos de análise privilegiam, em ampla medida, os pressupostos da Análise de Conteúdo, o que observou em metade desses estudos (seis); outras abordagens epistemológicas identificadas são a História Local (uma); História Oral (uma) e o Materialismo Histórico-Dialético (uma). Outros trabalhos utilizam autores variados para implementar as discussões por categorias temáticas (dois).

Faz-se importante chamar a atenção para duas dissertações que, embora não demarquem a utilização do Inventário, destacam-se por aproximações à técnica de forma ensaística, conforme são apresentadas no Quadro 3.

QUADRO 3 ACHADOS APROXIMATIVOS DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CURRÍCULO E GESTÃO DA ESCOLA BÁSICA (PPEB/UFPA) 

Autor Título Tipo/Ano Descrição
Cleiton Ponciano Santos Maués A história do grupo escolar de Abaeté (1903-1923): entre as contradições na arquitetura e na organização pedagógica. Dissertação 2020 Menciona a realização do processo de identificação, a catalogação, e a organização das fontes. E apresenta um compêndio dos documentos em anexo, com links de acesso intitulado “fontes para a História da Educação”.
João Lucio Mazzini da Costa O higienismo na instrução pública paraense entre 1890 e 1900. Dissertação 2021 Apresenta um quadro sintético com os documentos levantados que se organizam sob uma estrutura de temas comuns, que não chega a se configurar como inventário, mas ensaia.

FONTE: Elaborado pelos autores (2023).

No trabalho de Maués (2020), há nítida intenção de proporcionar acesso facilitado a outros pesquisadores desse material que intitula “fontes para a História da Educação”; já os anexos listam diferentes tipologias documentais ― leis, decretos e fontes escolares do Grupo Escolar de Abaeté entre os anos de 1903-1923, inclusive com links de acesso. De outra forma, não deixa de mencionar a necessidade quanto à catalogação, à organização e à análise; nesse sentido, diz ter-se baseado na leitura de Margarita Victoria Rodríguez ― Pesquisa histórica: o trabalho com fontes documentais ― que não trata de ensinar a técnica do inventário, mas aponta o inventário de fontes como documento importante de pesquisa no campo da História da Educação.

E, na dissertação de Costa (2021) sobre o higienismo na instrução pública paraense entre 1890 e 1900, na apresentação de dois quadros: “Quadro 3 - Legislações educacionais” ― que se configura por uma listagem de Decretos do período do governo de Chermont e breve descrição das relações que guarda com reformas na instrução pública no Império ― e “Quadro 4 - Unidades de registro acerca do higienismo Encontros Com a Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, v. 11, p. 101-140, 1979. na legislação educacional paraense entre 1890 e 1899” ― que não tem indicação da fonte (quem elaborou), mas acredita-se ter sido o autor, ao considerar a tipologia de fontes documentais que anuncia ter levantado. O Quadro 4 se aproxima em muito do que estamos aqui tomando por inventário analítico, uma vez que o seu plano de organização se dá por categorias com finalidade de análise e não só descritivas, quais sejam: a identificação do documento e o que esse documento apresenta sobre alunos, professores, estrutura da escola e organização do ensino.

Considerações finais

Acreditamos que o inventário contribui para os estudos na área de História da Educação enquanto um instrumento de pesquisa e enquanto um instrumento de controle. Como instrumento de pesquisa, favorece a organização de documentos importantes à pesquisa em um acervo lógico, a partir de classificação, ordenação e descrição; dá ao/à pesquisador/a uma visão geral do corpus levantado, o que colabora como momento importante no processo de análise.

Como instrumento de controle, o ato de inventariar dados nos convida, principalmente, a assumir um compromisso cidadão, que deve não só ocupar-se de dialogar com as fontes para nossos intentos de pesquisa em específico, mas também cuidar para que deixemos nossa contribuição à preservação e à acessibilidade do patrimônio histórico-educacional e pedagógico de nosso Estado (Pará) e de nosso País.

É fato que a técnica, embora pertinente e justificada para colaborar com o campo de estudos da História da Educação, ainda não se vê muito difundida. Isso tem a ver tanto com o fato de não ser uma prática de pesquisa nativa desse campo como pelo número reduzido publicações que abordam em suas dimensões de desenvolvimento prático. O que em muito explica o fato de que, mesmo os trabalhos mais desenvoltos na sua execução não têm conseguido demarcá-la em seu escopo metodológico, assim como o fizeram para explicar escolhas outras como o tipo de pesquisa, instrumentos de coleta etc.

Esperamos poder, com este texto, suscitar uma maior recorrência de utilização da técnica, do conhecimento de sua importância e das contribuições para uma maior qualificação da produção de conhecimento científico no contexto amazônida, e que em tempo sejamos capazes de consubstanciar um robusto repositório de dados inventariados acerca de nossos saberes e conhecimentos, em um corpo sistemático de patrimônio educacional constituído.

REFERÊNCIAS

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1Não há disponíveis ainda no site do PPGED/UEPA as dissertações defendidas em 2021/2022.

2“(a) identificar nos títulos das dissertações e teses o período histórico; (b) ler os resumos das dissertações e teses, mapeando objetivos, campo teórico e metodologia do trabalho; (c) destacar as linhas de pesquisa dos programas no qual o trabalho foi desenvolvido; (d) apontar, a partir do título e do resumo das dissertações e teses, em que eixos temáticos da Sociedade Brasileira de História da Educação os trabalhos se articulam” (ALVES; NERY; SILVA, 2019, p. 3-4).

Recebido: 07 de Setembro de 2022; Aceito: 20 de Julho de 2023

Traducido y revisado por Simone Martins de Oliveira. E-mail: simoneol09@hotmail.com

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