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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versão impressa ISSN 0104-7043versão On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.30 no.64 Salvador out./dez 2021  Epub 19-Mar-2022

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2021.v30.n64.p36-59 

DOSSIÊ TEMÁTICO

FORMAÇÃO DE PROFESSORES: METODOLOGIAS ATIVAS E TDIC COM USO DE REA, PERMEADAS PELA RRI

TEACHER TRAINING: ACTIVE METHODOLOGIES AND DIGITAL TECHNOLOGIES WITH THE USE OF REA, PERMEATED BY RRI

LA FORMACIÓN DE PROFESORES: METODOLOGÍAS ACTIVAS Y TECNOLOGÍAS DIGITALES CON USO DE REA, PERMEADAS PEL RRI

Patrícia Lupion Torres* 
http://orcid.org/0000-0003-2122-1526

Raquel Pasternak Glitz Kowalski** 
http://orcid.org/0000-0002-7394-6505

Rosilei Ferrarini** 
http://orcid.org/0000-0002-6050-3510

*Pós-Doutora em Educação pela Universidade do Porto/Portugal. Coordenadora do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e professora titular e permanente do Mestrado e Doutorado em Educação da PUCPR. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Práticas Pedagógicas com Tecnologias Educacionais (PRAPETEC/PUCPR). Bolsista Produtividade em Pesquisa CNPQ. Curitiba, Paraná, Brasil

**Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Professora e Coordenadora do Curso de Design da PUCPR. Membro do Grupo de Pesquisa Práticas Pedagógicas com Tecnologias Educacionais (PRAPETEC/PUCPR). Curitiba, Paraná, Brasil

***Doutoranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Consultora Educacional pela Pedagogia Conectiva. Bolsista do Grupo de Pesquisa Práticas Pedagógicas com Tecnologias Educacionais (PRAPETEC/PUCPR). Curitiba, Paraná, Brasil


RESUMO

Objetivou-se investigar e desenvolver Recursos Educacionais Abertos (REA) digitais e ações voltadas para a conscientização e disseminação da Pesquisa e Inovação Responsáveis (RRI) como prática pedagógica. A metodologia utilizada foi a da pesquisa-ação com análises quantitativas e qualitativas. A 1ª etapa consistiu na elaboração do Massive Open Online Course (MOOC), o qual foi aplicado em 2ª etapa a estudantes de licenciatura para validação. Na 3ª etapa aplicou-se o curso para profissionais da educação das cinco regiões do Brasil. Analisou-se o uso das dez habilidades da RRI, sobre o tema “Pandemia da Covid-19” em situações didáticas. Obteve-se como resultados 345 inscritos, sendo que 198 iniciaram o curso e 53 o finalizaram. Concluiu-se que aliada ao uso de Metodologias Ativas e Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC), a RRI pode ser adaptada para diferentes contextos e níveis educacionais, na perspectiva de aluno, pesquisador, docente e gestor.

Palavras-chave: formação de professores online; RRI; aprendizagem virtual; educação a distância; desenvolvimento de pesquisa

ABSTRACT

The objective was to investigate and develop digital Open Educational Resources (OER) and actions aimed at raising awareness and dissemination of Responsible Research and Innovation (RRI) as a pedagogical practice. The methodology used was action research with quantitative and qualitative analyses. The 1st stage consisted of the elaboration of the Massive Open Online Course (MOOC), which was applied in 2nd stage to undergraduate students for validation. In the 3rd stage, the course was applied to education professionals from the five regions of Brazil. We analyzed the use of the ten RRI skills on the theme “Pandemic of Covid-19” in didactic situations. We obtained 345 enrolled results, and 198 started the course and 53 completed it. It was concluded that combined with the use of active methodologies and digital technologies, RRI can be adapted to different contexts and educational levels, such as student, researcher, teacher and manager.

Keywords: online teacher training; RRI; OER; virtual learning; distance education; research development

RESUMEN

Este trabajo tiene como objetivo investigar y desarrollar Recursos Educativos Abiertos (REA) digitales y acciones orientadas hacia la concientización y diseminación de la Investigación e Innovación Responsables (RRI) como práctica pedagógica. La metodología utilizada fue la de la investigación-acción con análisis cuantitativos y cualitativos. La primera etapa consistió en la elaboración del Massive Open Online Course (MOOC), el cual fue aplicado en la segunda etapa para validación de estudiantes de licenciatura. En la tercera etapa se aplicó el curso para profesionales de la educación de las cinco regiones del Brasil. Se analizó el empleo de las diez habilidades de la RRI, sobre el tema “Pandemia de la Covid-19” en situaciones didácticas. Como resultado, se obtuvieron 345 inscritos, de los cuales 198 iniciaron el curso y 53 lo finalizaron. Se concluyó que, además del uso de metodologías activas y tecnologías digitales, la RRI puede ser adaptada para diferentes contextos y niveles educativos, en la perspectiva del alumno, investigador, docente y gestor.

Palabras clave: formación de profesores online; RRI; REA; tecnologías digitales

Contexto da pesquisa

O processo de formação continuada de professores é historicamente um objeto de estudo singular nos grupos e centros de pesquisa em universidades diversas pelo país. Entre variadas finalidades, um dos aspectos centrais das reflexões e proposta de formação é que proporcionem a esses grupos e centros atualização constante sobre as tendências em educação e os motivem a inovar os processos educacionais de forma a estarem comprometidos com as novas perspectivas da educação contemporânea e os desafios do século XXI. Nesse aspecto, espaços formativos com processos crítico-reflexivos são fundamentais para os professores terem acesso a conhecimentos, procedimentos e ferramentas que os levem a questionar, repensar, ressignificar e mesmo transformar suas práticas pedagógicas.

O chamamento para a utilização de metodologias ativas que coloquem o estudante como protagonista de seu processo de aprendizagem, bem como o uso das tecnologias digitais da informação e comunicação (TDIC) que favoreçam esse processo, têm sido a tônica das reflexões e proposições formativas no momento. Diante desse contexto e da importância de se investigar e propor alternativas inovadoras, o grupo de pesquisa Práticas Pedagógicas com Tecnologias Educacionais (PRAPETEC), da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), obteve recursos junto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) para desenvolver ações nesta perspectiva.

Para além do aprendizado e reflexões sobre metodologias ativas e uso de TDIC, a ação formativa buscou introduzir, sensibilizar e engajar os professores acerca da responsabilidade em pesquisa e inovação como prática pedagógica, Pesquisa e Inovação Responsáveis, cujo termo original do inglês é Responsible Research and Innovation (RRI). Afinal, se a tônica dos paradigmas inovadores em educação consiste na aposta pela construção do conhecimento pelos alunos (LUPPI; BEHRENS; SÁ, 2021), entende-se que não se trata de qualquer conhecimento. É fundamental refletir sobre como se ensina a produzir conhecimento na escola, especialmente o científico. Nesse sentido, o Projeto Connect (2021), como parte do plano Horizonte 2020 da Comunidade Comum Europeia, dissemina a importância do consenso sobre a relevância curricular da natureza da ciência no intuito de melhorar a alfabetização científica dos alunos e promover o aprendizado relacionado às questões da vida real. Pensar, realizar, agir, posicionar-se e escrever cientificamente são aprendizagens que precisam ser melhor desenvolvidas na educação básica, especialmente entre os alunos menos favorecidos. Prega-se a necessidade de desenvolver o “capital científico” nos alunos, não só para uma cidadania ativa, como também para se envolverem e desejarem as carreiras científicas.

Portanto, este artigo trata de uma proposta formativa que une Recursos Educacionais Abertos (REA), TDIC e metodologias ativas na formação de professores, na perspectiva da RRI. Esclarece-se que em concordância com os fundamentos da RRI como fomento à introdução da natureza da ciência de maneira ética nas produções de alunos e professores, não cabe a aplicação e o uso indiscriminado de TDIC de forma acrítica e reducionista. É ímpar, diante de tantas possibilidades, potencializadas pela pandemia da Covid-19, acolher o uso de TDIC com criticidade, criatividade e autoria na produção de conhecimento, da mesma forma que ter clareza dos conceitos e prática a respeito das metodologias ativas.

Dessa forma, a ação formativa objetivou desenvolver um conjunto de REA práticos e de ações voltadas para a conscientização, formação, disseminação e implementação do conceito de RRI. A problemática central consistiu em responder a seguinte questão: como recontextualizar a abordagem da RRI na formação de professores de modo a integrar os conhecimentos curriculares envolvendo temas atuais de relevância sociocientíficas? A estratégia utilizada consistiu na oferta de formação continuada online com uso de REA e princípios da RRI, ao tratar temas de relevância sociocientífica nos currículos escolares.

Esse trabalho foi realizado em decorrência de parcerias entre grupos de pesquisa do Brasil com a Open University do Reino Unido e com a Universidade Portuguesa do Porto. Sua estrutura utilizou-se da perspectiva “Participativa com Base em Comunidades” - Community Based Participatory Research (CBPR) -, na busca da ampla compreensão dos impactos e das possibilidades da formação docente continuada que contemple os princípios da RRI.

Processo formativo proposto

Como síntese do processo formativo desejado, apresenta-se a Figura 1 e na sequência discutem-se os fundamentos.

Fonte: Elaborado pelas autoras deste artigo.

Figura 1 Modelo formativo proposto 

Diante dos aspectos desejados: uma formação continuada de professores apoiada em REA, com aplicação de metodologias ativas e TDIC, permeada pela RRI, torna-se um desafio. Faz-se necessário o desenvolvimento de processos formativos para uma literacia digital. Esse termo surgiu em 2015 nos estudos de Kaur e outros, segundo Branco, Lopes e Piza (2020, p. 5), e, após atualização, destaca as habilidades na consideração a um indivíduo literato digital: “[...] habilidades técnicas para usar efetivamente recursos tecnológicos, construir conhecimento ao navegar pela web, decifrar interfaces de usuários, realizar pesquisas em bases de dados, criar e distribuir conteúdo digital, conversar em salas de bate-papo e se comunicar em redes sociais”.

Entende-se, no entanto, que essa literacia vai além da alfabetização tecnológica e envolve a apropriação das TDIC com significado e sentido social, pessoal e profissional. E também, como preconiza a nova legislação para os processos formativos iniciais de professores, embora caibam também aos contínuos, envolve as dimensões do conhecimento, da prática e do engajamento profissional (BRASIL, 2019). Mais que aprender algo (saber), os professores devem dominar a prática (saber fazer), mas também querer fazer (engajamento). Adota-se literacia digital, então, como a capacidade de o professor usar, gerenciar e entender, pedagogicamente, o uso das TDIC. Requer, assim, a preparação para obter conhecimento da natureza, comportamento, poder e consequências do uso das TDIC em sua perspectiva ampla e, sobretudo, os fatores tecnológicos que influenciam a perspectiva didático-pedagógica, desde a concepção até os usos delas.

Metodologias ativas e TDIC

Dessa forma, alia-se TDIC com o uso de metodologias ativas, no sentido de entender como aquelas potencializam essas. Conforme atestam Ferrarini, Saheb e Torres (2019), embora as metodologias ativas não dependam das TDIC, pela época em que foram criadas, sendo as mais clássicas do século passado (aprendizagem por projetos, aprendizagem baseada em problemas, estudo de caso, por exemplo), quando que as TDIC ainda não tinham sido inventadas, elas podem potencializar os processos metodológicos, principalmente os de produção de conhecimento pelos alunos. Entende-se metodologias ativas como aquelas que colocam o aluno no centro do processo ensino-aprendizagem para que produza seus conhecimentos, em que “aprender de forma ativa envolve a atitude e a capacidade mental do aluno buscar, processar, entender, pensar, elaborar e anunciar, de modo personalizado, o que aprendeu. Muito diferente da atitude passiva de apenas ouvir e repetir os modelos prontos” (FERRARINI; SAHEB; TORRES, 2019, p. 21). Ainda segundo essas autoras, “a aprendizagem é o foco, contanto que ative e mobilize diferentes formas e processos cognitivos do aluno e a interação com os demais colegas e professor” (FERRARINI; SAHEB; TORRES, 2019, p. 5), o que demanda reorganização do espaço da sala de aula, dos mobiliários, das fontes de estudo e dos tipos de atividades oportunizadas.

Recursos Educacionais Abertos - REA e TDIC

Diante dos conceitos trabalhados anteriormente, os processos inovadores de ensino e aprendizagem envolvem o repensar dos processos de autoria, bem como a possibilidade de produção de conhecimento via colaboração e a compreensão da ciência, tecnologia e inovação de maneira crítica, compreendendo seus benefícios e riscos (SANTOS; TORRES; KOVALSKI, 2020). Nesse sentido, adotar os Recurso Educacional Aberto (REA) em processos formativos possibilita que os professores possam se apropriar dos recursos ofertados e, ao retê-los, compartilhar ou, ainda, criar possibilidades. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) define REA como “qualquer material no âmbito educacional, de qualquer suporte, que possibilite a adaptação por estar em domínio público ou licenciado de forma aberta” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA, 2011, p. 10). Os REA podem apresentar parte de um conteúdo, módulos, artigos ou estar disponível de forma completa, sendo um vídeo ou um livro.

Do ponto de vista do suporte digital, o uso de REA se fortalece e se amplia potencialmente dada a facilidade com que podem ser criados e compartilhados. As TDIC são as que especificamente se utilizam dos códigos binários 1 e 0, o que possibilita a informatização e digitalização de tudo o que se pode imaginar, a começar pela escrita, sons, imagens, movimento, entre outros. As informações codificadas passam a ser decodificadas, em qualquer tempo e local, por diferentes pessoas (KENSKI, 2012). Dessa forma, a comunicação e a informação ficaram mais democráticas na medida em que se tem acesso à internet e a equipamentos de informática.

Esse fenômeno tem ressignificado o modo de vida em sociedade, potencialmente durante a pandemia da Covid-19. Por necessidade e por sua dinamicidade, as TDIC estão presentes nas salas de aula, seja como acesso ao ensino remoto, seja como ferramentas capazes de auxiliar na construção do conhecimento, no desenvolvimento de projetos, criando e inovando (SANTOS; TORRES; KOVALSKY, 2020). Cada vez mais ricas e imersivas, as plataformas web possibilitam a interatividade e a construção do conhecimento de forma colaborativa, em que se pode ter uma sala de aula virtual, visitar um museu, realizar trabalhos em grupos e pesquisar os mais diversos conteúdos e recursos, portanto, repensando os modelos tradicionais didáticos.

Diante da existência vasta de opção de materiais a serem explorados no mundo digital, a Creative Commons (CC) favorece a adaptação e a mixagem de conteúdos existentes para a geração de novos conceitos e novos formatos. A CC mantém o equilíbrio entre os direitos autorais ao estabelecer limites para o uso dos recursos digitais, favorecendo o compartilhamento e incentivando a criatividade por meio de licenças livres (HILU; TORRES; BEHRENS, 2015).

É nesse sentido que se propagam as produções e o compartilhamento de REA. Os desenvolvedores de REA, adotando as perspectivas da CC, podem ampliar as experiências pedagógicas de uso de conteúdos digitais, principalmente caracterizados por: organizar, utilizar, revisar, remixar e redistribuir todo e qualquer objeto ou ferramenta educacional que esteja sob uma licença ou domínio público. Os 5Rs de abertura dos REA possibilitam o reúso, cópia, produção de obra derivada e redistribuição. No Quadro 1 explicitam-se esses conceitos.

Quadro 1 Significados dos 5Rs dos Recursos Educacionais Abertos 

5RS SIGNIFICADO CONDIÇÕES
Retain (Reter) Direito de fazer e possuir cópias do conteúdo. Para reter é necessário conhecer o conceito e características dos REA, saber onde encontrar, selecionar, organizar um acervo e uma forma de acesso rápido.
Reuse (Reusar) Direito de reusar o conteúdo de várias formas. Planejar e implementar atividades didáticas com REA, indicar como material de estudo complementar para os alunos e em metodologias ativas.
Revise (Rever) Direito de adaptar, ajustar, modificar o recurso. Ao adaptar um recurso, o professor ampliará o reúso, produzindo recursos para contextos/necessidades específicas e praticando a autoria. Possibilita também a tradução e a atualização de conteúdos.
Remix (Remixar) Direito de combinar o conteúdo original ou revisado com outro conteúdo aberto para criar algo. Produção de novos recursos a partir dos existentes. O professor, ao adaptar e remixar REA, pode agregar qualidade.
Redistribute (Redistribuir) Direito de compartilhar cópias do conteúdo original e/ou revisados. A possibilidade de redistribuir (compartilhar) REA selecionados, adaptados e remixados aumenta a disponibilização e divulgação dos REA.

Fonte: Adaptado pelas autoras deste artigo com base em Wiley (2001, p. 24) e Santos (2021, p. 337-339).

Mesmo com os avanços no Brasil em relação à conectividade e acesso à internet, as propostas educacionais não se atualizam com a mesma intensidade, e as estratégias didáticas continuam predominantemente expositivas. Neste contexto, se instala uma situação de disparidade entre o que é realizado em sala de aula e o que os estudantes vivenciam no seu dia a dia. Portanto, o debate sobre a aplicação das TDIC e REA na esfera da educação avança para sobre como torná-las efetivas no processo de ensino-aprendizagem e potencialmente utilizadas para a construção do conhecimento pelos alunos.

Pesquisa e Inovação Responsáveis - RRI

A RRI participa dessa tríade formativa, permeando o uso de metodologias ativas, TDIC e REA, por ser um movimento que propõe refletir e divulgar a necessidade de as pesquisas e produções científicas, assim como os conhecimentos escolares da educação básica, terem sentido e capacidade de provocar mudanças sociais ao estarem a serviço das necessidades vividas. A RRI é um construto humano elaborado em 2011 de comum acordo na União Europeia. Constitui-se como um meio de análise, estruturação e construção no ramo da pesquisa, oferecendo eixos que visam alinhar os resultados da ciência à melhora da vida humana em larga escala. Para isso, prega o alinhamento entre diferentes atores sociais acerca do sentido da pesquisa para a humanidade em geral e para a sociedade em particular. Preconiza que a produção científica deve estar a serviço dos dilemas e problemas sociocientíficos, com fins de sustentabilidade, a fim de tornar a sociedade mais resistente e preparada para possíveis crises geradas pelo meio natural e social (EUROPEAN COMISSION, 2020).

Esse novo conceito é uma abordagem que permite novos meios de relacionar a ciência e a sociedade, no qual todos atuam em conjunto durante todo o processo por meio do “desenvolvimento de habilidades de investigação para acompanhar, compreender e apropriar-se das inovações científicas” (ALMEIDA; OKADA, 2018, p. 2). Além de prevenção e contenção, a RRI surge com o intuito da aproximação da ciência com diferentes pessoas que convivem em determinado contexto, enfatizando cinco grupos: decisores políticos, comunidade de pesquisa, comunidade de educação, indústria empresarial e sociedade e organização civil (KUPPER et al., 2015). Dessa forma, se promove a interação de todos os atores sociais, por meio de metodologias inclusivas e participativas, em todas as etapas dos processos de pesquisa e inovação, apostando na cocriação e corresponsabilização.

Ao se basear no contexto real, os preceitos da RRI promovem o melhor entendimento sobre a situação-problema, objeto de investigação, facilitando a intervenção nele. Para que isso aconteça, quatro dimensões sustentam o conceito de RRI e apoiam-se em ações que objetivam a prática. A primeira é a antecipação e a reflexão acerca dos possíveis problemas; a segunda é a inclusão e a diversidade, ouvindo e engajando o maior número de pessoas e grupos, como os já citados, com diferentes conceitos e perspectivas possíveis; a terceira é a abertura e a transparência, no sentido do quê, como e o porquê a pesquisa será realizada; a última é a adaptação e a capacidade de respostas, em que se objetiva modificar pensamentos e comportamentos a fim de se criar mudanças significativas e sustentáveis na sociedade acerca do problema estudado (KUPPER et al., 2015).

Considerando esses pressupostos, um caminho e base para alcançar o que a RRI propõe consiste em implementá-la junto ao sistema de ensino. A ciência precisa ser despertada entre as crianças e jovens como conhecimento cidadão e mesmo como perspectiva profissional, além da condição de produtores-consumidores. É necessário que professores e estudantes desenvolvam a habilidade de tomar decisões baseadas na investigação, com vistas a um mundo sustentável. No entanto, um dos principais desafios para se utilizar a RRI na educação é mudar a maneira como os professores ensinam a ciência. É relevante que os conteúdos fundamentem os conhecimentos, habilidades e valores.

Nesse sentido, o Projeto Engage (ENGAGE PROJECT, 2021), na Europa, já alcançou o número de 15 mil professores-membros e mais de 300 mil educandos em 14 diferentes países. O Projeto desenvolveu um modelo de dez habilidades-chave de investigação para a RRI (Quadro 2), com o propósito de preparar os estudantes para essa perspectiva.

Quadro 2 Habilidades RRI do Projeto Europeu Engage 

HABILIDADES SIGNIFICADO
1 Elaborar perguntas Definir questões científicas com clareza para investigar fatores, causas ou correlações.
2 Interrogar fontes Questionar diferentes fontes pesquisadas e avaliar sua validade e veracidade.
3 Analisar consequências Avaliar o mérito de uma solução perante os problemas do mundo real, refletindo sobre as implicações econômicas, sociais e ambientais.
4 Estimar riscos Medir os riscos e os benefícios avaliando o impacto para a sociedade.
5 Analisar dados Interpretar dados de diversos formatos e com variedade de metodologias para identificar padrões e tendências e assim fazer inferências e extrair conclusões.
6 Tirar conclusões Determinar se afirmações na pesquisa são suportadas suficientemente por dados.
7 Criticar afirmações Examinar a consistência e coerência da evidência, ou seja, qualidade, precisão e suficiência para apoiar ou refutar as afirmações.
8 Justificar opiniões Sintetizar o conhecimento científico, as implicações e os valores de perspectivas para formar uma opinião suportada por evidência e raciocínio científico, indicando valores apoiados no pensamento.
9 Usar ética Compreender questões relacionadas a juízo de valor utilizando métodos para apoiar o pensamento ético para tomada de decisão, por exemplo, utilitarismo, direitos, deveres e virtudes.
10 Comunicar ideias Apresentar ideias claras, seja por meio da narrativa escrita, seja por meio da narrativa verbal, midiática, visual ou oral com diversos formatos, utilizando características ou padrões científicos.

Fonte: Engage Project (2021, tradução nossa).

Os participantes dos processos de RRI necessitam ser preparados para saber como a ciência funciona, compreendendo, entre outras coisas, os benefícios e os riscos da tecnologia, desenvolvendo postura e pensamento ético, a fim de participar dos debates e fazer escolhas conscientes, com julgamentos sustentados e argumentos plausíveis a seus pontos de vista. O processo ensino-aprendizagem tem muito a colaborar nesse sentido. Segundo Okada (2016), ambientes colaborativos, digitais ou não, são ótimas oportunidades de os educadores compartilharem ideias e ferramentas que incentivem a utilização da RRI em sala de aula.

Metodologia

A metodologia da pesquisa centrou-se numa abordagem quanti-qualitativa, do tipo pesquisa-ação, a qual demanda uma investigação com vistas à transformação da prática pedagógica do professor. Utiliza-se de uma intervenção ativa e flexível na qual tanto os pesquisadores como os grupos interessados interagem em todos os momentos do processo da pesquisa (THIOLLENT, 2000).

Dessa forma, se desenvolveu em três etapas. A 1ª etapa, denominada de “Processo de concepção do curso MOOC”,1 consistiu na criação e elaboração do curso combinado com a realização de workshops e encontros presenciais, numa abordagem híbrida, envolvendo os quatorze participantes do grupo de pesquisa. O curso estruturou-se em cinco módulos, conforme descritos no Quadro 3.

Quadro 3 Módulos do MOOC: RRI - uma nova estratégia didática 

MÓDULO CONTEÚDOS
Módulo 1 - Ambientação Ofereceu aos professores a contextualização sobre o MOOC e sobre a RRI.
Módulo 2 - Adoção Ofereceu a opção de aprofundar conceitos de RRI e aprender estratégias por meio de relatos de experiências e artigos científicos.
Módulo 3 - Adaptação Proporcionou um conjunto de ferramentas, atividades, jogos e explicações para melhorar o ensino da RRI, por meio de metodologias ativas e TDIC.
Módulo 4 - Transformação Desafiou os professores ao acesso de novos materiais RRI, para a cocriação de forma colaborativa, em que professores e alunos atuem como coconstrutores dos materiais.
Módulo 5 - Aplicação Recontextualizou a teoria estudada nos módulos anteriores à realidade escolar e requereu dos professores a elaboração de uma atividade final.

Fonte: Elaborado pelas autoras deste artigo.

A 2ª etapa, denominada de “Processo de validação da formação”, consistiu na aplicação do curso a estudantes de licenciatura, para validação da formação proposta. Foram melhorados aspectos como: ter uma guia para o cursista; deixar mais claro quais atividades entregar; transformar artigos extensos em REA, dando a opção ao cursista de qual utilizar; esclarecer o papel do tutor e das condições de certificação.

A 3ª etapa, denominada de “Processo de formação”, consistiu na aplicação do curso a profissionais da educação das cinco regiões do Brasil, com acompanhamento das atividades realizadas. É sobre ela que se apresentam e discutem os resultados. Manteve-se a oferta para estudantes de licenciaturas conforme ocorreu na 2ª fase. Os participantes do curso assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, antes de cada coleta de dados, na própria plataforma do curso. O anonimato dos participantes foi considerado utilizando-se identificações como “Cursista A”; “Cursista B” e assim por diante.

Além da descrição do perfil dos inscritos, da adesão ao curso e REA criados, utilizou-se a análise de conteúdo (BARDIN, 2016), em que todas as atividades finais de conclusão do curso foram analisadas, nas quais emergiram as seguintes categorias: segmento educacional de aplicação, contexto de aplicação enquanto sujeito, uso de metodologias ativas e de tecnologias educacionais e visão sobre RRI na condição de docentes. A explicitação dessas categorias é aspecto central dos resultados e discussões.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Perfil dos inscritos

Na etapa de inscrição ocorreram um total de 1.649 visualizações, com 345 inscrições efetivadas. Alcançou-se o objetivo de atingir todas as regiões do Brasil. A região Sul do país apresentou maior número de inscrições (56%). Os demais inscritos foram das regiões Sudeste (18%), Norte (14%), Nordeste (9%) e, com menor participação, da Centro-Oeste (3%). Entre os inscritos, a metade (50,6%) era de profissionais da educação. No entanto, estratificando as categorias de inscritos, identifica-se que mesmo os profissionais da educação ainda se encontravam na situação de estudante, sendo 27,2% em nível de pós-graduação.

Adesão ao curso

Os inscritos foram distribuídos em 8 turmas, por categoria de atuação profissional, no Google Classroom. Com o início do curso, o acesso se deu em sua maioria na primeira semana de informações liberadas. Foram 45 dias para a realização do curso. Nesse período, e-mails semanais personalizados por grupos e turmas foram enviados aos cursistas em diferentes situações: lembrando de entrar na sala/turma para habilitar sua participação no curso; parabenizando pelo início do curso; lembrando de continuar o curso; lembrando do prazo final do curso e da atividade final para certificação; parabenizando pelo término do curso, entre outros. Durante o percurso na realização do curso identificou-se diferentes índices de participação, conforme a Tabela 1.

Tabela 1 Número de participantes em diferentes fases de realização, Curso RRI - uma nova estratégia didática, IES, 3ª fase - 2020 

SITUAÇÕES PARA REALIZAÇÃO DO CURSO Nº DE PARTICIPANTES
Acesso a sala de aula 198
Resposta ao questionário inicial 126
Resposta à avaliação do curso 95
Concluiu o curso com envio de tarefa final 56
Obtenção de certificado 53

Fonte: Elaborada pelas autoras deste artigo.

Entre os inscritos e que se habilitaram nas salas, 198, do total de 345, houve uma perda de 57%, ou seja, 147 inscritos deixaram de realizar o curso. Os dados explorados a seguir correspondem às demais situações, conforme a Tabela 1. Esse dado revela o quanto realmente é necessário que os professores assumam e realmente participem de processos formativos continuados, considerando-se o engajamento efetivo. nos processos formativos (BRASIL, 2019), pois aprender e saber fazer não significa que realmente o professor engaje-se em um novo modelo didático, sem o que não pode se avançar muito no aperfeiçoamento profissional.

No 1º módulo do curso coletou-se dados acerca do perfil dos cursistas. Dos 198 que acessaram as salas de aula, 126 responderam a esse 1º instrumento de pesquisa. Foram dois grupos distintos que realizaram o curso: profissionais da educação e estudantes de ensino superior. Foram dois grupos distintos que realizaram o curso: profissionais da educação (59,5%), a maioria, conforme esperado, de estudantes de ensino superior (40,7%). No entanto, estratificando os dados, identifica-se que os profissionais da educação ainda se encontram também na condição de estudantes, quase na sua totalidade (58,9%), o que é muito positivo do ponto de vista da formação inicial ou continuada. Foram identificados 38,6% como profissionais da educação + estudantes de pós-graduação, atingindo o público dos grupos de pesquisa contatados. E 20% como profissionais da educação + estudantes de licenciatura, portanto, profissionais de nível médio avançando na carreira. A maioria afirmou ser do sexo feminino (71,4%), o que de fato representa ainda a maioria que opta pela carreira do magistério em diferentes níveis de ensino.

Quanto à idade, identifica-se um público com maior vivência com faixa etária acima dos 36 anos, relativo a 64% dos inscritos. Há um equilíbrio entre a faixa de 42 a 53 anos, com 28,8%, e a faixa de 26 a 41 anos, com 24,6% dos participantes. Acima de 54 anos encontra-se 10% do público. A faixa etária menor representa os estudantes, em que 7,9% têm até 20 anos e 15,8% encontram-se entre 21 e 24 anos. A faixa etária entre 25 e 35 anos, com 20,6%, abarca os estudantes de licenciatura, mas também profissionais já formados. Identifica-se assim que, mesmo acima dos 25 anos, há estudantes realizando sua licenciatura, com ingresso mais tardio ao ensino superior.

Esses dados foram corroborados em relação ao nível de formação, pois a maioria, 61,9%, afirmam possuir pós-graduação, sendo a maior parte especialistas em educação, seguidos por mestrado em educação e/ou doutorado em andamento. Destaca-se que também houve quase 20 profissionais mestres em outras áreas do conhecimento que não a educação. Os estudantes, completando esse quadro, foram de 29,4% ainda cursando a licenciatura e outros 21,4% com licenciatura concluída.

Quanto à atuação, os profissionais da educação, em sua maioria, atuam na docência, ou seja, 50,6% dos participantes do curso, conforme esperado. Os estudantes de licenciatura, o que também era esperado, ainda não atuam profissionalmente, o que corresponde a 27,2% dos respondentes. Outras menções apareceram, na atuação em gestão, coordenação, equipes técnicas, de pesquisa e administrativas, com um total de 22,9%.

Segmento educacional de aplicação do curso

Em relação à docência, os que se habilitaram nas salas de aula do curso e o realizaram atuam em todos os níveis de ensino da educação brasileira, em seus diferentes segmentos, conforme a Tabela 2, o que certamente contribuiu para os resultados alcançados em termos de aplicabilidade da RRI em diferentes contextos e níveis de ensino. Na educação básica destaca-se a docência no ensino médio, maior que as do fundamental e infantil. Há um certo equilíbrio para os que atuam no ensino superior, e aparece de forma significativa a atuação na educação profissional e na educação continuada.

Tabela 2 Menções à atuação profissional pelos participantes, Curso RRI - uma nova estratégia didática, IES, 3ª fase - 2020 

NÍVEL EDUCACIONAL SEGMENTO DE ENSINO Nº DE MENÇÕES
Não atua 42
Educação Básica Educação Infantil 15
EF - Anos Iniciais 15
EF - Anos Finais 15
Ensino Médio 22
EJA 12
Educação Especial 1
Educação Profissional 15
Ensino Superior Tecnólogo 6
Licenciatura 19
Bacharelado 16
Pós-Graduação 15
Educação Continuada 18
Total 211

Fonte: Elaborada pelas autoras deste artigo.

A maioria que atua na docência (48,4%) o faz no ensino presencial, que em razão da pandemia da Covid-19 se desenvolve de forma remota. No entanto, há docentes que atuam no semipresencial (11,1%) e no EaD (19%), provavelmente no ensino superior.

Também corroboram os dados de faixa etária mais alta e de formação em nível de pós-graduação o fato de a experiência de atuação na docência estar distribuída em sua maioria (26,2%) com mais de 15 anos de atuação, seguidas por atuação entre 10 e 15 anos (9,5%), entre 5 e 10 anos (13,5%) e de 3 a 5 anos (9,5%). Os que não atuam na docência correspondem a 26,2% dos respondentes.

Conforme inscritos, a metade dos que se habilitaram na sala de aula online para realizar o curso (51,6%) são da região Sul do Brasil, seguidos por participantes da região Sudeste (25,4%), Norte (12,7%), Nordeste (8,7%) e, com menor participação, Centro-Oeste (1,6%).

Portanto, conclui-se que o grupo de cursistas foi formado por profissionais da educação, com faixa etária média acima de 40 anos, experientes na docência, com mais de 10 anos de exercício profissional, atuando no ensino presencial remoto, com distribuição equilibrada entre a atuação na educação básica e o ensino superior. Possuem alto nível de formação - pós-graduação -, sendo a maioria especialistas em educação, com boa parte ainda na condição de estudantes de mestrado e doutorado. A maioria é do Sul do país. Os estudantes, por sua vez, são na maioria dos cursos de licenciatura, apresentam faixa etária compatível até 24 anos, mas com parte adentrando a faixa etária dos 25 aos 30 anos, revelando entrada tardia no ensino superior. A maioria, conforme esperado, não trabalha ainda e, portanto, não tem experiências no exercício da docência. Também são em maioria do Sul do país.

REA produzidos

Foram criados para o curso 34 REA: 1 ebook-guia do aluno; 10 apresentações (ppt); dois infográficos; 13 vídeos; cinco textos-link artigos; dois questionários; uma atividade. Essa etapa intencionou aprimorar os conhecimentos dos participantes do grupo de pesquisa sobre os conceitos de RRI, REA e inovações pedagógicas com o uso de TDIC. Foram 14 membros do grupo que vivenciaram essa prática. Os REA foram colocados à disposição dos cursistas, distribuídos nos diferentes módulos. Os REA puderam ser baixados pelos participantes do curso, que poderiam arquivá-los para consultas e usá-los tanto para o curso, como para outras atividades desejadas, aplicando os 5Rs preconizados neste estudo.

Aplicação prática das habilidades da RRI

Para a certificação do curso, com avaliação e feedback do tutor, os participantes realizaram uma atividade final que consistia na aplicação dos conhecimentos adquiridos e das reflexões realizadas no curso, explorando as 10 habilidades da RRI na vida cotidiana e em futuras ações docentes. A aplicação das habilidades envolveu a temática da pandemia da Covid-19, como um tema de atual relevância sociocientifica. A atividade consista em: tomar como desafio o fenômeno da pandemia; preencher o quadro para exercitar as 10 habilidades em RRI; considerando a atuação docente, com o uso de metodologias ativas e TDIC. Cada habilidade foi avaliada conforme modelo indicado no Quadro 4.

Quadro 4 Habilidades RRI avaliadas no curso 

HABILIDADES DETALHAMENTO ELABORAÇÃO
1. Elaborar pergunta(s) Definir com clareza perguntas de cunho científico que investigam as correlações entre diversos fatores.
2. Interrogar fontes Questionar as diferentes fontes pesquisadas e avaliar sua validade e veracidade.

Fonte: Recorte atividade final do curso RRI - uma nova estratégia didática, PRAPETEC/PUCPR, 2020.

Houve a entrega de 56 atividades finais pelos participantes do curso, e a certificação de 53 delas, que atenderam os critérios estabelecidos.

Contexto de aplicação enquanto sujeito

Como resultado dessa atividade, identificou-se quatro vertentes de aplicação das habilidades RRI: como alunos, como pesquisadores, como docentes e como gestores.

Os dez que responderam como alunos do curso o fizeram explorando as habilidades da RRI, de forma geral demonstrando a aplicação delas como um cidadão diante da Covid-19. Nesse caso, o aproveitamento do curso foi mínimo para a certificação, pois demonstraram compreensão das habilidades RRI, ainda que não a tenham aplicado em situações de docência.

Outros seis responderam na condição de pesquisadores, sugerindo pesquisas acerca dos impactos da Covid-19 no setor educacional. Uma sociedade sustentável é o que almeja a RRI, e exercitar protocolos de pesquisa com bases em suas habilidades promove esse exercício de realizar pesquisas pertinentes.

De forma inesperada, houve também uma contribuição relativa à gestão de pessoas ao abordar o trabalho remoto. A gestora utilizou-se da sequência de habilidades RRI como um roteiro de reflexões, elaboração de conhecimento e sensibilização da equipe de servidores técnicos da uma universidade pública no processo de adaptação ao trabalho remoto.

Conforme esperado, a maioria dos concluintes, 36 deles, responderam como docentes, embora alguns sem explicitação do contexto de aplicação. A Tabela 3 revela o cômputo das atividades obtidas, em que docentes atuantes na educação básica foram os que mais abordaram o uso da RRI como nova metodologia didática. Os que identificaram o contexto o fizeram explorando situações hipotéticas em sala de aula acerca da pandemia, com algum problema relacionado à sua disciplina de atuação.

Tabela 3 Menções ao contexto de aplicação da atividade final, Curso RRI - uma nova estratégia didática, PRAPETEC/PUCPR, 2ª fase - 2020 

CONTEXTO DE APLICAÇÃO DAS HABILIDADES RRI TOTAL
Aluno-cidadão 10
Pesquisador 6
Docente geral - sem contexto específico 9
Docente da educação básica Ensino Fundamental - Anos Iniciais 3
Ensino Fundamental - Anos Finais 3
Ensino Médio 11
Docente ensino superior 7
Docente formador de professores 3
Gestor de pessoas 1
Total 53

Fonte: Elaborado pelas autoras deste artigo.

A seguir exemplificam-se apenas as aplicações relativas à docência e à formação de professores em razão do limite de espaço para a publicação. Os exemplos demonstram a variedade de contextos e níveis de ensino com que as habilidades RRI podem ser utilizadas em conjunto com metodologias ativas e TDIC, em um total de 24 experiências coletadas das 36 entregues. Doze delas não se pode ter mais acesso pela exclusão pelos autores antes do download pela equipe de pesquisa.

APLICA ÇÕES NA DOCÊNCIA

Docência no ensino fundamental - anos finais

Apresenta-se a experiência elaborada para a disciplina de Ciências, no 7º ano, para a rede pública ou privada. Fica evidente o domínio das habilidades RRI utilizadas como uma sequência didática própria, em que estratégias ativas de aprendizagens, não necessariamente uma metodologia ativa, mobilizam os alunos. O uso de TDIC vai além de busca de fonte de informações e as utilizadas, inclusive, foram objeto de estudo no curso. Portanto, trata-se de um demonstrativo de uma aplicação que atingiu plenamente os objetivos da formação.

Quadro 5 Exemplo de aplicação da RRI como estratégia didática para o ensino fundamental - anos finais 

HABILIDADES RRI E SITUAÇÕES DIDÁTICAS
1. Elaborar pergunta(s)
Cada grupo irá produzir um mapa mental colaborativo com as principais perguntas sobre a Covid-19 (essas perguntas serão a base de toda a atividade). Sugestão de recurso: padlet ou lucidchart.
2. Interrogar fontes
Os grupos realizarão uma pesquisa na internet, coletando 5 fontes principais. Uma vez que as fontes sejam escolhidas, as informações serão checadas com outras pesquisas na internet.
3. Analisar consequências
Com base nas pesquisas realizadas, cada grupo irá produzir uma narrativa sobre 3 possíveis cenários: 1) pandemia com medidas severas de isolamento; 2) pandemia com medidas leves de isolamento; 3) pandemia sem medidas de isolamento.
4. Estimar riscos
Ainda sobre as narrativas anteriores, cada uma delas deverá conter uma estimativa do número de infectados e possíveis mortos.
5. Analisar dados
Para finalizar essas narrativas, os grupos deverão produzir um gráfico em curva que represente o avanço da doença em cada um dos cenários especificados.
6. Tirar conclusões
Produção de um vídeo sintetizando as principais informações vistas na pesquisa, os dilemas e as opiniões pessoais sobre o tema.
7. Criticar afirmações
Com base no vídeo produzido, cada grupo produzirá uma imagem que reflita quais medidas podem ser modificadas durante o isolamento social (uma que precisa ser melhorada, uma que precisa ser mantida e outra que precisa diminuir).
8. Justificar opiniões
Além da imagem produzida, os grupos devem produzir um novo mapa mental, explicando (com base científica) o porquê de cada uma das medidas escolhidas.
9. Usar ética
Ao produzir a imagem, o grupo deve indicar se a ação beneficia apenas o indivíduo, uma família ou toda a sociedade local.
10. Comunicar ideias
Todo o material produzido pelos grupos será enviado para um site. Nessa última etapa, cada grupo lerá o material produzido por outro grupo e avaliará os colegas.

Fonte: Proposta elaborada pelo Cursista A.

Foram mais duas aplicações registradas seguindo esse modelo, em que produções de vídeos e mapas conceituais enquanto TDIC tornam-se ferramentas a favor das aprendizagens.

Docência no ensino médio

A aplicação a seguir, além de demonstrar o ensino de forma remota, o faz com uso de metodologias ativas com TDIC. O docente deixa claro que se utiliza do ensino com pesquisa, por meio de uma ferramenta digital - a webquest. Vai além do que o curso solicitava e demonstra que, apesar de ser remoto em razão da pandemia, as didáticas para o ensino médio podem ser ativas e a construção do conhecimento pelos alunos permeada pelas habilidades RRI em ambientes online. O contexto pedagógico de aplicação hipotética foi o 3º ano do Ensino Médio, na disciplina de Língua Portuguesa, considerando-se o contexto da escola pública de uma rede estadual.

Quadro 6 Exemplo de aplicação da RRI como estratégia didática para o ensino médio com ensino pela pesquisa 

HABILIDADES RRI E SITUAÇÕES DIDÁTICAS
1. Elaborar pergunta (s)
Fazendo uso do Zoom, promover uma reunião online com os estudantes para levantar as principais dúvidas, questionamentos e preocupações sobre e durante o período de enfrentamento da pandemia da Covid-19. Após classificação das perguntas em grandes temas, conduzir ao segundo passo. Supondo que a temática selecionada esteja relacionada às dificuldades para mantermos a saúde do corpo e da mente com a recomendação de isolamento social.
2. Interrogar fontes
Disponibilizar aos estudantes uma Webquest, a qual será desenvolvida em sala de aula virtual do Google, na qual encontrarão indicações de fontes confiáveis para leitura de diferentes fontes de pesquisa sobre o tema de estudo. Dentre as fontes indicadas poderá haver: vídeos, infográficos, artigos científicos, reportagens de revistas digitais. Para concluir a tarefa de pesquisa proposta na Webquest, os estudantes devem seguir os demais passos da abordagem RRI, além de acrescentar uma nova fonte.
3. Analisar consequências
Ao desenvolver as tarefas propostas na Webquest, os estudantes precisarão desenvolver a habilidade de examinar as consequências das decisões individuais e coletivas para a própria sociedade (a comunidade local, regional e mundial).
4. Estimar riscos
Ao examinar as consequências das possíveis decisões individuais e coletivas, precisarão estimar riscos para cada uma das possíveis ações, ponderando os benefícios versus riscos.
5. Analisar dados
A partir dos dados obtidos nos materiais indicados de leitura, deverão fazer a análise dos dados presentes nos textos e considerar como as populações de outros países e regiões do Brasil têm enfrentado a problemática, buscando identificar padrões e tendências e assim fazer inferências e extrair conclusões sobre possíveis formas mais adequadas de enfrentamento da pandemia de Covid-19, mantendo a saúde do corpo e da mente.
6. Tirar conclusões
Parte das tarefas da Webquest proposta é redigir um texto argumentativo no qual descrevam a que conclusão chegaram, de forma a tornar perceptível o novo patamar de conhecimento, ou seja, o conhecimento com embasamento científico.
7. Criticar afirmações
Considerando que as tarefas serão desenvolvidas por pequenos e diferentes grupos de estudantes, ao término da elaboração das tarefas propostas na Webquest será promovida outra reunião fazendo uso do Zoom para que os textos sejam apresentados e defendidos - desenvolver a crítica e a argumentação. Tal debate será mediado pelo professor.
8. Justificar opiniões
Esse passo será desenvolvido no debate proposto na etapa anterior, sendo necessário para a argumentação.
9. Usar ética
A ética deverá pautar o desenvolvimento de todas as tarefas, sendo necessário citar as fontes de pesquisa consultadas, o respeito às diferentes opiniões, principalmente na contra-argumentação. Os textos produzidos deverão conter citações referenciadas, não sendo permitido o plágio.
10. Comunicar ideias
Como produto, após as discussões e debate deverá ser produzido um infográfico colaborativo de toda a turma para ser divulgado nas redes sociais, site da escola, entre outas mídias digitais.

Fonte: Proposta elaborada pelo Cursista B.

As apresentações relativas ao ensino médio foram as de maior incidência, 11 delas, porém, não adotam uma metodologia ativa como o exemplo acima. O fazem utilizando estratégias didáticas ativas diversas ao lado de TDIC, o que também é válido.

Docência no ensino superior

Dentre as sete aplicações para o ensino superior, apresenta-se a seguir a que considerou como contexto pedagógico o curso de Pedagogia na disciplina de Pesquisa e Prática Pedagógica. A situação hipotética refere-se ao período noturno também de forma remota. As habilidades RRI, nesse caso, são abordadas conjuntamente com a metodologia da aprendizagem baseada em problema e em equipes, em que os alunos definem os problemas, constroem roteiros, testam hipóteses e validam informações no coletivo. As TDIC, para além de fontes de informação, são utilizadas para produção e sistematização do conhecimento, inclusive algumas indicadas no curso realizado.

Quadro 7 Exemplo de aplicação da RRI enquanto estratégia didática como aprendizagem baseada em problemas 

HABILIDADES RRI E SITUAÇÕES DIDÁTICAS
1. Elaborar pergunta(s)
Convidar os alunos a formarem grupos e definir temas referentes ao grande tema: Covid-19. Instigar os estudantes a destacar questões, dúvidas, perguntas e preocupações referentes aos desafios educacionais frente à pandemia. Propor ao grupo que defina subtemas importantes para o contexto em que vivem e classifiquem por interesse o que foi discutido, destacando as questões que consideram mais relevantes ao contexto.
2. Interrogar fontes
Propor aos alunos uma pesquisa sobre o subtema elencado no grupo. O professor irá indicar fontes confiáveis para os alunos pesquisarem, utilizando principalmente o computador, a internet e revistas digitais. Além disso, orientar os alunos para que pesquisem em 4 fontes, colocando a referência, a data, o nome do autor. Depois, fazer um mapa mental utilizando o Lucidchart ou outro recurso de escolha do aluno, comparando as informações, estabelecendo relações e identificando conceitos.
3. Analisar consequências
Após a pesquisa realizada, os grupos irão refletir sobre os dados encontrados e organizados no mapa mental. Em seguida irão refletir sobre a temática, os deveres e cuidados a serem tomados pela escola e o impacto na coletividade. Reunir informações a partir da pesquisa realizada, olhar a realidade, os acontecimentos e questionar decisões tomadas no âmbito social (distanciamento social, volta às aulas, ensino remoto na educação infantil e anos iniciais, alfabetização digital etc.). Trazer dados e bases científicas para debater e confrontar hipóteses.
4. Estimar riscos
Partindo do grande tema Covid-19, os alunos irão separar questões positivas e os riscos, devido à pandemia, por exemplo, da exposição das crianças e adolescentes à Internet, redes sociais, abusos dentro de casa, o papel da escola na educação, ações que podem ser tomadas e delegadas etc. Estimar riscos para o indivíduo e a coletividade.
5. Analisar dados
Utilizando diversas fontes, como jornais e revistas digitais, podcasts, artigos sobre o tema com dados e recursos audiovisuais como gráficos, imagens, realizar comparações entre a problemática e outras situações enfrentadas na escola de modo semelhante e em anos anteriores. Como foi enfrentada? O que pode ser feito? Qual a relevância? Dessa forma, os alunos farão a checagem dos dados.
6. Tirar conclusões
Conforme os passos anteriores e tendo em vista a problemática, os alunos irão inferir e testar hipótese para tirar conclusões; tendo em mente as ações a serem empregadas; o grande tema, o conhecimento da realidade dos alunos, professores e comunidade. As conclusões devem estar baseadas nas hipóteses, na pesquisa, nos dados da realidade, na discussão e argumentação. Assim, cada grupo irá criar um vídeo (Adobe Spark, Wave.video, Animoto ou outra ferramenta) para elencar as conclusões tiradas do processo científico vivenciado até o momento.
7. Criticar afirmações
Para a crítica de afirmações, após a apreciação dos vídeos elaborados pelos grupos sobre suas descobertas, será realizado debate sobre o tema (No caso do distanciamento social, pode ser realizado via Meet, Hangout ou Zoom), com defesa de argumentos, ideias e proposição.
8. Justificar opiniões
Com base em argumentos e validações, os pontos de vista devem ser justificados com base no processo realizado.
9. Usar ética
Em todo momento, os dados devem ser recolhidos com fontes reconhecidas, citadas e checadas. Os debates devem ter respeito aos diferentes pontos de vista e justificativas, com escuta ativa, contra-argumentar com palavras sem ofensas, agir eticamente e compreensão das ações éticas no cotidiano.
10. Comunicar ideias
Ao término do debate os alunos irão produzir um trabalho para ser submetido a Congresso (poster ou comunicação oral) com ênfase no seu subtema de interesse. Como encerramento a turma irá produzir um site no WIX para a comunicação do trabalho realizado e descobertas, em que serão divulgados os mapas mentais, os vídeos, os argumentos debatidos e os resumos submetidos ao Congresso.

Fonte: Proposta elaborada pelo Cursista C.

Aplicação na formação docente

Além da docência em si, houve três aplicações para os processos de formação docente. Os cursistas consideraram a própria Covid-19 como tema de estudo pelos professores por impactar os processos educacionais. O momento impôs novas habilidades ao exercício da docência, além de novas formas de convívio para a volta presencial às aulas.

A aplicação a seguir trata-se de uma formação online aberta, correlacionando as habilidades RRI a dispositivos e ferramentas do ambiente virtual aprendizagem (AVA) Moodle. Segundo o cursista que propôs a experiência, os professores precisaram utilizar TDIC e desenvolver metodologias ativas para trabalhar online com seus estudantes, diante do atual cenário educacional, impactado pela pandemia da Covid-19, o que foi proposto como vivência formativa. As ferramentas do Moodle foram associadas à RRI: chat (elaborar perguntas, criticar informações e justificar opiniões); fórum de discussão (interrogar fontes e tirar conclusões); grupos do moodle e wiki (analisar consequências e estimar riscos); base de dados (analisar dados); URL (usar a ética); página (comunicar ideias). Trata-se de um exemplo ímpar de como a formação continuada de professores pode basear-se nas habilidades RRI e construir conhecimentos que venham a retratar posturas e atitudes, com base na ciência.

Quadro 8 Exemplo de aplicação de RRI como estratégia didática na formação de professores em processos online 

HABILIDADES RRI E SITUAÇÕES DIDÁTICAS
1. Elaborar pergunta(s)
O curso proposto inicia com um CHAT de atividade síncrono-problematizador. A pergunta para reflexão e debate é a seguinte: Os órgãos governamentais determinaram que os estudantes devem voltar às aulas presenciais em breve, pois todos vão utilizar materiais de segurança (EPIs). Todavia, circula na mídia e são divulgadas informações científicas que uma nova onda de Covid-19 está surgindo. Você, como professor, precisa de maneira interdisciplinar mostrar que são necessárias atitudes de prevenção e análise crítica desse contexto, pois não será possível ficar em casa. Então, o que fazer para não colocar toda a sua comunidade em risco? Quais questões sociocientíficas e que metodologia você trabalharia com seus alunos para que eles pudessem desenvolver projetos educacionais para resolver esse problema? As respostas seriam categorizadas e, numa etapa posterior, seria elaborado um mapa mental.
2. Interrogar fontes
Nessa fase os professores seriam convidados a avaliar alguns artigos, tais como matérias da mídia e publicações científicas. Eles seriam questionados, por exemplo, se determinada notícia é verdadeira ou falsa, como, por exemplo, dizer que “vinagre” mata o vírus da Covid-19. Ao final, eles colocariam suas percepções em um FÓRUM de discussão.
3. Analisar consequências
Para examinar as consequências, com base nos dados recolhidos anteriormente e na discussão feita no fórum, os professores serão colocados em Grupos para analisar se a decisão do governo está correta e apontar os possíveis impactos da volta às aulas para a comunidade local. Usar o recurso GRUPOS do Moodle.
4. Estimar riscos
Agora os professores avaliam em pares, com outros grupos, as medidas de segurança que podem ser adotadas e os impactos negativos da volta às aulas presencial. Usa-se os recursos GRUPOS e WIKI do Moodle.
5. Analisar dados
Nessa fase, os professores serão convidados a pesquisar o que já aconteceu no mundo em determinadas pandemias, refletindo sobre a liberação dos estudantes para voltarem às aulas presenciais. Como recurso do Moodle será utilizada uma BASE DE DADOS, para que todos tenham acesso aos dados coletados.
6. Tirar conclusões
Aqui, um novo fórum será aberto para que conclusões possam ser tomadas pelos professores. Um especialista, como, por exemplo, um biólogo e um gestor público, avalia os comentários do fórum e participa da discussão. Usa o recurso FÓRUM de discussão do Moodle.
7. Criticar afirmações
Para criticar as informações, os professores voltam ao CHAT para debater. Busca-se saber quem é a favor ou não das voltas às aulas com o devido uso de EPIs.
8. Justificar opiniões
Ainda no CHAT, os professores terão que validar cientificamente suas opiniões e argumentar seu apoio ou não à volta às aulas. Por exemplo, se um professor diz que as crianças devem voltar porque os EPIs fornecem 100% de segurança, ele terá que trazer as afirmações científicas disso.
9. Usar ética
Agora será usado o recurso URL do Moodle para que os professores acessem outro ambiente online, o Litemap, o qual oportuniza o mapeamento de uma discussão de uma comunidade. Desse modo, todos os participantes devem acessar o ambiente Litemap para avaliar as categorias elaboradas na primeira discussão [que tiverem origem no primeiro chat] e servem de apoio para que os professores usem a ética. Agora bem-informados eles poderão argumentar contra ou a favor de determinadas questões, e, ainda, serão capazes de refletir se as consequências examinadas trazem benefícios ou riscos para as comunidades.
10. Comunicar ideias
Por fim, os professores serão convidados a produzir vídeos de 1 a 3 minutos sobre as suas ideias. Os vídeos devem ser submetidos à plataforma Youtube. No Moodle os links dos vídeos ficarão disponíveis no recurso PÁGINA para que todos tenham acesso. Essa é uma maneira de empoderar a opinião dos professores e convidar a comunidade para novos debates e busca de soluções para o problema inicialmente proposto.

Fonte: Proposta elaborada pelo Cursista E.

Outra experiência, referente à formação de professores, utiliza as habilidades de RRI também para abordar o movimento de retorno presencial das aulas, intitulado pelo cursista como “Programa Professores Inovadores Responsáveis”. Propõe o desenvolvimento de um projeto, por grupos, com quatro profissionais cada, para compartilhar a criação de uma peça de comunicação a ser utilizada para conscientizar professores e gestores. Fica clara a metodologia de projetos sendo utilizada. O processo envolve sempre a produção de conhecimentos de forma compartilhada. No entanto, parece ser uma situação hipotética presencial, pois não menciona o uso de TDIC, seja como meio para o encontro entre os participantes, seja como ferramentas que ajudariam nas elaborações. Nesse sentido, poderia ter sido mais assertiva e aproveitado as aprendizagens do curso. As habilidades RRI funcionaram como uma sequência formativa e construtiva do produto a ser elaborado.

Quadro 9 Exemplo de aplicação da RRI como estratégia didática em metodologia de projetos na formação de professores 

HABILIDADES RRI E SITUAÇÕES DIDÁTICAS
1. Elaborar pergunta(s)
Atividade de reflexão individual + depois compartilhamento em duplas + depois compartilhamento em duas duplas (o grupo final que desenvolverá o projeto): Pensando nos riscos sanitários envolvidos com a volta as aulas presenciais, liste as três principais questões que você gostaria de perguntar para médico especialista - defina três questões mais relevantes para investigar, visando ao produto.
2. Interrogar fontes
Atividade de pesquisa e justificativa de escolha de fontes: Considerando cada uma das três questões levantadas: 1) pesquise a resposta em três fontes distintas; 2) justifique a escolha das fontes; 3) compare as respostas; e 4) elabore a sua resposta com base no que aprendeu.
3. Analisar consequências
Atividade de avaliação da solução: Com base na resposta escolhida, liste o grupo de pessoas (alunos, funcionários, parentes etc.) que seriam impactados e quais seriam as consequências para esses diferentes grupos. Onde, como e com quem pode-se obter mais informações?
4. Estimar riscos
Atividade dos riscos: Para cada um dos grupos da atividade anterior: 1) quais podem ser os impactos negativos da adoção da solução?; 2) Como se pode estimar a chance desses impactos se concretizarem? Existe alguém ou fontes que podemos consultar para obter dados?
5. Analisar dados
Atividade “Com base em quê?”: 1) Consultar fontes de outras escolas, outros países, imprensa etc. que tragam dados sobre as decisões tomadas e os impactos na volta as aulas presenciais; 2) Montar um quadro que explicite fontes, ações tomadas e impactos.
6. Tirar conclusões
Atividade “E agora”: Com base nas informações levantadas, nos aprendizados e considerando a solução inicialmente pensada: 1) o que se decide manter e alterar?; 2) O que nos fez manter / mudar de opinião?
7. Criticar afirmações
Atividade “Será que é isso mesmo?” Debate em duplas, no grupo: 1) Uma dupla defende a solução e outra ataca; 2) Na metade do tempo disponível, invertem-se os papéis: quem defendeu ataca e vice-versa; 3) Registra-se os pontos fortes e falhas da argumentação a favor.
8. Justificar opiniões
Atividade “É isso, por causa disso”: O grupo prepara uma parte da comunicação explicitando a solução, os argumentos e impactos.
9. Usar ética
Atividade “O jeito certo”. O grupo prepara uma parte da comunicação que traz as fontes utilizadas, as discordâncias ocorridas no debate e como foram resolvidas.
10. Comunicar ideias
Atividade “Nossa volta segura”. O grupo prepara uma comunicação para os demais professores (presencial ou por meio virtual) sobre os receios e questões que tinham, relacionados à volta às aulas, e a solução proposta, incluindo as duas atividades anteriores.

Fonte: Proposta elaborada pelo Cursista D.

O cursista proponente menciona que essa experiência pode ser aplicada também como atividade extracurricular para alunos do Ensino Fundamental - anos finais e Ensino Médio. Nesse sentido, qualquer dilema sociocientífico em formações de professores e reuniões deliberativas poderiam utilizar-se da sequência de questões da RRI como no exemplo acima.

Conclusões

Pode-se concluir que o curso “RRI - uma nova estratégia didática” atendeu aos seus objetivos de desenvolver um conjunto de recursos digitais práticos e ações voltadas para a conscientização, disseminação, formação e implementação da RRI como prática pedagógica. As produções em REA oportunizaram aos elaboradores do curso adentrar nas questões dos 5Rs e da Creative Commons, além de dominar os novos conceitos propostos pela RRI e organizar um curso em ambiente online. As dimensões formativas do conhecimento, da prática e engajamento foram fundamentais nesse processo.

Os participantes do curso, por sua vez, que chegaram até a conclusão demonstraram conhecimento adquirido, aplicação prática com autoria e engajamento em seu processo formativo. Os resultados demonstram que a RRI se tornou uma sequência orientativa na atuação docente, na abordagem da formação de professores, nos protocolos de pesquisas, na gestão de pessoas e, mesmo, na vida do cidadão refletindo sobre a Covid-19 para diferentes níveis da educação.

Quanto à atuação docente, foco principal da ação, pode-se concluir que os professores apresentam duas vertentes pedagógicas na abordagem da RRI: um misto de estratégias ativas de aprendizagem ao lado do uso de TDIC e, por outro lado, a adoção de uma clássica metodologia ativa, imbricando na sequência delas as habilidades RRI e o uso de TDIC.

No primeiro caso, as habilidades RRI tornam-se elas mesmas uma sequência didática, sendo, portanto, uma nova metodologia, como o pretendido no curso. Com seleção de melhores estratégias ativas para atender ao desejado em função da habilidade RRI em foco, os docentes colocaram os alunos no centro do processo como protagonistas da construção do conhecimento, demonstrando o conceito de metodologia ativa adotado neste estudo. Foi unânime o uso da aprendizagem baseada em equipes. Quanto às TDIC, utilizaram-se de ferramentas diversas para a busca de informações, construção e compartilhamento do conhecimento construído, indo além da simples busca de informação. Ficaram evidentes possibilidades concretas de produção do conhecimento, como preconizou-se no conceito de literacia adotado. Os professores souberam atrelar estratégias ativas ao uso de TDIC com sentido pedagógico.

A outra perspectiva, em menor índice de frequência, adotou explicitamente uma metodologia ativa. Foram os casos do ensino com pesquisa, a aprendizagem baseada em problemas e a aprendizagem baseada em projetos. Seguiram os passos da metodologia, aliando-as às habilidades RRI com o uso de TDIC. Também prevaleceu a aprendizagem por equipes e o uso de TDIC para além de busca de informações. AS TDIC foram utilizadas como ferramentas de construção e compartilhamento do conhecimento. Destaca-se que uma das experiências ainda se valeu da ferramenta Webquest, favorecendo o ensino remoto de forma ativa. Neste caso, como no anterior, os professores souberam atrelar estratégias e metodologias ativas ao uso de TDIC com sentido pedagógico, desenvolvendo a literacia digital.

Embora com decréscimo de participação nas várias etapas do processo, entre visualizações, inscrições, início do curso, avaliação do curso e entrega da atividade final para certificação, centenas de profissionais da educação e estudantes de ensino superior das diferentes regiões do país, ao menos souberam da existência e das possibilidades de aplicação das habilidades RRI. Os que concluíram o curso conseguiram aliar a perspectiva da RRI aos seus currículos escolares e demonstrar que escola e vida podem produzir conhecimentos pertinentes, usando metodologias ativas e TDIC. Nesse caso, conhecimento, prática e engajamento precisaram caminhar juntos, como dimensões formativas que se entrelaçam.

Os exemplos destacados neste estudo demonstram a RRI como nova abordagem didática possível em qualquer contexto e nível de ensino, promovendo a construção do conhecimento segundo critérios científicos. Pode ser utilizada como metodologia própria ou correlacionada com metodologias ativas clássicas. O uso de TDIC proporcionado pelo curso e demonstrado em uso nas experiências analisadas as valorizam para além de acesso às informações. As TDIC oferecem ferramentas a favor do processo ensino-aprendizagem, especialmente a aprendizagem como construção do conhecimento de forma colaborativa e socialização dele. Nesse sentido, a literacia digital parece ter sido desenvolvida e demonstrada pelos participantes.

Com essa ação, a universidade pôde colaborar nos processos formativos contínuos de professores, de acordo com a Resolução CNE/CP nº 2, de 20/12/2019 (BRASIL, 2019), de modo que eles pudessem “organizar e planejar práticas pedagógicas desafiadoras, coerentes e significativas”, bem como “compreender, utilizar e criar TDIC de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética”, além de “conhecer a relação dos conteúdos que ensina com o contexto no qual o aluno está inserido” (BRASIL, 2019, p. 5). Pretendeu-se com este projeto formar as atuais e as futuras gerações de professores pesquisadores para lidar com as questões complexas que envolvem as aprendizagens ativas e as possibilidades tecnológicas emergentes e inovadoras, atingindo-se todas as regiões do Brasil. No entanto, novas ações formativas podem ser desenvolvidas neste sentido para aprofundamento das questões aqui levantadas.

1O Curso Online Aberto e Massivo, do inglês Massive Open Online Course (MOOC), modalidade gratuita de educação online e aberta, que permite a participação de muitos estudantes, de qualquer local e tempo. Desenvolve-se utilizando ambientes virtuais de aprendizagem, ferramentas da Web 2.0 ou redes sociais, que instigam os alunos a desenvolverem e produzirem seus conhecimentos por eles próprios.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, M. E. B; OKADA, A. Pesquisa e inovação responsáveis na educação apresentação do dossiê temático. Revista e-Curriculum, São Paulo, v. 16, n. 2, p. 243-251, abr./jun. 2018. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/curriculum/article/view/37856 Acesso em: 20 jan. 2021. [ Links ]

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Recebido: 30 de Abril de 2021; Aceito: 11 de Agosto de 2021

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