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vol.30 número64RECALIBRANDO COREOGRAFIAS INSTITUCIONAIS PARA APRENDIZAGEM E ENSINO FUTUROINOVAÇÃO, INCLUSÃO DIGITAL E EDUCAÇÃO AO LONGO DA VIDA: PERSPECTIVAS EM DISPUTA NO CONTEXTO DA PANDEMIA DA COVID-19 E DE UM CRESCENTE AUTORITARISMO índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versão impressa ISSN 0104-7043versão On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.30 no.64 Salvador out./dez 2021  Epub 19-Mar-2022

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2021.v30.n64.p92-106 

DOSSIÊ TEMÁTICO

CURRÍCULOS EM AÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA: DESAFIOS DA INOVAÇÃO

CURRICULUMS IN ACTION IN PANDEMIC TIME: CHALLENGES OF INNOVATION

CURRÍCULOS EN ACCIÓN EN TIEMPO DE PANDEMIA: DESAFÍOS DE LA INNOVACIÓN

*Pós-doutorado em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Professor colaborador da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Curitiba, Paraná, Brasil

**Doutora em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora associada IV da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Curitiba, Paraná, Brasil

***Pós-doutorado em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professora associada da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil


RESUMO

Neste artigo apresentamos uma pesquisa que teve o objetivo de analisar os currículos produzidos em tempos de pandemia para os alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental e identificar aspectos inovadores com o uso de tecnologias digitais (TD). É uma pesquisa de abordagem qualitativa do tipo exploratória que foi realizada com professoras da Educação Básica do município de Araucária, no estado do Paraná. As professoras foram convidadas a elaborar um plano de aula com uso de uma tecnologia digital e a responderem um questionário on-line. A partir dos dados analisados foi possível concluir que, apesar da pandemia ter levado as professoras a usarem mais as tecnologias digitais, elas precisam de formação continuada para compreender que um currículo em ação para ser inovador deverá alterar processos de transmissão de informações com uso de TD e que estas deverão estar integradas ao currículo, no qual o aluno é ativo na aula, seja ela presencial ou a distância.

Palavras-chave: tecnologias digitais; escola; ensino fundamental; formação de professores; integração curricular

ABSTRACT

In this article we present a survey that aimed to analyze the curricula produced in times of pandemic, for students in the early years of elementary school and to identify innovative aspects with the use of digital technologies (DT). It is a research of qualitative approach of the exploratory type that was carried out with teachers of Basic Education of the municipality of Araucária, in the State of Paraná. The teachers were invited to develop a lesson plan using digital technology and to answer an online questionnaire. From the data analyzed, it was possible to conclude that although the pandemic has led teachers to use digital technologies more, they need continuing education to understand that a curriculum in action to be innovative must change information transmission processes using DT and that these should be integrated into the curriculum, in which the student is active in class, whether in person or remotely.

Keywords: digital technologies; school; elementary school; teacher training; curricular integration

RESUMEN

En este artículo presentamos una encuesta que tuvo como objetivo analizar los currículos producidos en tiempos de pandemia, para estudiantes en los primeros años de la escuela primaria e identificar aspectos innovadores con el uso de tecnologías digitales (TD). Se trata de una investigación de abordaje cualitativo de tipo exploratorio que se realizó con docentes de Educación Básica de la ciudad de Araucária, en el Estado de Paraná. Se invitó a los profesores a desarrollar un plan de lecciones utilizando tecnología digital y a responder un cuestionario en línea. A partir de los datos analizados, se pudo concluir que si bien la pandemia ha llevado a los docentes a utilizar más las tecnologías digitales, necesitan una formación continua para entender que un currículo en acción para ser innovador debe cambiar los procesos de transmisión de información mediante la TD y que estos deben integrarse. en el plan de estudios, en el que el alumno participa activamente en clase, ya sea en persona o de forma remota.

Palabras clave: tecnologías digitales; colegio; enseñanza fundamental; formación de profesores; integración curricular

Introdução

Muitas escolas, para além de prédios, são constituídas por pessoas, gestores, professores, pais e responsáveis, funcionários e alunos, e buscam acompanhar os avanços tecnológicos, as transformações na sociedade, propondo inovações nas aulas, no currículo escolar. Sabemos que esse não é um movimento simples, em especial em tempos de pandemia, de isolamento social, em que as escolas deixaram de existir em um prédio e passaram a se constituir de relações de ensino e de aprendizagem on-line entre gestores, professores, alunos, pais e responsáveis.

Historicamente, grande parte das ações em escolas brasileiras foi orientada por um modelo de reprodução de informações, em que o professor ou professora era o centro do processo educativo. Ainda hoje, no século XXI, observamos que a transmissão de informações está presente em escolas, da Educação Infantil ao Ensino Superior. Sempre consideramos ser possível alterar esse modelo de ensino, inovar processos educativos, por exemplo, quando professores e professoras produzem currículos em parceria com os alunos e integram a escola à cultura digital; neste momento, com a escola no on-line, faz-se urgente vivenciar processos de integração de Tecnologias Digitais (TD) ao currículo escolar.

O Conselho Nacional de Educação (CNE), no parecer n° 11/2010, enfatiza que o Ensino Fundamental de nove anos necessita adaptar-se à realidade do mundo moderno. No artigo 28 deste parecer, ressalta-se “A utilização qualificada das tecnologias e conteúdos das mídias como recurso aliado ao desenvolvimento do currículo” e a necessidade de proporcionar a utilização crítica de tecnologias na sociedade (BRASIL, 2010).

Vale ressaltar que usar TD como recurso nas aulas não implica em inovar processos educativos, favorecer a aprendizagem dos alunos nem oportunizar discussões críticas sobre o uso de determinadas tecnologias. Por vezes, ao se usar TD na escola se mantêm os modelos de transmissão de informações, com movimentos que reproduzem o que se faz com lápis e papel. O que também observamos em algumas propostas de aulas em tempos de pandemia, quando alunos têm acesso à TD e aulas são transmitidas por meio de algum recurso de webconferência, a novidade está apenas no ambiente usado, pouco potencializando inovações curriculares em um processo de integração de TD ao currículo.

Nesse contexto, foi desenvolvida a pesquisa cujos dados são apresentados e analisados neste artigo. A pesquisa é de abordagem qualitativa do tipo exploratória, segundo Bogdan e Biklen (1994) e Gil (2011), cujo objetivo é analisar currículos produzidos em tempos de pandemia para alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental e identificar aspectos inovadores com o uso de tecnologias digitais.

Na pesquisa, consideramos inovação na educação as práticas das professoras em que o método relacionado à transmissão de informação foi substancialmente alterado ao se propor e vivenciar movimentos de integração de TD ao currículo e de integração da escola à cultura digital. Esses movimentos de integração podem alterar o currículo prescrito e metodologias de ensino em que se usa lápis e papel. As tecnologias digitais usadas em aulas se tornam invisíveis, pois o foco está na abordagem do conteúdo/competência explorada em aula e na aprendizagem dos alunos e alunas.

A pesquisa foi realizada com 79 professoras da Educação Básica do município de Araucária, no estado do Paraná. Os dados foram analisados a partir dos planos de aula elaborados pelas professoras e de um questionário on-line disponibilizado a todas as participantes da pesquisa, com questões sobre inovação e uso de TD em aulas. Na sequência, inicialmente apresentamos alguns elementos conceituais da pesquisa, a metodologia e, então, apresentamos e analisamos os dados produzidos.

Inovação na Educação? De que inovações estamos falando?

Em março de 2020 a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a existência de uma pandemia de Covid-19. Esta declaração levou escolas no mundo todo, de todos os níveis, a suspenderem suas atividades presenciais. Professoras e professores, protagonistas do processo educacional, vivenciaram, de um momento para outro, movimentos da escola em suas casas. Os gestores tiveram que atuar diante de um contexto de excepcionalidade e encontrar alternativas com o objetivo de reduzir o prejuízo educacional e a preservação do direito à educação nos seus municípios.

Os desafios colocados pela situação de pandemia aos sistemas de ensino exigem uma “maior abertura e maior possibilidade de inovação real, colocam como necessidade fundamental a flexibilidade, entendida esta como maior autonomia para a organização de currículos, admissão e avaliação de alunos, formação de professores, etc.” (GARCIA, 1995, p. 14). Entretanto, para discutir possibilidade de inovação real é necessário dialogar sobre o que compreendemos por inovação na educação. Segundo Tavares (2019, p. 2):

[...] apesar do termo inovação ser bastante utilizado no campo educacional, nem sempre os autores explicitam o que estão querendo dizer com isso. Observa-se também a pulverização do termo em diferentes denominações como inovação educativa, educação inovadora, inovação com efeito educativo e, o mais comum [...] inovação educacional.

Diante do fato de que os autores nem sempre explicitam o que querem dizer ao falarem em inovação, Tavares (2019) analisou 23 artigos nos quais destacou o conceito de inovação na educação. Ele concluiu que muitas vezes a inovação, “[...] empregada indeliberadamente, é assumida nos artigos analisados como um valor positivo a priori, como sinônimo de reforma e mudança, como transformação de propostas curriculares e como alteração de práticas costumeiras em um determinado grupo social” (TAVARES, 2019, p. 4).

Na pesquisa que discutimos neste artigo, consideramos que a inovação na educação está relacionada às alterações de práticas costumeiras na escola. Consideramos que estas alterações/inovações podem ser enquadradas no segundo nível de inovação proposto por Saviani (1995). Este autor sugere quatro níveis de inovação na educação, a partir de uma proposta de ensino tradicional.

  1. São mantidas intactas a instituição e as finalidades do ensino. Quanto aos métodos, são mantidos no essencial, sofrendo, no entanto, retoques superficiais.

  2. São mantidas a instituição e as finalidades do ensino. Os métodos são substancialmente alterados.

  3. São mantidas as finalidades do ensino. Para atingi-las, entretanto, a par das instituições e métodos convencionais, retocados ou não, utilizam-se formas para-institucionais e/ou não-institucionalizadas.

  4. A educação é alterada nas suas próprias finalidades. Buscam-se os meios considerados mais adequados e eficazes paras e atingir as novas finalidades. (SAVIANI, 1995, p. 30).

Segundo Saviani (1995), as experiências, poderíamos dizer as práticas educativas, tendem a ser enquadradas como inovações na educação, em relação ao ensino tradicional, como especificado no segundo e terceiro níveis citados acima. O primeiro nível, para esse autor, não constitui uma inovação na educação, e o quarto nível supõe um salto qualitativo que ultrapassa o significado contido na palavra inovação. “Com efeito, as experiências aí enquadradas, mais do que inovar o ensino, intentam colocar a educação a serviço da revolução social.” (SAVIANI, 1995, p. 30).

Nesse sentido, reforçando, a inovação na educação nesta pesquisa está relacionada a alterações de práticas na escola, em que são mantidas a instituição (escola) e as finalidades do ensino (aprendizagem dos alunos), mas os métodos são substancialmente alterados, em especial em movimentos de integração de TD ao currículo.

Para discutir o que compreendemos por inovação na educação, em que os métodos são substancialmente alterados, recorremos aos estudos de Ferretti (1995), que discute inovação em uma perspectiva pedagógica e considera que mudanças possam ocorrer: na organização curricular, nos métodos e técnicas de ensino, nos materiais instrucionais e tecnologia educacional, na relação professor-aluno e na avaliação educacional.

Na compreensão que temos de inovação, mudanças podem ocorrer em todos esses aspectos da prática educativa e/ou em alguns deles ao mesmo tempo, em movimentos que são recorrentes. Por exemplo, quando discutimos movimentos de integração de TD ao currículo escolar e de integração da escola à cultura digital, podemos visualizar inovações relacionadas à organização curricular, às metodologias de ensino, à tecnologia educacional (no caso tecnologia digital), à relação professor-aluno e à avaliação educacional. Contudo, isso discutiremos nos dados que analisaremos mais adiante no texto.

Em relação às inovações que se referem às tecnologias educacionais, Ferretti (1995) considera dois aspectos: o de sua elaboração e o de sua utilização. No que diz respeito à sua elaboração, as inovações se reduzem às características das tecnologias educacionais em si (evoluções tecnológicas das tecnologias digitais, por exemplo); em relação à utilização, inovações estão nas alterações de uso das tecnologias educacionais. Segundo esse autor, esse uso é muito criticado por se reduzir a um ensino tradicional.

Tavares (2019, p. 12) apresentou dois estudos em que a inovação foi entendida como um processo que inclui produtos e atividades técnicas:

Inovar, nesse caso, é uma invenção vinculada ao desenvolvimento tecnológico nas escolas e que está condicionada, em grande medida, ao desenvolvimento econômico. Em todo caso, os autores permitem um certo nível de interpretação que demonstra a confiança na operacionalização de ferramentas para a regularização do papel dos agentes educacionais, como se fosse uma forma de legitimação profissional através da técnica. As novas tecnologias simbolizam para eles, com grande propriedade, o que a inovação representa para o mundo corporativo, onde inovar é permanecer vivo e não inovar é perecer.

Ao contrário do que foi colocado acima por Tavares (2019), discutimos a inovação no uso de tecnologias educacionais considerando aspectos inovadores de seu uso, em movimentos de integração de TD ao currículo. Nestes movimentos as TD se tornam invisíveis, e o que são visíveis são os processos de aprendizagem de alunos e alunas, podendo implicar em alterações na organização curricular da(s) disciplina(s), em metodologias de ensino, na relação professor-aluno e/ou na avaliação da aprendizagem. Movimentos esses que também demandam investimentos e disponibilização de TD a alunos e professores, ou seja, considerando inovações em relação à elaboração da TD.

Nestes tempos de pandemia, gestores, professores e alunos tiveram que se reinventar, pois foram arremessados para outros espaços de educação, quando acessíveis, também digitais. Para Thompson (2020, p. 125), neste momento:

A escola deve conhecer melhor a cultura digital, que é maior que o uso das tecnologias. Trata-se de uma revolução comportamental que abarca a cultura jovem, o mundo do trabalho, as interações cotidianas e as ações políticas, como pudemos perceber durante a grave crise do coronavírus.

Assim, ao discutirmos o uso de TD na escola vinculado a possíveis inovações na educação, destacamos uma “utilização das tecnologias em sala de aula, que implicará novos projetos fundamentados em concepções de ensinar e aprender diferentes das propostas já existentes” (BRITO; PURIFICAÇÃO, 2015, p. 35). Ou seja, nesta pesquisa buscamos por experiências/práticas/aulas que alterem o método, processos de ensino orientados pela transmissão de informações, cujo uso de TD nada/pouco altera movimentos existentes em escolas tradicionais e presenciais, centradas no fazer do professor e professora.

Portanto, consideramos aspectos inovadores as práticas de professores e professoras em que o método relacionado à transmissão de informação é substancialmente alterado ao se propor e vivenciar movimentos de integração de TD ao currículo e de integração da escola à cultura digital. Esses movimentos se materializam em alterações que podem ser observadas na organização curricular, em metodologias de ensino, na relação professor-aluno e em processos de avaliação de aprendizagem; ou seja, na produção de outros currículos, em que a tecnologia fica invisível e o foco está na aprendizagem dos alunos e alunas.

Entretanto, o que compreendemos por integração de TD ao currículo escolar? O que compreendemos por currículo?

Integração de Tecnologias Digitais ao Currículo: de que currículos estamos falando?

Para analisar aspectos inovadores, consideramos necessário discutir como as escolas podem se integrar à cultura digital e como as tecnologias digitais podem ser integradas ao currículo escolar, em especial nestes tempos de isolamento social. Algumas questões são orientadoras dessa discussão: De que cultura digital estamos falando? De que currículos estamos falando? Que aspectos de uma cultura digital deveriam ser parte constituinte do currículo em ação em cada turma, em cada escola? Que investimentos e políticas públicas são necessários para se produzir currículos inovadores a partir da integração de tecnologias digitais?

De acordo com Pischetola (2019, p. 74), “a cultura digital pode ser compreendida como a imersão plena nas redes e, enquanto tal, ela exige repensar a escola, com o fim de gerar cultura não apenas com tecnologias, mas, sobretudo, com vivências, descobertas e experiências de produção e socialização”. Nesse contexto, muitas pessoas têm produzido e são constituídas em uma cultura digital.

A cultura digital está relacionada “à comunicação e à conectividade global, ao acesso e à produção de conteúdo de forma veloz, interconectada, autônoma e mediada pelo digital” (HEINSFELD; PISCHETOLA, 2017, p. 1352). Nessa cultura, as tecnologias digitais se transformam e transformam modos de ser, viver e aprender de muitas pessoas, a partir das relações e interações que vivenciam. Estes aspectos precisam ser considerados quando pensamos em integrar a cultura digital à escola, em especial a rapidez e o dinamismo das transformações tecnológicas e sociais e o acesso às tecnologias digitais.

Em relação ao primeiro aspecto, os docentes são desafiados a estar continuamente em formação para acompanhar os movimentos das transformações tecnológicas e sociais produzidas na cultura do digital. Já o segundo aspecto, do acesso às tecnologias, tem sido um desafio nestes tempos de pandemia e isolamento social e nos levam a algumas questões: como oportunizar o acesso democrático às tecnologias digitais nas escolas? Como elas estão sendo usadas nas escolas? Como viabilizar acesso democrático às tecnologias digitais por alunos e professores, como usos menos excludentes, hierárquico, tecnicistas?

Essas questões nos levam à discussão sobre currículo escolar e sobre integração de tecnologias digitais ao currículo escolar. Contudo, o que compreendemos por currículo? Neste estudo consideramos, concordando com Almeida e outros (2017, p. 392), que “o currículo é, em si, o próprio acontecer da escola”. É o movimento de vidas na escola, ações e interações únicas, produzidas por alunos, professores, gestores e funcionários, que afeta e é afetado de modo singular por cada um que produz esse currículo. Em aula, ele é produzido diariamente, a partir de conhecimentos, necessidades e interesses de professores e alunos, de interações entre eles e demais movimentos da escola e da sociedade. Um currículo é produzido na interação entre o que está prescrito em documentos orientadores, como Orientações Curriculares, BNCC e conhecimentos, necessidades e interesses das pessoas que o vivenciam em cada aula, disciplina.

Um currículo se desenvolve na reconstrução de um conteúdo prescrito nos processos de representação, atribuição de significado e negociação de sentidos, que ocorrem primeiro no momento em que os professores elaboram o planejamento de suas disciplinas levando em conta as características concretas do seu contexto de trabalho, as necessidades e potencialidades de seus alunos, suas preferências e seu modo de realizar o trabalho pedagógico. Em seguida, o currículo é ressignificado no momento da ação quando os professores alteram o planejado no andamento da prática pedagógica conforme as demandas emergentes de seus alunos, o seu fazer e refletir na ação. (ALMEIDA; VALENTE, 2011, p. 14-15).

Estamos falando de um currículo em que “estão envolvidos tanto os conhecimentos científicos como os elementos simbólicos culturais, os saberes da prática docente, as práticas sociais de comunicação, as técnicas e os artefatos” (ALMEIDA; VALENTE, 2011, p. 29). Neste contexto, há espaço para professores e alunos reconhecerem sua cultura na escola, há espaço para problematizar currículos prescritos e produzir diferentes currículos, com cada turma, escola.

Dessa forma, o currículo está sempre sendo produzido, (re)construído na ação de alunos, professores e suas interações com gestores, comunidade; é um currículo que ultrapassa o que está prescrito, é um currículo em ação. Como afirma Sacristán (2000, p. 138), um currículo em ação é:

O conjunto de tarefas de aprendizagem que os alunos/as realizam, das quais extraem a experiência educativa real, que podem ser analisadas nos cadernos e na interação da aula e que são, em parte, reguladas pelos planos ou programações dos professores/as - é o chamado currículo em ação. Este nível de análise ou concepção, junto com a concepção seguinte, é o conteúdo real da prática educativa, porque é onde o saber e a cultura adquirem sentido na interação e no trabalho cotidianos. (SACRISTÁN, 2000, p. 138, grifo do autor).

O que se vivencia diariamente na escola é currículo, construído a cada ação, em aula, durante interações entre professor e alunos. Um currículo:

[...] aberto à criatividade e ao desconhecido, que acolhe o inesperado e possibilita novas emergências e incentiva nova transcendência, indo além do planejado, do esperado, no que se refere ao conhecimento e à aprendizagem. É um currículo em ação, em movimento, que dialoga com o cotidiano e com o indeterminado, que incentiva o fluxo de ideias e de informações que circulam. (MORAES, 2010, p. 15).

Um currículo que ao estar integrado à cultura digital não se reduz à informatização de conteúdos, mas se produz na interação entre pessoas, tecnologias e objetos de conhecimento; se produz em processos de integração de tecnologias digitais. Sánchez (2003, p. 52) afirma que “integrar as tecnologias digitais é torná-las parte do currículo, vinculando-as harmoniosamente com os demais componentes do currículo. É usá-las como parte integrante do currículo”. São movimentos em aulas, em que não cabe discutir separadamente o uso da tecnologia digital e a aula (SCHERER, 2015), pois a aula, a aprendizagem dos alunos, se transforma com a tecnologia digital utilizada, não são um apêndice ou um recurso periférico da aula (SANCHEZ, 2003).

Portanto, não basta ter tecnologias digitais na aula e/ou usar tecnologias digitais nas aulas para falar em inovação, precisamos falar em integrar tecnologias digitais ao currículo escolar. A integração de tecnologias digitais ao currículo é um processo que implica em realizar ações que favoreçam diferentes processos de aprendizagem aos alunos, que seriam outros se fossem realizadas sem essas tecnologias. Em sendo processo, Sanchez (2003) sugere que a integração de tecnologias digitais acontece em três níveis: apresto (organização), uso e integração, que consideramos não serem estanques, mas em contínuos movimentos de (re)construção na relação com tecnologias e currículo.

O primeiro nível desse processo está relacionado aos movimentos do docente ao “dar os primeiros passos em seu conhecimento e uso, talvez realizar algumas aplicações, mas o centro está em vencer os medos e descobrir o potencial das TIC” (SANCHEZ, 2003, p. 4). O segundo nível se refere ao uso das tecnologias digitais em aula, porém é “o uso pelo uso”, sem objetivo claro de aprendizagem. Já no terceiro nível o uso de tecnologias digitais é proposto com o objetivo de favorecer a aprendizagem do aluno, com foco na tarefa a ser realizada pelo aluno e não na tecnologia, pois esta se torna invisível.

Nesse sentido, mesmo com a presença de tecnologias de última geração na escola e uso contínuo dessas tecnologias digitais em aula, não há um processo de integração se as aulas não estiverem focadas no processo de aprendizagem dos alunos. Pensando em processos de ensino a distância, como os propostos em tempos de isolamento social, movimentos do terceiro nível de integração de tecnologias digitais só surgem quando tecnologias são usadas para favorecer processos de aprendizagem diferentes daqueles que acontecem ao usar apenas papel e lápis.

Contudo, que aspectos inovadores podem ser identificados em currículos prescritos em planejamentos de aulas, em currículos em ação? Iremos considerar que a inovação está em movimentos de integração de tecnologias digitais ao currículo. Na pesquisa, consideramos que a inovação nas práticas das professoras pode estar no fato do método relacionado à transmissão de informação ser substancialmente alterado ao se propor e vivenciar movimentos de integração de TD ao currículo e de integração da escola à cultura digital.

Aspectos inovadores produzidos a partir de movimentos de integração podem ser observados: no planejamento de uma aula que explora de modo diferente conteúdos e/ou competências previstas em orientações curriculares; na proposição e vivência de metodologias de aula que não repetem com uso de TD o que se faz com “lápis e papel” e “quadro e giz”; em aulas em que o aluno é ativo, conjectura, analisa, interage com a tecnologia, produz conhecimento com ela; em propostas de aulas em que a avaliação da aprendizagem pode ser realizada pelo professor; aulas em que tecnologias digitais são invisíveis, fazem parte da aula, cujo objetivo é a aprendizagem dos alunos e alunas.

Dialogaremos sobre esses aspectos inovadores a partir dos dados produzidos na pesquisa, mas antes apresentaremos a metodologia da pesquisa.

Metodologia da Pesquisa

Este artigo apresenta uma pesquisa de abordagem qualitativa do tipo exploratória de natureza interpretativa em relação aos aspectos inovadores nos currículos em ação, no que se refere ao uso de tecnologias digitais, vivenciados por professores da Educação Básica. O enfoque qualitativo norteou a análise dos dados a partir da perspectiva de Bogdan e Biklen (1994), Sampieri, Collado e Lucio (2013) e Gil (2011) em relação às características desse tipo de investigação; realiza-se a descrição detalhada do fenômeno analisado; os pesquisadores exploram seu objeto de estudo para melhor compreendê-lo, procuram explicar o que se investiga a partir da subjetividade. A pesquisa exploratória permite que o investigador faça uso de diferentes instrumentos para realizar a produção de dados, seu planejamento é flexível e este tipo de pesquisa busca observar e compreender diferentes aspectos relativos a um fenômeno investigado.

Orientada por essa abordagem, a investigação foi realizada em duas etapas: 1) na primeira etapa foi realizada a análise de 40 planos de aula elaborados a partir de uma proposta de formação continuada na Semana Pedagógica do Município de Araucária; 2) na segunda etapa os professores que participaram da formação continuada responderam um questionário on-line. A análise dos dados foi feita a partir do referencial teórico, identificando aspectos inovadores no currículo, a partir do prescrito nos Planos de Aula, registros no questionário on-line e alguns relatos das aulas desenvolvidas.

Participantes e o Processo Ético da Pesquisa

As participantes da investigação são docentes da Educação Básica do Município de Araucária.1 Em 2020, todas as escolas do município, devido à pandemia, tiveram que se reconfigurar e se fazer presentes no ciberespaço. No município trabalham 2500 profissionais da educação, sendo o total de 1200 professores. Participaram da pesquisa na primeira etapa 40 professoras. Segundo o relatório final da gestão 2020, as principais ações desenvolvidas pelo apoio tecnológico2 da Secretaria de Educação durante a pandemia foram:

  • Gerenciamento das Contas Institucionais do Google For Education;

  • Criação de Formulários de Inscrição no Google Docs;

  • Esclarecimento de dúvidas referentes ao uso das contas do Google For Education;

  • Diagramação de documentos produzidos pelo DAP (BNCC, Planejamento Referencial, etc.);

  • Produção de material multimídia para uso em formações/cursos (Download de músicas, vídeos, imagens, etc.);

  • Esclarecimento de dúvidas referentes à tecnologia da informação no âmbito da educação;

  • Configuração das funcionalidades do Google For Education municipal quando alguma atualização é liberada;

  • Gravação, Edição e Publicação dos Vídeos do Canal Oficial da Secretaria Municipal de Educação no YouTube;

  • Proposições de ações relacionadas às TICs no âmbito da Secretaria Municipal de Educação. (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE ARAUCÁRIA, 2020, p. 109).

Além dessas ações, neste mesmo ano foram realizados eventos on-line com diversas temáticas. Em referência às participantes da pesquisa, 79 professoras participaram de uma proposta de formação continuada na Semana Pedagógica do Município de Araucária. Dessas, 40 docentes elaboraram um plano de aula a partir da formação realizada e responderam um questionário on-line.

A partir do questionário on-line, foi possível identificar que as professoras apresentam a idade média entre 30 e 40 anos. Constatamos também que o tempo médio de atuação como docente é superior a 10 anos, e 95% delas possuem formação em Licenciatura em Pedagogia.

Em relação ao tempo de docência apresentado, segundo os estudos de Huberman (2013), as professoras encontram-se na fase de diversificação/“ativismo”/questionamento. Segundo esse autor, nessa fase os professores se sentem mais à vontade para realizar “novas tentativas” em relação ao trabalho docente. Os professores que se encontram nessa fase procuram ressignificar o processo de ensino a partir de diferentes opções metodológicas para o processo educativo, assim como no processo avaliativo. A questão do ativismo nessa fase se dá, segundo Huberman (2013), em relação ao enfrentamento ao sistema de ensino, em que os professores procuram obter informação e conhecimento sobre assuntos que envolvem políticas públicas, questões sindicais, condições de trabalho, reformas educacionais, entre outras questões. Essa fase corresponde ao intervalo entre os 7 e 25 anos de carreira.

No tocante à formação continuada, todas as participantes possuem especialização, a grande maioria é especialista em Educação Infantil, Alfabetização e Letramento, Educação Especial e Psicopedagogia. No Stricto Sensu, somente uma professora possui mestrado em Educação, e nenhuma possui doutorado.

A pesquisa desenvolvida neste artigo foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa a partir do parecer número 1.801.624. O anonimato dos participantes desta pesquisa ocorreu durante todas as fases da pesquisa. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi disponibilizado para os participantes via e-mail.

Entre planejamentos, ações e falas: alguns aspectos inovadores no uso de Tecnologias Digitais

Primeira etapa: Planejamentos e ações

Em 2021, foi planejado, antes do início das atividades pedagógicas que continuam on-line, uma semana pedagógica com sete palestras de temas diversos. Um dos temas coube ao Grupo de Estudos e Pesquisa, Professor, Escola e Tecnologias (GEPPETE), e uma das autoras deste artigo proferiu uma palestra denominada “Educação a Distância, ensino híbrido e os novos desafios para o professor da Educação Básica do séc. XXI”. Antes da palestra, nós enviamos um desafio aos professores que participaram da Semana Pedagógica, por meio da lista de e-mails da Secretaria de Educação do Município.

Nesse desafio utilizamos como iniciativa o canal do Bufãozinho (2021), disponível no YouTube, personagem que vive diversas aventuras com objetos diferentes: panela, relógio, serrote, computador, produzido e mantido pelo diretor e dramaturgo Fábio Parpinelli, que utiliza a linguagem do stop motion.3 As professoras deveriam assistir a esse canal e a partir dele deveriam elaborar um plano de aula a ser desenvolvido com uma de suas turmas de alunos.

Para a elaboração do planejamento não se estipulou normas ou um modelo. No entanto, as professoras fizeram seus planos considerando o modelo que já usavam em suas escolas, que é estruturado da seguinte forma: campos de experiência, objetivos, saberes e conhecimentos, encaminhamentos metodológicos, materiais e recursos. Numa primeira leitura percebemos que o vídeo foi usado como pretexto que levou à escolha do campo de experiência, dos saberes e conhecimento e dos objetivos da aula contidos no currículo do município. Desta forma, para alcançarmos nosso objetivo de pesquisa, optamos por analisar, dos planos recebidos, somente os materiais e os encaminhamentos metodológicos.

Os pesquisadores, autores deste artigo, receberam 40 planos de aula, sendo eles elaborados em equipe ou individualmente. Aqui percebemos que alguns professores se propuseram a trabalhar em colaboração, que Vani Kenski (E AGORA..., 2020) chamou de formação entre pessoas, “as integrações entre as pessoas, as pessoas se unindo, um ajudando o outro em tempos de pandemia [...] e a apropriação criativa dos recursos”.

Foram analisados todos os planos enviados a partir da abordagem qualitativa, na qual os pesquisadores realizaram uma análise interpretativa desses planos considerando os seguintes aspectos inovadores:

  1. aulas em que se explora conteúdos e/ou competências de modo diferente do previsto em orientações curriculares;

  2. a proposição e vivência de metodologias de aula que não repetem com uso de TD o que se faz com “papel” e “quadro e giz”;

  3. aulas em que o aluno é ativo, conjectura, analisa, interage com a tecnologia, produz conhecimento com ela;

  4. aulas em que tecnologias digitais são invisíveis, fazem parte da aula, cujo objetivo é a aprendizagem dos alunos e alunas.

Nos 40 planos de aula, foi possível localizar informações sobre os dois primeiros aspectos na descrição dos planos, a partir dos registros encaminhados. Informações sobre o terceiro e quarto aspectos não foram encontradas em 38 planos de aula, pois os professores não descreveram no plano qual seria o papel do aluno em relação ao modo que ele iria interagir na aula, usando tecnologia e, a partir dela, produzir conhecimento. Também não foi possível identificar movimentos de integração de TD ao currículo e de integração da escola à cultura digital.

Quanto às informações sobre o primeiro aspecto inovador, elas aparecem ao apresentar objetivos de aulas, saberes e conhecimentos. Das informações sobre o segundo aspecto inovador, consideramos que esteja presente nos planejamentos porque estamos em momento de pandemia, isolamento social, com aulas sendo desenvolvidas a distância, o que, de alguma maneira, exige que os professores façam uso de tecnologias digitais. No entanto, constatamos que mesmo trazendo informações sobre os dois primeiros aspectos, o currículo prescrito na maioria dos planejamentos é de uso de tecnologias digitais em uma abordagem tradicional, de transmissão de informações. Ou seja, os dois primeiros aspectos inovadores não estão presentes em 38 dos planejamentos analisados. Bates (2017) comenta que a utilização das tecnologias digitais na educação não traz inovação na educação, muito menos melhoria da qualidade do ensino se a prática do professor continua conservadora.

Somente dois dos planos analisados apontam para inovação na educação, no sentido em que o processo de ensino é alterado ao se propor e vivenciar movimentos de integração de TD ao currículo e de integração da escola à cultura digital. A seguir dialogamos sobre eles.

Em um dos planos de aula, elaborado por duas professoras que atuam na Educação Infantil, a proposta de aula foi organizada a partir do tema: Vamos almoçar?, explorando o episódio “A panela” do Bufãozinho (2021). As professoras produziram um vídeo apresentando a panela aos alunos, usando inclusive recursos de edição. Como proposta de aula, enviaram por WhatsApp o episódio escolhido do Bufãozinho (2021) (o aluno - pais ou responsáveis pela criança - não precisou ir até o canal no YouTube) junto com o vídeo produzido por elas. A proposta era que os alunos assistissem aos vídeos e criassem novas maneiras de usar uma panela (bater panela, chapéu, instrumento musical, entre outras), registrassem suas propostas em formato de foto ou vídeo e enviassem, por WhatsApp, às professoras. Em relato sobre a aula desenvolvida, as professoras comentaram que foram enviadas fotos de panelas sendo usadas no almoço, sobre o fogão da casa da criança.

Os aspectos inovadores que podemos observar nesse planejamento é que a maneira de explorar o conteúdo é diferente do previsto nas orientações curriculares, assim como a proposição e vivência da metodologia da aula não repete com uso de TD o que se faz com “papel” e “quadro e giz”. Na proposta, as professoras criam um vídeo e colocam os alunos para criar também, pensar em diferentes usos da panela, e eles, ativos, interagem com a tecnologia (talvez com a ajuda de adultos em casa), produzindo conhecimento sobre o tema. Quanto ao quarto aspecto inovador, nessa aula as tecnologias digitais usadas pareceram se tornar invisíveis, fazendo parte da aula, pois o objetivo foi a aprendizagem dos alunos e alunas.

Um segundo plano de aula, em que identificamos aspectos inovadores, foi elaborado por uma professora do segundo ano do Ensino Fundamental. Para planejar a aula, a professora escolheu o episódio “O jornal” do Bufãozinho (2021). A docente propôs que seus alunos fizessem a dobradura de um barco e indicou um vídeo no YouTube em que se ensina a fazer a dobradura. Na descrição do plano de aula, a professora menciona que produziu um vídeo, no qual ela faz e narra todas as etapas da dobradura do navio. A proposta de atividade para os alunos incluiu, além da realização da dobradura, a produção de uma coreografia com o barco produzido, embalada por uma música indicada pela professora. Esta coreografia deveria ser gravada e enviada por WhatsApp para a professora.

No planejamento da professora, podemos observar que a proposta é diferente do proposto nas orientações curriculares e que ela colocou os alunos em ação, ao criarem a dobradura, produzirem a coreografia e gravarem o vídeo (mesmo que alguns pudessem receber a ajuda de pais e responsáveis). Um movimento de integrar a TD que vai além do que podemos produzir no lápis e papel, pois um vídeo retrata uma coreografia de maneira diferente que um desenho em folha, por exemplo. Reforçamos que:

[...] integrar currículo e tecnologia não se resume à digitalização do conteúdo. Em outras palavras, não se trata de substituir quadro e giz por lousas digitais ou cadernos por computadores portáteis. Isso porque a mera transposição não traz nada novo às práticas escolares - é apenas uma prática tradicional ‘fantasiada’ de inovadora. [...] E mais: é necessário propiciar a rearticulação das práticas sociais ao fazer uso da tecnologia. (SILVA; BARRETO; SILVA, 2017, p. 455).

A prática do professor em relação ao uso de TD no processo de ensino “necessita ir além da ação instrumental de ensinar a utilizar as tecnologias. É necessário que os docentes entendam a sua utilização de forma crítica e integrada, no cotidiano da sua prática pedagógica, de maneira indissociável ao currículo e à proposta pedagógica” (FERREIRA, 2020, p. 5). Em tempos de pandemia, ainda percebemos que professores e professoras precisam aprender a integrar as TD ao currículo. Nos planos de aula analisados ainda temos muita digitalização, uso de TD e pouca inovação nas aulas, mesmo que as aulas estejam acontecendo a distância e, por vezes, em ambientes virtuais.

Segunda etapa da pesquisa: registros a partir de um questionário

Em relação ao questionário on-line que as professoras responderam após a Semana Pedagógica, o instrumento de coleta de dados apresentou sete questões: seis objetivas e uma dissertativa. Uma questão objetiva de múltipla escolha apresentava uma pergunta em que as professoras tinham que marcar o que elas consideravam inovação na educação. As professoras responderam que consideram inovação na educação, com 70% das respostas, quando existe novidade na proposta metodológica de ensino; 10%, quando apresenta novidades para a proposta curricular; e 20%, outras respostas.

A partir das respostas das professoras participantes desta pesquisa é possível identificar que elas compreendem a inovação na educação como efeito de inovar, modificar o processo de ensino, mudar a forma de ensinar a partir do ensino tradicional. Entretanto, compreendemos que a inovação na educação é possível quando o processo de ensino é alterado ao se propor e vivenciar movimentos de integração de TD ao currículo e de integração da escola à cultura digital. Conforme Ferreira (2020, p. 8), é necessário que

[...] a Cultura Digital esteja presente de forma ubíqua nos processos formativos, pode contribuir para que os professores visualizem, de forma crítica, a relação entre as instituições de ensino, a sociedade e Cultura Digital, assim como a relação entre as possibilidades de viver a Cultura Digital na escola e nos processos formativos, que devem partir das necessidades de aprendizagem dos alunos, onde as tecnologias digitais são vistas como recursos que pode ajudar a vencer tais desafios.

A questão aberta do questionário on-line, direcionada aos participantes, tinha o seguinte teor: O plano de aula encaminhado por você pode ser considerado inovador para a educação? Justifique a sua resposta. Em relação às respostas das professoras, 90% delas responderam que sim. No Quadro 1 apresentamos três respostas das professoras a essa pergunta.

Quadro 1 Resposta das Professoras para a pergunta aberta do questionário on-line 

PARTICIPANTE RESPOSTAS
Professora 2 - Ensino Fundamental Anos Iniciais “Acredito que sim, pois há algum tempo costumávamos preparar as aulas, basicamente, com apoio de livros e algumas consultas ao Google. Agora, muito devido à pandemia, utilizamos vídeos, canais, formulários e links. Quantos de nós já havíamos utilizado meet? Eu, particularmente, até pela minha geração, nem sabia que existia. Creio que toda mudança, todo avanço pode ser considerado inovador, pelo simples fato de sair da zona de conforto e aceitar um novo desafio.”
Professora 13 - Ensino Fundamental Anos Iniciais “Acredito que sim. A oportunidade de realizar as atividades interdisciplinares, como fizemos em conjunto, envolvendo os componentes curriculares de história, matemática, língua portuguesa e ciências, faz com que o estudante tenha a possibilidade de aprender com o todo e suas relações e que os objetos de conhecimento estão interligados, são interdependentes e não são isolados e neutros. As atividades propostas com o Episódio ‘O relógio’, possibilitaram uma análise sobre o que o estudante já conhecia sobre o assunto, e um aprofundamento para que ele se apropriasse de novos conhecimentos relacionados ao tempo, proporcionando ao estudante ser um sujeito colaborador, que pesquisa, argumenta e cria mediado pelos professores e em conjunto com os colegas. A metodologia interdisciplinar aliada aos recursos tecnológicos faz com que existam novas formas de ensinar e aprender, num movimento em que o professor aprende com o estudante e este aprende com o professor, e o professor também aprende com os demais professores.”
Professora 16 - Educação Infantil “Sim, pois com o distanciamento social por conta da pandemia, eu, como professora, tive que estabelecer um diálogo mais inovador de forma a oportunizar valor à aprendizagem e propiciar, através de novas ferramentas, possibilidades de contribuir na qualidade das aprendizagens dos alunos, advindas do uso desses recursos, para a prática, como, por exemplo, o canal do Bufãozinho (YouTube).”

Fonte: Elaborado pelos autores com base em dados da pesquisa.

Analisando essas respostas, é possível afirmar que as professoras compreenderam o uso de TD, em movimentos de integração curricular, como possibilidades de inovação na educação, por causa da pandemia. No entanto, é uma compreensão que o docente ainda centra a inovação no simples “usar” as tecnologias digitais, como se percebe na fala da Professora 2.

Ainda há muito por dialogar com essas professoras e suas propostas de aula para evidenciarmos aspectos inovadores em seus currículos prescritos e em ação para que elas consigam “visualizar as tecnologias digitais como recursos a favor da aprendizagem, na possibilidade de um ensino mais dinâmico, criativo e abrangente para tornar o aluno um cidadão digital” (FERREIRA, 2020, p. 18).

Considerações Finais

A partir dos conceitos de inovação na educação apontados nas pesquisas desenvolvidas, da análise dos currículos em ação e das respostas dadas aos questionário, surgiram os seguintes aspectos como sendo inovadores ao se falar em uso de TD em aulas: a) aulas em que se exploram conteúdos e/ou competências de modo diferente do previsto em orientações curriculares; b) a proposição e vivência de metodologias de aula que não repetem com uso de TD o que se faz com “papel” e “quadro e giz”; c) aulas em que o aluno é ativo, conjectura, analisa, interage com a tecnologia, produz conhecimento com ela; e aulas em que tecnologias digitais são invisíveis, fazem parte da aula, cujo objetivo é a aprendizagem dos alunos e alunas.

Pela análise realizada dos dados produzidos na pesquisa, concluímos que muitos professores precisam compreender que um currículo em ação, para ser inovador, deverá transpor o que está previsto em documentos normativos, que trazem uma listagem de conteúdos, competências e habilidades, bem como transpor a ideia do método tradicional de ensino, da transmissão de informações, mesmo com uso de TD. Outra ideia que precisa ser superada, alterada, é a de que TD são apenas “o meio” para transmitir aulas.

Inovar na educação é propor ações em que as tecnologias ajudem a produzir outros currículos, em que professores e alunos aprendem em ambientes que são digitais e analógicos, simuladores, aplicativos, jogos etc., em que conceitos são outros quando explorados em ambientes digitais. Um currículo em que não apenas se fotografa o papel, digitalizando-o para ser enviado ao professor ou ao aluno, mas cujo conteúdo e papel se transformam em outras formas e linguagens, ao circularem em espaços presenciais e virtuais, quando alunos interagem entre si e com professores para produzirem conhecimento.

Sabemos que a pandemia, o isolamento social, obrigou as escolas a ocuparem também o espaço virtual, mas também sabemos que se faz necessário desenvolver um processo de escuta, interação, estudo e cocriação de currículos prescritos com os professores e professoras, para que eles e elas possam viver a cultura digital a partir de processos de integração de TD ao currículo em ação com seus alunos e alunos. Quiçá a partir de ações de formação continuada e políticas de formação e acesso às TD por todos alunos e professores tenhamos de forma mais efetiva a presença de aspectos inovadores nas escolas.

1Araucária é um município brasileiro do estado do Paraná, região metropolitana de Curitiba. Sua população, conforme estimativas do IBGE de 2020, era de 146.214 habitantes.

2Departamento de Articulação Pedagógica (DAP) com ações inseridas em todos os outros departamentos e setores que gerem a Rede de Ensino de Araucária.

3Consiste em um encadeamento de fotografias, enquadradas (quadro a quadro), de maneira a fazer a movimentação contínua através dos quadros.

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Recebido: 04 de Maio de 2021; Aceito: 10 de Agosto de 2021

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