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Revista Brasileira de Educação

Print version ISSN 1413-2478On-line version ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.28  Rio de Janeiro  2023  Epub May 03, 2023

https://doi.org/10.1590/s1413-24782023280029 

Artigos

Alfabetização baseada em evidências: a defesa da cientificidade como conveniente para naturalizar o inconveniente?

EVIDENCE-BASED LITERACY: THE DEFENSE OF SCIENTIFICITY AS CONVENIENT FOR NATURALIZING THE INCONVENIENT?

ALFABETIZACIÓN BASADA EN LA EVIDENCIA: ¿LA DEFENSA DE LA CIENTIFICIDAD COMO CONVENIENTE PARA NATURALIZAR LO INCONVENIENTE?

Amanda Machado Chraim, Escrita – Primeira Redação, Escrita – Revisão e EdiçãoI 
http://orcid.org/0000-0001-5450-726X

Rosângela Pedralli, Escrita – Primeira Redação, Escrita – Revisão e EdiçãoI 
http://orcid.org/0000-0002-0698-7032

IUniversidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.


RESUMO

O artigo focaliza a recente revitalização, no campo da alfabetização, do método fônico e busca elucidar analiticamente os fundamentos da proposta do método, divulgado como “baseado em evidências”. Assentando-se sob o materialismo histórico e dialético, explicita-se o projeto de sociedade para o qual uma metodologia de ensino pautada na ciência moderna reaparece como a que mais adequadamente atende aos preceitos do produtivismo, destituindo-se do campo da alfabetização a necessária formação docente e discente por meio dos conhecimentos mais elaborados pela humanidade. Propõe-se, por fim, que também o percurso dos anos iniciais de escolarização deve ser espaço de escolhas e elaborações do coletivo de professores a partir da assunção de um posicionamento político, o qual está vinculado às duas visões sociais de mundo possíveis neste momento histórico, uma aliada à manutenção das relações sociais vigentes e a outra, à transformação delas.

PALAVRAS-CHAVE alfabetização; ciência e educação; formação humana; projeto de sociedade

ABSTRACT

In this article, we focus on the recent revitalization, in the field of literacy, of the phonic method and seek to analytically elucidate the foundations of the method proposal, made public as “evidence-based”. Settled under the historical and dialectical materialism, we explicit the project of society for which a teaching methodology based on modern science reappears as the one that more adequately meets the precepts of productivism, depriving the field of literacy of the necessary teacher and student training through the most elaborated knowledge by humanity. Finally, we propose that the course of the initial years of schooling should also be a space for choices and elaborations by the collective of teachers based on the assumption of a political position, which is linked to the two possible social visions of the world at this historical moment, one allied to the maintenance of current social relations and the other to their transformation.

KEYWORDS literacy; science and education; human formation; society project

RESUMEN

En este artículo, nos centramos en la reciente revitalización, en el ámbito de la alfabetización, del método fónico, y tratamos de dilucidar analíticamente los fundamentos de la propuesta del método, publicitado como “basado en la evidencia”. Partiendo del materialismo histórico y dialéctico, explicitamos el proyecto de sociedad para el que una metodología de enseñanza basada en la ciencia moderna reaparece como la que más adecuadamente cumple con los preceptos del productivismo, sacando del campo de la alfabetización la necesaria formación del profesor y del alumno mediante los conocimientos más elaborados por la humanidad. Por último, proponemos que el curso de los primeros años de escolarización sea también un espacio de elecciones y elaboraciones por parte del colectivo de profesores desde la asunción de una posición política, que se vincula a las dos cosmovisiones sociales posibles en este momento histórico: una aliada al mantenimiento de las relaciones sociales actuales y otra a su transformación.

PALABRAS CLAVE alfabetización; ciencia y educación; formación humana; proyecto de sociedad

INTRODUÇÃO

Diante de um campo que vem sendo ampliado e complexificado à medida que os conhecimentos produzidos na esfera científica são desenvolvidos por meio da vinculação estrita com a atividade pedagógica propriamente dita, seria esperado que os movimentos de aprofundamento no âmbito da alfabetização dessem por superadas proposições que a própria prática social possibilitou, quando colocadas sob escrutínio teórico, serem rechaçadas cientificamente.

Entretanto, chegada a segunda década do século corrente, encontramo-nos no que poderia ser entendido, em princípio, como mero retorno; no entanto, sabendo-se que, a cada momento histórico, novas e outras questões se impõem, dada a intrincada relação entre universalidade e singularidade, o panorama contemporâneo nos convoca para reflexões teóricas que coloquem sob análise, à luz da sua historicidade, o que emerge na/da realidade concreta corrente. Parece-nos, diante disso, adequado aludir a Marx (2011 [1852], p. 25) por meio de um bastante difundido excerto: “Em alguma passagem de suas obras, Hegel comenta que todos os grandes fatos e todos os grandes personagens da história mundial são encenados, por assim dizer, duas vezes. Ele se esqueceu de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. Estamos, pois, hoje, diante da caricatura, no campo da alfabetização no Brasil, do que já foi tragédia.

Já nas últimas décadas do século passado, encontrava espaço, nas produções teóricas sobre o ensino de linguagem, a compreensão de que o embate entre os métodos analíticos e sintéticos relegava à superfície uma discussão de caráter altamente complexo. A partir, sobretudo, das tensões provocadas pelos Estudos do Letramento — em grande parte das proposições por meio da aproximação com o construtivismo, perspectiva hegemônica nas teorizações sobre ensino de linguagem a partir da década de 1980 (Francioli, 2010) —, passou-se a levar em conta, entre outros aspectos, os “usos sociais da escrita”, elemento silenciado até aquele momento, já que as asserções sobre métodos de alfabetização — ressurgidas contemporaneamente com muita força, vestidas de mesmas e outras roupagens — elegem a língua abstrata como seu objeto, sendo também os próprios métodos tomados na abstração, já que prescindidos de fundamentações teórica e filosófica, reduzindo-se a questão da alfabetização a apenas uma de suas dimensões (Frade, 2005), percurso que notadamente fracassou no tocante à alfabetização plena das crianças em início de escolarização.

Apesar de haver, nos estudos em torno da alfabetização, importantes referenciais teóricos os quais focalizam a historicidade do campo no contexto brasileiro, a exemplo de Mortatti (2000), Soares (2004) e Frade (2005; 2007), sendo possível, a partir dessas pesquisas, robustecer os apontamentos em torno da insuficiência — ou do desastre — dos tão propalados métodos de alfabetização despojados de fundamentos, colocamo-nos diante de um exercício de análise em torno das razões pelas quais contemporaneamente os famigerados métodos sintéticos — com foco especial no fônico — têm ganhado novamente amplo espaço, a despeito de todas as considerações críticas em torno deles e das relevantes políticas públicas que estiveram em voga nas últimas décadas voltadas à formação continuada de docentes alfabetizadores. Hoje, o método fônico aparece com a roupagem de “método baseado em evidências” não só contrariando a própria descrença generalizada em torno do fazer científico, a qual vem se impondo no contexto das afirmações pós-modernas, mas, sobretudo, impondo uma dimensão epistemológica como aquela que resolveria os problemas da alfabetização no território brasileiro. Epistemologias e visões sociais de mundo, assim, postas em relação, tornam-se também espaço de reflexão crítica neste estudo, o qual busca responder ao problema posto: Por que motivo o método fônico, mesmo sendo facilmente superado/superável pela reflexão teórica, alcança adesão pública, tanto por leigos quanto por professores, e quais as implicações do fortalecimento disso pelas políticas públicas atuais?

Para dar conta disso, organizamos o artigo em duas seções, além desta introdução e das considerações finais: na primeira, exploramos mais detidamente o retorno do método fônico nas políticas públicas para a alfabetização, elucidando os fundamentos de um método pautado na dimensão técnica da formação das crianças em anos iniciais de escolarização. Já na segunda, aprofundamos as reflexões acerca da intrincada relação entre alfabetização e projeto de sociedade, o que é necessariamente silenciado em nome da manutenção do modo de produção social em vigência, de maneira a naturalizá-lo; propomos, assim, à luz da fundamentação do materialismo histórico e dialético, que também a alfabetização, processo de enorme potência para a promoção humana, deve contribuir para o desenvolvimento da consciência histórica — de classe, portanto — dos sujeitos filhos de trabalhadores.

UM “MÉTODO CIENTÍFICO DE VERDADE”? SOBRE QUANDO MAIS SE RECHAÇOU A CIÊNCIA E MAIS SE JUSTIFICOU POR ELA UM MOVIMENTO RETRÓGRADO (TAMBÉM) NO CAMPO DA ALFABETIZAÇÃO

Tendo explicitado, nas considerações introdutórias deste artigo, que o panorama contemporâneo do campo da alfabetização no Brasil permite a confirmação de um movimento retrógrado, no sentido de privilegiar, por meio, sobretudo, de políticas públicas, a volta do método fônico como caminho mais adequado para que se alfabetize as crianças, nesta seção, focalizamos não só as velhas e novas roupagens desse método e os argumentos em sua defesa, os quais se voltam à ideia de “alfabetização baseada em evidências” (Brasil, 2019), mas também a sua conciliação com as perspectivas pedagógicas que estão voltadas ao atendimento à palavra de ordem da sociabilidade capitalista: produtividade — eficiência e resultados (Freitas, 2012; 2014).

Nesse sentido, a pedagogia das competências, a qual entendemos alinhada às bases tecnicistas da educação (Saviani, 2012 [1983]), tem prevalência, sendo inclusive a fundamentação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC — Brasil, 2017); explicitamos, desse modo, a convergência entre uma teoria pedagógica voltada à formação para o mercado de trabalho — numa lógica de adaptação ao modo de produção vigente, para o qual importa uma formação centrada no ideal de otimização das performances (Martins, 2010) — e um método de alfabetização destituído de princípios que transcendam o sistema de escrita tomado na abstração, esvaziando-se o trabalho escolar em torno da linguagem das relações entre fonemas e grafemas da língua. Eis o que segue.

MÉTODO FÔNICO, O RESSURGIMENTO: ROUPAGEM DE “ÚNICO MÉTODO CIENTÍFICO”

Para dar tratamento analítico à já mencionada insuficiência dos métodos, os quais tiveram, no século passado, amplo espaço tanto nas formações docentes quanto nas classes de alfabetização, sendo considerados, deste modo, o meio a partir do qual se atingiria o objetivo de formar crianças para a aquisição do sistema de escrita alfabética, sublinha-se, primeiramente, um elemento que consideramos fundamental: o conceito de método entendido como fórmula inflexível, deslocando-se para a sua escolha todo o peso do trabalho pedagógico (Frade, 2005). Em convergência com Galvão, Lavoura e Martins (2019, p. 4), consideramos problemática essa compreensão, já que, em nosso entendimento, “[…] o método não se identifica com os procedimentos adotados, pressupondo articulações internas entre teoria do conhecimento e ações por ela orientadas.”.

Na origem disso que podemos denominar como um “descarte” dos fundamentos intrínsecos aos métodos de ensino está a dicotomização entre teoria e prática (Saviani, 2012 [1983]; Martins, 2010), tornando-se o segundo polo a prioridade — identifica-se, pois, a prática como método, numa sequência de passos estanques, conforme se vê no método fônico, o qual se reduz, conforme aponta Zaccur (2012, p. 25), “[…] a uma sequência de dificuldades crescentes: num primeiro momento, sons isolados […] em correspondência com sinais gráficos — as letras […]; num segundo momento é a vez de operações de montagem e desmontagem de palavras […]”, e a partir daí, finalmente a criança estaria pronta para organizar as palavras em frases, depois em parágrafos e, então, em textos — subjaz a isso, como explicita essa mesma autora, a compreensão de que a soma das partes daria um todo.

Nesse sentido, destitui-se o educador — priva-o, em nome do controle do processo pedagógico por parte da classe dominante (Freitas, 2012; 2014) — da responsabilidade sobre o movimento que entendemos central na atividade escolar que tem a práxis como princípio (Saviani, 2013 [1991]): a definição, a partir dos fundamentos teóricos e filosóficos, de estratégias metodológicas consequentes para que se garanta a aprendizagem discente. Uma aprendizagem que não se reduz à aquisição do sistema de escrita, que fique claro. Corroboramos Martins (2010, p. 26) quando essa autora assinala que a “[…] dicotomia teoria versus prática, outra coisa não é senão expressão da alienação entre trabalho intelectual e trabalho material instalada pelas relações sociais de produção próprias à sociedade burguesa.”. Quando silenciada ou naturalizada tal alienação, as formações docentes se organizam de modo que se garantam profissionais adaptados ao mercado de trabalho — a escola entendida sob essa lógica —, os quais devem se engajar, do mesmo modo, na responsabilidade de formar crianças à luz das demandas hegemônicas. “No tocante à formação docente isso é letal, pois o produto do trabalho educativo deve ser a humanização dos indivíduos, que, por sua vez, para se efetivar, demanda a mediação da própria humanidade dos professores.” (Martins, 2010, p. 15).

Torna-se, já aqui, uma obviedade afirmar que, subjacente a essa compreensão procedimental em torno do método, está a própria concepção de alfabetização, que fica circunscrita à escolha entre uma ou outra metodologia. Este é, assim, outro elemento que destacamos para análise — o conceito de alfabetização que aparece como fundamento do método fônico, hoje retomado com força de diretriz oficial por meio do Plano Nacional de Alfabetização (PNA — Brasil, 2019, p. 19), documento que caracteriza o sujeito alfabetizado como aquele que é “[…] capaz de decodificar e codificar qualquer palavra em sua língua.” e a ciência cognitiva como “[…] um campo de estudos importantíssimo para o aprofundamento da alfabetização.”. A ênfase está, assim, nas “relações grafofonêmicas do código alfabético da língua portuguesa” (ibidem, p. 32), esvaziando-se desse processo o vislumbre de uma formação humana omnilateral (Ferreira Jr. e Bittar, 2008), para a qual a aprendizagem da modalidade escrita é fundamental, porque se torna meio para a apropriação dos objetos culturais mais desenvolvidos do campo da ciência, da arte e da filosofia (Duarte, 2016).

Em tal formulação da alfabetização restrita à aquisição do sistema de escrita, o método tomado como mero conjunto de procedimentos parece ser adequado. Descurando-se de princípios elementares da prática pedagógica, sobretudo do necessário alinhamento consciente a teorias da educação que são desenvolvidas à luz das concepções de sociedade, de conhecimento e de desenvolvimento humano (Duarte, 2010; Martins, 2010; Saviani, 2012 [1983]), considera-se a alfabetização como “conjunto autônomo de competências”, compreensão que, conforme esclarece Gontijo (2014), é a que está pressuposta nos métodos sintéticos — a busca, assim, é, numa lógica marcadamente produtivista, por eficiência, e as avaliações de larga escala se tornam objetivo medular do ensino, conforme discutiremos mais adiante. As investigações científicas orientadas para o enfoque fonético, entre as quais a neurolinguística contribui fortemente, têm buscado, ainda de acordo com Gontijo (2014, p. 15), “[…] conhecer as características da memória humana, especialmente como ela processa a leitura, e criar técnicas que visem contribuir para o desenvolvimento da consciência fonológica e para a realização de uma leitura fluente.”. Com ênfase na técnica, descura-se, pois, como já afirmamos, do que é anterior e prioritário em relação a ela: os seus fundamentos teóricos e filosóficos, os quais orientam, reconhecendo-se isso ou não, a prática pedagógica para uma ação pró-manutenção ou pró-transformação do status quo, discussão que será aprofundada na terceira seção deste artigo.

Parece-nos que um pressuposto importante do revigoramento do método fônico é a consideração limitadamente biologizante sobre as crianças e o seu desenvolvimento — nesse sentido, remetemos a Scliar-Cabral (2003, p. 26, grifos do original), importante referência nas proposições a respeito do método em menção, que registra, acerca do que denomina de “criança normal” (aquela que não possui problemas congênitos de má formação): “[…] a criança normal nasce programada para operar com signos verbais, no devido tempo, em virtude de como o sistema nervoso central está estruturado e funciona.”. A partir, então, esclarece a autora, dos fatores “inato”, “maturativo” e “ambiental”, sendo a escola aquela que contribui com esse último, estariam dadas as possibilidades para o desenvolvimento verbal. Vê-se como característico de uma abordagem psicolinguística, calcada em complexas teorizações em torno do cérebro humano, tal reducionismo biológico — em estudo acerca da gênese da Psicologia científica, a qual surge no momento em que a classe burguesa assume o caráter de classe consolidada no poder, Tuleski (2012, p. 112) aponta que “Diversas correntes psicológicas que se originaram a partir deste momento carregam consigo a marca desta contradição: a negação do homem como ser histórico.”. Localizando a aproximação de constituintes do campo da Psicologia, da Educação e da Linguística, tem-se, aí, uma das explicações para o apagamento daquilo que, para nós, é estrutural no que se refere aos processos de ensino e aprendizagem na esfera escolar, mais especialmente, na etapa de alfabetização: a identificação das determinações da prática social que interferem substancialmente na maneira como se constitui o ser humano, ainda que tomemos como indiscutível que a sua existência só seja possível por conta da indispensável base biológica (Duarte, 2008).

Mais do que uma dimensão meramente “ambiental”, muito afeta às proposições das ciências da natureza, há condicionantes atreladas à história e à cultura humanas — à condição de classe, portanto, na sociabilidade capitalista — que trazem implicações que transcendem enormemente a configuração neuropsíquica dos sujeitos. Tomar os seres humanos por meio da “igualdade biológica” interessa, visceralmente, numa lógica meritocrática, para a reprodução da ideologia dominante, porque está instalada aí uma compreensão particular sobre a realidade: “[…] uma concepção de realidade que, abandonado o terreno do processo histórico, vai assentar-se no terreno da biologia. […] constitui uma concepção materialista [um materialismo abstrato] cujos fundamentos são extraídos das ciências naturais […]” (Klein, 2005, p. 71). Não à toa, na apresentação do Plano Nacional de Alfabetização (Brasil, 2019, p. 7), o secretário de Alfabetização Carlos Nadalim registra que esse plano pretende “[…] inserir o Brasil no rol de países que escolhem a ciência como fundamento na elaboração de suas políticas de alfabetização, levando para a sala de aula os achados das ciências cognitivas e promovendo […] as práticas de alfabetização mais eficazes […]”.

Desconsidera-se, desse modo, quaisquer outras “evidências científicas” que não estejam alinhadas à perspectiva hegemônica de ciência, a qual tem a “experimentação” e a “verificação” empírica como suas características essenciais (Tonet, 2013). Em suas críticas no tocante à propalada “alfabetização baseada em evidências”, Morais (2019, p. 72), importante pesquisador alinhado ao construtivismo, assinala que “[…] muitíssimos problemas de pesquisa do campo educacional não podem ser respondidos com base em pesquisas experimentais” e aponta, então, de forma contundente: “Ao ignorar isso, os autores da PNA demonstram a pouca familiaridade com escolas, professores, alunos e com a alfabetização que ocorre no mundo real, que pouco tem a ver com laboratórios ou turmas experimentais.”.

Relacionando à sua exposição crítica os resultados de suas pesquisas, empreendidas à luz de outros fundamentos epistemológicos, Morais (2019, p. 71) problematiza o método fônico, fazendo menção a estudos que evidenciam que o treinamento com vistas ao desenvolvimento da consciência fonêmica não se constitui como necessário para a alfabetização dos sujeitos:

É preciso repetir: defendemos o ensino de várias habilidades de consciência fonológica, mas temos evidências de que muitas tarefas de consciência fonêmica são desnecessárias para alguém se alfabetizar e só são resolvidas quando a criança é capaz de recuperar em sua mente a imagem gráfica das palavras. Ademais, nossas pesquisas demonstram que a consciência fonológica é uma condição necessária, mas não suficiente, para as crianças poderem se beneficiar de um ensino sistemático de relações entre letras e sons.

Em fala pública para o evento “Abralin ao vivo – Linguistis Online”,1 no ano de 2020, momento no qual apresentou o seu método de alfabetização, congênere ao método fônico, Scliar-Cabral (2020) expôs como uma “experiência exitosa” fundamentada por esse método que toma o fonema como unidade central — considerando-se, para isso, que o “[…] sistema de escrita se faz sintetizando/juntando unidades menores, que são analisadas para estabelecer a relação entre a fala e a sua representação escrita […]” (Frade, 2005, p. 23) — um movimento localizado em uma cidade da Escócia que obteve sucesso na erradicação do analfabetismo. A autora esclareceu, entretanto, que, além da adoção do método fônico, houve a “implementação de um entorno de letramento na comunidade”, sugerindo que “não há dissociação entre alfabetização e letramento”. Vê-se, pois, na origem, a impossibilidade de creditar ao método por si só o sucesso de uma política pública, pois há determinantes anteriores às escolhas metodológicas propriamente ditas e com os quais elas se relacionam intrinsecamente. A própria comparação fortuita entre práticas escolares (as quais estão enoveladas com a prática social mais ampla) de um país do Reino Unido com as que temos em nosso país parece-nos, no mínimo, perigosa.

O desconforto, assim, é imenso quando, analisada a história da alfabetização no Brasil à luz da sua própria história, e não de outrem, vê-se prontamente que os métodos sintéticos têm colocado suas intenções para uma formação estreita, comprometida com a codificação e a decodificação da escrita, muitas vezes, como propõe Zaccur (2012), por meio de conexões behavioristas de estímulo e resposta, fixando procedimentos sem que esteja neles implicada a reflexão de fato. Uma contradição gritante deste momento de ressurgimento do método fônico é a de que, num cenário que Duarte (2018, p. 141) tem denominado de “obscurantismo beligerante”, quando a ciência é colocada em xeque por meio das críticas pós-modernas, escudeiras do relativismo epistemológico e cultural — com reflexos profundos na esfera escolar, em que o resultado disso “[…] são currículos empobrecidos dos quais estão ausentes riquezas culturais que aparentemente não responderiam às necessidades presentes na vida dos alunos.” —, tem-se a imposição de um método único referendado por amplas políticas públicas que justificam tal adoção por meio do critério de “cientificidade”. Pois bem, é incontestável que alinhamentos tais não se explicam facilmente, e este artigo faz um esforço teórico-analítico para deslindar elementos estruturais de tais contradições. Na subseção que segue, damos enfoque ao entrelaçamento entre o método fônico e uma perspectiva pedagógica específica, a teoria das competências, um encontro que responde satisfatoriamente aos ditames da classe hegemônica.

PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS E MÉTODO FÔNICO: UMA ALIANÇA PARA O ADESTRAMENTO

A partir das fragilidades que expusemos até aqui acerca da adoção do método fônico como “o” método adequado para alfabetizar, nesta subseção, propomos uma aproximação — a partir da análise dos encaminhamentos que têm sido feitos no campo da alfabetização, sobretudo pelos documentos oficiais — entre esse método e a teoria pedagógica adotada, geralmente de maneira tácita, em diferentes proposições curriculares em nível nacional, especialmente desde os Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1997). Ainda que haja pouca explicitação quanto a isso, no sentido da sua assunção como teoria pedagógica que subsidia essas propostas que tocam diretamente na configuração dos currículos escolares, desde lá, a pedagogia das competências vem se espraiando por meio dos seus respectivos conceitos e orientações de ordem teórico-metodológica — a partir da publicação da BNCC, há um recrudescimento dessa filiação, haja vista a própria configuração do documento normativo, o qual “[…] indica que as decisões pedagógicas devem estar orientadas para o desenvolvimento de competências.” (Brasil, 2017, p. 13).

É certo que o silenciamento quanto à mencionada assunção constitui parte de um projeto que, conforme analisa Mortatti (2015, p. 199), lida com a “[…] tentativa de imposição de falso consenso, por meio da homogeneização de pluralidade de pontos de vista e posições teóricas e políticas, sabidamente em disputa.”. Nesse sentido, no texto da BNCC, afirma-se que a adoção, pelo documento, do conceito de “competência” “[…] marca a discussão pedagógica e social das últimas décadas […]” (Brasil, 2017, p. 13), aproximando-se daquilo que já analisamos em torno do apelo às ideias dominantes como “a verdade”, encaminhando as disputas a que se refere Mortatti (2015) para o aquietamento com vistas a um consenso inexistente.

Ainda que a BNCC assuma, nos seus textos iniciais, o compromisso com “[…] a formação e o desenvolvimento humano global, em suas dimensões intelectual, física, afetiva, social, ética, moral e simbólica.” (Brasil, 2017, p. 16), o esvaziamento de tais colocações fica evidenciado não só pela pífia menção a tais categorias, numa ausência de definição de conceitos básicos (Mortatti, 2015), mas, principalmente, pela forma como a alfabetização é apresentada mais à frente; registra-se, na base curricular em análise, que, no percurso de alfabetização, “[…] é preciso que os estudantes conheçam o alfabeto e a mecânica da escrita/leitura — processos que visam a que alguém (se) torne alfabetizado, ou seja, consiga ‘codificar’ e ‘decodificar’ os sons da língua (fonemas) em material gráfico (grafemas e fonemas) […]” (Brasil, 2017, p. 89-90). Vê-se, pois, com clareza, que, a despeito das outras dimensões mencionadas, a ênfase está na dimensão instrumental, técnica — é possível inferir, portanto, como analisam Gontijo, Costa e Perovano (2020, p. 21) a partir dos objetivos traçados pela BNCC (Brasil, 2017) para a alfabetização, que “[…] esta fica restrita ao treino da consciência fonológica, ou seja, ao treino das habilidades de segmentar e de identificar sons da língua oral, visando à descoberta de seus correspondentes gráficos.”. Constituindo-se, pois, como técnica, está facilitada a determinação da “eficácia” da alfabetização e, para tanto, a BNCC (Brasil, 2017) se coloca estrategicamente organizada por meio de códigos alfanuméricos, os quais respondem às demandas da racionalidade técnica, pois, desse modo, estão facilitadas as medições de eficiência feitas pelas avaliações nacionais, na obediência ao movimento da “[…] educação levada pelo cabresto das avaliações de larga escala […]”, como sinaliza Geraldi (2016, p. 7).

Já em Bobbitt (2004 [1918], p. 37), tem-se a defesa de que a educação comprometida com o “progresso social” deve promover “a estabilidade e a consistência dos resultados”, e não é estranho que hoje os reformadores empresariais da educação estejam à frente das reformas educacionais, como analisa Freitas (2012; 2014), já que são, certamente, alguns dos principais interessados na manutenção de uma “estabilidade”, para a qual o controle é fundamental, dando-se (também) por meio das avaliações nacionais. Tyler (1975 [1949], p. 3), premido pelos vislumbres liberais da racionalidade técnica, ao elucidar os princípios básicos do currículo, explica que “[…] os objetivos educacionais tornam-se os critérios pelos quais são selecionados materiais, se esboça o conteúdo, se desenvolvem procedimentos de ensino e se preparam testes e exames.”. Eis a abrangência da problemática: em se estabelecendo os objetivos educacionais por meio das competências da BNCC (Brasil, 2017), documento elaborado mediante intensa participação de instituições privadas, fica sob controle da classe hegemônica não só os conteúdos ensinados nas escolas — testados pelas avaliações de larga escala —, mas também as verbas públicas, por meio de investimentos estatais para a aquisição de materiais didáticos organizados de acordo com o previsto na base, ou seja, sob o fundamento da alfabetização instrumental, para a qual o método fônico cai como uma luva.

Um método que aparece como técnico, desprovido de concepções mais amplas, pode ser facilmente adotado — como se flutuasse no ar das “evidências científicas” em manto de neutralidade ideológica — por teorizações pedagógicas que também têm a dimensão pragmática (e, portanto, o esvaziamento dos conteúdos mais desenvolvidos) no seu centro, como quer a pedagogia das competências, para a qual o conceito de “competência” é entendido como a “[…] capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles.” (Perrenoud, 1999, p. 7, grifos do original). Com a publicação do Plano Nacional de Alfabetização (Brasil, 2019), sobre o qual fizemos alusão na subseção anterior, está referendada a aliança que buscamos evidenciar: o método fônico é divulgado como o mais adequado — e a adequação, nesse contexto, precisa ser entendida necessariamente a partir do atendimento às competências previstas pela BNCC (Brasil, 2017).

Em um modo de sociabilidade no qual se impõe a necessidade de formar sujeitos que lidem com elementos próprios da cultura escrita para que possam ocupar postos de trabalho demandantes, em razão do avançado desenvolvimento tecnológico, de conhecimentos básicos em torno da modalidade escrita da língua, coloca-se uma problemática para a classe que explora os trabalhadores: “[…] como liberar um pouco mais de conhecimento para as camadas populares sem abrir mão do controle ideológico da escola […]” (Freitas, 2014, p. 1089). É nessa contradição entre a necessidade de qualificar “um pouco mais” — que não deve ser entendida ingenuamente como uma proposta rumo à igualdade social, conforme sinaliza Britto (2012) — e a também necessidade de não perder o controle de uma formação para a adaptação ao status quo que se movem os reformadores da educação, como analisa Freitas (2014).

Quando as proposições acerca do método fônico trazem, no seu bojo, um delineamento etapístico, do menos complexo para o mais complexo, por meio da estratificação da língua em segmentos sonoros, coincide com o que a BNCC (Brasil, 2017, p. 93) estabelece, por exemplo, sobre os gêneros do discurso “próprios” do processo de alfabetização, no qual devem prevalecer os “mais simples”, “[…] tais como listas […], bilhetes, convites, fotolegendas, manchetes e lides, listas de regras da turma etc., pois favorecem um foco maior na grafia, complexificando-se conforme se avança nos anos iniciais.”. Nesse sentido, em que é vislumbrada uma progressão por etapas estabelecidas de antemão — e não por meio do planejamento docente —, os materiais didáticos se adequam fundamentalmente, trazendo lucros exorbitantes aos empresários do mercado editorial (os mesmos que tiveram intensa participação na produção de tais políticas públicas) e relegando às apostilas o trabalho pedagógico, esvaziando-se profundamente, como pontua Freitas (2012; 2014), o papel do professor. Tudo isso articulado ao princípio básico de “[…] reduzir o que é aprendido nas escolas públicas a um aparato técnico que serve de base para a perpetuação das relações sociais e de produção existentes na sociedade contemporânea.” (Gontijo, Costa e Perovano, 2020, p. 4), relações essas que têm como necessidade a formação dos seres humanos para a conformação — a alfabetização é central nesse sentido, por conta da sua potência para o desenvolvimento humano. Quando tomada à luz das imposições do mercado de trabalho, constitui-se como processo esvaziado, com tônica técnica e instrumental, de modo que contribuia visceralmente, como apontam Gontijo, Costa e Perovano (2020, p. 21), “[…] para manter um modelo econômico baseado na exploração dos indivíduos, na manutenção das desigualdades e, consequentemente, na falta de justiça social.”. Está dado um projeto de sociedade, e é sobre as aproximações entre Educação, Ciência e visões de mundo que damos tratamento na seção que segue.

CIÊNCIA E VISÃO SOCIAL DE MUNDO COMO VERDADEIRO PAR INDISSOCIÁVEL (TAMBÉM) NO CAMPO DA ALFABETIZAÇÃO

As considerações feitas até o momento neste artigo apresentam um problema que, como já antecipado na Introdução, não é original. Pelo contrário, esta é a questão fundante das elaborações teórico-filosóficas mais consequentes sobre epistemologia, ciência e o problema do conhecimento: “[…] a relação entre conflito social e conhecimento, ponto de vista de classe e objetividade científico-social […]” (Löwy, 1985, p. 10). É essa relação que produz toda a tensão entre negatividade e positividade no campo epistemológico, quer sob a forma de tentativas de escamoteá-la, quer sob a forma de buscas por explicitá-la.

Essa mesma tensão, como não poderia deixar de ser — se não por outras razões, pela correlação inegável entre Ciência e Educação (Saviani, 2012 [1983]) —, envolve, obviamente, a Educação Linguística no âmbito da alfabetização. Nesse sentido, cabe um destaque, o de que essa correlação entre campo científico e campo educacional não se dá diretamente na dimensão metodológica do processo de ensino. Contrariamente, as reverberações das produções científicas — ou, por outra, das elaborações produzidas sobre a realidade, o conhecimento objetivo produzido pelo trabalho científico —, para o desenvolvimento de metodologias de ensino, são, via de regra, epifenômenos do processo de apropriação do conhecimento científico, mas também da apropriação do filosófico e do artístico, a partir da qual os professores são capazes de refletir metacognitivamente sobre as dimensões que compõem a sua atividade principal (Leontiev, 2004 [1959]; Moura et al., 2010), entendida aqui como trabalho não material (Marx, 2010 [1844]; 2013 [1843]), quais sejam: “[…] identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana […]”; e “[…] descoberta de formas mais adequadas para atingir esse objetivo […]” (Saviani, 2015 [1984], p. 287).

A tais dimensões, pela própria natureza da atividade desses profissionais, entendemos necessário adicionar uma outra: apropriação/ampliação contínua de seu repertório cultural, com especial destaque para os objetos culturais próprios da produção artística. Certamente, essa dimensão poderia ser tomada como pressuposto da primeira aqui elencada; contudo, tendo presente a centralidade dela para a atividade docente, compreendemos que vale o destaque na forma de dimensão adicional. Isso posto, é possível assim sintetizar a elaboração realizada até aqui: o agir metodológico, nesses termos, é, antes, um resultado da apropriação de conhecimentos, que se revela e implica nesse próprio agir.

A apresentação e a defesa de que determinados métodos devam ser assumidos pelos profissionais que se responsabilizam pelo processo de apropriação inicial da escrita pelos sujeitos é, a um só tempo:

  • a tentativa de consecução de um projeto histórico de conversão dos professores em trabalhadores manuais — e, portanto, não como intelectuais, como o conceito de “trabalho não material” associado à atividade que, em tese, eles desempenham tentava definir —; e

  • a redução dos achados científicos a que-fazeres estritos a serem replicados indistintamente a todos os indivíduos, produzindo “resultados” congêneres.

Essa dupla orientação ideológica, evidenciada pela retomada da defesa dos métodos em si e por si mesmos, desrespeita, pelo menos, uma das importantes contribuições, também científica, da Psicologia Social — elaborada originalmente pelo que reconhecemos como Escola de Vigotski e assentada em base filosófica marxista —: a dialética entre genericidade, particularidade e singularidade (Duarte, 2013 [1993]; Heller, 2014 [1970]) como nodal para a compreensão e a promoção do desenvolvimento humano, concebido esse humano como um sujeito concreto/histórico (Marx, 2010 [1844]; 2013 [1843]; Heller, 2014 [1970]).

Isso, contudo, não pode significar que não haja um conhecimento objetivo produzido no campo científico (re)conhecido como Pedagogia (Ghiraldelli Jr., 2012 [1987]; Libâneo, 2013 [1999]; Saviani, 2010; 2013 [1980]). Esse conhecimento oferece importantes bases didático-pedagógicas e metodológicas para pensar a dimensão do como fazer o trabalho educativo com o qual nos comprometemos como professores que somos, as denominadas “formas mais elaboradas”, como quer Saviani (2015 [1984]). Tais bases, entretanto, precisam ser apropriadas como o que são, fundamentos, definições estruturais, e não como “receitas” que, ao serem “aplicadas”, produziriam resultados infalíveis e/ou mensuráveis. A Escola Tradicional já deu muitas provas de que a abstração histórica dos sujeitos tem pouco a contribuir também para o desenvolvimento de projetos educacionais (Saviani, 2007; 2012 [1983]). Do mesmo modo, a Escola Nova, como tendência pedagógica alternativa à tradicionalista e que funda, a propósito, a defesa da centralidade dos métodos (Saviani, 2007; 2012 [1983]), ao focalizar o sujeito empírico (Marx, 2010 [1844]; 2013 [1843]) — nas versões pós-modernas, hipercentrado na sua subjetividade (Tonet, 2013) —, do mesmo modo, já deu mostras de suas insuficiência e ingenuidade, para dizer o mínimo sobre alinhamentos tais.

Quando alcançamos uma compreensão como essa, é bastante evidente que a correlação mais elementar que aproxima Ciência e Educação é a visão social de mundo (Löwy, 1985; 1987), a qual acompanha sempre essas duas instâncias, já que original em ambas e uma vez que é também essa visão que as aproxima. Isso porque posições políticas são invariavelmente o ponto de partida de toda atividade real dos seres humanos, seja no campo científico, seja no campo educacional. Posições políticas, a seu tempo, são derivadas da adesão, explícita ou veladamente, a uma das duas visões sociais de mundo possíveis, quais sejam: a pró-manutenção do modo de sociabilidade vigente e a pró-transformação dessa mesma sociabilidade. Logo, os projetos educacionais têm, de saída, relação com posições políticas, sendo essas mesmas posições responsáveis pelos movimentos históricos que podem ser depreendidos também no campo da alfabetização, a exemplo do que acontece contemporaneamente e que foi objeto de nossa discussão na seção anterior. Ou mais explicitamente: o que tem produzido o movimento retrógrado nesse campo não são as contribuições científicas, mas as contribuições científicas têm sido hauridas do fundamento teórico-epistemológico que as sustenta e introduzidas de forma pretensamente asséptica no campo na forma de métodos, servindo a um projeto político que é expressão de uma posição também política, derivada de uma visão social de mundo.

Buscando sustentar teoricamente essa elaboração, que entendemos concentrar em si a resposta ao problema assumido neste artigo – Por que motivo o método fônico, mesmo sendo facilmente superado/superável pela reflexão teórica, alcança adesão pública, tanto por leigos quanto por professores, e quais as implicações do fortalecimento disso pelas políticas públicas atuais? —, nas duas subseções que seguem, tomaremos:

  • a relação entre epistemologia e visão social de mundo; e

  • as implicações do problema do conhecimento para a formação humana e para o currículo escolar como determinações em dialética no campo educacional e que contribuem, pois, para desvelar os elementos estruturantes das propaladas escolhas neutras porque científicas para o campo da alfabetização contemporaneamente.

EPISTEMOLOGIA E VISÃO SOCIAL DE MUNDO: RECONHECIMENTO ESSENCIAL PARA A SUPERAÇÃO POR INCORPORAÇÃO DA DIMENSÃO TÉCNICA NA ALFABETIZAÇÃO

Quando tomamos como mote a produção de conhecimento para pensar algum espectro da vida humana, é fundamental que tenhamos presente que tudo o que diz respeito à humanidade dos seres humanos é histórico; histórico tomado aqui numa perspectiva superadora, que envolve a incorporação, portanto, da dimensão biológica/orgânica. Tal assertiva encontra respaldo nas palavras de Leontiev (2004 [1959], p. 176) ao asseverar que “[…] milênios de história social contribuíram infinitamente mais do que milhões de anos de evolução biológica.”. Isso significa assumir que o indivíduo, ao nascer, não carrega em si tudo o que é necessário para viver a sua condição de humano (Leontiev, 2004 [1959]); ele se humanizará à medida que se apropria da cultura, produzida no curso da história pelas gerações passadas.

Nesse sentido, importa destacar outro aspecto elementar: é pela via do trabalho, concebido como atividade humana vital, que essa cultura é produzida e também apropriada. O trabalho é, pois, “[…] condição básica e fundamental de toda a vida humana.” (Engels, 2004 [1896], p. 11); no limite, “[…] o trabalho criou o próprio homem.” (ibidem, p. 11). A produção cultural envolve, nesses termos, tudo o que foi alcançado pelas gerações anteriores, inclusive os conhecimentos, que, para que se acumulem e, com isso, possam ser transmitidos de gerações em gerações, devem necessariamente ser fixados e eles “[…] fixam-se sob uma forma original, exterior (‘esotérica’).” (Leontiev, 2004 [1959], p. 176).

A própria linguagem é resultado desse processo histórico, na medida em que foi a complexificação da relação do homem com a natureza, a descoberta da possibilidade de incidência sobre ela para o atendimento às suas necessidades, a responsável pelo desenvolvimento da capacidade humana de relacionar-se com a mediação de uma forma de simbolização, inicialmente gestual, que vai se complexificando ao longo das gerações, chegando à linguagem verbal, incluindo-se o oral e o escrito (Vygotski, 2012 [1931]; Luria, 1988). Nesse ponto, convém o destaque de que foi a necessidade de complexificação da comunicação, a “necessidade de dizer algo uns aos outros” (Engels, 2004 [1896], p. 15) que promoveu a criação do órgão, de um aparelho fonador que, ao se transformar a partir da atividade produzida por tal necessidade, vai adquirindo a capacidade de realização de modulações perfeitas (ibidem). Essa retroação da cultura sobre o aparato biológico/orgânico não se reduz à linguagem (oral, nessa especificação que apresentamos neste ponto), é certo; ela se evidencia no desenvolvimento de várias capacidades humanas historicamente, as quais superam — e muito — uma explicação meramente biologicista.

O destaque que damos para a linguagem verbal aqui se justifica pelo próprio enfoque do artigo, mas, mais do que isso, pela projeção que ela tem na história da humanidade, a qual é assim definida por Engels (2004 [1896], p. 16): “Primeiro o trabalho e, depois dele e com ele, a palavra articulada, foram os dois estímulos principais sob cuja influência o cérebro do macaco foi se transformando gradualmente em cérebro humano […]”. Essa mesma relação trabalho e linguagem verbal permitiu, dialeticamente, a criação da cultura e, consequentemente, a produção de conhecimento, fixação e transmissão dessa mesma cultura historicamente, o que evidencia a dimensão histórica e, portanto, política da produção dele.

Tomando essa produção nesses termos, é possível, assim, sintetizar a relação entre atividade humana, criação e transmissão da cultura, o que implica o par dialético objetivação e apropriação (Marx, 2010 [1844]) da produção humana:

Dentre as ideias que o homem produz, parte delas constitui o conhecimento referente ao mundo. O conhecimento humano, em suas diferentes formas (senso comum, científico, teológico, filosófico, estético etc.), mesmo sendo incorreto ou parcial, ou expressando posições antagônicas, exprime condições materiais de um dado momento histórico.

A ciência é uma das formas do conhecimento produzido pelo homem no decorrer da história. […] caracteriza-se por ser a tentativa do homem entender e explicar racionalmente a natureza, buscando formular leis que, em última instância, permitem a atuação humana (Andery et al., 1988, p. 15).

Historicamente, tais tentativas podem ser classificadas em três padrões, segundo propõe Tonet (2013): o greco-medieval, o moderno e o marxiano. Obedecendo aos limites impostos neste artigo, tomaremos a classificação apresentada pelo autor a partir do que entendemos ser sua tese central: o embate histórico entre o enfoque ontológico e o gnosiológico e a impossibilidade de resolução do problema do conhecimento sem uma compreensão da lógica, central à dialética marxista, de superação por incorporação entre os enfoques, uma vez que a centração na perspectiva gnosiológica, dentre outras implicações, impede “[…] que se percebam os interesses sociais que permeiam a construção da cientificidade.” (Magalhães, 2013, p. 7). Isso tem validade, é claro, se, como queremos acreditar, o fim último do fazer científico for, efetivamente, o entendimento do real, ainda que “[…] nenhum deles é [seja] a forma definitiva de produzir ciência, mas, ao contrário, todos eles são uma forma, histórica e socialmente determinada, de construir o conhecimento.” (Tonet, 2013, p. 10).

Contemporaneamente, entretanto, a ideia do que seja ciência é identificada quase automaticamente com a forma mais avassaladora de produção do conhecimento e que é reconhecida como padrão moderno de cientificidade. Ele é concebido, de forma geral, como “[…] caminho único e adequado de produzir conhecimento verdadeiro.” (ibidem, p. 9). O que surgiria para além dele seriam crenças, ideologias, superstições, entre outras acepções (ibidem). Tal padrão científico é identificável com a mencionada perspectiva gnosiológica, que tem como polo regente do conhecimento o sujeito. Ele emerge e se firma como “o” padrão científico em alternativa ao greco-medieval, para o qual a base era uma perspectiva metafísica para lidar com a realidade, nem sempre reconhecida como padrão científico.

Ao firmar-se como a única abordagem verdadeiramente científica e fechar-se para a problematização dos seus limites com vistas à compreensão/explicação/transformação da realidade que supostamente buscaria conhecer e revelar, o padrão moderno de ciência impede que um aspecto mais elementar do embate epistemológico possa ser minimamente reconhecido: a existência de, pelo menos, duas formas de assumir o problema do conhecimento, uma delas gnosiológica e a outra ontológica. Proceder dessa forma está em consonância com um posicionamento político muito próprio e fundamental para a manutenção do sistema político-econômico vigente, o (neo)liberalismo, conservador indiscutivelmente. Na base dessa assertiva, está a retomada do argumento já apresentado anteriormente, no preâmbulo desta seção: não é possível separar, na origem, a Ciência (e Educação) de projetos sociopolíticos, esses articulados diretamente a posições sociais, as quais derivam do alinhamento a uma das duas visões sociais de mundo depreensíveis da própria luta de classes, uma voltada à conservação do estado de coisas e a outra à transformação dele. O padrão moderno de Ciência, nesses termos, ao assumir postura conservadora, alinha-se a essa relação social mais ampla do que a própria Ciência, mas que nem por isso deixa de incorporá-la: a contribuição para a manutenção e o alcance da face mais aguda e brutal do capitalismo, que presenciamos neste momento histórico.

A forma alternativa a essa, cabe o registro, a ontológica, caracteriza-se por produzir uma inflexão radical em relação ao padrão moderno de ciência, o padrão marxiano, tratado de forma marginal, inclusive no âmbito acadêmico, por, em tese, não alcançar “indexadores mínimos” para ser reconhecido como científico — ou ainda tratar-se-ia de uma corrente “[…] sem sentido ou, no máximo, ideológica e, portanto, não científica.” (ibidem, p. 10). Entendemos, contudo, em acordo com um debate epistemológico rigoroso (Löwy, 1985; 1987; Tonet, 2013; Gianotti, 2017), que tal marginalização do padrão científico em causa tem pouco (nada?) a ver com o atendimento a critérios de cientificidade, e, sim, com a expressão clara e declarada, presente nele, pela atuação científica em favor de um projeto social de caráter transformador, do alinhamento a outra visão social de mundo, portanto. Justamente por assumir a posição de classe como original e o compromisso com a produção de conhecimento que permita a revelação/compreensão da realidade social, ele seria o melhor padrão (Löwy, 1987; Rajagopalan, 2013 [2003]; Tonet, 2013), porque capaz de alcançar a agenda própria da atividade do pesquisador, mantendo-se a dimensão ética nela implicada.

Ainda que, numa mirada superficial, a questão com que nos ocupamos nesta subseção possa parecer deslocada do objeto central de nossa discussão, cabe considerar que, em grande medida, a reflexão sobre o currículo, também dos processos voltados à apropriação inicial da escrita, tem relação direta com a produção do conhecimento pelas gerações anteriores e sistematizado pelos/nos campos filosófico, artístico ou científico, sistematização que não se dá apartada de um fundamento epistemológico, o qual, como buscamos esclarecer, é indissociável de uma visão social de mundo. Na subseção que segue, a partir da aproximação entre problema do conhecimento, formação humana e currículo escolar, especificaremos essa relação.

PROBLEMA DO CONHECIMENTO, FORMAÇÃO HUMANA E CURRÍCULO ESCOLAR: ALFABETIZAÇÃO COMO PROCESSO HUMANIZADOR OU COMO ADAPTAÇÃO HUMANA?

Ao entendermos as contradições presentes no processo de produção do conhecimento — e, portanto, de ideias, de representações e da consciência (Marx e Engels, 2007 [1845-6]) — e o seu enraizamento histórico-político, considerando-se o processo contínuo de desenvolvimento da humanidade e, como resultado dele, o trânsito metabólico ativo entre indivíduo-natureza-sociedade, evidencia-se a dialética entre a produção do conhecimento e as condições materiais, o que ganha máxima potência num modo de sociabilidade premido pelo capital como o vigente, em razão da luta de classes. Isso porque, “[…] em qualquer sociedade onde existam relações que envolvam interesses antagônicos, as ideias refletem essas diferenças.” (Andery et al., 1988, p. 15) ou, por outra,

[…] o conhecimento humano — científico, tecnológico e cultural — constitui-se em elemento superestrutural engendrado nas múltiplas e contraditórias relações sociais que os homens estabelecem entre si e com a natureza durante o processo de realização das suas condições materiais e espirituais de existência. (Ferreira Jr. e Bittar, 2008, p. 636)

Nesses termos, “[…] tanto as ideias políticas que pretendem conservar as condições existentes quanto as que pretendem transformá-las correspondem a interesses específicos […]” (Andery et al., 1988, p. 15), interesses que se estendem ao projeto de sociedade, portanto, e, em consequência dele e em favor dele, ao projeto formativo prevalecente. Assim concebendo, do mesmo modo que os projetos de sociabilidade são aproximados a uma das duas visões sociais de mundo — a conservadora e a transformadora —, esses projetos formativos também encontram duas grandes orientações, relacionadas a essas duas visões sociais de mundo, respectivamente: a centrada na unilateralidade e a voltada à omnilateralidade humana. A base desses dois ideais de formação humana está fundada na maior aproximação ou no maior distanciamento (ou mesmo na negação deles) de três elementos:

Esses dois conceitos — unilateralidade e omnilateralidade — são certamente o ponto de partida de qualquer discussão sobre formação humana que queira avançar em relação às concepções biologicistas e às hipercentradas na subjetividade dos indivíduos, na medida em que esses indivíduos superam a dimensão orgânica original justamente quando se descobrem e se reconhecem como sujeitos concretos/históricos. Tal afirmação encontra respaldo na síntese de Manacorda (1989), que é, ao mesmo tempo, a retomada de um importante fundamento marxista, o de que apenas o ser humano desvinculou-se da unilateralidade natural, comum às outras espécies, inventando a possibilidade de assumir uma nova qualidade, até mesmo a omnilateralidade.

A concepção de omnilateralidade, nesses termos, está associada à máxima possibilidade de desenvolvimento humano, a qual, conforme alertava de modo contundente Marx (2010 [1844]), consiste em possibilidade não plenamente alcançável no modo de organização social vigente, entre outras razões derivadas, pela centralidade da “[…] mediação histórica do trabalho humano na formação do ser social.” (Ranieri, 2010, p. 12). É considerado trabalhador, contudo, na lógica sistêmica do capitalismo, “[…] o proletário, isto é, aquele que, sem capital e renda da terra, vive puramente do trabalho, e de um trabalho unilateral, abstrato.” (Marx, 2010 [1844], p. 30, grifo no original), centrado apenas na venda da sua força laboral. Essa forma de trabalho, cabe o destaque, inviabilizaria de saída a possibilidade de omnilateralidade, entendida como superadora do trabalho produtivo alienado, promovido e reforçado pelo sistema político-econômico centrado na mercadoria e, portanto, contraditoriamente na necessidade do ter, incluindo, sobremaneira, aqueles que não o podem, exceto que vendam a última hora do seu tempo para adquirir alguns poucos fragmentos do sistema produtivo do qual são parte elementar. Para avançar em direção à omnilateralidade humana, por outro lado, deve-se primeiramente assumir que “[…] a efetiva riqueza espiritual do indivíduo depende inteiramente da riqueza de suas relações sociais.”; então, é assim que os “[…] os indivíduos singulares […] são postos em contato prático com a produção (incluindo a produção espiritual) do mundo inteiro e em condições de adquirir a capacidade de fruição dessa multifacetada produção de toda a terra (criação dos homens).” (Marx e Engels, 2007 [1845-6], p. 41).

Quando trazemos tais concepções e a limitação própria do sistema em voga ao alcance pleno desse ideal formativo para a reflexão sobre os projetos educacionais, é fundamental termos presente essa dupla determinação: a impossibilidade original para tal alcance e a necessidade de voltar-se para ela na consecução de projetos educacionais. Evocando uma vez mais as palavras de Manacorda (1989, p. 361), “[…] apesar de o homem lhe parecer, por natureza e de fato, unilateral, eduque-o com todo o empenho em qualquer parte do mundo para que se torne omnilateral.”.

Essa defesa nos impõe outro ponto central de reflexão, relacionado diretamente com o problema do conhecimento e implicado na elaboração de currículos, concebidos como “[…] conjunto das atividades nucleares desenvolvidas pela escola.” (Saviani, 2012 [2008], p. 16): o currículo é definido a partir de um projeto de formação assumido pelo coletivo de profissionais, que, por sua vez, alinha-se a um projeto social, conservador ou transformador, porque não descolado de uma das visões sociais de mundo estruturadoras em uma sociedade fundada no primado da luta de classes. Em síntese e retomando a relação com o problema do conhecimento, “[…] o conhecimento acumulado historicamente pelo processo de desenvolvimento da humanidade sofre um crivo seletivo por parte das agências societárias de caráter ideológico.” (Ferreira Jr. e Bittar, 2008, p. 636), dentre as quais, como não poderia deixar de ser, as instituições formais de ensino, as agências mais gerais como as definidoras de políticas estaduais e nacionais, do que são exemplos documentos como PNA (Brasil, 2019) e BNCC (Brasil, 2017).

Em convergência, em boa medida, com essa posição acerca da eleição dos objetos do conhecimento, Gama (2015), tomando a obra de Dermeval Saviani como referência, apresenta o que denomina como “princípios para a seleção dos conteúdos de ensino”, quais sejam:

  • relevância social do conteúdo;

  • adequação às possibilidades sociocognitivas do aluno; e

  • objetividade e enfoque científico do conhecimento.

Na base desses princípios, está o conjunto de reflexões nodais enfrentadas pela epistemologia: o que é conhecer? Como conhecer? O que conhecer? Quais os limites para tal? Qual o polo regente desse processo? O que distingue o conhecimento científico das demais formas de conhecimento? Qual a forma de conhecer que permitiria acesso ao conhecimento objetivo? Há verdade?. A elaboração de currículos escolares, assim, não passa ao largo da discussão epistemológica e, por isso mesmo, nunca é neutra, técnica, desenraizada de posições políticas, porque apoiada em visões sociais de mundo.

A título de ilustração, se tomarmos a primeira das premissas destacadas por Gama (2015), a partir das proposições da pedagogia histórico-crítica, a relevância social do conteúdo, vemo-nos diante de uma das ações mais importantes do coletivo escolar: a escolha dos objetos prioritários de ensino, que implica a assunção de posição (epistemológica e, portanto, política) sobre quais conhecimentos, dentre o vasto, infinito, complexo e em movimento conjunto de conhecimentos produzidos pelas gerações anteriores, devam ser privilegiados. Se tal priorização terá como foco o domínio técnico estrito — em nosso caso, o sistema de escrita alfabética haurido das práticas sociais em que a escrita se coloca como necessidade e, portanto, tem um papel — ou se o enfoque recairá sobre a necessidade de enfrentamento e de compreensão crítica da/sobre a realidade social e natural, será uma decisão pautada em determinada visão social de mundo, a partir da qual o currículo é desenvolvido. Não há, pois, como identificar o que se prioriza e a partir de que encaminhamento teórico-metodológico e epistemológico no campo da alfabetização contemporaneamente sem reconhecer que as políticas públicas o fazem à luz de um projeto de formação humana clara e declaradamente adaptativa, orientada para a unilateralidade humana, assim porque é essa concepção que se articula e serve ao projeto social conservador.

Conduzir projetos educacionais a operarem em favor da adaptação dos seres humanos à ordem sociopolítica em causa não é, nesses termos, ação neutra, ocupada com a cientificidade do processo de alfabetização, comprometida com a igualdade e com a qualificação do ensino, mas sim uma ferramenta deliberada em prol da alienação humana, portanto, desumanizadora.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste artigo, buscamos apresentar e discutir, com vistas à tradução teórica, alguns elementos teórico-conceituais que contribuem para o reconhecimento da questão em causa: Por que motivo o método fônico, mesmo sendo facilmente superado/superável pela reflexão teórica, alcança adesão pública, tanto por leigos quanto por professores, e quais as implicações do fortalecimento disso pelas políticas públicas atuais?

Nessa busca, esperamos ter evidenciado que a decisão na forma de um documento regulador nacional como o PNA (Brasil, 2019) sobre que relação sistêmica deva ser priorizada — a grafofonêmica, marcadamente —, e em consonância com qual teoria pedagógica isso deva ser feito — nomeadamente, a teoria das competências —, consiste em uma posição política. Fazê-la, como discutido, em nome de uma pseudocientificidade, que referenda, a um só tempo, uma corrente epistemológica como a única verdadeiramente científica e a aplicação de um conjunto de estratégias metodológicas — derivadas de um desenvolvimento metodológico calcado numa teoria linguística que assume um ideal formativo unilateral, porque fundado sobre um projeto adaptativo dos seres humanos — é, reforçamos, uma posição política, no limite, autoritária.

Tal posição parece servir a dois grandes movimentos que precisam ser compreendidos em dialética: por um lado, a alimentação do poderio econômico das empresas que lucram com produtos pasteurizados para a Educação, seja na forma de material didático, seja na forma de pseudoformação de professores e, por outro e em correlação, a confirmação da alienação humana, fundamental para manter e agudizar o modo da sociabilidade vigente, para a qual a formação da classe popular nos limites da adaptação humana a essa mesma sociabilidade é elemento estrutural importante.

À guisa de reflexões finais e na tomada em dialética desses dois movimentos, consideramos fundamental destacar as implicações disso para a formação/atuação dos professores, os quais poderiam contribuir, pela própria especificidade de sua atividade profissional, e também nos limites impostos a ela, para a formação do sujeito coletivo (Tonet, 2013), base e condição para a transformação social. Tal aspecto é destacado porque, em grande medida, as atuais políticas públicas educacionais, que acompanham o projeto social neoliberal em curso, parecem priorizar a confirmação de um projeto histórico de conversão dos profissionais da Educação em trabalhadores manuais, na medida em que retira desse coletivo a possibilidade de reconhecer os fundamentos teórico-pedagógicos e epistemológicos de sua atividade principal, o ensino (Moura et al., 2010), para, a partir desse reconhecimento, prévia-idear as melhores formas, as mais elaboradas, de alcançar os objetivos de projeto educativo em que se converte o currículo escolar. Mais radicalmente, não se trata apenas de uma decisão técnica; pelo contrário, essas múltiplas determinações presentes nesse processo de redefinição do plano para a alfabetização no país expressam o que de mais sórdido parece haver no neoliberalismo: a naturalização dos elementos centrais ao desenvolvimento de projetos sociais ocupados com a exacerbação da alienação humana e com o empobrecimento da classe social que historicamente tem sido tolhida do acesso aos produtos da própria atividade humana, o trabalho.

À luz dessa questão e fazendo um alargamento da assertiva de Manacorda (1989) mencionada anteriormente neste artigo, continuemos a denunciar, em qualquer parte do mundo e com todo o empenho, a perversidade que se reveste de avanço e que credita à ingenuidade daqueles que historicamente foram espoliados do acesso à produção do gênero humano — ação que, uma vez mais, contribui(u) para a alienação — a base e a condição para a manutenção do modo de sociabilidade em curso.

Paralelamente, continuemos a defender e a atuar em favor de projetos formativos também para professores, sejam elas formações iniciais, sejam continuadas que contribuam para a identificação dessas contradições que têm sido deliberadamente deturpadas com maior ou menor ênfase em políticas públicas. Para isso, as três dimensões que compõem a atividade principal do professor, já apresentadas e aqui retomadas — identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana, descoberta de formas mais adequadas para atingir esse objetivo e apropriação/ampliação contínua de seu repertório cultural —, precisam ser priorizadas, porque são, ao mesmo tempo, ponto de partida e ponto de chegada do trabalho educativo desses profissionais e, como tal, permitem os movimentos constantes de recuo e avanço, sem os quais não se dão os processos de apropriação e de objetivação, o desenvolvimento humano em suma.

A autonomia tão em voga no projeto neoliberal em curso e em expansão é, nesses termos, reposicionada, sendo assumida como resultado de um processo de apropriação, e sendo ela a “credencial” para uma escolha responsável e orientada de um projeto formativo e dos conhecimentos que deverão ser ensinados, compondo o currículo em favor desse mesmo projeto, do mesmo modo que para a elaboração/eleição metodológica por cada docente. O reconhecimento da autonomia do coletivo de profissionais da educação na elaboração dos currículos em favor de um projeto de formação humana, bem como do trabalho educativo que desenvolvem, significa assunção de posição política de ponta a ponta, assim como também o é tolher desses profissionais a assunção de qualquer uma das dimensões que componham a sua atuação como docentes, quer sob a égide de ensino pautado na ciência ou da (pseudo)garantia de igual ensino para todos.

1Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=HcbIhlqYUL4. Acesso em: 4 mar. 2021.

Financiamento: O estudo não recebeu financiamento.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 17 de Março de 2021; Aceito: 13 de Junho de 2022

Amanda Machado Chraim é doutora em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Integra o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Linguística da Universidade Federal do Rio Grande (FURG)/UFSC. E-mail: amchraim@hotmail.com

Rosângela Pedralli é doutora em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora da mesma instituição. E-mail: rosangelapedralli@hotmail.com

Conflitos de interesse: As autoras declaram que não possuem nenhum interesse comercial ou associativo que represente conflito de interesses em relação ao manuscrito.

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