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Educação e Pesquisa

versão impressa ISSN 1517-9702versão On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.48  São Paulo  2022  Epub 13-Set-2022

https://doi.org/10.1590/s1678-4634202248244384por 

Artigos

A formação de educadores de adultos implicados no reconhecimento e validação de adquiridos experienciais1

The training of adult educators involved in recognition of prior learning

2- Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal. Contatos: catarina.paulos@campus.ul.pt; carmen@ie.ulisboa.pt


Resumo

O texto trata do processo de formação de educadores de adultos responsáveis pela implementação do reconhecimento e validação de adquiridos experienciais em Portugal. As investigações realizadas neste domínio revelam que, de forma geral, esses educadores não têm uma formação de base específica, no âmbito da educação formal, que os prepare para o desempenho profissional do processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais, contudo assumem funções que exigem o domínio de metodologias inovadoras e complexas. Deste modo, o texto, ao centrar-se no processo de formação dos educadores de adultos que trabalham no reconhecimento e validação de adquiridos experienciais de adultos pouco escolarizados, visa analisar o modo como eles aprenderam a desempenhar essa atividade profissional. A problematização e a reflexão, apresentadas no texto, são orientadas pelo pressuposto de que a formação é um processo amplo e difuso, que ocorre ao longo da vida, nos múltiplos espaços e tempos. A análise é resultado de uma investigação qualitativa, cujos dados empíricos são oriundos de entrevistas biográficas com educadores de adultos, responsáveis pela implementação do processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais. Os dados empíricos recolhidos evidenciam que a formação dos educadores de adultos decorreu, essencialmente, da sua experiência profissional no âmbito deste processo. Os educadores de adultos aprenderam com os pares, no contexto de trabalho, através das dinâmicas dos próprios centros de educação de adultos, resultantes da missão, das metodologias utilizadas e da especificidade do processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais. Deste modo, sua formação resultou do contato direto com a ação, da reflexão e da apropriação das experiências vividas no trabalho.

Palavras-Chave: Educador de adultos; Reconhecimento e validação de adquiridos experienciais; Formação

ABSTRACT

The article focuses on the training process of adult educators who are responsible for the implementation of recognition of prior learning in Portugal. In general, research in this field shows that these educators do not have specialized training within the scope of formal education, which would prepare them for the professional performance of recognition of prior learning; however, they perform this professional activity that requires knowledge of complex and innovative methodologies. In this way, the article aims to analyze how adult educators have learned to perform their work in recognition of prior learning of adults with low level of schooling, focusing on their training processes. Problematization and reflection presented in the text are guided by the assumption that training is a broad and diffuse process, which occurs throughout life in multiple spaces and times. The analysis is the result of a qualitative research in which empirical data come from biographical interviews with adult educators responsible for the implementation of the process of recognition of prior learning. The empirical data highlight that the adult educators’ training resulted, essentially, from their professional experience in this process. Adult educators learned with peers and in the workplace through the dynamics of the adult education centers, resulting from the mission, the methodologies used and the specificity of the process of recognition of prior learning. Therefore, adult educators’ training resulted from direct contact with action, and from appropriation and reflection on the experiences had at work.

Key words: Adult educator; Recognition of prior learning; Training

Introdução

Este artigo centra-se na análise dos processos de formação de educadores de adultos envolvidos no reconhecimento e validação de adquiridos experienciais. Este processo, dirigido a adultos pouco escolarizados, foi implementado em Portugal, a partir de 2000. O processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais assenta-se sobre a valorização da experiência de vida de adultos pouco escolarizados e das aprendizagens decorrentes da educação não formal e informal (CANÁRIO, 2006). Neste caso, parte-se do pressuposto de que há uma continuidade entre a experiência e a aprendizagem, assumindo-se que a experiência pode conduzir à aprendizagem (JOSSO, 2002, 2008). Para além disso, assume-se a importância de reconhecer e validar os saberes que os adultos adquirem através da formação experiencial (CAVACO, 2012), evitando ensinar o que já sabem (CANÁRIO, 2008).

Os educadores responsáveis pela implementação do processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais têm uma função essencial na explicitação e na valorização dos saberes do adulto. Sua atividade profissional incide, essencialmente, na identificação e no apoio à explicitação das aprendizagens realizadas pelo adulto ao longo da vida, em todos os tempos e espaços, na relação com os outros, com os contextos e consigo próprio (CAVACO, 2020). O caráter inovador e a complexidade do processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais suscitam questões sobre a formação dos educadores de adultos (CAVACO, 2009a) que atuam num processo novo, com metodologias de trabalho inovadoras, no contexto de uma atividade essencialmente relacional (DEMAILLY, 2008).

Neste artigo procura-se analisar os processos de formação dos educadores de adultos, isto é, compreender como esses profissionais aprenderam a desempenhar uma atividade profissional nova e complexa, que mobiliza saberes do campo da educação de adultos, área que para alguns deles era, até então, desconhecida. A análise fundamenta-se na ideia de que a formação implica o querer transformar-se, constituindo, sobretudo, “um caminho, uma viagem interior” (CASPAR, 2007, p. 92). Parte-se do princípio de que a experiência, enquanto “processo interno ao sujeito” (CANÁRIO, 2008, p. 109), é o principal recurso de aprendizagem dos educadores de adultos envolvidos nesta pesquisa. A experiência e a reflexão sobre a experiência permitem a formalização de saberes implícitos e não sistematizados, de modo que a “experiência de quem aprende torna-se o ponto de partida e o ponto de chegada dos processos de aprendizagem” (CANÁRIO, 2008, p. 109). Neste caso, assume-se a importância da formação experiencial. O indivíduo, no confronto com a ação, vai selecionando, organizando e interpretando a informação resultante dos contextos e das pessoas, criando sentido, e neste processo utiliza-se a si próprio como recurso, autoconstruindo-se. A formação experiencial encontra-se, por isso, nos antípodas da concepção “cumulativa, molecular e transmissiva própria da forma escolar tradicional” (CANÁRIO, 2008, p. 110).

A análise apresentada no texto deriva da síntese de resultados obtidos numa investigação realizada no âmbito de um doutoramento em educação, na especialidade de formação de adultos. Os dados empíricos são provenientes de 32 entrevistas biográficas realizadas com educadores de adultos responsáveis pela implementação do processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais. O artigo encontra-se organizado em quatro partes: a primeira centra-se na metodologia da investigação; a segunda aborda elementos sobre os educadores de adultos que intervêm no processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais; a terceira problematiza o papel da experiência profissional na formação dos educadores de adultos; e a quarta foca-se na análise dos processos de formação dos educadores de adultos responsáveis pela implementação do processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais.

Metodologia

A análise apresentada resultou de uma investigação no domínio das ciências da educação, mais particularmente no campo da educação de adultos. Como explica Mialaret (1996), a investigação científica em ciências da educação tem como objetivo fundamental procurar compreender as situações educativas através de sua diversidade, especificidade e complexidade. Neste artigo busca-se compreender o processo de formação de educadores de adultos que trabalharam no reconhecimento e validação de adquiridos experienciais em Portugal. Deste modo, visamos responder à seguinte questão: como os educadores de adultos responsáveis pela implementação do processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais aprenderam a desempenhar a sua função?

Do ponto de vista epistemológico, a investigação enquadra-se na perspectiva hermenêutica. A hermenêutica consiste na valorização e na atribuição de sentido à interpretação e à compreensão realizada pelo sujeito (DILTHEY, 2000; RICOEUR, 1995), sendo um paradigma epistemológico fundamental para a “compreensão da vida humana – a sua experiência, a sua conduta e a sua análise” (PAILLÉ, 2019, p. 223). Na investigação procuramos compreender as interpretações dos educadores de adultos envolvidos no processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais sobre sua experiência e seu processo de formação, enquanto profissionais.

A investigação, do ponto de vista metodológico, filia-se à abordagem qualitativa, que possibilita uma compreensão aprofundada da questão a ser investigada, a partir da perspectiva dos sujeitos participantes, o que foi assegurado “falando diretamente com as pessoas […] permitindo que elas [contassem] as histórias não contaminadas pelas nossas expectativas ou pelo que lemos na literatura” (CRESWELL, 2007, p. 40) sobre o tema. A investigação qualitativa permite uma abordagem holística (HESSE-BIBER; LEAVY, 2006), caraterizada por uma prática reflexiva orientada para os processos, e por uma interação dinâmica entre a teoria e os métodos, e entre o investigador e o objeto de estudo. Na abordagem qualitativa, a apresentação e discussão dos dados incluem “as vozes dos participantes, a reflexividade do investigador, e uma descrição e interpretação complexa” (CRESWELL, 2007, p. 37) do fenômeno em estudo. As questões problematizadas reportam-se a uma realidade caracterizada por uma dimensão “subjetiva, traduzida em ‘significações’, ‘interpretações’, ‘representações’, ‘emoções’” (AMADO, 2013, p. 119).

A natureza do objeto de estudo, centrado na “singularidade e totalidade da pessoa do ator biografado, e iluminando os próprios contextos e processos institucionais em que ele se move” (AFONSO, 2005, p. 77), conduziu à opção pela investigação biográfica, com recurso à entrevista biográfica (PINEAU; LE GRAND, 1996). A entrevista biográfica decorreu da necessidade de “perceber a relação singular que o indivíduo mantém, pela sua atividade biográfica, com o mundo histórico e social e em estudar as formas construídas que ele dá à sua experiência” (DELORY-MOMBERGER, 2012, p. 524). Nesta investigação realizamos 32 entrevistas biográficas com educadores de adultos responsáveis pela implementação do processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais. Na organização e sistematização dos dados das entrevistas biográficas, utilizamos a análise de conteúdo categorial (BARDIN, 1995). As categorias de codificação resultaram das questões de investigação formuladas, indo ao encontro do referido por Bogdan e Biklen (1994, p. 221) ao enunciarem que “determinadas questões e preocupações de investigação dão origem a determinadas categorias” do quadro conceitual abordado, mas também surgiram à medida que se avançou no tratamento dos dados.

Na investigação tivemos em conta os procedimentos éticos referidos na Carta Ética da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação (SPCE, 2014). Neste sentido, garantiu-se o consentimento informado ao esclarecer previamente os participantes sobre a natureza e os objetivos da investigação, o tratamento confidencial e anônimo dos dados, de modo que não fosse possível identificar os educadores de adultos intervenientes na investigação, nem dos centros onde trabalhavam. Recorreu-se à atribuição de nomes fictícios aos 32 educadores de adultos entrevistados, tratando-se de um procedimento fundamental do ponto de vista ético “assegurar que os dados fornecidos pelos participantes sejam totalmente anónimos e confidenciais” (SPCE, 2014, p. 8), garantindo-se a privacidade, a discrição e o anonimato. A relação estabelecida entre a investigadora e os sujeitos participantes pautou-se pela empatia, pelo respeito e pelo reconhecimento. Os sujeitos participantes foram informados do direito de desistência de participação em qualquer fase do processo.

Reconhecimento e validação de adquiridos experienciais: o papel do educador de adultos

O reconhecimento e validação de adquiridos experienciais começou a ser implementado em Portugal, no início do século XXI, seguindo a adoção de políticas educativas influenciadas pela perspectiva da aprendizagem ao longo da vida (CANÁRIO, 2003). Esse processo é uma prática educativa complexa e inovadora (CAVACO, 2009a), direcionada a pessoas adultas pouco escolarizadas, que visa valorizar e legitimar, do ponto de vista social, as aprendizagens e os saberes adquiridos ao longo da vida, em contextos de educação não formal e informal. A especificidade desse processo deriva do objeto de análise que consiste nos adquiridos experienciais, os quais resultam de aprendizagens realizadas pelo indivíduo e refletem na sua maneira de ser, estar e agir (FARZAD; PAIVANDI, 2000). O acesso aos adquiridos experienciais acontece através de metodologias e instrumentos que visam respeitar suas especificidades, para isso recorre-se à abordagem biográfica e ao balanço de competências (CAVACO, 2009a).

A abordagem biográfica consubstancia-se na elaboração de uma narrativa, por parte do adulto, orientada para a identificação e reflexão das experiências de vida a partir das quais se desenvolveram os saberes passíveis de serem comparados com os elementos dos referenciais de competências-chave. A narrativa do adulto não compreende a globalidade da sua vida, uma vez que “visa fornecer material útil para um projecto específico” (JOSSO, 2002, p. 20), focado apenas nos adquiridos experienciais suscetíveis de articulação com os elementos do referencial de competências-chave.

A metodologia do balanço de competências tem como propósito a identificação dos saberes e das competências do adulto e a elaboração de um projeto de formação e/ou profissional passível de concretização. Esse instrumento tem como finalidade fazer o balanço das aprendizagens, identificar os adquiridos ao longo do percurso de vida e analisar as motivações e os interesses, com vista à concepção de um projeto profissional concretizável (PIRES, 2000). O envolvimento do indivíduo na análise e reflexão sobre seu percurso de vida permite que este se aproprie dos saberes adquiridos, reconheça suas potencialidades e fragilidades, ganhe autonomia e reforce seu empoderamento para concretizar o projeto delineado.

O processo de reconhecimento de adquiridos experienciais compreende duas dimensões interdependentes, uma de caráter pessoal e de autorreconhecimento e a outra marcadamente social e institucional, de hétero-reconhecimento (CAVACO, 2012; FARZAD; PAIVANDI, 2000). O indivíduo identifica e reconhece os adquiridos, autoriza-se a dizer que sabe, reconhece-se como sujeito, autor da sua experiência e da sua vida (ENEAU, 2010). As experiências de vida são traduzidas para a forma escrita através de uma atividade reflexiva e discursiva, que se consubstancia na escrita de uma narrativa. O indivíduo, ao escrever sua narrativa autobiográfica, reflete acerca das experiências de vida com valor formativo, problematiza-as e atribui-lhes um sentido. O aspecto pessoal do reconhecimento de adquiridos experienciais diz respeito à análise que o indivíduo efetua relativamente às experiências, aos saberes, às motivações e aos projetos de futuro, em termos pessoais, profissionais e sociais. Trata-se de uma dimensão de autoavaliação, de apropriação e de reapropriação dos conhecimentos e capacidades pelo sujeito, mediada por “alguém que oriente, estimule e reconheça” (CAVACO, 2012, p. 197). O trabalho de identificação de adquiridos é realizado em domínios acessíveis apenas ao próprio indivíduo (FARZAD; PAIVANDI, 2000), tratando-se de um trabalho metacognitivo, de elaboração de saberes, a partir dos adquiridos provenientes da experiência.

Para além do autorreconhecimento, durante o processo está presente o reconhecimento pelos outros, de forma a legitimar do ponto de vista social os adquiridos experienciais (ENEAU, 2010), o designado hétero-reconhecimento. A dimensão social e institucional do reconhecimento decorre da natureza das ações empreendidas pelas instituições que levam a cabo este processo, baseadas em critérios, normas e regras estabelecidas exteriormente a partir da cultura social dominante (FARZAD; PAIVANDI, 2000). Essa dimensão refere-se às apreciações efetuadas pelos outros em contextos da vida pessoal, profissional e social, revelando-se sob a forma de um juízo de valor. No processo de reconhecimento de adquiridos experienciais, o juízo de valor intrínseco à dimensão social é efetuado pelos educadores de adultos e apoia-se no referencial de competências-chave (CAVACO, 2009a).

A validação corresponde ao conjunto de procedimentos levados a cabo para assegurar a legitimidade social do processo de reconhecimento de adquiridos experienciais (FARZAD; PAIVANDI, 2000). De forma a oficializar as ações empreendidas e efetuar a certificação, o dispositivo de reconhecimento culmina numa decisão de validação, que constitui uma garantia de valor. A validação se assenta na atribuição de um valor social aos adquiridos experienciais, resultantes de processos de formação experiencial, no seguimento da avaliação da sua conformidade com as competências do referencial (CAVACO, 2009a). A formalização do reconhecimento dos adquiridos experienciais realiza-se “a partir de ações oficiais que atestam os adquiridos reconhecidos ou não reconhecidos” (FARZAD; PAIVANDI, 2000, p. 80), dando lugar à emissão de diplomas e de “títulos atribuídos pelo Estado” (LIÉTARD, 2001, p. 475). De acordo com Farzad e Paivandi (2000), a atribuição de um título oficial de validação de adquiridos, por um lado, valida a conformidade dos adquiridos com base em exigências previamente estabelecidas por órgãos oficiais, e, por outro, legitima oficialmente o adulto a fazer uso da validação socialmente reconhecida. A certificação consubstancia-se na validação formal, traduz-se numa creditação que conduz a uma equivalência total ou parcial (MELO, 2001). A equivalência total dá lugar à obtenção de uma certificação e de um diploma oficial, enquanto a parcial determina que a certificação seja obtida através de um percurso formativo modular.

O processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais é desenvolvido em termos pedagógicos por dois tipos de técnicos: pelos profissionais de reconhecimento e validação de competências (RVC), desde 2013 designados técnicos de orientação, reconhecimento e validação de competências; e pelos formadores. A pesquisa empírica recaiu sobre os profissionais de RVC, que Barros (2013, p. 434) considera como “os únicos elementos da equipa que desempenham o papel de educadores de adultos”. Esses educadores de adultos efetuam a gestão das sessões de reconhecimento de adquiridos experienciais, fomentando a reflexão e a escrita, e reforçam atitudes de entreajuda nos adultos. Neste sentido, explicam o processo, dão informações sobre a elaboração da história de vida e esclarecem dúvidas. Para além disso, incentivam a elaboração de uma narrativa oral sobre o percurso de vida, motivam o adulto a pensar sobre o passado, o presente e a projetar-se no futuro, e ajudam-no na tomada de consciência relativamente aos seus adquiridos experienciais (CAVACO, 2009a). Os adultos pouco escolarizados têm, normalmente, pouca consciência dos saberes que possuem e tendem a subvalorizá-los por não terem sido adquiridos em contextos formais de aprendizagem (PRESSE, 2010). Neste caso, o educador de adultos desempenha um papel importante ao apoiar os adultos a “desconstruir a imagem negativa que possuem de si mesmos, valorizando os saberes” (PRESSE, 2010, p. 101) adquiridos por via da experiência, de forma a construírem uma imagem positiva de si. Este é um trabalho de acompanhamento, que decorre ao longo do processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais.

Para além do acompanhamento, o educador de adultos, no desempenho das suas funções, assume as posturas de animador e de mediador. Neste sentido, adota uma postura de animador quando faz a gestão das sessões de reconhecimento de adquiridos experienciais em pequenos grupos, conduzindo discussões e reflexões, e incentivando situações de entreajuda entre os adultos (CAVACO, 2009a). O educador de adultos também desempenha funções de mediação formativa e de mediação interpessoal (AGUIAR, 2013). A postura de mediador formativo surge quando apoia o adulto na rememoração das suas experiências de vida e na apropriação dos seus adquiridos experienciais. A postura de mediador interpessoal está presente quando intervém ao nível da gestão de conflitos e de emoções. O processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais é uma prática educativa recente, caraterizada pela complexidade ao nível das metodologias e das relações interpessoais, por captar uma grande diversidade de público, com experiências de vida heterogêneas e específicas das vivências profissionais e dos contextos de vida. Neste sentido, a mediação surge como um recurso fundamental de explicitação dos adquiridos experienciais, de articulação entre as aprendizagens do adulto e as competências do referencial de competências-chave e de desenvolvimento de “novos padrões comunicacionais e relacionais” (AGUIAR, 2013, p. 210).

Formação experiencial: o papel da experiência na formação

A experiência é alvo de diversas interpretações por parte de diferentes autores, no entanto, Canário (2008, p. 111) defende que a visão prevalecente nas teorias da formação, e particularmente da formação de adultos, confere “uma importância decisiva aos saberes adquiridos por via experiencial, e ao seu papel de ‘âncora’ na produção de novos saberes”. Por conseguinte, procura-se conjugar, por um lado, a continuidade, salientando-se que sem referência à experiência anterior não há aprendizagem, e, por outro, a rutura, uma vez que a experiência só tem potencial formativo se for alvo de um processo de reflexão, permitindo a mudança e a realização de novas aprendizagens. A aprendizagem a partir da experiência inscreve-se numa concepção de educação ao longo da vida (ALHEIT; DAUSIEN, 2006), em que os “aspectos não formais, informais, não institucionalizados e auto-organizados da aprendizagem” (p. 180) adquirem um papel crucial na formação do indivíduo. A aprendizagem decorre das experiências vividas pelo indivíduo, de situações de transição e de crise, em ambientes formais, não formais e informais, estando “sempre ligada ao contexto de uma biografia concreta” (p. 190). A aprendizagem decorrente da experiência constitui um “processo natural e intrínseco” (CAVACO, 2009b, p. 221) ao ser humano, apesar de nem sempre ser reconhecido e valorizado socialmente.

Pineau (1991) afirma que a formação experiencial resulta do contato direto com a ação, não havendo recurso a elementos mediadores, tais como formadores, programas curriculares e formativos, ou documentação, e tem lugar no imediato. De acordo com Josso (1991), a formação experiencial designa a atividade consciente de um sujeito ao efetuar uma aprendizagem, inesperada ou voluntária, em termos de competências existenciais (somáticas, afetivas, conscientes), instrumentais ou pragmáticas, explicativas ou compreensivas, perante a ocorrência de um acontecimento, de uma situação ou atividade. O domínio dessas competências implica não apenas a integração do saber-fazer e de conhecimentos, mas também a sua subordinação a uma significação e orientação no contexto de uma história de vida. Para Josso (2008), toda formação é experiencial, na medida em que a formação resulta sempre de um processo de apropriação decorrente da experiência de vida.

As interações que ocorrem ao longo da vida, nos diversos contextos, são marcadas pelas “transacções connosco próprios, com os outros, com o meio natural ou com as coisas” (JOSSO, 2002, p. 37), conduzindo a vivências e experiências significativas para os envolvidos. Essas experiências podem ser formativas quando são objeto de reflexão, isto é, quando são alvo de elaboração e de apropriação por parte do indivíduo, sendo, nesse caso, integradas nos recursos cognitivos, afetivos e sociais que possui. Neste sentido, o indivíduo necessita reorganizar e reconstruir os elementos que compõem a experiência, para lhes dar um sentido em função das vivências anteriores e da forma como se projeta no futuro. Dominicé (1991) ressalta que a dimensão formadora da experiência depende, em grande medida, dos recursos culturais que o indivíduo possui, que possibilitam a atribuição de um sentido às vivências. A experiência envolve o indivíduo na sua globalidade de ser psicossomático e sociocultural, e necessita ser elaborada, isto é, refletida e apropriada (JOSSO, 2002), de forma que possa retirar dela as aprendizagens e os adquiridos experienciais.

A formação experiencial implica a existência de um processo de tomada de consciência, de aprendizagem a partir das experiências vividas e de reflexão permanente em relação a elas. A formação experiencial envolve um processo de mudança do indivíduo, consubstanciado em transições decorrentes da alteração dos esquemas de pensamento e de ação. Esse processo é marcado pela temporalidade, uma vez que o indivíduo aprende em um determinado ritmo, que difere em função das situações e das pessoas. A formação experiencial refere-se ao processo de desenvolvimento “de competências, através do contacto directo com uma situação, registando-se a possibilidade de intervenção/acção, a que se segue uma análise e reflexão sobre o sucedido, ainda que esta análise e reflexão sobre o processo nem sempre seja consciente” (CAVACO, 2002, p. 26). Neste sentido, resulta da assunção por parte do indivíduo de um papel ativo e da sua capacidade para experimentar, intervir e refletir sobre as situações que ocorrem no seu dia a dia (CAVACO, 2009b).

Educadores de adultos: contributos da formação experiencial

Na análise, ao assumir-se a importância da formação experiencial, adota-se um entendimento da formação enquanto processo amplo e difuso, que ocorre em vários contextos e momentos do percurso de vida. Deste modo, a formação dos indivíduos é fruto da participação e do envolvimento em modalidades de educação formal, não formal e informal. Dos 32 educadores de adultos entrevistados, apenas seis adquiriram conhecimentos em educação de adultos através da sua formação de base, no âmbito da educação formal. Na maioria dos casos, a prática profissional assume uma importância fundamental no processo de formação dos educadores de adultos entrevistados. A importância da experiência profissional na formação é destacada na fala de Sebastião ao referir que “a formação vai-se fazendo. Não é só ter um papel de ter formação, acho que o mais importante da formação é no terreno. É trabalhar com os adultos […] para mim, o mais importante na formação é trabalhar no terreno”. Deste modo, a experiência constitui o denominador comum dos processos de formação. É no desempenho da atividade profissional, portanto na ação, que os educadores de adultos aprendem e desenvolvem competências fundamentais para o seu desenvolvimento profissional, como refere Daniela:

[…] depois foi o começar na prática. Ainda me lembro da primeira sessão que tive, essa não vou esquecer nunca, com um adulto que era o Francisco e foi natural. As dificuldades foram começando a surgir, eu fui tentando superá-las, resolvê-las, e foi assim que fui aprendendo. Tenho estado sempre, sempre a aprender […]. Mas foi basicamente na prática.

É através do contato direto com as situações de trabalho, da análise dos vários elementos que compõem a experiência e posterior reflexão sobre eles, que os educadores de adultos aprendem a desempenhar o conjunto de tarefas que fazem parte da sua atividade profissional. O local de trabalho é “um contexto privilegiado de aprendizagem experiencial” (CAVACO, 2002, p. 40), uma vez que os adultos passam uma parte considerável do seu tempo trabalhando. Para além disso, no exercício profissional exige-se o domínio de um conjunto de conhecimentos e de competências necessários para a execução de determinadas tarefas; e no local de trabalho criam-se relações de proximidade com pessoas que dominam saberes e partilham as regras de funcionamento da organização. Esta ideia está patente no discurso de Rute, quando refere que

[…] ninguém tinha formação a não ser a coordenadora que nos deu algumas dicas, mas depois nós enquanto equipa […] tivemos que aprender com os erros, com o fazer de uma forma e ver que se calhar não resultava muito bem e tivemos que dar a volta e arranjar outras estratégias.

Rute aprendeu a executar seu trabalho com as pessoas com quem trabalhava, isto é, a coordenadora que já tinha frequentado a formação e os colegas. Rute aprendeu por tentativa e erro, experimentando novas estratégias de trabalho e refletindo em equipe sobre os resultados. A aprendizagem a partir da experiência decorre de um processo de análise e reflexão sobre a ação. “Aprender com os erros”, expressão utilizada pela educadora de adultos Rute, tem subjacente a ideia de experimentação e consequente alteração da ação, num processo contínuo que decorre da vontade do indivíduo. A experimentação marcada pelo processo de tentativa e erro faz parte da aprendizagem na ação, através da qual o conhecimento vai sendo construído “a partir de um processo de aproximações sucessivas, em que a capacidade de mobilizar e conectar informação diversa se revela mais importante do que acumular informação segmentada” (CANÁRIO, 2005, p. 70). A experimentação de métodos e de estratégias de trabalho torna-se uma constante, nunca tem um término, numa atividade profissional caraterizada pelo investimento permanente no desenvolvimento profissional, devido aos desafios e exigências de uma prática educativa que se assenta na valorização dos conhecimentos e saberes adquiridos por via da experiência, em contextos de educação não formal e informal.

A formação experiencial tem como base o pressuposto básico de que se aprende através da experiência, devendo o indivíduo assumir um papel ativo e possuir a capacidade de experimentar e de refletir sobre as situações e acontecimentos que ocorrem no seu quotidiano (CAVACO, 2009b). A formação experiencial valoriza o trabalho que a pessoa desempenha, seus saberes-fazer e sua experiência (LIÉTARD, 2007). As capacidades de experimentação, de reflexão e de apropriação, mencionadas por Cavaco (2009b) para caracterizar a formação experiencial, estão patentes no discurso de Alzira quando pensa acerca da forma como aprendeu a desempenhar sua função: “Eu não tive por parte das pessoas, das colegas, muita orientação. Eu aprendi a fazer este trabalho sozinha, com o dia a dia, com a experiência do dia a dia, melhorando sempre, cada vez mais. Mas é uma aprendizagem contínua”.

O processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais utiliza metodologias inovadoras, diferentes da forma escolar, o que leva Sílvia a afirmar que “o conceito de história de vida e o que eu ia fazer ali foi totalmente novo”. A inovação e a complexidade inerentes ao processo induzem estes educadores de adultos a uma experimentação contínua, na tentativa de encontrar, individual e coletivamente, soluções criativas e adequadas. No processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais, o educador de adultos está envolvido num processo contínuo de ajustamento a um público heterogêneo, em termos de idade, experiência de vida, situação profissional e personalidade, o que leva Adriana a relatar que está “sempre a aprender e a tentar melhorar e a arranjar novas estratégias porque aparecem pessoas diferentes daquelas com quem já tinha trabalhado”. Adriana conta que aprende “muito no terreno e no dia a dia”, “por tentativa e erro”, acrescentando que “às vezes começamos de uma forma, vemos que não está a resultar e tenho que tentar trabalhar com a pessoa de outra forma e é assim que eu vou aprendendo e, penso eu, melhorando o meu desempenho”.

Entre os educadores de adultos, o contato direto, decorrente do desempenho de um conjunto de tarefas e exigências que fazem parte da sua função, vai originar uma ação que, por sua vez, “resulta num saber real com aplicação prática” (CAVACO, 2009b, p. 223) na vida profissional. De acordo com Vallerie (2009), as competências que os educadores possuem são constituídas, em grande parte, pelos saberes de ação, que derivam da experiência. Aprende-se muito através da ação e principalmente através da análise da ação (PASTRÉ, 2007). A análise reflexiva e retrospectiva da ação é um instrumento de aprendizagem, patente no discurso de Rebeca quando relata que “foram muito importantes as experiências que fui tendo de grupo a grupo”, estando sempre presente o “cuidado de irmos evoluindo com as atividades e com aquilo que íamos vendo que não corria tão bem, íamos melhorando, íamos adaptando para os grupos seguintes”. Neste sentido, o trabalho de análise de uma atividade profissional, assente na reflexão crítica das tarefas que se executam, é um momento essencial na construção de sentido para as experiências vividas (PASTRÉ, 2007).

Apesar da educação formal contribuir para o desenvolvimento de determinadas aquisições “sob certas circunstâncias” (ILLICH, 1985, p. 27), grande parte da formação desses educadores de adultos ocorreu em contextos de educação não formal e informal, da participação em situações significativas que mobilizam o indivíduo num determinado sentido, em função das necessidades e dos desafios que enfrenta. Deste modo, a formação dos educadores de adultos é um processo dinâmico, que nunca está finalizado, porquanto resulta de dinâmicas de interação que estabelecem ao longo das sessões de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais, e do contato com a diversidade de subjetividades e de experiências de vida dos adultos. Mariana destaca que “aprendemos sempre com os conhecimentos que os adultos nos trazem, com as experiências que eles têm, fazem-nos olhar para o referencial de outra forma e descobrir diferentes evidências para as competências que já lá estão”. Neste sentido, podemos afirmar que o processo de formação dos educadores de adultos é também “um processo de apropriação individual, que se faz numa permanente interação e confrontação com os outros” (NÓVOA, 2010, p. 184). Neste caso, os outros são os adultos envolvidos em processos de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais. Contudo, os educadores de adultos também se formam na interação com os colegas, recolhendo “testemunhos dos […] colegas” e aprendendo com a “sua prática” como relata Susana e como conta Sebastião: “Eu aprendi a ver os outros”.

No processo de formação dos educadores de adultos há um forte componente de autoformação (PINEAU, 2009), na medida em que é o indivíduo que, num registro por vezes solitário, reúne informação, faz leituras, reflete e indaga. Neste sentido, o educador de adultos forma-se “lendo” (Conceição) os “referenciais, básico e secundário, e o guia de operacionalização” (Susana), “muita documentação, muitos estudos feitos que na altura já existiam” (Adriana), “alguns manuais que nos foram surgindo com atividades” (Rebeca) e, também, através de “pesquisa individual” (Carina). A autoformação resulta de um processo de atribuição de sentido e de apropriação das experiências, por isso as dinâmicas individual e coletiva são interdependentes.

Alguns educadores de adultos trabalharam anteriormente como mediadores e/ou formadores em cursos de educação e formação de adultos e, quando começaram a trabalhar como educadores de adultos no processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais, transferiram os conhecimentos e saberes mobilizados nas experiências profissionais anteriores para o exercício dessa função. Soraia, uma das educadoras de adultos entrevistadas, relata que “[…] o aprender teve muito a ver com a experiência que eu tinha dos EFA [cursos de educação e formação de adultos] como mediadora”. O valor formativo da experiência relaciona-se à continuidade na medida em que as experiências novas dependem e são influenciadas pelo patrimônio experiencial passado (DEWEY, 1960). Dalila recorreu a “algumas ferramentas” adquiridas com sua “experiência como mediadora” em cursos de Educação e Formação de Adultos (EFA) para aprender a desempenhar sua atividade profissional, uma vez que “muitos dos temas abordados na história de vida, já tinha feito isso ao nível do curso EFA”, em que “o reconhecimento e validação de competências também foi feito individualmente e em grupo”. Daniel conta que “o aspeto de ter sido formador deu-me alguns conhecimentos que utilizo, algumas competências nesse aspeto”. Soraia, Dalila e Daniel recorrem ao seu repertório de saberes e conhecimentos, adquiridos e mobilizados em atividades profissionais anteriores, no âmbito da educação de adultos, nomeadamente, como mediadoras e formador de cursos de EFA. A experiência construída no âmbito do desempenho da atividade de educadora de adultos no processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais “resulta da mobilização de aspectos referente às vivências anteriores e […] influencia a qualidade das experiências futuras” (CAVACO, 2009b, p. 224). As aprendizagens efetuadas pelos educadores de adultos decorrem, por um lado, do estabelecimento de um sentido de “continuidade com a experiência anterior” (CANÁRIO, 2004, p. 121) no âmbito do desempenho de atividades profissionais de caráter relacional e, por outro, da produção de “rupturas com a experiência anterior” (p. 121), que conduzem à aquisição de novos saberes.

A transferência de conhecimentos e de saberes provenientes de outros campos profissionais, predominantemente de áreas em que há um forte componente relacional, contribui para a aprendizagem do desempenho de uma atividade profissional, que até esse momento era desconhecida em termos de exigências e de descrição funcional. A transferência de conhecimentos e de saberes considerados mais ajustados ao desempenho dessa atividade profissional contribui para a aprendizagem de algumas tarefas e para responder às exigências que surgem no quotidiano profissional. Alzira relata que:

Na Acapo [Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal], apesar de o público ser um bocadinho diferente, porque maioritariamente eram pessoas com algum handicap, havia a vertente de entrevista com a pessoa, do atendimento personalizado com a pessoa, tentar perceber que tipo de competências é que a pessoa já tinha adquirido anteriormente […]. Transportei muitos desses conhecimentos e muita dessa sensibilidade no trato com a pessoa, e até de processo de motivação, um processo de elevação da autoestima, transportei muito daí para aqui.

Os educadores de adultos aprendem a desempenhar sua função no âmbito do processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais recorrendo ao seu capital de experiências já constituído (BOUTINET, 2001), mobilizando-o sempre que sentem necessidade. Neste sentido, os adultos formam-se “por meio das experiências, dos contextos e dos acontecimentos que acompanham a sua existência” (NÓVOA, 2010, p. 172).

Considerações finais

A análise do processo de formação de educadores de adultos permitiu corroborar a importância da formação experiencial. A formação desses profissionais ocorreu através de um processo largo e multiforme, de caráter difuso, em contextos de educação não formal e informal. Nesse sentido, uma parte considerável dos conhecimentos e saberes que esses educadores de adultos mobilizam no desempenho das suas funções foi adquirida fora da escola, de forma não intencional (CANÁRIO, 2005; ILLICH, 1985). Sua formação decorreu do contato direto com a ação, de um processo de experimentação, de tentativa e erro e de um trabalho reflexivo sobre o vivido, ou seja, através da formação experiencial (JOSSO, 1991; PINEAU, 1991).

A formação dos educadores de adultos, com funções no reconhecimento e validação de adquiridos experienciais, resultou do trabalho reflexivo que realizaram no decurso da ação, individual e coletivamente. A aprendizagem deu-se através de mecanismos de tentativa e erro, de experimentação e de reflexão sobre as práticas e os resultados obtidos, por aproximações sucessivas, que ocorreram individualmente e com os colegas de trabalho, num registro de autoformação, de heteroformação e de ecoformação (PINEAU, 2009). Os educadores de adultos aprenderam através da experiência, apropriando-se da sua capacidade de formação, experimentando e refletindo sobre os acontecimentos e situações do seu dia a dia (CAVACO, 2009b). O saber-fazer dos educadores de adultos foi construído no exercício da prática profissional, a partir do desempenho da atividade profissional e das interações estabelecidas, e, neste sentido, o contato direto com a prática resultou em saberes de ação, que derivaram da experiência.

Nas atividades profissionais relacionais, como é o caso dos educadores de adultos responsáveis pelo reconhecimento e validação de adquiridos experienciais, o processo de formação é indissociável das interações que estabelecem com os adultos que acompanham e com a “capacidade de os ‘escutar’ e, por consequência, ‘aprender com eles, transformando-se’” (CANÁRIO, 2005, p. 69). Assim, os educadores de adultos vão se familiarizando com uma prática educativa nova à medida que a implementam, num registro de ação e reflexão, de tentativa e erro. Neste caso, a formação dos educadores de adultos resultou de um processo de apropriação das experiências que viveram no trabalho e da reflexão, numa lógica dialética. Os resultados da investigação revelam a importância da formação experiencial, todavia, a complexidade e os elementos de inovação desse processo exigem profissionais bem preparados do ponto de vista pedagógico e técnico, pelo que faz sentido haver um grande investimento na sua formação e acompanhamento ao nível das políticas públicas.

Agradecimentos

1- Agradecimentos: este trabalho de investigação foi financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), Portugal (Referência SFRH/BD/101541/2014).

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1- Agradecimentos: este trabalho de investigação foi financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), Portugal (Referência SFRH/BD/101541/2014).

Recebido: 07 de Outubro de 2020; Aceito: 10 de Fevereiro de 2021

Catarina Paulos é doutora em educação/formação de adultos pelo Instituto de Educação da Universidade de Lisboa (ULisboa). Trabalhou, entre 2008 e 2021, com educação de adultos, no processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais. Atualmente é investigadora na Unidade de Investigação e Desenvolvimento em Educação e Formação (UIDEF), do Instituto de Educação da ULisboa.

Carmen Cavaco é doutora em ciências da educação/formação de adultos, docente e investigadora do Instituto de Educação da ULisboa, no campo da formação de adultos – adultos não escolarizados e pouco escolarizados, formação experiencial, políticas educativas, reconhecimento de adquiridos experienciais e método biográfico.

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