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Educação e Pesquisa

versión impresa ISSN 1517-9702versión On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.49  São Paulo  2023  Epub 28-Abr-2023

https://doi.org/10.1590/s1678-4634202349251676por 

Artigos

(Dis)posições para a formação docente em um curso de pedagogia: contribuições da extensão universitária

Roberta Pereira de Paula Rodrigues1 
http://orcid.org/0000-0003-1687-7838

Giseli Barreto da Cruz1 
http://orcid.org/0000-0001-5581-427X

1-Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.


Resumo

O artigo apresenta resultados de uma pesquisa que teve por objetivo analisar como a participação de estudantes de um curso de pedagogia em ações de extensão universitária pode contribuir para o desenvolvimento de (dis)posições para sua formação docente. Teoricamente, ancora-se nos conceitos de (dis)posições para a formação docente, de Nóvoa, e de “terceiro espaço”, de Zeichner. A contextualização acerca da extensão universitária foi elaborada com o apoio do Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Instituições Públicas de Educação Superior Brasileiras (Forproex) e estudos da área. Metodologicamente, a pesquisa desenvolveu-se a partir de uma análise documental das ações extensionistas com abertura para a formação de professores registradas na instituição perscrutada, seguida de uma análise de entrevistas feitas com os sujeitos envolvidos com a realização de tais ações e ligados ao curso de pedagogia em questão. Os resultados indicam que as posições para a formação docente são desenvolvidas pela via da extensão, porém algumas mais frequentemente que outras. Considerando as ações de extensão que compuseram o estudo, as posições mais desenvolvidas, por ordem e razões, são: recomposição investigativa, pela relação com a pesquisa; exposição pública, pela relação com a sociedade; interposição profissional, pela articulação com escolas e professores; composição pedagógica, pela dialogicidade e trabalho colaborativo; e disposição pessoal, pelo autoconhecimento e autoconstrução.

Palavras-chave Formação de professores; Disposições para a formação; Extensão universitária; Curso de pedagogia

Abstract

This study describes results of research that aimed at analyzing how pedagogy students’ participation in university extension activities can contribute to the development of (dis)positions for their teacher education. This study uses Nóvoa’s theoretical concepts of (dis)positions and Zeichner’s “third space”. We contextualized university extension programs with the support of the Forum of Extension Pro-Rectors in Brazilian Higher Education Public Institutions - Forproex) and related studies. This research was methodologically developed from a documental analysis of the available extension actions to train teachers in the scrutinized institution, followed by an analysis of interviews with subjects involved with such actions and linked to the pedagogy course in question. Results indicate that extension develops teacher training positions, though some more frequently than others. Considering the extension actions that composed this study, the most developed positions in order (with reasons), are investigative recomposition, by its relation with research; public exposition, by its relation with society; professional interposition, by its articulation with schools and teachers; pedagogical composition, by dialogism and collaborative work; and personal disposition, by self-knowledge and self-construction.

Keywords Teacher education; Dispositions for training; University extension; Pedagogy course

O artigo decorre de uma pesquisa 2 que se voltou para o entrecruzamento da formação inicial de professores com a extensão universitária, a partir do pressuposto de que há um caráter potencialmente formador nessa relação. Toma como base a compreensão da extensão universitária tanto enquanto um processo que viabiliza a interação transformadora entre a universidade e outros setores da sociedade ( FORPROEX, 2012) como enquanto uma ação comprometida com a construção do conhecimento pela dialogicidade ( FREIRE, 1987).

Teve como ponto de partida os conceitos de (dis)posições para a formação docente, de Nóvoa ( 2017), e de “terceiro espaço”, de Zeichner ( 2010), no sentido de defender que a formação docente carece de um espaço construído na articulação entre universidade, escola e comunidade e imbuído da cultura profissional. Desse modo, delineou-se a fim de investigar como a participação em ações de extensão universitária pode contribuir para o desenvolvimento das (dis)posições propostas por Nóvoa ( 2017) para a formação docente.

No bojo dos cursos de licenciatura, definiu olhar inicialmente para um curso de pedagogia, posto que o professor por ele formado tem especificidades diferentes das dos demais cursos. Trata-se de um pedagogo formado para ser professor, formador de professores e gestor, cuja articulação do trabalho pedagógico representa uma das funções nodais de seu fazer em estreita articulação com a docência. Quanto à instituição, a escolha recaiu sobre uma universidade pública localizada no Sudeste do Brasil, mais especificamente no estado do Rio de Janeiro, dada a sua tradição nas áreas de ensino-pesquisa-extensão, representando um campo robusto de possibilidades para analisar o objeto delineado.

Para apresentar o estudo, inicialmente partiremos do contexto da extensão para, então, discutir os aspectos teóricos que serviram de fundamento para a construção do objeto e sua análise. Na sequência, descreveremos a metodologia e os resultados em duas partes, conforme as análises realizadas.

A extensão universitária

O conceito, os aspectos legais da extensão e sua creditação na graduação vêm sofrendo transformações com base em suas diretrizes ( BRASIL, 2018), com base na relação da extensão com a formação continuada de professores ( BRASIL, 1996, art. 43 incluído em 2015) e com relação às questões curriculares ( BRASIL, 2014). Para compreender esse movimento, cumpre-nos revisitar, à guisa de contextualização, alguns princípios da extensão universitária decorrentes de sua institucionalização.

O primeiro marco oficial da extensão universitária ( BRASIL, 1968) foi definido pela perspectiva da transmissividade e pela hegemonia universitária sobre o saber. No entanto, em 1970, as ideias do educador Paulo Freire influenciaram medidas destinadas ao fortalecimento da extensão e culminaram numa mudança de paradigma. A relação sujeito-objeto da ação extensionista ganhou outra configuração, passando de uma relação vertical para horizontal, em que o público-alvo deveria ser reconhecido como sujeito da ação capaz de trocar saberes com a universidade em um diálogo no qual ambos seriam beneficiados ( NOGUEIRA, 2000).

A criação do Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Instituições Públicas de Educação Superior Brasileiras (Forproex), em 1987, significou um grande avanço na institucionalização da extensão, sobretudo porque ocasionou a pactuação do seu conceito, que mais tarde foi simplificado para ser compreendido como “um processo interdisciplinar educativo, cultural, científico e político, que promove a interação transformadora entre universidade e outros setores da sociedade” ( FORPROEX, 2012, p. 28). Esse conceito, ainda hoje, define a compreensão de extensão universitária e é adotado pela universidade escolhida como campo desta pesquisa. A partir dele, o Forproex vem atuando no estabelecimento de diretrizes para a extensão ( BRASIL, 2018) e sobre temas que discutem concepção, inserção social e curricularização.

O Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2011-2020 indicou como estratégia para o alcance da meta 12 a necessidade de os estudantes de graduação cumprirem dez por cento do total de créditos em atividades de extensão, meta que se manteve no PNE 2014-2024. A universidade campo desta pesquisa regulamentou, através de uma resolução do seu Conselho de Ensino e Graduação, esta inclusão em 2013. Em 2015, o seu curso de pedagogia atualizou o Projeto Pedagógico de Curso (PPC) para o cumprimento das regulamentações. Em 2015, a Lei nº 9.394/1996 incluiu um novo objetivo relacionado com a educação básica – a formação e capacitação de seus profissionais e a aproximação desses dois níveis escolares –, a ser alcançado por meio do desenvolvimento de atividades de extensão (art. 43, § VIII).

As iniciativas legais e institucionais a favor da creditação da extensão nos currículos de cursos de graduação têm suscitado a emergência de estudos sobre as possíveis relações entre extensão e formação docente, tal como se pode verificar nos trabalhos de Coelho ( 2017), Kochhann ( 2017) e Bonifácio e Santos ( 2020).

Nesse contexto, a contribuição da extensão universitária para a formação profissional em nível superior, em referência às relações entre universidade e comunidade e, no caso da formação docente, em relação à escola, tem sido objeto de pesquisas ( ABREU, 2015; NOZAKI, 2012; SANTOS, 2014), cujos resultados evidenciam seu alto potencial formativo. Diante disso, cabe-nos indagar: como a extensão volta-se para a formação profissional docente? E, mais especificamente: como a participação de estudantes de um curso de pedagogia, em ações de extensão universitária, pode contribuir para o desenvolvimento de sua formação?

Desse modo, voltamos nosso olhar, contextualizado pela extensão, para o campo da formação de professores e, para isso, definimos as bases conceituais que guiaram nossas concepções de formação docente, apresentadas na próxima seção.

A formação de professores

O percurso investigativo desta pesquisa foi conduzido pelas concepções de formação de professores disseminadas nos trabalhos de Zeichner ( 2010), Zeichner, Payne e Brayko ( 2015), Zeichner, Saul e Diniz-Pereira ( 2014) e Nóvoa ( 2009, 2017), pois sustentam defesas que se constroem sob uma perspectiva de formação docente orientada por uma relação horizontalmente construída entre universidade, escola e comunidade, na qual a cultura profissional, a postura investigativa e a valorização dos saberes socialmente erigidos são elementos constitutivos de um novo lugar institucion.

Zeichner ( 2010) ressalta a importância de um trabalho de formação de professores atento em ampliar para as comunidades o lócus da formação inicial. Essa ampliação é fundamental para que se estabeleça, mantenha e afirme que existe uma relação indissociável entre educação, ensino, aprendizagem e sociedade, bem como para que seja reconhecido e valorizado o conhecimento que emana dessa comunidade. Esse autor defende que um espaço de entrecruzamento de fronteiras entre a universidade e a escola é capaz de promover aprendizagens tanto para professores em formação inicial quanto para profissionais já formados. No entanto, uma das características essenciais para que esse espaço cumpra suas expectativas é que seus participantes assumam status mais igualitários e menos hierárquicos para se envolverem mutuamente em prol da formação de conhecimentos estabelecidos por uma base de relação horizontalmente democrática. Somente assim, esse espaço seria caracterizado como “terceiro espaço”.

As perspectivas de Zeichner ( 2010) que apoiaram esta pesquisa, portanto, aglutinam-se em torno da defesa de que as fronteiras que demarcam os espaços da universidade e da comunidade sejam cruzadas em prol da implementação de projetos e parcerias intencionalmente direcionados para a formação de professores e conduzidos pelo princípio de que todo conhecimento importa (acadêmico, prático, profissional, realidade social, político) e de que o professor não é formado unicamente por conhecimentos acadêmicos, mas que, sem eles, tampouco há formação. Partindo dessa concepção, olhamos para o potencial que a extensão universitária demonstra para acessar conhecimentos idealizados nos espaços extramuros de maneira dialógica, e não hierárquica, na relação universidade-comunidade, tal como discutem Almeida e Sampaio ( 2010).

O problema da distância entre a universidade e as escolas e seus professores já havia sido apontado por Nóvoa ( 2009) como um dos dilemas da formação. Razão pela qual recomendou como uma primeira medida para assegurar o desenvolvimento profissional dos professores a iniciativa de passar a formação para dentro da profissão, numa relação caracterizada pela presença da reflexão sobre o próprio trabalho docente, ou seja, os dilemas da profissão é que servirão como base para a construção de teorias capazes de fornecer respostas às perguntas que desafiam a realidade do trabalho do professor.

A segunda medida refere-se à necessidade de que novos modos de organização da profissão sejam estimulados e perseguidos. Para isso, a colegiabilidade, a partilha e as culturas colaborativas entre professores, escolas, universidades e poder público mostram-se estratégicas para diminuir o recuo entre a formação e a profissão ( NÓVOA, 2009).

A terceira e última medida apontada é a necessidade de se reforçar a dimensão pessoal e a presença explícita dos docentes ( NÓVOA, 2009). Nisso reside a importância do conhecimento pessoal no interior do conhecimento profissional, no sentido de estabelecer que a profissão docente não se estrutura apenas sobre uma base técnica e instrumental, mas também sobre questões de identidade e cultura.

Avançando nessa compreensão, Nóvoa ( 2017) recorre aos significados do termo posição para representar cinco entradas para a formação profissional de professores, que assumimos como as categorias de análise da pesquisa, a saber:

  • Dis posição pessoal (ser professor): articular formas de conhecer as motivações dos estudantes, o perfil e a predisposição para a profissão docente; favorecer o contato dos estudantes com o campo profissional e verificar se existem condições e predisposições para serem e tornarem-se professores; e oferecer espaços e tempos de autoconhecimento e autoconstrução para que uma predisposição se transforme em uma disposição pessoal.

  • Inter posição profissional (sentir como professor): favorecer a presença de outros professores, a vivência das instituições escolares e o reconhecimento do papel e da função formadora dos professores das escolas.

  • Com posição pedagógica (agir como professor): articular maneiras que possibilitem um encontro com seu modo de ser professor; valorizar o conhecimento profissional de outros professores; e propiciar momentos para julgar e decidir no dia a dia profissional, lidando com o conhecimento em situações de relação humana.

  • Recom posição investigativa (conhecer como professor): incorporar na rotina da profissão uma dinâmica de pesquisa; analisar sistematicamente o trabalho em parceria com os colegas, apontar reflexões, acumular conhecimentos e renovar práticas.

  • Ex posição pública (intervir como professor): articular formas de desenvolver consciência crítica e proporcionar maneiras de participar na construção de políticas públicas; e criar espaços de expressão das variedades e deliberação conjunta, bem como permitir a participação mais ampla da sociedade.

Na perspectiva das (dis)posições aludidas e da presença da extensão na formação profissional, questionamos se nos programas, projetos, cursos e eventos extensionistas registrados na universidade campo da pesquisa seria possível favorecer o desenvolvimento dessas cinco dimensões e, portanto, demarcar a participação da extensão na formação de professores, tal qual defendem Nozaki ( 2012), Santos et al. ( 2013), Santos ( 2014) e Abreu ( 2015).

Metodologia da pesquisa

A pesquisa teve por objetivo analisar como a participação de estudantes de um curso de pedagogia em ações de extensão universitária pode contribuir para o desenvolvimento de (dis)posições para sua formação docente. Para tanto, procedeu-se ao exame dos programas, projetos, cursos e eventos de extensão da instituição escolhida como campo empírico, no sentido de localizar e analisar aqueles que se direcionam para a formação de professores, na intenção de compreender, na perspectiva dos documentos que registram essas ações, bem como na perspectiva dos sujeitos que delas participam, a contribuição dessa participação no desenvolvimento das (dis)posições para a formação de professores no curso de pedagogia.

Para alcançarmos o objetivo, optamos por uma pesquisa articulada em duas etapas. A primeira delas voltou-se para a realização de um mapeamento das ações extensionistas registradas na instituição escolhida com abertura para a formação de professores. A segunda voltou-se para a realização de entrevistas com os sujeitos ligados ao curso de pedagogia que estão envolvidos na realização dessas ações.

Durante a primeira etapa, usamos como fonte para a construção de dados informações geradas por consulta ao Sistema de Informação e Gestão de Projetos (SIGProj), que abrigava os registros das ações de extensão institucionalizadas na universidade. Examinamos os programas, projetos, cursos e eventos de extensão para localizar e analisar aqueles que se direcionassem para a formação de professores.

Inicialmente, observamos todos os 4.259 registros disponíveis no sistema. A partir de um filtro que considerou um limite temporal entre 2016 e 2019 3 e a validade desses registros, esse número foi reduzido para 2.002. O segundo passo consistiu em aplicar critérios de seleção capazes de relacionar apenas aqueles que demonstrassem um direcionamento para a formação de professores. Nesse sentido, fizemos um tratamento da base de dados observando ações a partir dos seguintes critérios: pertenciam à área temática da educação; possuíam as expressões “formação de professores”, “formação docente” e/ou “formação continuada” entre suas palavras-chave; possuíam escolas de ensino básico na descrição dos locais de realização; e definiam como público-alvo professores da educação básica. Por fim, obtivemos um total de 78 ações.

Escolhemos concentrar nosso olhar apenas sobre os programas e projetos de extensão, visto que essas modalidades contemplam a totalidade das diretrizes da extensão e, portanto, permitem uma aproximação mais potente com as perspectivas das disposições e posições para a formação docente ( NÓVOA, 2009, 2017). Ao final desse mapeamento, definimos três programas e oito projetos para a análise documental Quadro 1. Com a leitura dos formulários de registro que sintetizam as propostas dos programas e projetos mapeados, a análise do conteúdo organizou-se de forma a buscar nestes documentos indícios do desenvolvimento das (dis)posições a partir das categorias criadas.

Quadro 1 - Programas e projetos para análise documental 

Ação Descrição
PROG I Programa que reúne ações voltadas para a formação continuada de profissionais da educação básica a partir de uma concepção de formação no interior da profissão.
PROG II Programa dedicado a desenvolver atividades que envolvem desde a formação de escolas de cinema até cursos de extensão para professores e cineclubes.
PROG III Programa composto por uma variedade de ações e projetos que se articulam em torno da formação profissional docente e da formação de jovens e adultos. Suas ações se concentram em comunidades historicamente desfavorecidas.
PROJ A Projeto no qual professores em formação inicial atuam em escolas públicas e participam de encontros para trocas de experiências entre professores destas e de outras escolas públicas no âmbito do grupo de pesquisa e extensão ligado ao projeto.
PROJ B Projeto voltado para a realização de encontros presenciais com profissionais que atuam na educação básica do Rio de Janeiro e estudantes dos cursos de formação de professores. Suas atividades consideram quatro eixos: formação de professores, currículo, avaliação e função social da escola pública.
PROJ C As atividades do projeto não se resumem apenas aos professores formados, mas também aos alunos das escolas envolvidas e suas famílias, que participam em festivais de inclusão e atividades de cine-debate sobre o tema.
PROJ D Projeto que firma uma posição de articulação entre a formação continuada de professores em exercício nas instituições municipais de educação infantil do Rio de Janeiro e a formação inicial dos estudantes do curso de pedagogia.
PROJ E Projeto que desenvolve ações práticas e de planejamento, com frequência semanal, em escolas da rede pública de Macaé, com o objetivo de oferecer campo de iniciação à docência para os licenciandos em ciências biológicas.
PROJ F Sua proposta alia educação e saúde em um projeto de formação de professores realizado em parceria com o Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Intercâmbio para a Infância e Adolescência Contemporâneas (Nipiac).
PROJ G Seu objetivo principal é formar professores para trabalharem pedagogicamente com a imagem e o texto na escola, aproveitando-se das diversas tecnologias contemporâneas.
PROJ H O projeto se baseia na visão da identidade cultural, no diálogo entre saberes múltiplos e na valorização da cidadania, a partir de duas vertentes: em uma, o cerne é a reflexão permanente sobre o ensino nas escolas e, na outra, volta-se para a formação continuada do professor.

Na etapa das entrevistas, construímos um roteiro composto por duas partes: a primeira foi dedicada a identificar o sujeito em sua relação com a extensão universitária da instituição campo e com o curso de pedagogia; e a segunda foi dirigida a compreender aspectos relacionados às razões para trabalharem com/participarem da extensão universitária, à abertura da extensão aos estudantes e ao diferencial que a participação em atividades extensionistas pode representar na formação docente.

Utilizamos a análise dos dados da primeira etapa para localizar dentre os três programas e os oito projetos as ações que mais demonstravam indícios do desenvolvimento das (dis)posições a partir das categorias criadas. Sendo assim, isolamos seis ações, sendo elas: PROG I, PROG II, PROG III, PROJ A, PROJ D e PROJ E. Em seguida, voltamo-nos para os sujeitos envolvidos nestas ações, primeiramente os seus coordenadores, obtendo durante a entrevista a indicação dos estudantes de pedagogia que participavam ativamente das ações. Alcançamos um total de dez sujeitos, sendo: seis coordenadores de ações de extensão (cinco docentes e um técnico-administrativo em educação) ligados ao PROG I (técnica-administrativa em educação), PROG II (docente), PROG III (docente), PROJ A (docente), PROJ D (docente) e PROJ E (docente); e quatro estudantes ligadas ao PROJ A (uma), PROG II (uma) e PROG III (duas).

Com as entrevistas transcritas e revisadas, passamos a compor os depoimentos em quadros organizativos, separando os depoimentos dos coordenadores e dos estudantes. O primeiro quadro agrupou todas as falas que continham as respostas às três perguntas feitas durante as entrevistas dedicadas à compreensão da relação entre extensão, formação de professores e o curso de pedagogia. O segundo quadro concentrou trechos dessas falas que suscitavam aspectos tidos como centrais, absorvidos pelos depoimentos. O último quadro organizativo reuniu esses trechos dos depoimentos em colunas indicativas do desenvolvimento das (dis)posições para a formação docente.

Portanto, a análise das perspectivas dos sujeitos para a compreensão de como a extensão universitária pode contribuir para o desenvolvimento das (dis)posições para a formação docente no âmbito do curso de pedagogia organizou-se de forma a buscar indícios do desenvolvimento das (dis)posições nos depoimentos, a partir das categorias criadas em articulação com a proposta de Nóvoa ( 2017).

A extensão universitária: entre disposições e posições

Considerando os três programas e os oito projetos de extensão analisados, observamos que todos demonstraram potencial para favorecer o desenvolvimento das disposições referentes à “recomposição investigativa e à exposição pública” na formação inicial dos estudantes de pedagogia participantes de sua realização.

Observamos que são programas comprometidos tanto com as comunidades, as políticas públicas e a consciência crítica quanto com a pesquisa, a produção de conhecimento e a reflexão. Todos se propõem a momentos com grupos de pesquisas e estudos, bem como com estudantes de pedagogia e professores da educação básica em suas atividades, como maneira de articular o alcance dos seus objetivos. Essa constatação vai ao encontro da defesa de Zeichner ( 2010, p. 493) quanto à mudança epistemológica da formação do professor, na qual “[…] diferentes aspectos do saber que existe nas escolas e nas comunidades são incorporados à formação de professores e coexistem num plano mais igualitário com o conhecimento acadêmico”.

Encontramos indícios do favorecimento do desenvolvimento das disposições referentes à “interposição profissional e à composição pedagógica” nos PROG I, PROG III, PROJ A, PROJ B, PROJ D e PROJ E, conforme demostrados no Quadro 2:

Quadro 2 - Indícios do desenvolvimento da interposição profissional e da composição pedagógica 

Ação Fragmentos dos documentos
PROG I Reflexão sobre saberes e práticas numa política integrada e interdisciplinar de formação inicial e continuada de professores que atuam na formação de trabalhadores/as da educação, em diálogo com profissionais, escolas e redes.
PROG III Visitas regulares dos bolsistas às salas de aula, além de oficinas dos mesmos com os docentes envolvidos e os alfabetizadores, que atuam nas diferentes salas de aula.
PROJ A Inserção de alunos-bolsistas (em forma de coparticipação) nas salas de aula dos professores envolvidos.
PROJ B […] a relação universidade-escola básica pode trazer significativa contribuição, articulando os saberes construídos na experiência profissional de ensino em todos os segmentos e ao conhecimento científico produzido nestes espaços.
PROJ D Qualificar a formação […] provocando encontro e diálogo entre professores em exercício neste campo e deles com alunos do curso de Graduação em Pedagogia.
PROJ E Ampliar o contato dos licenciandos com o espaço escolar proporcionando experiências com o ensino de Ciências e Biologia, em períodos anteriores ao do estágio supervisionado […].

Por serem estreitamente ligadas à profissão docente, essas posições são desenvolvidas no contato com professores e na vivência nas escolas. Notamos que estas ações estabelecem uma relação pautada pelo diálogo com os professores das escolas, a fim de dar apoio para a aprendizagem dos professores em formação.

Isso se dá ao mesmo tempo em que propiciam vivências no ambiente escolar, completando uma tríade que integra professores, escolas e universidade, que compartilham as responsabilidades na formação inicial do professor. São propostas que valorizam os saberes dos professores que atuam na educação básica, reconhecendo que estes possuem um papel de grande importância para a formação inicial e que são produtores de um conhecimento profissional docente que deve ser igualmente valorizado. Percebemos que a concepção que fundamenta os projetos que firmam essas posições é baseada em uma epistemologia que, por si só, é democrática e envolve respeito e articulação entre praticantes, acadêmicos e comunidades em prol de melhorias sociais e impacto na formação inicial dos estudantes.

Uma das categorias relacionadas ao desenvolvimento da “disposição pessoal” consiste em dar uma primeira amostra da profissão ao docente em formação inicial. Destacamos o trecho da proposta que nos remete a essa categoria: “Para isso, usamos uma metodologia que envolve a inserção de outros sujeitos no cotidiano da sala de aula com a perspectiva de que estes trabalhem junto aos professores” (PROJ A). Compreendemos que, ao inserir os estudantes do curso de Pedagogia em formação inicial na sala de aula do professor experiente, é possível dar-lhes um primeiro vislumbre da profissão e, portanto, favorecer o desenvolvimento da “disposição pessoal.”

O trecho exposto a seguir nos remete a esta posição:

Nesse processo, os licenciandos irão integrar as dimensões de pesquisa e ensino em suas atividades extensionistas à medida que mobilizarão e produzirão conhecimentos no campo da educação em Ciências que serão compartilhados e ensinados para os alunos da rede de educação básica.

(PROJ E – FORMULÁRIO-SÍNTESE DA PROPOSTA – SIGProj).

Outra categoria que se refere ao desenvolvimento dessa posição diz respeito à oportunidade de promover espaços e tempos de autoconhecimento e autoconstrução para que uma predisposição se transforme em uma disposição pessoal. No trecho: “A segunda se dá por meio de encontros quinzenais de toda a equipe envolvida para discussão sobre o cotidiano escolar e as práticas pedagógicas vividas e por viver” (PROJ A), compreendemos a posição firmada pelo projeto que, em função de espaços coletivos de autoconhecimento e autoconstrução, permite ao professor em formação inicial desenvolver uma “disposição pessoal” com o auxílio de momentos e lugares de trocas, narradas por colegas de projeto e professores das escolas, em uma rede que articula formação inicial e formação continuada em confluência para a formação profissional docente. Nesses encontros, é possível observar e compreender perfis, motivações, condições e predisposições dos envolvidos para serem professores.

Apenas os PROJs A e E demonstraram potencialidades para favorecer o desenvolvimento da “disposição pessoal”. O diferencial é que suas propostas descrevem momentos planejados para dar ao estudante de pedagogia uma primeira amostra da profissão mediante situações de regência e regência compartilhada. Também contam com “espaços e tempos que permitem um trabalho de autoconhecimento, de autoconstrução” ( NÓVOA, 2017, p. 1121), como planejamentos e avaliações coletivas, rodas de conversa, entre outros. Nesse movimento, favorecem que uma inclinação a ser professor transforme-se em uma disposição, para que o caminho de aprender a docência seja firmado.

As potencialidades para o desenvolvimento das (pré) (dis)posições para a formação de professores na perspectiva dos sujeitos

A análise das entrevistas nos permitiu depreender aspectos que emergiram a partir de três eixos analíticos a serem apresentados sumariamente nos tópicos a seguir: razões para trabalhar com/participar da extensão universitária; abertura para a participação efetiva dos estudantes; e diferenciais da extensão para os estudantes de pedagogia.

Razões para trabalhar com/participar da extensão universitária

O primeiro eixo nos orientou para compreendermos os motivos pelos quais os sujeitos escolheram o envolvimento com a extensão universitária em sua trajetória na universidade. As respostas dos coordenadores e dos estudantes entrevistados revelaram dois aspectos: a obrigatoriedade e a potencialidade formativa das atividades extensionistas. Para os coordenadores, a obrigatoriedade se relaciona ao compromisso que a carreira docente universitária estabelece com o envolvimento no ensino, na pesquisa e na extensão; enquanto, para os estudantes, essa obrigatoriedade relaciona-se com a integração da extensão no currículo do curso de pedagogia.

Eu acho que é porque a extensão é a oportunidade para a gente integrar a formação continuada e formação inicial de uma forma muito fecunda, porque ela é uma ação de intervenção, de discussão, qualificação das práticas dos professores nas escolas, ela é para fora, e, ao mesmo tempo, os nossos alunos em formação inicial podem participar, e podem também se formar nesse processo.

(Coord. PROJ D).

A perspectiva dos sujeitos entrevistados está alinhada com a defesa da extensão universitária enquanto atividade formativa importante no ensino superior e na formação inicial de professores ( ABREU, 2015; NOZAKI, 2012; SANTOS, 2013; SANTOS et al., 2014 ). Ao indicarem esse princípio como razão fundante pela qual se dedicam a essa atividade, os sujeitos assumem seus papéis de docentes e discentes, aliados ao compromisso formativo e articulados especialmente com a diretriz da extensão que orienta para a formação cidadã, marcada pela vivência de seus conhecimentos.

Abertura para a participação efetiva dos estudantes

O segundo eixo pretendeu compreender se, na visão dos depoentes, a extensão universitária possui abertura suficiente para favorecer o envolvimento dos seus componentes, em particular dos estudantes de graduação, de forma que produza impacto em sua formação. Foi possível observar que as categorias que surgiram assumem particularidades que se relacionam especificamente com a posição de cada um dos grupos na universidade. Notamos respostas parecidas, mas também respostas que, ao mesmo tempo, afirmavam sua abertura e duvidavam de suas circunstâncias.

A maioria dos entrevistados afirmou que as ações de extensão têm abertura para favorecer o envolvimento dos estudantes participantes de tal forma que causa impacto não apenas em sua formação profissional, mas também em sua formação pessoal. Observemos as seguintes palavras: “Eu acho que curiosamente elas começam na extensão e reverberam para a pesquisa. Quem participou de alguma atividade extensionista que marcou, normalmente volta para pesquisar nessa área” (Coord. PROG II).

No entanto, algumas reflexões, ao mesmo tempo em que não negavam o envolvimento favorecido pela extensão universitária, por ser uma ação de natureza dialógica e estar posta como parte integrante da formação profissional da universidade, também colocavam em dúvida se essa participação de fato representa um impacto para a formação de todos os estudantes participantes de qualquer ação extensionista ou apenas para aqueles envolvidos em ações específicas que contenham propostas estruturadas de tal maneira que viabilizem que essa participação crítica, ativa, reflexiva e deliberativa ocorra.

Porque se você pega pelo lado institucional que a universidade ela tem o tripé ensino-pesquisa-extensão, poderíamos dizer que é aberta, porque está posta, existe uma extensão na universidade. Existe uma pró-reitoria de extensão, que legitima esse trabalho institucionalmente. Mas eu não percebo uma política institucional oriunda de uma pró-reitoria preocupada com o percurso desse estudante nesse processo de formação profissional.

(Coord. PROG I).

Assim, foi possível notar que dois aspectos despontam com relação à abertura que essas ações apresentam para a efetiva participação dos estudantes: a abertura é encontrada na extensão universitária de uma maneira geral; e a abertura é encontrada em algumas ações conduzidas por esta intencionalidade.

As considerações dos depoentes favorecem a compreensão da extensão universitária enquanto uma atividade formativa com potencial para causar impacto na formação profissional do estudante. Notamos que essa potencialidade deve ser explorada por meio de propostas de ações que tomem como fundantes as concepções de uma formação referenciada em casos e práticas que viabilizem o conhecimento do concreto, dos contextos, das lacunas e do social, e alinhem esse conhecimento com a teoria, a partir de uma dialogicidade ( FREIRE, 1987) capaz de posicionar o professor em formação inicial como participante efetivo em decisões que dizem respeito a todas as nuances que engendram o programa ou o projeto. Santos ( 2014) nos alerta em relação aos princípios das atividades extensionistas e que “estes precisam ser traduzidos e concretizados a partir de mediações que se constroem e se realizam cotidianamente pela atuação profissional na e a partir da realidade social” ( SANTOS, 2014, p. 47, grifo do autor). Desta maneira, o impacto não será percebido apenas na formação profissional, mas também de uma forma articulada com a formação pessoal, na medida em que imprime a marca “do humano e do relacional” ( NÓVOA, 2009, p. 39) na realização do programa e do projeto, contribuindo assim para firmar a posição da pessoalidade docente no contexto laboral do professor que inicia sua formação.

Diferenciais da extensão para os estudantes de pedagogia

Este eixo orientou-nos na compreensão do diferencial que a participação em ações de extensão universitária oferece para a formação inicial de professores, em especial dos que estão no curso de pedagogia da universidade campo desta pesquisa.

Os depoimentos suscitam aspectos que nos levam a apreender que o diferencial da extensão para a formação do professor no contexto do curso de pedagogia investigado se dá a partir de dois elementos: a construção do conhecimento na relação entre prática e teoria; e a vivência fora da universidade, tal como se pode verificar na fala a seguir:

Quanto ao diferencial da extensão universitária, eu pude perceber que na universidade a gente constrói muito conhecimento teórico, né? E, às vezes, a gente não consegue ver isso na prática, e com a extensão a gente já faz um movimento contrário, a gente vê na prática para identificar no teórico. Então, eu pude perceber que isso é um diferencial enorme, né? […] Então, no início, eu tava muito indecisa se era isso mesmo que eu queria. E, como eu tive o contato tão cedo com a extensão e logo nessa área, quando eu pisei o pé na sala de aula pela primeira vez, foi justamente na Maré, na Nova Holanda, né? Com educação de jovens e adultos que eu nunca tinha pensado em trabalhar […]. Eu me encontrei. Agora, sim, eu sei que eu quero fazer realmente esse curso. Então foi justamente nesse programa que eu me firmei.

(Estudante 2 PROG III).

Por causa da extensão universitária, os estudantes desenvolvem conhecimento para sua formação profissional a partir de uma prática desenvolvida na educação de jovens e adultos, na formação continuada de professores e na pedagogia hospitalar. Todos identificam que nesses espaços há lugar para a teoria, para o estudo, para a pesquisa; no entanto, o núcleo que integra tudo isso é a prática vivida na ação. Assim, é possível depreender as potencialidades que esses espaços representam para uma formação inicial de professores referenciada em casos concretos que venham das realidades escolares e de espaços de contradição e conflito entre os saberes acadêmicos e práticos ( ZEICHNER; SAUL; DINIZ-PEREIRA, 2014), com capacidade de promover uma troca destes saberes na relação entre teoria, prática, ensino e pesquisa científica ( SANTOS, 2014).

No Quadro 3, trazemos as sínteses das depreensões alcançadas nas relações das falas com as (dis)posições:

Quadro 3 - Desenvolvimento das posições na perspectiva dos sujeitos 

Posições Trechos destacados Síntese analítica
Disposição pessoal

“Eu tenho a impressão que quem passa pela atividade de extensão tem uma experiência de sala de aula, de sala hospitalar, de museu, de encontro com o outro” (Coord. PROG II).

“E, como eu tive o contato tão cedo com a extensão e logo nessa área, quando eu pisei o pé na sala de aula pela primeira vez, foi justamente na Maré […]. E eu saí daquele dia eu falei assim: ‘Caramba eu sou pra isso. Eu quero isso para vida toda, sabe?’” (Estudante 2 PROG III).

Nota-se o desenvolvimento da disposição pessoal, pois ela depende de um posicionamento no “ser professor” e, nesse sentido, da criação de oportunidades para que, mediante esse posicionamento, as predisposições para a profissão docente sejam autoconhecidas e autoconstruídas, transformando-se em uma disposição pessoal para ser professor.
Interposição profissional

“Eu acho que assim, tanto a extensão, com mais força, quanto a prática de ensino são espaços que possibilitam uma aproximação do ser professor antes de ser realmente professor. São espaços onde, pela primeira vez, esse aluno ele vai experimentar a docência antes mesmo do diploma. A gente subverte. A extensão possibilita isso” (Coord. PROG III).

“Eu fiz todos os estágios e a extensão na mesma escola e vejo colegas que fazem estágio em outras escolas que não têm a relação horizontal que eu tenho na extensão, em seus estágios. De atuar com liberdade e parceria. […] acompanhar a rotina da turma, planejar com a professora” (Estudante PROJ A).

Nota-se o desenvolvimento da “interposição profissional”, pois ela depende de um posicionamento no “sentir-se professor” e, para tal, viver a sala de aula é essencial. Estar na escola e na presença de professores não é suficiente se essa relação não for construída na certeza do diálogo e no reconhecimento do papel e da função formadora que os professores, a escola e a profissão têm. Neste sentido, é necessário que essa vivência envolva os estudantes, e tal envolvimento depende de tempo, continuidade, confiança, diálogo e parceria.
Composição pedagógica

“Essas meninas atuam dentro da sala de aula junto com os professores. E a ideia é que elas possam construir junto com esses professores projetos que tirem também os professores do lugar e, ao mesmo tempo, trabalhem com a formação dessas meninas graduandas” (Coord. PROJ A).

“Então eu levo o que eu sei pra lá e aprendo muito com eles. E aí a gente coloca em prática isso com as turmas. A gente faz um projeto, pensa no dia a dia mesmo. Então acho que é essa troca horizontal, essa formação horizontal, né” (Estudante PROJ A).

Nota-se o desenvolvimento da “composição pedagógica”, visto que ela depende de um posicionamento que favoreça um “agir como professor” e, para isso, o convívio com professores é fundamental. Ter profissionais experientes como fonte de conhecimento e situações reais como objeto de estudo.
Recomposição investigativa

“A gente tem então essa atuação, e aí elas estão em sala de aula, têm encontros internos na escola, inclusive com a coordenação, que acompanha também o trabalho, e têm encontros com uma professora do Colégio de Aplicação que vai trabalhar com elas uma vez por semana a partir do que elas vivem na escola” (Coord. PROJ A).

“Eu não consigo dissociar. Eu não consigo dissociar isso de pesquisa, porque eu trago aquilo que meu aluno falou dentro da sala para o movimento da universidade, eu converso sobre aquilo na universidade, eu transformo isso para poder chegar ao meu aluno” (Estudante 2 PROG III).

Nota-se aqui o desenvolvimento da “recomposição investigativa”. Essa é uma dimensão da formação que depende de um posicionamento que permita que o professor em formação inicial possa se “conhecer como professor”. Para tal, torna-se fundamental que seja incorporada à atuação profissional uma dinâmica de pesquisa que envolva a análise sistemática do trabalho, o registro e a troca dos conhecimentos desenvolvidos.
Exposição pública

“Eu fico olhando assim como que a gente tá construindo uma rede muito forte e consolidada de pessoas que mais do que trabalhar na educação de jovens e adultos, militam pela educação de jovens e adultos, acreditam na educação de jovens e adultos” (Coord. PROG III).

“Você sai do seu modo acadêmico e você entra no modo eu sou um sujeito, eu sou uma pessoa e aqui eu vou desenvolver um trabalho também com pessoas. Então eu senti muito isso” (Estudante 1 PROG III).

Observamos o desenvolvimento da “exposição pública”. Ela depende de um posicionamento que assegure uma “intervenção como professor”. Desenvolver essa posição é consentir com a participação mais ampla da sociedade, e isso não é possível sem viver o que está fora do meio acadêmico, externo aos muros da universidade.

Conclusão

Com a análise documental, constatamos que as posições para a formação de professores ( NÓVOA, 2017) mais potencialmente desenvolvidas nos programas e projetos de extensão analisados são a “recomposição investigativa e a exposição pública”. A primeira deve-se à articulação dos programas e projetos de extensão com grupos de pesquisa, e a segunda, com a própria dinâmica da extensão em sua relação com a sociedade. Identificamos marcas da “interposição profissional” e da “composição pedagógica” em programas e projetos que concebem suas propostas de formação docente estreitamente articuladas com as escolas e seus profissionais, pela via da dialogicidade e do trabalho colaborativo. Encontramos indícios do favorecimento do desenvolvimento da “disposição pessoal” em dois projetos analisados, visto que suas propostas dispõem de momentos para o conhecimento da profissão, bem como de espaços e tempos para o autoconhecimento e a autoconstrução.

Através das entrevistas foi possível articular as falas dos sujeitos a partir de três eixos. O primeiro eixo revelou uma relação estabelecida com a extensão que tem início em definições pautadas na carreira docente e no currículo discente, mas que se transformam em interesse e satisfação com o passar do tempo. O segundo eixo evidenciou que a abertura para a participação dos estudantes nessas ações depende mais das concepções dialógicas e colaborativas que servem de base para cada proposta, do que propriamente das diretrizes que balizam a extensão universitária de maneira geral. O terceiro eixo demonstrou que o diferencial que a participação na extensão apresenta para a formação do professor no contexto do curso de pedagogia é representado pelo conjunto de vivências, leituras e práticas propiciadas por essa experiência, que se ancora na prática para refletir, e proporciona entrelaçamentos na relação universidade-escola básica-professores-sociedade, que são favorecidos pela continuidade de suas atividades.

Dessa forma, tendo como horizonte a contribuição da extensão universitária para a formação docente e como foco um conjunto de onze ações de extensão desenvolvidas em uma universidade pública, posicionamo-nos em três direções. Nossa primeira posição nos direciona para uma reafirmação. Reafirmamos a extensão universitária enquanto experiência formativa potente na trajetória inicial da formação profissional docente em nível superior, corroborando os estudos de Bonifácio e Santos ( 2020), Kochhann ( 2017), Coelho ( 2017) e Abreu ( 2015). Defendemos, portanto, que essa formação seja conduzida pela indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, sem que nenhuma dessas dimensões seja secundarizada. Reafirmamos também que a formação de professores não prescinde da relação universidade-escola básica-professores-sociedade, estabelecida com base no diálogo horizontal, na valorização da articulação dos saberes e fazeres, na colaboração, em autonomia/autoconhecimento/autoconstrução e na participação da e na sociedade.

Nossa segunda posição nos direciona para uma constatação. Constatamos que a formação de professores, no contexto do curso de pedagogia da instituição estudada, encontra, pela via da extensão nessa universidade, um caminho profícuo para o favorecimento do desenvolvimento das (dis)posições para a formação docente ( NÓVOA, 2017), a partir de uma experiência formativa potencialmente contributiva e que, também, pode constituir-se como valoroso componente da universidade em “terceiros espaços” de formação ( ZEICHNER, 2010).

Nossa terceira e última posição nos direciona para proposições. A partir do que aqui reafirmamos e constatamos, sugerimos que mais estudos sejam realizados para que avancemos na compreensão do potencial formativo das ações de extensão. Sugerimos também que os proponentes de programas, projetos, cursos e eventos de extensão na área de educação, com direcionamento para a formação de professores, considerem os aspectos essenciais para o desenvolvimento das (dis)posições propostas por Nóvoa ( 2017) como um caminho eficaz de demarcar mais claramente um pensamento contrário à premissa de que existem características definitórias para a profissão docente, uma vez que “por essa via, afasta-se de uma visão determinista para se colocar num campo de forças e de poderes em que cada um constrói a sua posição em relação consigo mesmo e com os outros” ( NÓVOA, 2017, p. 1119).

Referências

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2- O conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo não está disponível publicamente, porque constitui elaboração própria. A solicitação de acesso aos dados pode ser feita diretamente às autoras, por e-mail.

3- Neste período, a universidade campo da pesquisa adotou editais de registro único de ações de extensão como maneira de organizar os cadastros, evitando que registros inativos ou duplicados fizessem parte do sistema de gerenciamento.

Roberta Pereira de Paula Rodriguesé mestre em educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pedagoga da Pró-Reitoria de Extensão da UFRJ e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática e Formação de Professores (Geped).

Giseli Barreto da Cruzé professora da Faculdade de Educação da UFRJ, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática e Formação de Professores (Geped/CNPq), Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq e cientista do Nosso Estado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

Recebido: 29 de Abril de 2021; Revisado: 14 de Setembro de 2021; Aceito: 21 de Outubro de 2021

Contatos: robertapdepaularodrigues@gmail.com; giselicruz@ufrj.br

Editor:

Prof. Dr. Marcos Sidnei Pagotto-Euzebio

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