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Revista de Educação PUC-Campinas

Print version ISSN 1519-3993On-line version ISSN 2318-0870

Educ. Puc. vol.24 no.2 Campinas May/Aug 2019  Epub June 19, 2019

https://doi.org/10.24220/2318-0870v24n2a4124 

Artigos

As políticas de expansão da Educação Superior do Governo Lula da Silva (2003-2010)1

Policies of Higher Education Expansion in Lula da Silva Administration (2003-2010)

2Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Educação, Departamento de Educação. Rua 235 (Delenda Rezende de Melo), s/n., Setor Universitário, 74605-050, Goiânia, GO, Brasil. : <suelyferreira13@gmail.com>.


Resumo

Lula da Silva assumiu o governo com um discurso de promover um modelo alternativo de desenvolvimento, conciliando crescimento econômico com redução das desigualdades sociais. Defendeu um amplo pacto social entre as diversas classes sociais concedendo benefícios para os grandes grupos econômicos e implantando políticas sociais para os setores populares. Nesse cenário, o artigo discute as contradições e as opções das políticas de expansão da Educação Superior que foram implantados tanto para a rede federal como para rede privada e privada-mercantil nos dois mandatos (2003-2010). O trabalho utilizou-se da análise teórica, bibliográfica e documental. Apesar da forte expansão da rede federal, persistiu a hegemonia da rede privada e privada-mercantil na concentração de instituições e de matriculas. As políticas de redistribuição de renda, dentre elas, as políticas de expansão, acesso e permanência nesse nível de Ensino para permitirem uma transformação social significativa necessitam ser universais e de longo prazo.

Palavras-chave:  Expansão do Ensino Superior; Governo Lula da Silva; Política de Inclusão Social; Políticas Públicas em Educação; Projeto de desenvolvimento econômico-social

Abstract

Lula da Silva took office with the discourse of an alternative model of development that reconciled economic growth and the reduction of social inequalities. He defended a broad social pact between social classes, granting benefits to great economic groups and implementing social policies for popular sectors. Considering this scenario, the article discusses the contradictions and options of policies for the expansion of higher education implemented in both the federal network and private and private-commercial networks in both his terms (2003-2010). The work was based on theoretical, bibliographic, and documentary analysis. Despite the strong expansion of the federal network, the hegemony of the private continued in the concentration of institutions and enrollments. The policies of income redistribution and, among them, the policies of expansion, access, and permanence at this level of education need to be universal and long term to allow meaningful social transformation.

Keywords:  Expansion of Higher Education; Lula da Silva Administration; Social Inclusion Policy; Public policies in education; Social-economic development project

Introdução

O legado das políticas de desenvolvimento econômico/social do governo Lula da Silva (2003-2010) é ainda debatido. Nesse governo foi defendida a atuação do Estado como indutor do crescimento econômico em articulação com as políticas de redução das desigualdades sociais. Nos dois mandatos (2003-2006 e 2007-2010) foi possível viabilizar a administração de interesses conflitantes, com destaque para o grupo representante dos preceitos neoliberais e, de outro, do grupo defensor do chamado desenvolvimentismo, principalmente, da ala que propunha o crescimento econômico com inclusão social.

Nesse período, se defendeu a conformação de um “pacto social” entre os setores dominantes, os movimentos sociais e as classes dominadas para permitir a chamada “governabilidade”. Essa estratégia propiciou a concessão de benefícios para os grandes grupos econômicos e, ao mesmo tempo, possibilitou a diminuição das desigualdades sociais nos limites da sociedade capitalista brasileira periférica.

Entende-se que a discussão das políticas de desenvolvimento propostas para o país passa pela compreensão que existem projetos distintos de desenvolvimento em disputa que defendem interesses e visões diferentes em relação ao peso, a importância e o papel que o Estado, o capital nacional e o capital estrangeiro deverão ter na sociedade para alavancar o crescimento econômico e, consequentemente, para diminuir as desigualdades sociais.

O presente texto teve por objetivo discutir o projeto de desenvolvimento econômico/social proposto pelo governo Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010) e analisar as contradições e as opções das políticas e dos programas de expansão da Educação Superior que foram implantados tanto para as Instituições de Educação Superior (IES) da rede federal como para as instituições privadas e privadas-mercantis. O trabalho foi organizado da seguinte forma: (a) na primeira parte, apresenta o desenvolvimentismo no Brasil; (b) na segunda parte, analisa o projeto de desenvolvimento proposto na campanha do então candidato Lula da Silva na eleição de 2002 e, em seguida, os projetos de desenvolvimento em disputa durante os dois mandatos desse governo; (c) na terceira e última parte, discute a ambiguidade das políticas de expansão da Educação Superior no período. Para a elaboração dessa pesquisa de cunho teórico, recorreu-se a revisão da literatura e análise de documentos, bem como de dados disponibilizados pelo Ministério da Educação.

Compreende-se nesse trabalho que as IES privadas-mercantis são instituições privadas particulares com fins lucrativos com capital aberto em ações na BM&FBovespa. Essas IES adquirem cada vez maior peso quantitativo, econômico-financeiro e político no sistema de Educação Superior no país (Sguissardi, 2014). Nesse contexto, essas IES constituem um “subsistema” que:

[...] convive com (e se alimenta de) um ‘mercado universitário’ puro, em que prevalecem relações de compra e venda, produção/consumo, competição entre produtores, commodities, preços e intercâmbios monetários entre produtores e consumidores, e comportamentos e valores consistentes com o cálculo econômico (Sguissardi, 2014, p.104, grifos do autor).

Breve introdução do desenvolvimentismo no Brasil

Somente a partir de 1930, foram propostos projetos de superação do subdesenvolvimento brasileiro pela via do crescimento econômico mediante o desenvolvimento e a modernização da industrialização. O chamado desenvolvimentismo clássico ou velho desenvolvimentismo iniciou-se com Getúlio Vargas e foi adotado pelos governos subsequentes até o final do regime militar e, teve como principal objetivo, alcançar o desenvolvimento por meio da industrialização. De acordo com Passarinho, ao longo da história da humanidade dois polos antagônicos podem ser verificados na busca pela superação do atraso econômico/social:

[...] de um lado, o desenvolvimentismo nacionalista – defensor de uma industrialização planificada e fortemente apoiada por empreendimentos estatais; e o desenvolvimentismo não nacionalista, que, por sua vez, defendia um processo de industrialização para o Brasil em ritmo compatível ao chamado equilíbrio macroeconômico, com forte participação dos capitais estrangeiros (Passarinho, 2010, p.12, grifos do autor).

Os anos de 1980 encerraram o chamado ciclo desenvolvimentista e foram cunhados como a “década perdida” da economia brasileira, no cenário do significativo impacto da crise da dívida externa e da globalização financeira. Foi também um período de intensa disputa política, com forte movimento social de massa com a criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), do processo de construção do Partido dos Trabalhadores (PT). Nessa década, o país restaurou o estado de direito, vivenciou as disputas no Congresso Constituinte (1987) e foi outorgada a nova Constituição (1988).

Nos anos de 1990, a vitória de Collor de Mello (1990-1992), para a Presidência da República representou uma significativa vitória na composição do bloco de poder que defendia as propostas neoliberais. A eleição de Fernando Henrique Cardoso (FHC), no primeiro mandato (1995-1998) viabilizou a efetiva inserção do Brasil na nova divisão internacional do trabalho ao adequar o país aos novos padrões globais de acumulação capitalista sob a orientação da reforma gerencial de Estado (Castelo, 2012). A adesão a essa nova agenda permitiu a construção de um “novo consenso” mediante reformas ditadas principalmente pelos interesses do capital financeiro. A adoção da agenda neoliberal ao ganhar hegemonia finalizou o período clássico do desenvolvimentismo brasileiro.

De acordo com Carneiro, desenvolvimentismo não é:

[...] um corpo teórico propriamente dito, mas uma interpretação peculiar do desenvolvimento brasileiro e latino-americano, à qual se associou um conjunto variado de políticas econômicas de natureza intervencionista, portanto antiliberal, mas com matizes muito diferenciadas ao longo de vários momentos históricos e por diferentes países (Carneiro, 2012, p.750).

A partir dos anos 2000, vários intelectuais e políticos passaram a defender a retomada do desenvolvimentismo mediante o protagonismo do crescimento econômico com inclusão social por meio da eleição de Lula da Silva, em 2002, para a Presidência da República. O projeto político/econômico proposto nesse governo gerou expectativas de mudanças na política econômica e social do país, principalmente, em relação ao governo anterior. Porém, Schlesener e Pereira (2016, p.521) advertem que:

O projeto social nascido das bases organizativas dos trabalhadores em geral transformou-se na efetivação de algumas políticas de inclusão social que, ante a imensa desigualdade instaurada, conseguiram amenizar as injustiças, mas no seu conjunto, visavam a garantir o desenvolvimento do capital.

A eleição de Lula da Silva e a defesa de um modelo “alternativo” de desenvolvimento para o Brasil

Os defensores das políticas neoliberais argumentam que as estratégias implantadas nos anos de 1990 foram exitosas para o país, principalmente, no que se refere ao controle inflacionário e à política de estabilização econômica relativa. Já os críticos dessas políticas, ponderam que: (a) a taxa média de crescimento da economia dos anos 90 foi inferior aos anos 1980, bem como a taxa de investimento como proporção do PIB; (b) as taxas desemprego subiram; (c) a distribuição funcional da renda piorou; (d) a riqueza no país concentrou; (e) a crise cambial de 1999.

A crise econômica e social vivenciada não somente pelo Brasil, mas também por diversos países da América Latina, permitiu:

[...] espaço para a emergência de lideranças políticas mais estreitamente vinculadas à projetos de cunho nacional e popular, dos quais os governos de Lula, Nestor Kirchner e Hugo Chavez são os significativos exemplos. E desse novo contexto nacional e internacional, surge o debate em torno de um projeto sobre uma nova estratégia nacional de desenvolvimento, o novo-desenvolvimentismo (Pires; Dib, 2013, p.51).

Na campanha para eleição presidencial em 2002, o candidato Lula da Silva do PT, defendeu inicialmente um projeto alternativo de desenvolvimento para o Brasil, se afastando das propostas neoliberais. Porém, durante esse processo, verificou-se uma mudança expressiva do discurso em relação ao projeto de desenvolvimento. Para ilustrar essa dinâmica, três documentos da campanha são significativos. No documento “Concepção e diretrizes do programa de governo do PT para o Brasil: Lula 2002” propõe-se a construção de um novo modelo de desenvolvimento ao defender a ruptura:

[...] com o atual modelo econômico, fundado na abertura e na desregulação radicais da economia nacional e na conseqüente subordinação de sua dinâmica aos interesses e humores do capital financeiro globalizado. Trata-se, pois, de propor para o Brasil um novo modelo de desenvolvimento economicamente viável, ecologicamente sustentável e socialmente justo (Concepção..., 2002, p.1).

Já no “Programa de Governo de 2002: um Brasil para todos” relativiza-se a ruptura ao se afirmar a necessidade de uma transição do modelo de desenvolvimento vigente para a construção de um modelo alternativo, ressaltando que não irá romper contratos ou regras estabelecidas. Assim, assevera que:

[...] o problema de fundo é que o atual governo colocou o Brasil num impasse financeiro, que nos obriga, com freqüência, a contrair empréstimos novos para pagar empréstimos velhos. A superação desses obstáculos à retomada do crescimento acontecerá por meio de uma lúcida e criteriosa transição entre o que temos hoje e aquilo que a sociedade reivindica (Coligação Lula Presidente, 2002, p.10).

Na famosa “Carta aos brasileiros” (2002) reforça-se a importância do processo de transição do modelo anterior para um modelo alternativo, reafirma-se o compromisso do futuro governo com a garantia dos contratos firmados anteriormente e clama-se para a importância da construção de uma ampla negociação nacional mediante um novo contrato social que permitiria a ‘convivência de interesses conflitantes’ em torno de um projeto nacional comum para a ‘saída’ da crise brasileira. De acordo com a carta,

O novo modelo não poderá ser produto de decisões unilaterais do governo, tal como ocorre hoje, nem será implementado por decreto, de modo voluntarista. Será fruto de uma ampla negociação nacional, que deve conduzir a uma autêntica aliança pelo país, a um novo contrato social, capaz de assegurar o crescimento com estabilidade. Premissa dessa transição será naturalmente o respeito aos contratos e obrigações do país (Silva, 2002, p.3).

Em primeiro de janeiro de 2003, Lula da Silva assumiu a Presidência do país e, no primeiro mandato, em nome do “novo contrato social” e da “governabilidade”, optou por não implementar as mudanças esperadas nas áreas política e econômica que poderiam ter enfrentado a hegemonia exercida pelo capital financeiro, frustrando parte da sociedade. A incorporação do discurso da continuidade de todos os contratos estabelecidos na economia, bem como a manutenção das medidas macroeconômicas do governo antecessor, principalmente, no primeiro mandato foi amplamente criticada por não ter rompido com as políticas neoliberais. Schlesener e Pereira (2016, p.530) salientam:

[...] algumas ambiguidades do Partido dos Trabalhadores, cuja trajetória foi marcada por compromissos cada vez mais conservadores, afastando-se dos verdadeiros interesses das classes trabalhadoras. Esta ambiguidade foi fruto da necessidade de o partido se posicionar ante um quadro econômico internacional determinado e tentar implementar políticas de inclusão social. No fundo, a trajetória do PT expressa de modo claro as contradições de uma sociedade profundamente desigual e injusta, de grandes oligarquias internas que não abrem mão de seus lucros, aliadas aos grupos capitalistas internacionais cujos objetivos são a mera acumulação de capital, chegando aos limites da barbárie.

Os projetos de desenvolvimento em disputa no governo Lula da Silva (2003-2006; 2007-2010)

De acordo com os defensores do governo Lula da Silva, no primeiro mandato (2003-2007) foi necessário à continuidade das políticas dos governos anteriores para realizar os ajustes considerados “indispensáveis”, “acalmar” as forças conservadoras e criar as condições para os avanços prometidos. No segundo mandato, de acordo ainda com os apoiadores desse governo, foi possível o rompimento com o modelo neoliberal, principalmente com as políticas do governo FHC, inaugurando um novo “ciclo virtuoso” de crescimento econômico com redistribuição de renda. Para Figueiras (2010, p.36), essa nova fase ou “[...] o ‘novo momento’ teria sido, fundamentalmente, mérito e resultado da nova política econômica adotada, que, adicionalmente, também expressou uma redefinição do modelo econômico anterior”.

Por outro lado, os críticos de oposição à direita do governo de Lula da Silva defenderam que o crescimento econômico ocorrido no segundo mandato (2007-2010), somente foi possível, porque se optou pelo prosseguimento das políticas neoliberais do governo FHC (metas de inflação, elevados superávits fiscais primários e câmbio flutuante), permitindo ao capitalismo brasileiro tornar-se mais competitivo, além da conjuntura internacional significativamente favorável.

Figueiras (2010), numa perspectiva a esquerda desse debate, explica que o governo Lula da Silva consolidou o chamado Modelo Liberal-Periférico mediante os seguintes fatores:

1) não ocorreram modificações na correlação de forças entre capital e trabalho e no processo de precarização social do trabalho, apesar da diminuição das taxas de desemprego e melhora do salário médio real e do salário mínimo que foram possibilitadas pelo crescimento econômico;

2) a presença do Estado (empresas estatais e bancos oficiais) impulsionou o processo de concentração e centralização de capitais na esfera dos grandes grupos nacionais, tanto na esfera produtiva quanto na financeira;

3) as estruturas das exportações e das importações mantiveram-se praticamente intactas: “de um lado, exportações de commodities (agrícolas e minerais) e produtos industriais de baixo conteúdo tecnológico e, de outro, importações de produtos com alto conteúdo tecnológico, em particular, componentes e bens de capital” (Figueiras, 2010, p.50);

4) atuação do Estado fortaleceu um segmento do capital financeiro brasileiro (junção do capital bancário com o produtivo) e impulsionou os grandes grupos econômicos nacionais (privados e estatais);

5) politicamente, Lula da Silva, desenvolveu uma autonomia em relação ao PT possibilitando um processo de acomodação do bloco de poder político dominante por meio de um novo consenso a partir da obtenção da confiança do grande capital e do consentimento dos setores subalternos;

6) a diminuição da vulnerabilidade externa conjuntural do país, devido ao cenário internacional favorável possibilitou índices positivos na balança comercial, na redução da dívida externa pública e no acúmulo de reservas internacionais.

Já na análise de Magalhães, deve-se reconhecer que o governo Lula da Silva caracterizou-se:

[...] por uma ambivalência no que se refere ao desenvolvimento econômico. [...]. Sempre existiu, em sua assessoria econômica, um importante núcleo desenvolvimentista, que, inclusive, em 2008-2009, passou a ocupar postos tão importantes quanto o Ministério da Fazenda, o BNDES e a Secretaria de Assuntos Estratégicos, com seu altamente qualificado órgão de pesquisa, o Ipea. E este, em seus trabalhos e publicações, revelou uma opção claramente desenvolvimentista. Na verdade, contudo, o núcleo neoliberal conquistado no Banco Central manteve sempre o comando da economia (Magalhães, 2010, p.28).

Também nessa direção, Bastos (2012, p.798) afirma que:

[...] o governo Lula abrigou a convivência tensa entre os fiadores da credibilidade financeira junto aos mercados, que prometiam entregar o Real forte e a inflação fraca, Palloci e Meirelles, e grupos políticos mais identificados ao ideário do desenvolvimento industrial e/ou de expansão dos direitos sociais e trabalhistas. A subordinação dos segundos aos primeiros esteve na própria origem da composição de governo, em meio ao terrorismo de mercado que marcou a campanha presidencial de 2002.

Para Carneiro (2012), o chamado retorno do desenvolvimentismo no Brasil pode ser estruturado em duas visões: o novo-desenvolvimentismo e o social-desenvolvimentismo. De modo geral, no novo-desenvolvimentismo são defendidos,

[...] um conjunto de propostas de reformas institucionais e de políticas econômicas, por meio das quais as nações de desenvolvimento médio buscam alcançar o nível de renda per capita dos países desenvolvidos. Essa estratégia de ‘alcançamento’ baseia-se explicitamente na adoção de um regime de crescimento do tipo export-led, no qual a promoção de exportações de produtos manufaturados induz a aceleração do ritmo de acumulação de capital e de introdução de progresso tecnológico na economia. [...]. No ‘modelo novo-desenvolvimentista’, portanto, o crescimento econômico é ‘puxado’ pelas exportações e sustentado pelo investimento privado e público na expansão da capacidade produtiva e na infraestrutura básica (Oreiro, 2012, p.29, grifo do autor).

Para Siscu, Paula e Michel (2007), um programa alternativo ao projeto neoliberal deveria compatibilizar o crescimento econômico com equidade social. Assim,

[...] a alternativa novo-desenvolvimentista não objetiva pavimentar a estrada que poderia levar o Brasil a ter uma economia centralizada, com um Estado forte e um mercado fraco. Esta alternativa também não objetivaria construir o caminho para a direção oposta, em que unicamente o mercado comandaria a economia, com um Estado fraco. Uma visão novo-desenvolvimentista rejeitaria essas duas possibilidades extremas. Contudo, entre esses dois extremos existem ainda muitas opções. Avaliamos que a melhor delas é aquela em que seriam constituídos um Estado forte que estimula o florescimento de um mercado forte. [...] [Portanto:] (i) não haverá mercado forte sem um Estado forte; (ii) não haverá crescimento sustentado a taxas elevadas sem o fortalecimento dessas duas instituições (Estado e mercado) e sem a implementação de políticas macroeconômicas adequadas; (iii) mercado e Estado fortes somente serão construídos por uma estratégia nacional de desenvolvimento; e (iv) não é possível atingir o objetivo da redução da desigualdade social sem crescimento a taxas elevadas e continuadas (Siscu; Paula; Michel, 2007, p.509, grifos do autor).

Bastos, visando entender as correntes, “novo-desenvolvimentismo” e “social- desenvolvimentismo”, denomina a primeira de “desenvolvimentismo exportador do setor privado” e a segunda de “desenvolvimentismo distributivo do setor público”. De acordo com o autor, os “dois agrupamentos não são homogêneos internamente, mas foram ou são vinculados a políticos e intelectuais orgânicos com capacidade de aglutinação e liderança” (Bastos, 2012, p.784). O primeiro grupo,

[...] saiu do próprio seio do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e mantém relação com bandeiras históricas do partido (a valorização do setor privado, a reforma do Estado, o apoio às privatizações, a contenção do crescimento do gasto social), mas sempre foi crítico da gestão macroeconômica operada pelo governo FHC. [...]. Durante o governo tucano, o grupo era identificado à ala ‘desenvolvimentista’ que defendia a indústria local contra o ‘monetarismo’ (Bastos, 2012, p.784).

Para Bastos (2012) são as posições de Bresser-Pereira que representam a visão mais sistemática da estratégia do “desenvolvimentismo exportador do setor privado”. Segundo o autor, pode-se afirmar:

[...] que essa corrente desenvolvimentista partilha com o neoliberalismo, em tom menor, a valorização do setor privado e das exportações como motores do crescimento e a desvalorização do papel do Estado como banqueiro e investidor, embora não desvalorize o papel do Estado como condutor da estratégia de desenvolvimento (Bastos, 2012, p.789).

Assim, como o termo “novo-desenvolvimentismo” foi usado inicialmente por Bresser Pereira, foi também Guido Mantega que propôs em 2007, o termo “social-desenvolvimentismo”. Para Bastos, as ideias que unificam o “desenvolvimentismo distributivo do setor público” são “a ênfase no mercado interno e no papel do Estado para influenciar a distribuição de renda e a alocação de investimentos” (Bastos, 2012, p.794).

Essa corrente elegeu como prioridade para o desenvolvimento brasileiro a distribuição da renda, as políticas sociais e a redução da pobreza mediante a ampliação do mercado de consumo de massas. Porém, Bastos (2012, p.794) chama a atenção de que é significativo que isso “tenha sido proposto apenas em meados do segundo governo de Lula e pouco mais de dois anos depois da desaceleração de 2004-5, ainda que seus temas fossem apresentados no programa de governo de Lula na campanha presidencial de 2002”.

Já Alves, ao analisar a proposta desenvolvimentista, denomina de:

[...] ‘neodesenvolvimentismo’ como a frente de coalizão política liderada pelo PT (Partido dos Trabalhadores) que elegeu e reelegeu em 2002 e 2006, Luís Inácio Lula da Silva; e elegeu e reelegeu Dilma Rouseff em 2010 e 2014, respectivamente. O neodesenvolvimentismo possuía como eixo programático, o crescimento com inclusão social; e como alma política, o lulismo, entendido como sendo a estratégia de conciliação de classe baseada num profundo pragmatismo político visando a conquista (e preservação) do governo (Alves, 2017, p.129).

O autor ainda discute que:

Desde que assumiu a Presidência da República, o PT (Partido dos Trabalhadores) passou a ser alvo de ofensiva de setores conservadores e reacionários da sociedade brasileira. [...]. Enquanto vivíamos numa conjuntura de crescimento da economia brasileira por conta do ciclo de valorização das commodities e crescimento espetacular da China (2003–2010), o Presidente Lula manteve a coalização política da governabilidade no Congresso Nacional. Naquela conjuntura histórica, o lulismo como reformismo de baixa intensidade, tinha sua eficácia política. Renegou a luta de classes e criou o mito do progresso social sem atentar contra a ordem oligárquica burguesa no Brasil. Portanto, enquanto vigorou o presidencialismo de coalização (PT–PMDB) nas condições históricas do crescimento da economia com inclusão social, o projeto neodesenvolvimentista sustentou-se, iludindo-se com o reformismo fraco e a conciliação de classe do lulismo (Alves, 2017, p.129).

A partir da ambiguidade política e do reformismo de baixa intensidade apresentadas é possível compreender as contradições e as políticas de expansão da Educação Superior que foram implementadas no governo Lula da Silva.

A ambiguidade das Políticas de Expansão para Educação Superior no governo Lula da Silva (2003-2010)

Apesar de o Brasil ter melhorado os índices de pobreza, sobretudo, no segundo mandato do governo Lula da Silva (2007-2010), mediante, por exemplo, o aumento do salário mínimo acima da inflação, da consolidação do programa Bolsa Família, da ampliação de serviços públicos básicos, da ampliação do crédito popular, do Programa de Aceleração da Economia, o país continuou, ainda, entre os países mais desiguais do mundo. A desigualdade social expressa a exclusão da maioria da população brasileira dos direitos sociais e, dentre eles, o direito a Educação Superior.

As políticas de expansão da Educação Superior articulam-se diretamente com o “modelo” do Estado brasileiro e com a opção do “modelo” de desenvolvimento socioeconômico, pois, o:

Estado é um espaço de contradição, no âmbito do qual se contrapõem ou se associam interesses privados, privados-mercantis e públicos. Em cada momento histórico e a depender do grau de democracia representativa, direta ou indireta, vigente nesse Estado, tendem a prevalecer ora uns, ora outros (Sguissardi, 2014, p.12).

No governo Lula da Silva, as políticas de expansão da Educação Superior caracterizaram-se pela ambiguidade da oferta nos setores: público, privado e privado-mercantil. Schlesener e Pereira (2016, p.525) analisam que:

As mudanças que ocorreram nos governos do PT não foram mudanças estruturais, mas, a partir de suas alianças políticas, as ações não puderam ser mais que paliativas. Esta questão implica a posição ambígua dos governos do Partido dos Trabalhadores que, por um lado, pela sua origem e militância, representavam interesses populares e, por outro, a partir de suas alianças, assumiram práticas políticas que davam continuidade ao projeto neoliberal instaurado no governo anterior. Assim, a expansão do sistema federal e público do ensino superior foi concomitantemente acompanhado pelo incentivo ao ensino privado, acirrando as disputas por este mercado.

Nesse sentido, o governo Lula da Silva, por um lado retomou significativamente os investimentos na rede federal (Universidades, Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia/Centros Federais de Educação) mediante a expansão de novas vagas, a criação de novas instituições e a abertura de novos campi e, por outro lado, deu continuidade a expansão das instituições privadas que seguia desde o governo de FHC. A opção das políticas e programas de educação superior que visaram atender tanto o subsistema federal quanto o subsistema privado e privado-mercantil resultou da postura do lulismo de optar pela “arbitragem” e não pelo enfrentamento das contradições, ao buscar “equilibrar” as classes sociais (proletariado e capitalistas) (Singer, 2012).

A Tabela 1 demonstra a expansão das matrículas na Educação Superior, no período de 2004 a 2012, por dependência administrativa.

Tabela 1 Expansão das matrículas de graduação por dependência administrativa. 

Período Total de matriculas Instituições de Ensino Superior Públicas Rede federal Instituições de Ensino Superior Privadas
2004 4.223.344 1.214.317 592.705 3.009.027
2012 7.037.688 1.897.376 1.087.413 5.140.312
2004-2012 (%) 66,64 56,25 83,47 70,83

Fonte: Elaborado pela autora (2017), com base nos dados de Brasil (2017).

Nesse período, a rede pública cresceu 56,25%, com destaque significativo para a rede federal que aumentou 83,47% e a rede privada 70,83%. Apesar da importante expansão da rede pública, a rede privada prevaleceu hegemônica. Assim, comparativamente ao setor privado, não houve alteração significativa na concentração de matrículas por dependência administrativa.

Em relação especificamente ao processo de expansão das universidades federais, no governo Lula da Silva (2003-2010), de 45 instituições passou para 59, representando um aumento de 31%, além da expansão “de 148 campi para 274 campi/unidades, com um crescimento de 85%” (Soares, 2013, p.5). A interiorização das novas universidades e dos campi “proporcionou uma elevação no número de municípios atendidos: de 114 para 272, com um crescimento de 138%” (Soares, 2013, p.5). Deve-se ressaltar que as novas universidades e os novos campi se situam, na sua maioria, no interior dos estados, com destaque para as regiões Norte, Nordeste e Sul, visando impactar positivamente no enfrentamento das desigualdades regionais.

Em relação à expansão da Educação Superior pública federal, destacou-se no governo Lula da Silva: o Programa Expandir (2006) que iniciou o processo de expansão das universidades federais, visando a interiorização; a criação da Universidade Aberta do Brasil (2006) que objetivou expandir e interiorizar a oferta de cursos na Educação Superior; a ampliação da Rede Federal de Educação Tecnológica e Profissional; o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Brasileiras (REUNI)3 de 2007; o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES)4. De acordo com Carvalho (2014, p.241):

A agenda governamental destinada à expansão da educação superior do governo Lula não foi implementada em sua totalidade. Houve inúmeras resistências dos atores governamentais, sobretudo do Ministério da Fazenda na direção de contenção de gastos públicos, e dos atores sociais.

Em relação aos recursos investidos na Educação Superior (pública/privada), as autoras Fávero e Bechi (2017, p.101) afirmam que:

O aumento dos recursos para a educação, mediante a elevação do percentual do PIB, viabilizaria a ampliação do acesso e a melhoria da qualidade do ensino superior. Porém, na prática, o governo federal não conseguiu atingir a meta que previa o aumento do percentual de gastos públicos, aplicados em educação, previstos no PNE 2001-2010. [...]. Embora não se tenha atingido o percentual mínimo de 7% proposto pelo Plano Nacional de Educação, o Estado brasileiro garantiu uma memorável ampliação dos recursos públicos para investimentos no ensino superior em razão dos altos índices de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). No período de 2001 a 2010, esse indicador registrou uma elevação de R$ 1,1 trilhão para R$ 3,6 trilhões (valores correntes/IBGE), um índice de crescimento de aproximadamente 210%. Ao multiplicar a evolução do PIB pelos percentuais do investimento público em educação superior, [...] tem-se uma elevação dos recursos financeiros de R$ 9,4 bilhões (0,9%), em 2001, para R$ 33 bilhões (0,9%), no último ano do governo Lula da Silva, o que representa uma elevação percentual próxima dos 250% (valores correntes).

O governo Lula da Silva também possibilitou a expansão das IES privadas e privadas-mercantis mediante, principalmente, o Prouni5 e o Fies6. Vale lembrar que, a partir de 2002, a expansão da Educação Superior pela via das IES privadas começou apresentar sinais de esgotamento, na medida em que uma quantidade significativa de vagas não era preenchida e ocorria uma crescente inadimplência por parte dos estudantes. Nesse sentido, o modelo de expansão do governo FHC demonstrava seus limites.

Sguissardi (2014, p.99) adverte que esses programas ignoram “as fronteiras entre o público e o privado; [...] mas principalmente, entre o público e o privado-mercantil”. Para Fávero e Bechi (2017, p.97) o Prouni:

[...] tornou-se a principal fonte de financiamento público (indireto) direcionado ao setor privado para a delegação de políticas sociais. [...] Na prática, os estabelecimentos credenciados ao ProUni disponibilizam a sua estrutura física e os cursos de formação para a sociedade em troca de imunidade e isenção de tributos. A parceria entre o público e o privado na promoção de políticas sociais, financiada por meio da renúncia fiscal, aumentou a disponibilidade econômica dos estabelecimentos educacionais e, por conseguinte, diminuiu a arrecadação potencial do Estado. A política econômica articulada ao ProUni impulsionou o desenvolvimento das instituições de ensino superior privadas na medida em que lhes atribuiu novas funções sociais e fortaleceu-as financeiramente.

A utilização do Prouni e do Fies como mecanismos eficazes para promover a democratização na Educação Superior, a médio e longo prazo, não se sustenta, na medida em que não asseguram a permanência, a conclusão e a qualidade da formação dos setores historicamente excluídos que, por sua vez, são elementos fundantes desse processo. Entretanto, não se pode negar que os programas vêm contribuindo para ampliar o acesso nesse nível de ensino ao contemplar os setores de baixa renda e as minorias sociais, excluídas, principalmente pela raça/cor.

Porém, esses programas constituem-se em políticas sociais focalizadas que buscam assegurar vagas em instituições privadas e privadas-mercantis que por suas próprias limitações ou fins não contribuem para alterar as históricas desigualdades sociais existentes no país, na medida em que a ampliação do acesso ocorre com baixo custo e, em grande parte, em instituições que ofertam somente o ensino no processo de formação e de qualidade questionável. Vale dizer que grande parte dessas instituições contratam docentes com remuneração baseada em horas-aula, possuem alta relação aluno/professor, direcionam reduzidos investimentos em infraestrutura de ensino, bibliotecas, laboratórios, dentre outros.

O cenário da significativa hegemonia da oferta da esfera privada sobre a pública, apesar da retomada do papel do Estado no financiamento da rede federal no período, coloca em xeque o avanço no processo de democratização da Educação Superior. Para Marques (2013, p.80), o

[...] processo de privatização da educação superior no Brasil e o seu desdobramento na oligopolização recente, mais do que a ausência do Estado, indica, ao contrário presença deste, que se movimenta no interior de uma cultura política onde os limites entre o público e o privado são obscuros.

De acordo com Sguissardi (2013), instituições como Anhanguera Educacional, Estácio Participações, Kroton Educacional/Pitágoras, Sistema Educacional Brasileiro (SEB), Participações S.A. e Laureate International Uníversities possuíam aproximadamente 1 milhão de matrículas. Essas empresas com capital aberto na bolsa de valores oferecem seus serviços educacionais no mercado. O autor analisa que o Estado,

[...] tendo ideológica e operacionalmente dificuldade de apostar no investimento maciço na educação superior, tem buscado, via políticas focais de curto alcance – Programa Universidade para Todos (Prouni) e Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), em especial –, garantias de alguma igualdade de condições de acesso, mas que não preveem igualdade de condições de permanência e, em especial, de sucesso no mercado de trabalho (Sguissardi, 2015, p.869).

De qualquer forma, deve-se destacar que a opção da expansão da Educação Superior pela via das IES privadas ocorreu, a partir do período da ditadura civil-militar. Em 1964, aproximadamente 60% das matrículas concentravam na esfera pública e no final desse período, 60% das matrículas passaram a ser ofertadas pelas instituições privadas (Amaral, 2009).

Nas décadas de 1970 e 1980, verificou-se uma expressiva multiplicação de IES isoladas, modificando o tradicional modelo de universidade como modo de organização da Educação Superior, ofertando somente o ensino, em detrimento da formação por meio também da pesquisa e da extensão.

Também, cabe dizer que o fenômeno da privatização mercantilizada da oferta desse nível de ensino teve suas raízes fortalecidas principalmente, no final os anos 1990:

[...] com as determinações legais da LDB e de seus decretos regulamentadores. [...]. Este instrumental jurídico, por seu turno, alicerçava-se com solidez em contexto muito bem demarcado da economia mundial e nacional – de substituição do Estado do Bem Estar ou do Estado Nacional-Desenvolvimentista, em crise, pelo chamado neoliberalismo – com decidida adesão ideológica e política de dirigentes e empresários de nosso país às teses ultraliberais e receituários econômicos-políticos enfeixados e disseminados pelo Consenso de Washington (Sguissardi, 2014, p.91, grifos do autor).

Nesse cenário, o governo FHC (1993-2002) implantou políticas de redução de gastos públicos no setor de serviços sociais, privatizou empresas estatais, implantou a reforma gerencial do aparelho do Estado, dentre outras medidas. No campo da Educação Superior retomou a expansão nesse nível de ensino por meio principalmente das IES privadas. No final desse governo, 69,8% das matrículas estavam concentradas nessas instituições.

A Tabela 2 demonstra a expansão das matrículas na Educação Superior nos governos FHC (1995-2002) e Lula da Silva (2003-2010).

Tabela 2 Evolução das matrículas em cursos de graduação presenciais por dependência administrativa no governo FHC e Lula da Silva. 

Ano Total Federal Privada
1995 1.759.703 367.531 1.059.163
2002 3.479.913 531.634 2.428.258
1995-2002 (%) 97,8 44,7 129,3
2003 3.887.022 567.101 2.750.652
2010 5.449.120 833.934 3.987.424
2003-2010 (%) 40,2 47,1 45,0

Fonte: Elaborado pela autora (2017), com base nos dados de Traina‐Chacon e Calderón (2014).

No governo FHC, a rede federal cresceu 44,7% mediante o contingenciamento dos gastos da União e, inclusive, de investimentos em infraestrutura e de capital e optou, abertamente, pela rede privada para expandir os serviços de Educação Superior no mercado que atingiu o patamar de 129,3% de crescimento. No governo Lula da Silva, as matrículas na rede federal cresceram 47,1% e nas IES privadas aumentaram 45,0%. De acordo com Soares (2013), no período de 2003 a 2012, as despesas com as universidades federais cresceram 151,5%. Em 2010, final do governo Lula da Silva, as matrículas nas IES privadas atingiram 73,2%.

Já a Tabela 3 realça a importância que a modalidade a distância apresentou na expansão das matrículas na graduação, demonstrando uma clara opção por um investimento significativamente inferior a oferta do ensino presencial.

Tabela 3 Expansão das matrículas na modalidade Ensino a Distância na graduação por dependência administrativa. 

Período Total de matrículas EAD Públicas Privadas
2004 59.611 35.989 23.622
2012 1.113.850 181.624 932.226
Crescimento no período (%) 1.768,53 404,67 3.846,43

Fonte: Elaborado pela autora (2017), com base nos dados de Brasil (2017).

Verifica-se que em 2004, o setor público possuía maior concentração de matrículas da graduação a distância que o setor privado. No ano de 2012, o cenário sofreu uma total inversão. Assim, no período de 2004-2012, a rede pública cresceu 404,67% e a rede privada alcançou o fenomenal patamar de 3.846,43%. O setor privado-mercantil vem massificando essa modalidade de ensino, apesar da qualidade questionável de seus cursos, e inclusive, tendo direito a oferecer bolsas do Prouni.

Considerações Finais

Desde a significativa retomada da expansão da Educação Superior com a regulamentação da LDB (1996) até o final do governo Lula da Silva, o país continuou apresentando uma acanhada Taxa Bruta de Matrículas (TBM) na graduação, no patamar 30,88% em 2012 e expressivas desigualdades no acesso a Educação Superior entre as regiões do país. Esse cenário demonstra o descaso como foi tratado historicamente o direito social a educação no país.

As políticas ou modelos que viabilizaram a retomada dessa expansão com a criação de novas IES e ampliação das IES já existentes, da criação de novas vagas e de programas de acesso e permanência, desde o governo de FHC até o governo Lula da Silva possuem especificidades importantes.

O governo de FHC (1993-2002) utilizou como estratégia para resolver os problemas da expansão da Educação Superior, a opção pelas IES privadas e pela ausência de investimentos nas universidades públicas. Também recorreu aos mecanismos da diversificação das fontes de financiamento e da diferenciação das IES mediante a flexibilidade, a competitividade e avaliação no âmbito do mercado educacional. Além disso, optou pela massificação/certificação em detrimento da efetiva democratização desse nível de ensino.

O governo de Lula da Silva (2002-2010) não rompeu com o caráter mercantilista e com os interesses do capital e, dessa forma, deu continuidade ao processo de expansão pela via das IES privadas e privadas-mercantis. Por outro lado, investiu consideravelmente na expansão da rede federal e iniciou a implantação de programas de acesso e permanência para os setores historicamente excluídos desse nível de ensino. As matrículas na graduação, na rede federal desse governo, tiveram um percentual de crescimento muito significativo, sinalizando um comprometimento com um incipiente processo de democratização de oportunidades.

O processo de expansão da Educação Superior, apesar dos limites das opções das políticas empreendidas, vem sendo fundamental para romper, ainda que lentamente, com a exclusão da maioria da população do acesso a Educação Superior. Porém, para avançar na expansão quantitativa e qualitativa desse nível de ensino, torna-se fundamental a priorização de políticas sociais de caráter universal para garantir a redução das persistentes desigualdades sociais e assegurar a igualdade de oportunidades. A origem social e a situação econômica das famílias são fatores determinantes no acesso e na permanência na Educação Superior.

Portanto, a educação necessita ser tratada como um bem público e não como um serviço comercial para que se possa romper com a dicotomia de uma alta qualificação para uma minoria e uma certificação em massa para uma ampla maioria da população.

As políticas de redistribuição de renda, dentre elas, as políticas de acesso e de permanência na educação são integrantes de um projeto de desenvolvimento que possuem o “social” como prioritário na partilha dos recursos públicos e a Educação Superior como direito social e dever do Estado.

1Artigo elaborado a partir de projeto de pesquisa coordenado por S. FERREIRA, intitulado “A gestão, a organização e os papéis sociais das universidades federais no Brasil: mudanças na natureza institucional, nas finalidades e nos modos de produção acadêmica”. Universidade Federal de Goiás, 2015.

3Decreto nº 6.096 de 24 de abril de 2007. O Reuni estabeleceu metas que as universidades deveriam cumprir para obter acréscimos nos recursos (até o limite de 20% das despesas de custeio e de pessoal). O programa objetivava dobrar o número de alunos nos cursos de graduação em dez anos.

4Carvalho explica que o PNAES foi instituído no âmbito do REUNI para minimizar as dificuldades de acesso e de permanência na Educação Superior dos estudantes provenientes das camadas sociais mais pobres da população. O programa prevê que as instituições federais de ensino superior “participantes poderiam usar as verbas orçamentárias para alimentação, transporte, moradia, apoio pedagógico, inclusão digital, assistência à saúde, cultura, esportes e creche” (Carvalho, 2014, p.236).

5Lei n° 11.096 de 8 de junho de 2006. O Prouni concede bolsas integrais e parciais para estudantes de baixa renda em troca dos benefícios de renúncia fiscal para as instituições privadas. Nesse programa foram incorporadas políticas de ações afirmativas por meio do sistema de cotas étnico-raciais.

6O Fies foi criado pela MP nº 1.827, de 27/05/99 para conceder financiamento para os estudantes de baixa renda das IES privadas.

Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Processo 470646/2013-6).

Como citar este artigo/How to cite this articleFerreira, S. As políticas de expansão da Educação Superior do Governo Lula da Silva (2003-2010). Revista de Educação PUC-Campinas, v.24, n.2, p.225-239, 2019. http://dx.doi.org/10.24220/2318-0870v24n2a4124

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Recebido: 14 de Dezembro de 2017; Revisado: 08 de Agosto de 2018; Aceito: 17 de Outubro de 2018

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