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Revista e-Curriculum

versão On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.19 no.2 São Paulo jul./set 2021  Epub 30-Ago-2021

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2021v19i2p543-563 

Artigos

PREMISSAS PARA UMA PROPOSTA METODOLÓGICA INOVADORA: PSICODRAMA PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO ON-LINE

PREMISES FOR AN INNOVATIVE METHODOLOGICAL PROPOSAL: PEDAGOGICAL PSYCHODRAMA IN ONLINE EDUCATION

PREMISAS PARA UNA PROPUESTA METODOLÓGICA INNOVADORA: PSICODRAMA PEDAGÓGICO EN LA EDUCACIÓN EN LÍNEA

i Doutorado em Ergonomia Cognitiva pela Universidade Federal de Santa Catarina. Psicólogo e Professor Adjunto na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). E-mail: lucianogamez@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-0796-668X.

ii Mestranda em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Professora da Rede Municipal de Campinas. E-mail: vivicmarques@gmail.com - - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-6035-5212.


RESUMO

Esse artigo apresenta um conjunto de princípios descritos a partir de resultados de pesquisa realizada utilizando a técnica de análise do discurso de narrativas individuais e coletivas de alunos de um curso superior na modalidade on-line. As narrativas foram produzidas a partir de vivências psicodramáticas na plataforma do curso, envolvendo debates, dramatizações, reflexões, protagonismo e relatos de histórias de vida compartilhadas. Na intersecção teórica do Psicodrama Clássico, proposto por Moreno, e nas reinterpretações deste para o contexto educacional, conduzidos por Maria Alicia Romaña, fundamentamos também a base teórica em conceitos de Paulo Freire e Vygotsky. O desenho metodológico da pesquisa evidencia a prática como um processo de legitimação do conhecimento científico. Conclui-se que a aplicação efetiva do Psicodrama Pedagógico on-line abre caminhos bem fecundos para a proposição de práticas pedagógicas inovadoras que contribuam para (re)configurar novos espaços de aprendizagens na modalidade de Educação on-line.

PALAVRAS-CHAVE: Psicodrama; Psicodrama Pedagógico On-line; Educação On-line; Narrativas, Histórias de Vida

ABSTRACT

This article presents a set of principles from the results of a qualitative study, based on the discourse analysis of individual and collective narratives by students of an online course. The narratives were produced from the use of psychodramatic techniques experienced in the online platform of the course, involving debates, online dramatization, group reflection, and stories of life. In the theoretical intersection of Psychodrama, proposed by J. L. Moreno, and its interpretations in the educational context suggested by Maria Alicia Romaña, we also support the theoretical foundations based on Paulo Freire and Vygotsky. The methodology of the study evidences the practice as a process of legitimizing scientific knowledge. The conclusion of this study is the effective application of Online Pedagogical Psychodrama opens a very fruitful way for the experience of innovative pedagogical practices. This experiment contributes to configure new spaces of meaningful learning that focus on personal knowledge in online education.

KEYWORDS: Psychodrama; Online Pedagogical Psychodrama; Online Education; Narratives, Life Stories

RESUMEN

Este artículo presenta un conjunto de principios descritos a partir de los resultados de un estudio cualitativo, basado en el análisis del discurso de las narrativas individuales y colectivas descritas y experimentadas por los estudiantes de un curso en línea. Las narraciones se produjeron a partir del uso de técnicas psicodramaticas experimentadas en la plataforma del curso, que incluyen debates, dramatización en línea, reflexión grupal, protagonismo e historias de vida. En la intersección teórica de Psychodrama, propuesta por J. L. Moreno, y en las reinterpretaciones de esto al contexto educativo liderado por Maria Alicia Romaña, también apoyamos las bases teóricas desde los fundamentos educativos propuestos por Paulo Freire y Vygotsky. El diseño metodológico del estudio evidencia la práctica como un proceso de legitimación del conocimiento científico. Se concluye con este estudio que la aplicación efectiva del psicodrama pedagógico en línea abre un camino muy fructífero para la experiencia de prácticas pedagógicas innovadoras y que contribuye a configurar nuevos espacios de aprendizaje significativo que privilegian el conocimiento intersubjetivo de las personas en la educación en línea.

PALABRAS CLAVE: Psicodrama; Psicodrama pedagógico en línea; Educación en línea; Narrativas, Historias de Vida

1 INTRODUÇÃO

Este artigo surge no âmbito de pesquisas de novos modelos e processos pedagógicos em educação on-line, que fujam aos velhos modelos clássicos tradicionais da Educação a Distância (EAD), baseados unicamente em texto e interação via fórum de discussão, recursos normalmente usados com frequência nos ambientes virtuais de aprendizagem. Encontra-se, no método psicodramático, a possibilidade de utilização de técnicas e recursos pedagógicos diferenciados e dinâmicos, adaptando-os ao contexto da educação on-line, como forma de proporcionar aprendizagens mais significativas, críticas, vivências, que resgatem as experiências dos indivíduos e, ao mesmo tempo, proporcionem inovação e criatividade na docência a distância.

O início do estudo se deu em 2018 e continua sendo aplicado no âmbito do Curso Superior de Tecnologia em Design Educacional (Tede), ofertado pela Universidade Federal de São Paulo, como uma proposta de estratégia pedagógica da disciplina “Ensino e Aprendizagem em Contextos Não Formais”, cuja finalidade era trabalhar aspectos da aprendizagem com foco na diversidade e inclusão social. Inspirada nas sessões abertas de Psicodrama Público que mobilizam a participação de diversas pessoas desde 2003 no Centro Cultural São Paulo, a utilização do método psicodramático foi pensada com o propósito de proporcionar aos alunos vivências grupais, perspectivando a inovação como método pedagógico para cursos on-line. Foi também nosso objetivo compreender, na prática, conceitos teóricos trabalhados no contexto da disciplina, nomeadamente: aprendizagem mediada; aprendizagem colaborativa; interação e interatividade; práticas dialógicas, participativas e inclusivas; ensino e aprendizagem em contexto social, cultural e democrático.

Partindo-se do princípio de que a prática educativa, em qualquer contexto, deve fundamentar-se na formação crítica e reflexiva dos indivíduos, em oposição às formas de ensino bancário (FREIRE, 1980), tão características das metodologias de ensino tradicionais, entendemos que cabe aos professores a função de provocar, desafiar, construir condições para que os estudantes reflitam, compreendam-se a si próprios no processo e desenvolvam maior protagonismo e autonomia. Espera-se, como resultado desta pesquisa, que se encontra ainda em andamento, refletir acerca dos papéis professor-aluno, ensinante-aprendente, e propor premissas para o desenho de metodologias pedagógicas inovadoras para a educação on-line, que permitam que tanto professores como alunos percebam e encontrem mais sentido nessa relação de ensino e aprendizagem. Por essa razão, entendemos a importância de considerar a realidade e o contexto nos quais ambos estão inseridos, suas necessidades e desejos, resgatando-se elementos importantes e significativos de suas histórias de vida, que emergem no debate mediadas pelas técnicas psicodramáticas e se articulam também com o mundo do trabalho, a vida social e cultural de professores e estudantes inseridos na modalidade de educação on-line.

2 BASE TEÓRICA

O arcabouço teórico que embasa este estudo fundamenta-se em pontos de intersecção entre quatro abordagens teóricas: o Psicodrama, desenvolvido pelo psiquiatra romeno Jacob Levy Moreno, o Interacionismo Sócio-Histórico de Lev Vygotsky, a Pedagogia Social de Paulo Freire e a Pedagogia do Drama, de Maria Alicia Romano (1987, 1996). Elementos conceituais dessas abordagens, articulados de forma integrada à prática, constituem-se como bases epistemológicas para o que batizamos de Psicodrama Pedagógico On-line (MARQUES; GAMEZ, 2020). A seguir, detalhamos nuances desse corpo teórico não como fragmentos isolados, mas como um caleidoscópio que, ao unir cada fragmento, ressignifica-os e dá a eles forma, produzindo, assim, novos cenários pedagógicos e novos sentidos para a experiência prática na educação on-line.

O precursor do Psicodrama foi Jacob Levy Moreno (1898-1974), um médico romeno que buscou inspiração no Teatro Espontâneo, um trabalho que ele desenvolvia com as crianças nos parques de Viena para que expressassem seus sentimentos, representando seus próprios problemas e os da sociedade local. Nessas sessões públicas, Moreno tentava aclarar a plateia acerca de uma doença comum que pairava sobre Viena no pós-guerra, o sentimento geral de descontentamento e revolta. O próprio público compunha o elenco, os autores, e a peça ocorria a partir das situações vivenciadas e trazidas espontaneamente pelo público presente. Assim, o Teatro Espontâneo tornava-se uma forma de arte viável e um local de encontro não somente para artistas e intelectuais da época, mas também para as pessoas que faziam questão de frequentá-lo, visto que o enredo, normalmente, era sugerido pela própria plateia (MORENO, 1978).

O Teatro Espontâneo evoluiu para o Psicodrama, em forma de método terapêutico, ao se perceber que os atores, depois de dramatizarem os papéis, conseguiam lidar melhor com seus problemas pessoais. Observou-se que a espontaneidade e a criatividade no Psicodrama ajudavam as pessoas a vivenciarem seus conflitos e encará-los por outro prisma. Segundo Moreno (1978, p. 35), o Psicodrama pode ser definido como “a ciência que explora a verdade através de métodos dramáticos”. Para compreender o conjunto de processos, o qual forma o indivíduo, é necessária a representação dramatizada de três perspectivas que são: indiferenciação do eu; visão do eu; e visão do outro.

O Psicodrama Moreniano nos apresenta também os conceitos de espontaneidade, criatividade, tele, empatia, coinconsciente e matriz de identidade (MORENO, 1978). O conceito de espontaneidade está dialeticamente ligado à criatividade e, assim, procura resgatar o espontâneo que vai se perdendo ao longo de nossa existência, além da capacidade criativa própria do ser humano, que se completa com a maturidade e com a socialização. Outro conceito importante para o Psicodrama é a Tele, que é a capacidade de perceber, de forma objetiva, o que ocorre nas situações vivenciadas e nas interações sociais entre as pessoas. Além desses conceitos, ressalta-se a Empatia, que é a capacidade de colocar-se no lugar do outro de modo a sentir o que este sente na situação e circunstâncias vivenciadas por ele. O conceito de coinconsciente refere-se às vivências, sentimentos, desejos e até fantasias comuns a duas ou mais pessoas. Por fim, a Matriz de Identidade é o reconhecimento do Eu, o qual é formado durante um processo de desenvolvimento evolutivo do ser humano e traduz a identidade da pessoa (MORENO, 1978).

Com o objetivo de revelar comportamentos e sentimentos não identificados pelo indivíduo, Moreno (1978) desenvolveu diferentes técnicas para que o protagonista da dramatização pudesse obter uma melhor compreensão de si e do problema em questão. Entre elas, destaca-se:

  • Dramatização da cena: é uma fase importante para o Psicodrama e consiste em três momentos: aquecimento, representação e compartilhamento;

  • Técnica do espelho: quando a ação do protagonista é espelhada, dramatizada pelo outro (terapeuta ou ego-auxiliares), com o objetivo de que o protagonista se veja de fora e consiga observar seus próprios comportamentos por outras perspectivas;

  • Inversão de papéis: quando o personagem inverte seu papel e assume o papel do outro interlocutor. Esta é considerada a técnica mais importante do Psicodrama, afinal, imersos no processo, os participantes têm a oportunidade de viver e sentir os comportamentos e sentimentos que acompanham o protagonista, desvendando as visões que este carrega de si e dos demais.

É importante salientar que o método psicodramático propicia o estabelecimento de conexões emocionais entre as pessoas, a partir de experiências vivenciadas em grupo. Segundo Moreno (1978), um problema não acontece por acaso, sempre tem um contexto, além de ser plural e coletivo. Isso, no âmbito educacional, implica direcionar a resolução do problema a partir de ações que requeiram atitudes pedagógicas e protagonistas dos estudantes. Portanto, entendemos que o Psicodrama propõe uma maneira de ver o mundo, de compreender a realidade, além de produzir conhecimento, entendê-lo e ressignificá-lo. Vale assinalar também que o Psicodrama é apenas uma parte da teoria de Moreno, que em sua totalidade denomina-se Socionomia e refere-se ao estudo das leis que regem o funcionamento dos grupos sociais.

Também com ênfase no social, o Interacionismo Sócio-Histórico tem em Vygotsky seu principal representante. Vygotsky (e seus colaboradores) tentaram reunir, num mesmo modelo explicativo, tanto os mecanismos cerebrais subjacentes ao funcionamento psicológico quanto o desenvolvimento do indivíduo e da espécie humana, ao longo de um processo sócio-histórico, numa abordagem qualitativa interdisciplinar e orientada para os processos de desenvolvimento do ser humano (OLIVEIRA, 2010). Na perspectiva vygotskyana atribui-se um papel preponderante às relações sociais, postulando-se que o processo de conhecimento se dá mediante a interação. Isso significa que é por meio de outros interlocutores que o sujeito estabelece relações com os objetos de conhecimento. Assim, a constituição do sujeito, com seus conhecimentos e formas de ação, deve ser entendida em sua relação e interação com os demais.

O aprendizado ocorre pela compreensão do homem como um ser que se forma em contato com a sociedade, e cada pessoa estabelece uma interação com determinado ambiente e pessoas, ou seja, a experiência pessoal significativa (VYGOTSKY, 1984). Além disso, Vygotsky (1984) enfatiza a mediação pedagógica como um elemento fundamental, entendendo que toda relação do indivíduo com o mundo é feita por meio de instrumentos técnicos, que transformam a natureza, e da linguagem (os signos), que traz consigo conceitos consolidados da cultura à qual o sujeito pertence, sendo representações mentais que substituem objetos do mundo real. Segundo Gamez (2013) o desenvolvimento dessas representações, conforme Vygotsky, ocorre sobretudo pelas interações que levam ao aprendizado.

Em outras palavras, esta abordagem resgata a importância do fator social e cultural na apropriação e construção do conhecimento dos indivíduos, isto é, nas relações que estabelece durante sua vida. Entendendo que “a interação social é fundamental para o desenvolvimento das formas de atividade de cada grupo cultural, o indivíduo internaliza os elementos de sua cultura e constrói seu universo intrapsicológico a partir do mundo externo” (OLIVEIRA, 1993, p. 99).

As transformações na estrutura da interação social refletem nas estruturas do pensamento humano, orientando seu modo de agir, de perceber o real e a constituição de sua consciência. Assim, para Gamez (2013), a base para a compreensão da teoria de Vygotsky reside em três ideias fundamentais:

1) Os processos psicológicos superiores somente poderão ser compreendidos e explicados, se estudarmos sua gênese e seu desenvolvimento. Este estudo não pode se limitar exclusivamente ao âmbito ontogênico, mas também ser estendido a outros domínios genéticos, por exemplo, à evolução da espécie (filogênese), à evolução sociocultural e ao âmbito da microgênese.

2) Todos os processos psicológicos superiores aparecem, inicialmente, no âmbito das relações sociais e sob a forma de processos interpsicológicos ou intermentais (regulados e controlados mediante a interação social com outras pessoas), e não efetuados no plano intrapsicológico ou intramental (regulados e controlados a partir do interior do indivíduo).

3) A relação do ser humano com o meio é sempre uma relação ativa e transformadora, e ela é possível graças ao uso de instrumentos intermediários, pelos quais a atividade humana define-se essencialmente como uma atividade instrumental.

Em suma, no terreno da Psicologia, Gamez (2013) elucida que Vygotsky desenvolve uma abordagem dialética dos fenômenos psicológicos, buscando desvendar a gênese social da consciência. Para Vygotsky, as funções psicológicas superiores (pensamento, linguagem e ato volitivo) são efeito e causa da atividade social do homem. Seus estudos estão ligados à análise da atividade. As três inovações da Psicologia soviética no estudo da constituição do sujeito psicológico são o novo método: o genético-experimental, em que os fenômenos psíquicos passaram a ser estudados não como objetos, mas como processos em mudança; o conceito de atividade, a ideia de que a atividade modifica o homem tanto quanto altera a própria natureza e a mediação semiótica, função que os sistemas de signos e sinais têm na comunicação entre os homens, bem como na construção e internalização da cultura (GAMEZ, 2013).

Na convergência dessa relação humana, como um produto da cultura, e que também produz e interfere nessa mesma cultura, encontramos suporte teórico na teoria de Paulo Freire. Freire (1980, 2000, 2006) defende que o objetivo maior da educação é promover a conscientização, contribuir para a formação de sujeitos críticos e livres da opressão social que se vive e à qual é exposto, assumindo um papel de protagonista na construção de um mundo mais libertário e menos opressor. Para Freire (1980, 2000, 2006), o diálogo é a base que sustenta as relações de ensino-aprendizagem, que ocorrem de forma recíproca entre educador e educando (ambos ensinam e aprendem conjuntamente). Nesse sentido, a educação deve passar, necessariamente, pelo reconhecimento da identidade cultural do aluno (e aqui vale acrescentar também o professor, numa relação dialógica), para que este possa ter potencial de ler e transformar o mundo. Além disso, Freire (1980, 2000, 2006) destaca que é fundamental a autonomia do indivíduo como sujeito e cidadão para decidir sobre o próprio destino, ou seja, ser capaz de tomar decisões sobre sua vida, uma vez que ele acredita que o futuro, embora utópico, é sempre uma possibilidade a ser considerada.

Portanto, considerando que a aprendizagem ocorre quando tem significado, julgamos importante que as relações pedagógicas proporcionem a criação de momentos interativos em que o indivíduo seja protagonista de seu próprio processo de construção do conhecimento. Essa atitude confere ao professor, na relação com seus alunos, valorizar o conhecimento e as vivências a fim de criar conexões entre o objeto de aprendizagem e o sujeito, auxiliando-os a tomarem consciência de suas reais necessidades de formação.

O entendimento de Freire (2000, 2006) sobre o ato de ensinar é um processo que exige rigorosidade metódica, ou seja, pesquisa, respeito aos saberes dos educandos, criticidade, estética e ética, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação, reflexão crítica sobre a prática, reconhecimento e a assunção da identidade cultural. Freire (2000, 2006) compreende também que ensinar não é transferir conhecimento, mas promover a consciência de que o ser humano é um ser inacabado. Enfatiza o respeito à autonomia do ser do educando, da necessidade de ter bom senso, ser humilde, ter generosidade, ser tolerante, ter alegria, esperança, curiosidade, comprometimento, escuta, diálogo, liberdade, sonhos, ideologias e, sobretudo, a crença de que um mundo novo é possível e que se deve lutar pelos direitos dos professores, respeitando e querendo bem aos estudantes (FREIRE, 2000, 2006). Todos esses elementos conjugam-se com a proposta de pensar o Psicodrama Pedagógico como método que incentiva os estudantes a refletirem criticamente sobre suas próprias vivências em contextos educacionais.

3 PSICODRAMA PEDAGÓGICO ON-LINE

Nos entrelaçamentos entre as teorias de Moreno, Vygotsky e Freire, observamos que todos convidam os sujeitos a protagonizarem suas histórias de vida a fim de aprofundarem as relações e vínculos sociais, além de “se apropriarem” do conhecimento, de suas vivências, de suas histórias e significações, e compreenderem-se como indivíduos. É com essa leitura que Romaña (1985) propõe o Psicodrama Pedagógico, nomeando-o posteriormente como Pedagogia do Drama (ROMAÑA, 1996). Trata-se de uma Pedagogia que proporciona aos indivíduos a aquisição de conhecimentos de forma mais integrada, abrangendo a articulação entre corpo, mente e emoção, “de modo que eles possam desenvolver tanto a sua compreensão crítica e ativa como sua vontade transformadora” (ROMAÑA, 1985, p. 15). Essa integração do ser, como um todo, segundo a autora, contribui para que se tenha maior consciência de si mesmo e do contexto no qual está inserido.

Concordamos com Nunes e Arantes (2013) quando referem que muitos professores, mesmo com o objetivo de formar alunos conscientes e críticos, privilegiam mais os aspectos cognitivos em detrimento dos aspectos sensorial, afetivo e social, não atingindo, desse modo, o indivíduo por completo. Por essa razão, os autores sugerem que promover o homem significa torná-lo capaz de conhecer os elementos de sua situação para nela intervir, transformando-a por meio de uma ampliação da liberdade, da comunicação e da relação entre os homens, apoiando-se no Psicodrama Pedagógico para atingir esse fim.

[...] o Psicodrama Pedagógico coloca o aluno inteiro, incluindo (e principalmente) sua história pessoal - experiências e características pessoais - como ponto de partida do processo educacional. Na escola, o Psicodrama traz a realidade existencial do aluno para dentro da sala de aula e estabelece que todo e qualquer processo de aprendizagem deve ter como princípio orientador o ser humano representado pelo aluno. Assim, a prioridade não se revela só na capacidade de aprender conteúdos (conhecimentos), mas centra-se na possibilidade de desenvolvimento do aluno, de forma que este desenvolvimento pessoal dê ao processo ensino-aprendizagem, desperte interesse, curiosidade e criatividade, que aqui poderia ser entendida como confiança na sua própria capacidade de decisão, escolha e criação (FERREIRA, 1993, p. 121 apudNUNES; ARANTES, 2013, p. 118).

Ao olhar por essa ótica, entendemos que o Psicodrama Pedagógico On-line, de acordo com Marques e Gamez (2020), poderá contribuir, como metodologia, para promover a conscientização reflexivo-crítica dos sujeitos e recriar as possibilidades de uma pedagogia ativa, humanizadora, crítica e transformadora, como nos propõe Paulo Freire. Recorrendo-se aos métodos e técnicas do Psicodrama, nos moldes propostos por Moreno (1978) e Romaña (1996), buscamos formas significativas de construir conhecimentos na educação on-line para uma maior articulação entre as vivências educativas, o sentimento de pertença ao grupo, a partilha e reflexão sobre as práticas dos participantes. Apoiados nessa visão, incorporamos ao Psicodrama Pedagógico tecnologias utilizadas em contextos educacionais on-line, acreditando que os aparatos digitais permitem a democratização do ensino e do acesso à informação, podendo ser grandes aliadas nas formas de mediação do conhecimento a distância.

Com base nessas premissas e princípios, descreve-se, assim, na intersecção teórica dos autores referenciados, o Psicodrama Pedagógico On-line (MARQUES; GAMEZ, 2020), incluindo o aspecto tecnológico, na promoção das interações sociais virtuais da atividade humana.

4 MÉTODO

O estudo enquadra-se no método de pesquisa qualitativa sendo a pesquisa documental o instrumento utilizado para coleta de dados. Segundo Godoy (1995), o exame de materiais de natureza diversa, que ainda não receberam um tratamento analítico, ou que podem ser reexaminados, buscando-se novas e/ ou interpretações complementares, é denominado pesquisa documental.

Neste caso, foram analisados documentos produzidos no âmbito da disciplina de Ensino e Aprendizagem em Contextos Não-Formais, do Curso Superior de Tecnologias em Design Educacional, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), como o Plano de Ensino, o Mapa/Matriz de Design Educacional (artefato destinado ao planejamento da implementação do curso no ambiente online) e as narrativas individuais e coletivas de vivências de aprendizagem dos próprios alunos, contatadas nos fóruns de discussão, e do conhecimento produzido no decorrer da disciplina, como por exemplo as respostas às atividades propostas e registradas pelos participantes nos ambientes virtuais de ensino e aprendizagem Moodle e Plataformas para realização de webconferências .

A técnica utilizada para coleta e análise dos dados na pesquisa documental foi o procedimento de análise de conteúdo, que segundo a perspectiva de Bardin (1977) tem sido uma das técnicas mais utilizadas no âmbito das pesquisas qualitativas e que, segundo Godoy (1995), consiste em um instrumental metodológico que se pode aplicar a discursos diversos e a todas as formas de comunicação, seja qual for a natureza do seu suporte.

O objetivo desta forma de análise foi ler as intervenções dos alunos, analisar seus discursos e a partir deles tentar compreender como experimentaram o referencial apontado por Romaña (1985, 1996), como participação do corpo-movimento, da mente-reflexão, sentimentos-emoções, integração-relação com o outro e o resgate de valores.

O estudo foi dividido nas seguintes etapas: planejamento, produção de narrativas, vivência psicodramática, dramatização online e vivência de papéis, descritas a seguir

4.1 Etapa de planejamento didático

Nessa etapa, foram definidos o planejamento didático e a composição do cenário psicodramático on-line, em que se fixaram as seguintes características:

  • Composição de cenário pedagógico: baseado no princípio da espontaneidade em contexto colaborativo de ensino e aprendizagem.

  • Mediação pedagógica: a ser realizada pelo professor da disciplina, que assume o papel de diretor de cena e invoca a participação de egos-auxiliares.

  • Enredo: advindos das histórias de vida e experiências dos participantes relatadas em forma de narrativas digitais por meio das ferramentas de comunicação do ambiente virtual do curso.

  • Atores do drama: composto pelos alunos que encenam suas vivências e o professor mediador, que dirige a cena dramática.

  • Recursos cênicos: são as ferramentas utilizadas para o desenrolar das atividades, narradas pelos atores, que são os agentes do processo de aprendizagem.

O planejamento didático foi executado em três momentos diferentes com os seguintes objetivos:

  • Produzir cenários de aprendizagem a partir da vivência psicodramática de protagonismo individual em situações de conflito em contextos de ensino e aprendizagem.

  • Promover uma reflexão intrapsíquica e interpessoal por meio da vivência de uma situação on-line que simula uma sessão aberta de psicodrama grupal.

  • Entender o contexto sócio-histórico e cultural na dinâmica das situações de ensino e aprendizagem dos alunos.

  • Experienciar uma sessão real de psicodrama público.

  • Refletir sobre o desenho de cenários pedagógicos mediados e em contextos digitais.

  • Compreender o conceito de protagonismo no contexto psicodramático.

  • Vivenciar uma experiência de aprendizagem mediada.

  • Compreender estratégias de aprendizagem colaborativa.

  • Refletir acerca do papel do educador em contextos não formais.

4.2 Momento de produção de narrativas

As narrativas foram produzidas e registradas no ambiente virtual do curso a partir de um tema gerador, em que se pedia aos alunos para compartilharem e interagirem, em um fórum de discussão, relatando uma experiência de conflito individual na relação consigo mesmo e com o outro em contexto educacional, tendo como pontos relevantes para descrição da cena os seguintes subtemas:

- Quais os interlocutores presentes na situação de conflito?

- Quais as características mais marcantes de cada interlocutor? (Descrição da personalidade que mais afetou ou incomodou na situação vivida.)

- Na situação descrita, quais as limitações internas e quais as limitações do outro ou do ambiente/contexto?

- Como se colocar no lugar do outro nessa situação?

- Quais aspectos identitários devem ser preservados e respeitados em ocasiões de conflitos semelhantes? Quais poderiam ser modificados, se possível?

4.3 Momento de vivência psicodramática e eleição do protagonista

Nesta fase, os alunos foram convidados a participarem e a vivenciarem uma sessão de Psicodrama Público no Centro Cultural São Paulo. Em seguida, tendo como base as narrativas produzidas no momento 1, realizou-se uma enquete para eleger a história a ser dramatizada on-line, tendo como protagonista da dramatização o aluno que recebesse a maior votação.

4.4 Momento de dramatização on-line e vivência de papéis

Nessa fase, a história escolhida se constituiu o enredo para a dramatização, que foi desenvolvida on-line com o auxílio de ferramenta para realização de webconferência. Os alunos foram convidados a trabalharem colaborativamente, por meio da interação on-line, para reviverem e recontarem a cena. A mediação foi feita pelo professor da disciplina (que também é psicodramatista) e que assumiu a função de diretor de cena. Os personagens da história contada foram definidos e vividos pelos alunos e também por aqueles que ficaram apenas no papel de observadores. A descrição da cena se inicia com o protagonista descrevendo os elementos do cenário e os personagens passam a interagir igualmente pelo chat, “representando” os papéis da situação narrada, que era do conhecimento de todos. Os estudantes foram convidados a seguirem as orientações do diretor de cena e a vivenciarem as técnicas do Psicodrama por meio da interação on-line síncrona.

Questões éticas: Os participantes foram informados sobre a pesquisa, tendo sido consultados previamente e demonstrado interesse em sua participação. Suas identificações foram respeitadas, bem como o sigilo e a privacidade de cada um.

5 ANÁLISE DOS RESULTADOS

A análise dos resultados se deu a partir do material produzido e gravado na plataforma utilizada para realizar a sessão do Psicodrama Pedagógico On-line, que permitiu o acesso a todo o conteúdo registrado. Pelas intervenções e participações dos estudantes, tentou-se compreender a aprendizagem como um processo integrado de reflexão-ação, interação e mobilização de sentimentos, percepções e vivências da prática pedagógica na abordagem psicodramática.

A experiência foi repetida em outras turmas do mesmo curso e permitiu-nos compreender o Psicodrama Pedagógico On-line como metodologia ativa de ensino e delineá-lo a partir da convergência entre teoria e prática. Marques e Gamez (2020) sintetizam na Figura 1 a seguir os princípios encontrados como resultado dessa experiência.

Fonte: Adaptado de Marques e Gamez (2020).

Figura 1 Compreensão do Psicodrama Pedagógico na educação on-line 

5.1 Estudantes: protagonistas, centro do processo

São inúmeras as mudanças sociais e tecnológicas nas últimas décadas e, como tal, a escola vivencia um momento de adaptação perante essas mudanças. Dessarte, os estudantes não estão mais restritos a um lugar. Todos vivem conectados e imersos em informações que se transformam continuamente, relacionando-se com o mundo. Esse movimento dinâmico traz a discussão acerca do papel dos estudantes no processo de ensino e aprendizagem, com ênfase em sua posição como protagonistas e menos como meros receptores de conteúdos, ou seja, menos uma “educação bancária”, como diz Freire (1980).

Nessa perspectiva de entendimento é que se situa o Psicodrama Pedagógico On-line, como uma possibilidade de ativar a aprendizagem dos estudantes, colocando-os como protagonistas da ação, em oposição à postura passiva de observadores. Ao contrário da metodologia tradicional, a metodologia ativa busca a prática para chegar à teoria, desviando o foco do professor para o estudante, que assume a corresponsabilidade pela sua aprendizagem.

A partir de uma maior interação dos estudantes no processo de construção de suas aprendizagens, os estudantes passam a ter mais controle e participação efetiva no contexto escolar, visto que requer deles ações e construções mentais diversas.

Fica claro, assim, que esse princípio está relacionado com uma postura ativa do estudante, na qual vai exercitar sua espontaneidade e autonomia, como será explicado a seguir.

5.2 Espontaneidade e autonomia

Ao participar de práticas baseadas em metodologias ativas como o Psicodrama Pedagógico On-line, o estudante assume uma postura ativa e exerce uma atitude crítica e reflexiva sobre seu processo de ensino e aprendizagem. Consequentemente, adquire uma postura espontânea e autônoma, sendo esses princípios fundamentais atrelados a essa metodologia.

De acordo com a perspectiva de Freire (2006), um dos maiores problemas na educação é o fato de os alunos não serem estimulados a pensar autonomamente. Para atenuar esse contexto, no Psicodrama Pedagógico On-line, o professor assegura um ambiente no qual os estudantes possam reconhecer e refletir sobre suas próprias ideias e sentimentos, além de aceitar que os outros também se expressem.

Logo, é possível inferir que a postura do professor é significativa no processo de exercício da autonomia dos estudantes na medida em que mobiliza recursos motivacionais internos, faz a mediação dos conteúdos, usa a linguagem informal, reconhece e aceita as expressões de sentimentos e emoções dos estudantes.

Pautado por essa análise e reflexão, pode-se afirmar que o Psicodrama Pedagógico On-line, quando realizado com base no planejamento de situações de aprendizagem, poderá contribuir de forma significativa para o desenvolvimento da autonomia e espontaneidade dos estudantes à medida que proporciona o sentimento de pertença e coparticipação.

5.3 Inovação e problematização da realidade

No contexto escolar, inovar implica transcender a metodologia tradicional de ensino e aprendizagem, renovando, inventando ou criando metodologias. Dessa forma, o Psicodrama Pedagógico On-line, como uma metodologia ativa, exige, tanto do professor quanto do estudante, a ousadia para inovar.

Além de inovar, problematizar envolve analisar a realidade como forma de tomar consciência desse contexto em que se vive. Assim, tem-se a necessidade de o professor instigar o desejo de aprender dos estudantes por meio da problematização dos conteúdos com a ajuda da inovação em sala de aula.

É fundamental que se conheçam a realidade e o contexto social e cultural a que os estudantes e, principalmente, os conteúdos estão ligados. Nesse sentido, é essencial aliar a teoria com prática a fim de que a escola seja útil para a vida de seus estudantes, por meio da articulação dos conhecimentos construídos no contexto escolar com as possibilidades reais de aplicação prática.

Para finalizar esse entendimento, articula-se com as contribuições de Freire (2006) sobre a Pedagogia Problematizadora, que surge da premissa de que o professor e o estudante aprendem juntos em uma relação dialógica e dinâmica, possibilitando a reflexão crítica e o desenvolvimento da autonomia dos estudantes como forma de intervir em seu contexto.

5.4 Reflexão, empatia e colaboração

Três princípios fundamentais para se desenvolverem em sala de aula, favorecidos pelas metodologias ativas por meio do movimento de interação constante com os colegas e com o professor: reflexão, empatia e colaboração. A partir desse contexto, os estudantes são levados, constantemente, a refletirem sobre determinada situação, a emitirem suas opiniões, argumentarem e a se expressarem.

Cabe ao professor a tarefa de despertar nos estudantes uma atitude reflexiva, colaborativa e de empatia diante da realidade em que se encontram inseridos, preparando-os para viverem em sociedade.

Ao analisar o Psicodrama Pedagógico On-line, verifica-se que está presente, em todo o seu contexto, a empatia ao se colocar no papel do outro, vivenciar suas emoções e sentimentos; a colaboração por meio de uma aprendizagem colaborativa; e a reflexão sobre como a aprendizagem ocorre em diferentes contextos.

Portanto, compreender o conceito de protagonismo nessa metodologia é importante para que se possam desenvolver esses princípios nos estudantes.

5.5 Vivenciar sentimentos e emoções

A prática educativa tem papel fundamental na formação humana, visto que sua essência formativa é de natureza ética, por ser uma prática essencialmente humanizadora (FREIRE, 2000). Nesse contexto, a aprendizagem vai além de conteúdos e teorias, são pessoas permeadas de sentimentos e emoções que, ao vivenciá-los em sua vida escolar, os carregam pela vida.

Para potencializar a discussão acerca dos sentimentos e emoções vivenciados pelos estudantes no Psicodrama Pedagógico On-line no contexto escolar, convém mencioná-los no Quadro 1.

Quadro 1 Sentimentos e emoções expressos no Psicodrama Pedagógico On-line 

SENTIMENTOS EMOÇÕES
Gratidão
“isso foi muito marcante”
“Grato pela dramatização”
Tristeza
“ela acabou comigo (pensando)”
“(lágrimas começam a escorrer)”
Compaixão
“Também, queria pedir desculpa pela experiência tão ruim do colega. Eu acho que essas pessoas nos ensinam. O modelo negativo é tão importante quanto o positivo.”
Medo
“É que nesse momento só consegui (e só conseguiria) ficar olhando para baixo”
Empatia
“não quero mais fazer esse papel (coração palpitando)”
Raiva
“ENTÃO VOLTA PARA O SEU LUGAR E DESENHA DIREITO”
Vergonha
“queria ser engolido pelo chão”
Alegria
“(indo até a prof. cantarolando) o meu é o mais bonitooo!!!”

Fonte: Criada pelos autores (2020).

5.6 Professor: mediador, facilitador e ativador

A atuação do professor como mediador, facilitador e ativador para o ensino e aprendizagem nas metodologias ativas é fundamental para ensinar a pensar criticamente (FREIRE, 2000). Torna-se um professor crítico, desafiador e mediador, torna-se necessário provocar, desafiar e promover condições de construir, refletir, compreender, transformar, com o foco na autonomia e respeito na aprendizagem dos estudantes.

Para Schön (1995), um professor reflexivo deve ter um olhar atento para os estudantes. Além disso, necessita deixar os estudantes se expressarem e deve planejar suas aulas com base nos conhecimentos prévios dos alunos. A partir disso, o autor considera que a prática pedagógica deve ser norteada pela reflexão-ação do professor e dos estudantes.

Portanto, o professor precisa levar em conta o conhecimento dos estudantes, para, consequentemente, provocar novas aprendizagens para que elas se tornem conhecimento real e impulsionem outras aprendizagens. Assim, de acordo com Dewey (1978), é necessário aos professores habilitar os estudantes para uma participação ativa no ensino e aprendizagem.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebemos que a experiência do Psicodrama Pedagógico on-line reforça alguns princípios educacionais em que acreditamos:

  • O processo de ensino e aprendizagem na modalidade on-line deve resgatar e evidenciar o conhecimento prévio e as experiências que são propriedades do indivíduo, em um contexto humanizado que valoriza as vivências práticas como um processo de legitimação do conhecimento científico. Deve, também, incentivar o exercício da autonomia e do protagonismo a partir da participação efetiva do aluno em diferentes atividades, como leitura, pesquisa, comparação, imaginação, observação, obtenção e organização de dados, confirmação e elaboração de hipóteses, classificação, crítica, busca de suposições, interpretação, construção de sínteses e aplicação de fatos e princípios a novas situações, análise e tomadas de decisão e, por fim, o planejamento de projetos e pesquisas (SOUZA; IGLESIAS; PAZIN-FILHO, 2014).

  • A educação on-line deve permitir múltiplas possibilidades de mediação da aprendizagem, focando as estratégias pedagógicas em processos de apropriação, discussão, análise e produção de conhecimento compartilhado. Tais práticas pedagógicas podem ser enriquecidas a partir do desenho de cenários de ensino e aprendizagem on-line mais desafiadores e produtivos que evidenciem e mobilizem as demandas individuais, desejos e questões internas dos alunos, e acessar essas demandas é um desafio possível com o uso do Psicodrama Pedagógico On-line.

  • Alunos e professores, numa relação dialógica entre ensinar e aprender, devem tomar consciência de suas vivências, analisá-las e pensar criticamente sobre os impactos desta para o despertar de uma visão mais crítica, libertadora, humana, aberta, a partir de suas experiências, tendo maior consciência de si mesmo e do outro, nos contextos de ensino e aprendizagem na qual estão inseridos.

  • A educação on-line pode ser planejada de forma mais ativa, ser definida a partir de uma abordagem pedagógica que favoreça uma melhor compreensão e consciência crítica a respeito dos processos de ensino e aprendizagem, que pode resultar da confrontação de vivências individuais e coletivas no mundo real, percebidas pelos seres humanos por meio de suas práticas, facilitando assim a formação crítica e o respeito às individualidades e diversidades humanas.

  • A compreensão de si mesmo e do outro nos contextos da educação on-line permitem o alcance de empatia, e o Psicodrama Pedagógico On-line propicia experiências de observação, de representação e reconhecimento de si próprio e do outro, mediado por um professor (diretor de cena) que possibilita maior alcance de desenvolvimento da Tele, preconizada por Moreno (1978).

  • O Psicodrama Pedagógico on-line proporciona a experiência de vivências externas de mundo interno não apenas dos protagonistas, mas de todos os participantes. Estas se deflagram no ambiente virtual de aprendizagem do curso por meio de cenas dramáticas da realidade quotidiana dos envolvidos, que, ao se associarem aos contextos reais de ensino e aprendizagem, potencializam as vivências de situações mais significativas.

  • O Psicodrama Pedagógico on-line, ao se utilizar das técnicas de “espelho” e “inversão de papéis”, oportuniza atitudes de reflexão-ação que viabilizam a ressignificação das relações e o aumento da empatia. Além disso, permite impulsionar diversos processos de ensino-aprendizagem, como o despertar da criatividade, da espontaneidade e da conscientização dos indivíduos.

Concluímos com este estudo que é possível inovar na educação on-line, ao se adotarem técnicas psicodramáticas para repensar as práticas e modelos de ensino e aprendizagem a distância, utilizando-se dessa estratégia como método de ensino aplicado a esses contextos. Como metodologia de ensino, o Psicodrama Pedagógico On-line proporciona, portanto, a construção do conhecimento nos planos individual, coletivo e interpessoal, além de viabilizar uma melhor administração dos grupos de alunos, que são vistos como unidade grupal (ROMAÑA, 1985, 1996).

Considerando então a necessidade de rever os velhos modelos instrucionistas de ensino e aprendizagem, encontramos neste estudo um ponto de partida para repensar a relação pedagógica tradicional, de forma a enfatizar a prática como instrumento de legitimação do conhecimento, a partir da diversidade dos saberes individuais e grupais, como impulsos para a ação e a reflexão. Buscam-se, assim, maior ressignificação e valorização dos saberes já construídos, promovendo-se comportamentos mais reflexivos, críticos e investigativos na educação on-line.

Portanto, a aplicação efetiva do Psicodrama Pedagógico On-line possibilita aos estudantes se expressarem de forma mais atuante nos ambientes de aprendizagem, entendendo, dessa forma, que este trabalho de investigação abre um caminho bem fecundo para a vivência de práticas pedagógicas inovadoras que contribuem para configurar novos espaços de aprendizagem significativas, privilegiando-se o conhecimento intersubjetivo do trabalho em grupo na educação on-line.

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Recebido: 12 de Julho de 2019; Aceito: 19 de Março de 2020

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