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Revista e-Curriculum

versão On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.21  São Paulo  2023  Epub 15-Ago-2023

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2023v21e56874 

Artigos

Pela Não Classificação das Pedagogias Críticas e Pós-Críticas: Diálogos Provocativos com Tomaz Tadeu da Silva

For a Non-Classification of Critical and Post-Critical Pedagogies: Provocative Dialogues with Tomaz Tadeu da Silva

Por una No Clasificación de las Pedagogías Críticas y Post Críticas: Diálogos que Provocan con Tomaz Tadeu da Silva

Galdino Rodrigues de SOUSAi 
http://orcid.org/0000-0002-1097-738X

i Doutor em Educação Física pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Doutorando em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Professor do Departamento de Ciências da Educação Física e Saúde da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: galdinorodrigues@yahoo.com.br - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-1097-738X.


Resumo

Este ensaio sustenta-se na correlação de fontes bibliográficas sob uma abordagem qualitativa, sofre influência das discussões críticas e pós-críticas em suas descrições e análises. Problematizam-se renovações das pedagogias críticas da Educação que as fazem ir além de sua perspectiva inicial, com a leitura fortemente influenciada por conceitos e problematizações macroeconômicas. Com o objetivo de legitimar esse entendimento, estabelecem-se diálogos com autores referências na Educação, como Silva (2013), Moreira (1999), Apple, Au e Gandin (2011). Conclui-se pela falta de clareza no que diz respeito às fronteiras que distinguem as pedagogias críticas das pedagogias pós-críticas. Como opção potencialmente interessante nesse debate, sugere-se a discussão da não pertinência da classificação que as distingue, intensificando, assim, a luta contrapositiva às mais variadas formas de injustiças sociais.

Palavras-chave: pedagogias críticas; pedagogias pós-críticas; currículo; educação

Abstract

This essay is based on the correlation of bibliographic sources under a qualitative approach. It is influenced by critical and post-critical discussions in its descriptions and analyses. It problematizes renovations of critical pedagogies in Education that make them go beyond their initial perspective, with readings heavily influenced by macroeconomic concepts and problematizations. In order to legitimize this understanding, it establishes a dialogue with authors that are references in Education, such as Silva (2013), Moreira (1999), Apple, Au and Gandin (2011). It concludes that there is a lack of clarity with regard to the boundaries that distinguish critical pedagogies from post-critical pedagogies. As a potentially interesting option in this debate, it suggests the discussion of the non-pertinence of maintaining the classification that distinguishes them, intensifying the fight against the most varied forms of social injustice.

Keywords: critical pedagogies; post-critical pedagogies; curriculum; education

Resumen

Este ensayo se sostene en la correlación de fuentes bibliográficas a respeto de un abordaje cualitativa, sufre infuencia de las discusiones criticas y post críticas en sus descripciones y análisis. Problematiza renovaciones de las pedagogías críticas de la Educación que las hacen ir adelante de su perspectiva inicial, con una lectura fuerte influenciada por conceptos y problematizaciones de las macroeconomías. Con el objetivo de legitimar ese entendimento, se estabelece un diálogo con los autores que son referencias en la Educación, como Silva (2013), Moreira (1999), Apple, Au y Gandin (2011). Se concluye que por la falta de claridad en lo que se dice a respecto a las fronteras que distinguen las pedagogías críticas de las pedagogías post críticas. Como opción potencialmente interesante en ese debate, sugerí la discución de la no pertinencia de la manutención de la clasificación que las difieren, intensificando a lucha contrapositiva a las más distintas formas de injusticias sociales.

Palabras clave: pedagogías críticas; pedagogías post críticas; currículum; educación

1 INTRODUÇÃO

O advento das grandes agitações e das transformações sociais iniciadas a partir da década de 1960 ao longo do mundo, marcado no Brasil pela luta contra a Ditadura Militar, contribuiu para que fosse ampliada no plano educacional a busca pelo desenvolvimento da capacidade crítica e pela responsabilidade social. As pedagogias críticas ou teorias educacionais críticas, logo de início, efetuaram uma grande inversão nos fundamentos que antes eram pautados pelas pedagogias tradicionais na Educação (SILVA, 2013).

As vertentes das pedagogias críticas que se orientavam somente a partir dos referenciais marxistas ligados majoritariamente às questões de classe, apesar de sua relevância, com o passar dos anos começaram a ser alvos de questionamentos. Esses questionamentos tiveram como incentivadores o acesso e o aprofundamento de outras literaturas e discussões e, consequentemente, a percepção de suas respectivas importâncias.

Foram colocados sob suspeita muitos dos pressupostos que se faziam aparentes nessas primeiras referências críticas, por exemplo: o potencial explicativo da verdade científica; o significado de ideologia; a rigidez das identidades; a compreensão educacional e a social subordinadas à economia; o realismo forte; a busca por determinado projeto revolucionário de sociedade. Questionavam-se as condições dessas compreensões de atender as exigências do mundo contemporâneo e de contrapor às injustiças sociais neles presentes.

Esse momento “redesenhado” foi impulsionado por problematizações socioculturais postas à própria modernidade. Nessa esteira, coube a atualização das teorias pedagógicas em prol das novas experiências e das novas compreensões. Fez-se necessário, portanto, o desenvolvimento de perspectivas de pedagogias críticas que rediscutissem, (auto)criticassem e apropriassem-se de outros referenciais além do marxista ortodoxo, a partir da consideração de uma variedade de locais de lutas/justiças sociais.

As pedagogias críticas da Educação passaram a construir críticas mais diversificadas, principalmente a partir dos anos de 1990 (MOREIRA, 1999), que abarcavam diversos fenômenos político-educacionais. Apresentaram conceitos que tratavam da dominação cultural - como feminismo e raça; aproximaram-se dos estudos culturais, do pensamento pós-moderno (crítico a modernidade) e das filosofias pós-estruturalistas.

A eminência de perspectivas pedagógicas pós-críticas ou teorias educacionais pós-críticas, nas últimas décadas, têm apresentado ao campo da Educação compreensões de pedagogias críticas limitadas às análises macroeconômicas, restritas a elas, que desconsideram as renovações até aqui anunciadas. Essas análises da suposta impossibilidade de as pedagogias críticas renovarem-se possibilitam que as pedagogias pós-críticas se apresentem como capazes dessa “renovação”. Nesse objetivo, “incorporam” conceitos como identidade, gênero, diferença, etnia e, também, tendências como o pós-estruturalismo e o pós-modernismo, colocando-se como aquelas perspectivas pedagógicas que pautam o debate da diferença.

As pedagogias pós-críticas, portanto, apresentam-se como a continuidade das pedagogias críticas, sua ampliação conceitual, política e epistemológica, assinalando, por vezes, “[...] o fim da pedagogia crítica e o começo da pedagogia pós-crítica” (SILVA, 2013, p. 115). Silva, por meio do livro Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo, publicado pela primeira vez no ano de 1999, é quem consolida as pedagogias pós-críticas e suas distinções das pedagogias críticas no Brasil. As pedagogias críticas, diante desse cenário, veem-se de fato em crise. Já se encontraram em crise outrora, quando se depararam com as mudanças globais e se ampliaram, com as críticas à modernidade e a elas próprias, pautando sua necessidade de renovação (PINAR et al.,1995). Agora, a crise ocorre justamente pela acusação de sua não renovação e estagnação.

Entendemos, diante do exposto, que são perceptíveis diversas renovações das pedagogias críticas da Educação que as fazem “ir além” daquela sua perspectiva inicial, com a leitura fortemente influenciada pela macroeconomia e pelo que estamos chamando aqui de marxismo ortodoxo, sempre destacada como única por aqueles que defendem as pedagogias pós-críticas. É objetivo deste artigo problematizar essas questões sobre renovações das pedagogias críticas da Educação, inclusive e no tensionamento com o que Silva (2013) apresenta. Esse exercício pode nos ajudar a ter mais percepções de nossas práticas profissionais educacionais e também das possibilidades de orientá-las a partir das mais variadas formas de combate às injustiças sociais, vindo a demonstrar quão infrutífera é a distinção entre pedagogias pós-críticas e pedagogias críticas.

2 O QUE TÊM SIDO AS PEDAGOGIAS PÓS-CRÍTICAS E O QUE ELAS DIZEM?

Toma-se aqui como principal referência de problematização o livro Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo, de Tomaz Tadeu da Silva, obra responsável por disseminar na Educação brasileira a compreensão de teoria educacional pós-crítica e suas distinções da teoria educacional crítica (BRACHT; ALMEIDA, 2019; NEIRA; NUNES, 2020). Na leitura de Silva (2013), as teorias educacionais críticas configuram-se em diversos lugares do mundo, principalmente a partir da década de 1960, com base nos movimentos de contestação das estruturas sociais relativas às formas dominantes de conhecimento - teorias tradicionais - e de organização social.

A década de 1960 é percebida por Silva (2013) como aquela que ficou marcada pelas grandes agitações e transformações sociais em busca de independência. Foi assim no movimento das antigas colônias europeias, nos protestos estudantis da França, na continuação dos movimentos dos direitos civis dos Estados Unidos, nos protestos contra a guerra do Vietnã, nos movimentos contraculturais, no movimento feminista e na busca pela liberação sexual. O início das teorias educacionais críticas, segundo o autor, é reflexo desse processo de busca da renovação teórica e pedagógica da educação, influenciando principalmente o currículo, local considerado como de organização e de disputa pelo conhecimento que deve ser trabalhado nas escolas.

No Brasil, a principal influência do surgimento das teorias educacionais críticas foi a contestação da Ditadura Militar. Buscou-se, a partir desse movimento, questionar as formas dominantes de conhecimento e a organização social autoritária que majorava o País naquela época. Duas vertentes críticas em especial sugeriram novos caminhos à educação nacional: uma primeira ligada à teoria crítica social, referenciada em Saviani e Libâneo; e uma segunda associada à teoria da educação popular de Paulo Freire. As teorias educacionais críticas demarcaram uma ruptura paradigmática com as teorias educacionais até então majoritárias, as tradicionais.

Com a pretensão de estabelecer fronteiras entre as teorias educacionais críticas e pós-críticas, Silva (2013), em um primeiro momento, leva-nos a entender que o prefixo “pós” não demarca a superação da crítica - apenas um ir além -, outrora, que “o pós-modernismo assinala o fim da pedagogia crítica e o começo da pedagogia pós-crítica” (SILVA, 2013, p. 115). Nesse ínterim, Silva (2013) fixa a compreensão/identidade das teorias educacionais críticas nos conceitos de classe social, ideologia, reprodução cultural/social, capitalismo, emancipação/libertação e relações sociais de produção. Por conseguinte, o autor demarca a própria orientação político-epistemológica do que chama de teorias educacionais pós-críticas e a busca de seu “ir além” com relação às teorias educacionais críticas ou de sua “superação”.

Quadro 1 Diferentes teorias do currículo e seus conceitos segundo Silva (2013

TEORIAS DO CURRÍCULO
Teorias tradicionais Teorias críticas Teorias pós-críticas
Ensino
Aprendizagem
Avaliação
Metodologia
Didática
Organização
Planejamento
Eficiência
Objetivos
Ideologia
Reprodução cultural e social
Poder
Classe social
Capitalismo
Relações sociais de produção
Conscientização
Emancipação e libertação
Currículo oculto
Resistência
Identidade, alteridade, diferença;
Subjetividade
Significação e discurso
Saber-poder
Representação
Cultura
Gênero, raça, etnia, sexualidade;
Multiculturalismo

Fonte: Adaptado pelo autor a partir do livro Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo (SILVA, 2013).

As teorias pós-críticas passam a ser as “detentoras” dos conceitos de etnia, cultura, gênero e outros, como identidade, diferença, subjetividade e multiculturalismo; e, ainda, como faz-se perceptível no corpo do livro, as próprias representantes “pedagógicas” do pós-modernismo, do pós-estruturalismo e do pós-culturalismo, como se as teorias educacionais críticas fossem incapazes de dialogar com todos esses.

Nos anos de 1990, por exemplo, Moreira (1999) ponderou que foram problematizadas pelas pedagogias críticas contribuições de estudos feministas, estudos de raça, estudos culturais e do pensamento pós-moderno e pós-estruturalista. Em nossa compreensão, esse entendimento de Moreira (1999), como veremos com mais profundidade no próximo tópico, apresenta uma possível justificativa para Silva (2013) ter analisado/problematizado somente obras datadas até o ano de 1979 como marcos fundamentais das teorias educacionais críticas, como enfatiza Sousa (2020) em sua tese de doutorado:

1970 - Paulo Freire, A pedagogia do oprimido.

1970 - Louis Althusser, A ideologia e os aparelhos ideológicos de estado.

1970 - Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, A reprodução.

1971 - Baudelot e Estabiet, L'école capitaliste en France.

1971 - Basil Bernstein, Class, codes and control, v. 1.

1971 - Michael Young, Knowledge and control: new directions for the sociology of education.

1976 - Samuel Bowles e Herbert Gintis, Schooling in capitalist America.

1976 - William Pinar e Madeleine Grumet, Toward a poor curriculum.

1979 - Michael Apple, Ideologia e currículo.

Trata-se do que Silva (2013) chama de uma breve cronologia dos marcos fundamentais, tanto das teorias educacionais críticas mais gerais quanto das teorias críticas sobre currículo. Partindo desse entendimento do autor, podemos concluir que, para ele, a partir dos anos de 1980, não foi elaborada nenhuma produção crítica fundamental, afinal o livro Documentos de identidade foi lançado no ano de 1999. A compreensão de pedagogia crítica expressa na obra e que baliza as críticas realizadas pelo “pós-crítico”, portanto, possui um espaçotemporal considerável, especificamente 20 anos.

Ao fazer isso, Silva (2013) consegue fixar a compreensão/identidade das teorias educacionais críticas aos conceitos de classe social, ideologia, reprodução cultural/social, capitalismo, emancipação/libertação e relações sociais de produção - ainda que com ressalvas. Alguns autores e suas respectivas obras (citadas como pertencentes às teorias educacionais críticas pelo autor), mesmo nos anos de 1970 e início dos anos de 1980, apresentam análises e enfatizam conceitos que, de acordo com o quadro conceitual de estruturação das grandes teorias (SILVA, 2013), seriam pertencentes/marcadores às teorias pós-críticas.

Bourdieu e Passeron em A reprodução (1975), por exemplo, questionavam a ausência das culturas dos dominados nas escolas. Os reconceptualistas, segundo Silva (2013), em suas palavras, dissolveram-se no pós-estruturalismo, no feminismo e nos estudos culturais. A Nova Sociologia da Educação e o próprio Paulo Freire na obra Pedagogia do oprimido (1970) problematizaram as tradições culturais e epistemológicas dos grupos subordinados e desafiaram a hierarquização dos saberes. Apple, em Ideologia e currículo, apresentou preocupações com as relações de gênero e raça. No próximo tópico, abordaremos essas questões com mais detalhes, mas por ora evidenciaremos outro ponto polêmico (APPLE, 2006).

Nessa esteira, Lopes e Macedo (2011) e Lopes (2013), por exemplo, afirmam que cada vez mais o pensamento crítico é interpelado por reflexões que, por vezes, são consideradas pós-críticas. As autoras citam ainda que o tempo em que vivemos é responsável por esse movimento:

Um tempo de fim das utopias e das certezas, de desmoronamento da ideia de verdade centrada na prova empírica, na objetividade, na natureza ou na evidência matemática. Um tempo de explosão das demandas particulares e das lutas da diferença, de aceleração das trocas culturais e dos fluxos globais, de compressão espaçotemporal (LOPES; MACEDO, 2011, p. 8).

O próprio Silva evidencia essa possibilidade de relação entre teorias educacionais críticas e “novos” conceitos e horizontes em um clássico livro que organizou ainda em 1993, Teoria educacional crítica em tempos pós-modernos. Nessa obra, oito ensaios assinados por autores internacionais renomados - entre eles Peter Mclaren e Henry Giroux - reúnem um mapeamento de como diferentes questões do contemporâneo afetam o próprio pensamento crítico em educação. Autores como Barthes, Lyotard, Foucault, Derrida e Baudrillard, amplamente considerados no debate “pós”, são citados para problematizar o que no livro convencionou-se chamar de teorias educacionais críticas pós-modernas ou teorias críticas educacionais em tempos pós-modernos.

Outro ponto questionável está nessa forma linear com que Silva (2013) constrói sua compreensão teórica curricular. Ele a desenvolve como se existisse uma linha do tempo estável demarcando um caminho evolutivo entre as teorias educacionais tradicionais, críticas e pós-críticas. Em um primeiro movimento, as teorias críticas seriam responsáveis por questionar as teorias educacionais tradicionais; em um segundo movimento, às teorias educacionais pós-críticas caberia questionar as teorias educacionais críticas. Sabemos que a complexidade da realidade não permite isso.

Mesmo respeitando toda a história de Silva na discussão do currículo, em nossa leitura o autor (SILVA, 2013) estabelece uma compreensão aparentemente gradual, a qual se desenvolve, a princípio, com um centro administrativo que apresenta um caminho trilhado por uma teoria educacional “ingênua” e, portanto, presumivelmente neutra (tradicional). Posteriormente, emerge uma teoria um pouco mais compreensiva do social, com boas intenções, todavia limitada teoricamente (crítica). Por fim, o autor alcança uma teoria que, em tese, leva-nos a problematizações pedagógicas mais importantes e mais contemporâneas (pós-crítica), por isso vista como aquela que vai além, ou que demarca uma etapa posterior.

Compreendemos, portanto, que as pedagogias críticas ao longo dos anos estabeleceram um olhar de profundo interesse pelas tendências e pelos conceitos definidos por Silva (2013) como pós-críticos, tendo como intuito o combate às injustiças sociais, a transformação e a valorização social. Com o fito de explorarmos mais esses elementos, dialogaremos com a produção crítica das pedagogias críticas da educação que extrapolam o mapeamento realizado por Silva (2013).

No próximo tópico, problematizaremos as pedagogias críticas e algumas de suas produções ao longo de sua história e, especialmente, entre os anos de 1980 e 1990, considerando que, em nosso entendimento, fundamentado em Moreira (1999), a não consideração das produções desse período por Silva (2013) traz prejuízos às descrições das pedagogias críticas. Tais prejuízos postos às pedagogias críticas ampliam-se a partir dos anos de 1990, como demonstraremos no tópico quatro, e em razão da expressividade da obra de Silva (2013), gerando distanciamentos questionáveis do que seriam as pedagogias pós-críticas.

3 PEDAGOGIAS CRÍTICAS, EXCURSOS SOBRE A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO E A NÃO LIMITAÇÃO ÀS DISCUSSÕES ECONÔMICAS DE PODER

Apple, Au e Gandin (2011) afirmam que as pedagogias críticas buscam expor o modo como as relações de poder e desigualdade (social, cultural e econômica) manifestam-se e são postas em questão da educação formal e informal das crianças e dos adultos. As raízes das pedagogias críticas, para esses autores, remetem a projetos que colocavam em questão as relações sociais existentes e as estruturas de poder, levantando críticas substanciais sobre raça, classe e relações de gênero, além de oferecem alternativas para as formas educacionais existentes.

Exemplificando esses projetos que subsidiaram as pedagogias críticas, Apple, Au e Gandin (2011) citam a tradição das comunidades afro-americana e afro-caribenha, do final do século XIX, que se envolviam em lutas relativas ao objeto da Educação dos negros nos Estados Unidos e no Caribe, considerando, especialmente, o contexto pós-escravidão e o racismo institucional. Outro exemplo de atividade contra-hegemônica, desta feita organizado em torno de questões de raça e classe, vem do Harlem Committe for Better Schools (HCBS). Em Nova York, entre 1935 e 1950, associações de pais, igrejas e grupos de professores uniram-se para forçar a melhoria das escolas do Harlem e deram respostas ao que Woodson (1933/1990) chamou de “deseducação do negro” nos Estados Unidos. Para Apple, Au e Gandin (2011), essas são características principais da ação educacional crítica em sua melhor forma.

Mobilizações similares às apresentadas no parágrafo anterior podem ser percebidas em dinâmicas igualmente opressivas que envolvem questões de gênero e classe. Apple, Au e Gandin (2011, p. 17) afirmam que “[...] tem havido uma longa tradição de análises críticas na educação e ações feministas sobre a educação em várias nações do mundo”. Nos Estados Unidos, várias mulheres, como Grace Stahan, em Nova York, e Margareth Haley, em Chicago, assumiram destaque de liderança nas organizações de professores em prol da melhoria das condições de trabalho (APPLE, 1989). Kate Ames, em 1908, desafiou a Associação de Professores do sexo masculino da Califórnia, lutando contra a imposição do patriarcado nas estruturas organizacionais e de pagamento. Essas lutas, nos Estados Unidos, na Inglaterra e em outros locais (APPLE, 1989), incentivaram e foram modelos para uma organização que abrangia questões de classe e de gênero juntas.

O que se percebe é que a questão de classe aparece como crucial, entretanto não como única nas pedagogias críticas. Na Inglaterra e no País de Gales, segundo Apple, Au e Gandin (2011), ao final do século XIX e no início do século XX, as lutas pelas políticas e pelas práticas educacionais socialistas eram bastante evidentes. Nos Estados Unidos, entre 1909 e 1911, mais de 100 diretores de escolas socialistas foram eleitos para distritos escolares do país. Entre 1900 e 1920, os ativistas socialistas de mais de 100 escolas dominicais de língua inglesa em 20 Estados também acompanharam esse movimento. Essas escolas representavam respostas classistas da comunidade crítica à educação pública dos Estados Unidos, embora não fossem parte do sistema escolar público. Esses tipos de respostas se espalharam pela Inglaterra, pelo País de Gales e também pela América Latina.

Outras formas de organizações contra-hegemônicas, dessa vez com viés anticolonialista, são destacadas na Coreia do Sul, durante o século XX. Nesse país, criaram-se escolas noturnas para que houvesse contraposição aos esforços de colonização dos ocupantes japoneses. Esses esforços ganharam continuidade por meio dos Sindicatos dos Professores coreanos, que criaram currículos e modelos de ensino baseados em princípios democráticos críticos. Tendências próximas a essa aconteceram na Turquia, onde se buscou uma pedagogia mais culturalmente responsiva e crítica às políticas neoliberais de educação e da economia. Tanto a experiência da Coreia do Sul quanto a da Turquia tiveram que enfrentar repressões de seus respectivos governos (APPLE; AU; GANDIN, 2011).

Esse panorama constitui um conjunto de exemplos e esforços de grupos subalternos em prol de desafiar a cultura hegemônica na educação, esforços que se espalharam ao redor do mundo, além de caracterizar brevemente a educação crítica no processo de envolvimento de ações políticas e culturais abertas. Outro ponto que retrata esse panorama está disposto em pesquisas que documentam forças hegemônicas nas escolas e caminhos para questioná-las (APPLE; AU; GANDIN, 2011).

A segunda metade dos anos de 1970, para esses autores que nos subsidiam nesta parte do texto, foi fundamental para o desenvolvimento das análises críticas na educação, particularmente aquelas que enfatizavam o modo como as estruturas sociais, culturais e econômicas relacionavam-se com as organizações escolares. O enfoque central crítico, como apresentou Silva (2013), foi aquele que direcionava suas análises para a reprodução social e cultural. Um dos aspectos teóricos evidenciados nessa fase das pedagogias críticas ocorreu no estabelecimento da relevância contemporânea das análises marxistas das escolas e da educação. Outro destaque encontra-se no impulso que tais problematizações promoveram para que os pesquisadores críticos se aprofundassem em suas análises da reprodução cultural e ideológica da escolarização.

Quanto aos enfoques teóricos dessa primeira fase, no Brasil, ganharam relevo na Educação os trabalhos desenvolvidos por Dermeval Saviani com a Pedagogia Histórico-Crítica (PHC). A PHC, no âmbito da construção das pedagogias críticas da Educação e da Educação Física, foi uma referência muito importante. Essa proposta se estruturou como alternativa, de um lado, às teorias não críticas, e, de outro, às crítico-reprodutivistas. Tal movimento apresentado por Saviani, a nosso ver, em muito se aproxima daquele traçado por Silva (2013), que visa apontar alternativas às teorias educacionais tradicionais e às teorias educacionais críticas, via teorias educacionais pós-críticas, e o processo do “ir além” de modo remissivo faz-se presente em ambas as propostas.

Quanto ao impulso tomado pelos autores críticos para superarem suas próprias análises críticas, podemos perceber ampliações concernentes à relação entre classes sociais e a escola, ocasião em que questões de gênero e raça ganham destaques. Apple, Au, Gandin (2011), assim como nós, percebem essas últimas questões nas pedagogias críticas de Bernstein e Bourdieu, por exemplo. Para os autores, nesse momento, as influências francesas e britânicas começavam a se fazer presentes, de forma crescente, na relação entre cultura, instituições sociais e educação.

Nessa linha, a mobilização e os movimentos feministas e das populações racializadas, por exemplo, desafiaram diretamente o trabalho crítico. Em 1988, destacam Apple, Au e Gandin (2011) que McCarthy e Apple defenderam uma moldura paralela “não sincrônica” para a compreensão das questões de raça, classe e gênero, uma moldura que reconhecia as interações intensas e contraditórias no âmbito das várias dinâmicas de exploração e dominação, o que pedia que os educadores críticos fossem menos redutores em seus pressupostos. Argumentou-se, por exemplo, que a desigualdade racial não poderia ser somente reduzida à desigualdade econômica.

O que se almejou neste tópico e naquele que o antecedeu não foi descredibilizar o trabalho de Silva (2013), afinal, a admiração pelo seu trabalho é tamanha que é dedicada uma parcela considerável de nossas vidas de pesquisadores/professores às teses desenvolvidas por ele. Objetivou-se neste tópico, assim como nos próximos, apenas questionar “os limites” ou o que entendemos como identidades prefixadas das teorias educacionais críticas, ou as fronteiras entre pedagogias críticas e pós-críticas. Também se busca demonstrar que, no entendimento que aqui majora, as teorias educacionais pós-críticas dialogam com as teorias educacionais críticas, uma vez que estas não se fecham para as problematizações de tendências tidas como “pós” e para os conceitos (auto)denominados “pós”.

4 A CRISE DAS PEDAGOGIAS CRÍTICAS... AMPLIAÇÕES E (NOVAS) REPRESENTAÇÕES A PARTIR DOS ANOS DE 1990

Para reafirmar nosso posicionamento, no qual não são atribuídas às pedagogias críticas determinadas problematizações de questões, conceitos e tendências que Silva (2013) caracterizaria como pós-críticas, dialogamos agora especialmente com Moreira (1999). Moreira (1999, p. 14), assim como outros autores, assume a compreensão da existência de uma crise da teoria curricular que afeta especialmente a teoria crítica nos anos de 1990:

Campos, pessoas, ideias, problemas, teorias e métodos se modificam de modo não linear, em velocidades que variam e são avaliadas distintamente conforme as circunstâncias e os agentes sociais envolvidos no processo. Em meio a essas mudanças, rupturas ocorrem, tradições se deslocam e se reagrupam em novas problemáticas (APPLE, 1996). Em meio a essas rupturas, contradições podem se acentuar e campos ou tendências que os compõem são apontados como em crise. No campo do currículo, é o discurso crítico que, por sua abrangência e sua criticidade, mais vulnerável se torna à situação de crise.

Apesar de Moreira (1999) assumir a compreensão da existência de uma crise da teoria curricular crítica, para o autor, ao contrário do que se via, a abrangência do discurso crítico foi um dos principais fatores responsáveis por sua crise. O estudioso cita que no pensamento americano, por exemplo, Pinar et al. (1995) compreendiam que a própria ampliação dos interesses e das categorias do discurso crítico teriam desencadeado a crise. Diziam eles, segundo Moreira (1999), que ao corpo conceitual da teoria crítica, que tinha em sua base as noções de reprodução, resistência, hegemonia e ideologia, acrescentaram-se inconsistentemente questões de raça e gênero e, posteriormente, princípios de outros aportes. Nessa análise, o que teria desencadeado a crise exponencial na teoria educacional crítica seria justamente ela ter feito o que é acusada por Silva (2013) de não ter feito.

Como preocupação dominante - não única como já observamos - até os anos de 1980, limite temporal das análises de Silva (2013), Moreira (1999) identifica de fato a questão dos conteúdos curriculares nas teorias críticas, sintetizada em uma discordância radical dos conteúdos que eram até então ensinados e dos métodos empregados. Entretanto, em pouco tempo, essa discussão cedeu espaço a outras sob a emergência das sociologias do currículo inglesa e americana. Os artigos e os trabalhos publicados a partir de 1990, por exemplo, expressam cada vez mais a necessidade de se considerar a cultura do aluno no processo de seleção do conteúdo.

As influências teóricas pós-anos de 1990 diversificam-se mais, expressando uma densidade teórica cada vez maior, refletindo, inclusive, na multirreferencialidade dos estudos das teorias críticas. O número de livros dessa temática, principalmente aqueles que versavam a respeito do currículo, aumenta consideravelmente. Autores associados à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) incorporam o pensamento pós-estrutural em seus trabalhos, influenciados principalmente por Foucault, Derrida, Deleuze, Guatarri e pelos estudos culturais das análises críticas na Educação. Paralelamente, são citados Apple, Young, Giroux, Forquin, Habermas e Bachelard.

Na produção das teorias críticas americanas, Giroux, McLaren, Popkewitz e Cherryholmes são lembrados por Moreira (1999) como autores que buscaram incorporar o pensamento pós-moderno, pós-estrutural e dos estudos culturais. Eles dão continuidade ao movimento caracterizado como reconceptualista, o qual apresenta as raízes do movimento teórico-crítico do currículo americano. A trajetória dessa teorização caracteriza-se por quatro fases. Na primeira fase, que vai da década de 1970 à de 1980, Moreira (1999) enfatiza que a categoria classe deixa de receber prioridade antecipada e passa a integrar a matriz analítica composta também por outras duas dinâmicas sociais - gênero e raça - e três esferas - cultura, economia e política. Aos pesquisadores cabe compreender como tais dinâmicas e esferas inter-relacionam-se no currículo e na escola.

A inclusão de gênero e raça nessa matriz apresenta um olhar além da agenda neomarxista ortodoxa, o que, por vezes, foi motivo de questionamento. Representa, entretanto, uma proposta de teoria que se abrange com a intenção de contemplar o que de fato preocupa a sociedade em curso. A dinâmica social cambiante estimula essas reformulações teóricas nas pedagogias críticas, inclusive por meio da interpretação de movimentos sociais. Moreira (1999) compreende ainda que, na medida em que as pedagogias críticas aprofundam-se na preocupação com a influência de raça e gênero, acentua-se o foco nas contradições, nos conflitos e nas resistências que ocorrem no encontro pedagógico.

Na segunda fase, as interpretações conferem lugar de destaque aos atores sociais, acentuando que o processo de reprodução não se dá sem a participação ativa e reativa deles. Ganham destaque as relações de poder, conflitos e alianças na busca pela compreensão do que a escola faz na sociedade capitalista. Em uma terceira fase, deixa-se de compreender sob tensão e contradição as experiências simultâneas dos indivíduos com as múltiplas relações de poder e opressão, gênero e raça. Apple, por exemplo, passa a explorar as questões de gênero (APPLE, 1989) e de raça (MCCARTHY; APPLE, 1988), redirecionando seu trabalho que antes focava a reprodução, a resistência e o Estado.

Esses avanços provocados pela primeira, segunda e terceira fases forma influência para uma quarta fase que se iniciou na virada dos anos de 1990. Percebe-se a continuidade das críticas, das influências, das problemáticas, das discussões já anunciadas nas etapas anteriores (MOREIRA, 1999). O neomarxismo e a Escola de Frankfurt passam a receber duras críticas e também a ter, inclusive, sua utilidade questionada na compreensão do processo curricular. O pós-estruturalismo, os estudos de gênero, a psicanálise, os estudos ambientais, os estudos culturais e os estudos de raça contribuem para uma nova roupagem da teoria curricular crítica.

Giroux e McLaren, mantendo a coerência de renovação da teoria crítica, incorporaram “novos” temas e princípios. Esses temas fazem referência à desconstrução, à textualidade, às diferenças, às narrativas locais, à produção simbólica, à cultura popular, às identidades sociais e aos excluídos. São redimensionadas categorias até então não empregadas e rejeitados os dogmatismos teóricos. O ponto de vista que emerge é o de que nenhuma teoria ou pedagogia é inquestionável; que nenhuma teoria dá conta da realidade como um todo, o que sinaliza a necessidade de revisões, ampliações e flexibilizações, algo próximo ao pós-moderno (MOREIRA, 1999).

Apple (1992), por sua vez, faz questão de sinalizar que constrói uma teorização pedagógica crítica, toma cuidado na adoção do prefixo “pós”. Ele recusa, consequentemente, a ascensão da leitura do mundo como um texto, sob o argumento de que, com ela, secundariza-se a materialidade da realidade social e das relações de classe/gênero/raça, e estimula a compreensão de que mudanças no discurso são capazes de transformar a realidade. O autor reconhece que as relações de classe não conseguem explicar as dinâmicas das relações de poder e dominação como um todo, entretanto defende o não abandono da categoria classe social (APPLE, 1992).

Nessa linha de pensamento, associam-se elementos de análises neogramscianas com elementos de análises pós-estruturalistas, cujo objetivo é pensar políticas educacionais. Também são unidas questões neogramscianas focadas no Estado, na formação de blocos hegemônicos, nas novas alianças sociais e na produção de consentimento, com questões voltadas para a localidade e a formação de identidade (APPLE; OLIVER, 1995). Autores renomados da pedagogia crítica americana, como Apple, e alguns brasileiros, como Freire, não se furtam a ir além de suas primeiras análises e estendê-las de modo a incluir temáticas e categorias tidas como pós-modernas, mesmo que com certos cuidados como citado acima. Isso nos sugere mais uma vez certo equívoco de Silva (2013) ao colocar como critério de análise da pedagogia crítica as primeiras obras dos autores analisados.

Ainda a respeito dessa quarta fase da teoria crítica, é possível verificar, por exemplo, Foucault contribuindo para a compreensão das relações entre currículo, poder e identidade social. Suas noções de discurso, de saber-poder e de disciplinaridade são úteis para a percepção de como o poder abraça o currículo e as constituições dos saberes pedagógicos (SILVA, 1996; SANTOS, 1993; VEIGA-NETO, 1994). Os estudos culturais também interferem nessa fase, ampliando as compreensões das relações entre cultura, pedagogia e currículo, e os trabalhos de Giroux o revelam, por vezes, problematizando filmes (GIROUX, 1995a; 1995b, 1996). Os estudos culturais oxigenam o direito à diferença, dando relevância às vozes dos grupos oprimidos, em especial no currículo, em uma perspectiva multicultural. Sugere-se, assim, identificar as relações de poder entre diferentes culturas e sensibilizar para transformar o status quo (SANTOS, 1996; MCLAREN, 1996; SILVA, 1996).

As teorias críticas, ao “incorporarem” as críticas feitas à modernidade e a seu potencial - diante das noções de ciência, história, verdade, mundo -, renovaram-se. Elas demonstraram ainda que o que construiu suas origens, como o neomarxismo, continua útil, bem como que o pós-estruturalismo e os estudos culturais também o são, e que podem dialogar. Desse modo, é assumido um compromisso com a emancipação, essa no sentido de um projeto educativo que recupere a capacidade do espanto e da indignação com injustiças sociais e busque superá-las, assim como sugere Lather (1998).

Além disso, as teorias críticas voltaram-se para questões locais, vivenciadas de formas mais específicas e por sujeitos e grupos específicos. Esse olhar materializado alinha-se com análises pós-estruturalistas, contemplando as múltiplas vozes excluídas em meio à desigualdade. No que diz respeito à ciência, o novo alinhamento permitiu que as pedagogias críticas fossem afetadas pelas concepções de ciências, no plural, concebendo outros sujeitos, outras verdades, histórias e mundos. Grandes narrativas, por exemplo, têm seu potencial explicativo reduzido, abrindo espaço para as pequenas narrativas e histórias de vida, ou seja, para a flexibilidade do pensamento pós-moderno (MOREIRA, 1999).

Nessa esteira, faz-se perceptível que as características das pedagogias pós-críticas, reveladas por Silva (2013), não mais apresentam diferenças aparentemente consideráveis quanto às pedagogias críticas. Manter certa busca por “originalidade” tem significado ganhos privados e perdas coletivas. Sendo assim, por que, então, prosseguir com essas definições? Elas fazem “tomar forma” certa “realidade incentivada” do entendimento de que as pedagogias críticas estão démodé. Essa “realidade projetada” precisa ser contraposta e cabe às pedagogias pós-críticas certa autocrítica nesse sentido, inclusive, em um viés de coerência, reafirmando que é impossível o “acesso ao real” ou a verdade única. Parece ser característica comum das descrições das pedagogias críticas, pelos pós-críticos, certa identidade fixada e “antiquada”, o que foi demonstrado, a partir “da letra” dos textos analisados, não procedente.

Coloca-se como uma opção potencialmente interessante no debate político epistemológico das pedagogias críticas e pedagogias pós-críticas a discussão da pertinência da manutenção da classificação que as distingue. Essa classificação, em vez de fortalecer e qualificar o debate, oferece falsas polarizações entre críticos e pós-críticos, produzindo novos mal-entendidos, novos mal-estares, avaliações frágeis e, com isso, despontencializa as possibilidades de contraposições às injustiças sociais, sejam elas de classe, gênero, raça, etnia ou cultura. As forças das pedagogias críticas e pós-críticas, que poderiam se somar em prol desses fenômenos que afetam ambas e que afetam, especialmente, a sociedade e as escolas são fragilizadas.

Consideramos, portanto, essas distinções não mais pertinentes para as propostas pedagógicas “anti-injustiças sociais” do contemporâneo. Entendemos que tanto as pedagogias críticas quanto as pedagogias pós-críticas não se bastam por si sós para “esgotar” e/ou solucionar a complexidade do tema das injustiças sociais na Educação. Não nos parece possível “enquadrar”, literalmente, e/ou caracterizar claramente o que sejam as pedagogias críticas e as pedagogias pós-críticas. Percebemos que as fronteiras são sempre cambiantes e que elas se aproximam em diversas problematizações, relações com conceitos, tendências/perspectivas e referências autorais. Em última instância, se somadas em um único teto, guardados os devidos espaços para as diferenças, teriam seu potencial contrapositivo-crítico potencializado no plano pragmático. Compreendemos que mais importante que classificação são as potencialidades pedagógicas dos estudos e dos autores que circulam e fundamentam esse debate político-epistemológico, na linha do que apresentam.

5 CONCLUSÃO

Diante do que foi proposto, este artigo problematizou algumas questões sobre renovações das pedagogias críticas da Educação que as fazem, de certa forma “ir além” de sua perspectiva inicial, com a leitura fortemente influenciada por conceitos e problematizações macroeconômicas. Com o objetivo de legitimar esse entendimento, estabelecemos, inicialmente, uma interpretação dos conceitos de pedagogia crítica e pós-crítica na obra de Silva (2013), que delineou o restante do trabalho. As reflexões desenvolvidas por ora ocorreram de modo a apresentar questões acerca da classificação de pedagogias críticas operadas pelo autor em tela. Ainda, tivemos como intuito, desde já, demonstrar a possível aproximação entre pedagogias críticas e “novos conceitos” direcionados às pedagogias pós-críticas e a aproximação entre pedagogias críticas e pedagogias pós-críticas.

Nesse ínterim, nos tópicos sequentes, desenvolvemos a compreensão de renovação constante das pedagogias críticas de acordo com os dilemas sociais ao longo da história, destacando, especialmente, as décadas de 1980 e 1990. Com Apple, Au e Gandin (2011), tentamos demonstrar como as pedagogias críticas dialogam com as mais variadas relações de poder e desigualdades, entre elas sociais, culturais e econômicas, e, consequentemente, levantando críticas substanciais sobre raça, classe e relações de gênero, além de oferecer alternativas para as formas educacionais existentes. Com Moreira (1999), percebemos que a crise das pedagogias críticas não se deu por sua limitação à discussão economicista, mas pela abrangência de seu discurso e de suas problematizações.

Segundo Moreira (1999), ao corpo conceitual da teoria crítica, que tinha em sua base as noções de reprodução, resistência, hegemonia e ideologia, acrescentaram-se questões de raça e gênero e, posteriormente, princípios de outros aportes. Nessa análise, o que teria desencadeado a crise exponencial na teoria educacional crítica seria justamente ela ter feito o que é acusada por Silva (2013) de não ter feito. A inclusão de gênero e raça nessa matriz, por exemplo, apresenta um olhar além da agenda neomarxista estrutural, o que, por vezes, foi motivo de questionamento. Moreira (1999) compreende ainda que, na medida em que as pedagogias críticas se aprofundam na preocupação com a influência de raça e gênero, por exemplo, acentua-se o foco nas contradições, nos conflitos e nas resistências que ocorrem no encontro pedagógico.

Por fim, mas sem a pretensão de estabelecer uma finalização do assunto, afirmamos que a classificação que opõe pedagogias críticas e pós-críticas constrange e limita o pluralismo teórico-pedagógico que se mostra combativo às injustiças sociais. Essa classificação, em vez de fortalecer e qualificar o debate, oferece polarizações duvidosas entre críticos e pós-críticos, produzindo novos mal-entendidos, novos mal-estares e, por conseguinte, despontencializa as possibilidades de contraposições às injustiças sociais, sejam elas de classe, gênero, raça, etnia ou cultura. As forças das pedagogias críticas e pós-críticas, que poderiam se somar em prol desses fenômenos que afetam ambas, respeitando e fomentando sempre as possíveis e justas diferenças tanto no plano teórico quanto no plano pragmático, são fragilizadas.

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Recebido: 18 de Dezembro de 2021; Aceito: 16 de Agosto de 2022; Publicado: 14 de Julho de 2023

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