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Práxis Educativa

versión impresa ISSN 1809-4031versión On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.18  Ponta Grossa  2023  Epub 10-Mayo-2023

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.18.21041.026 

Artigos

Educação do Campo e as Práticas Educativas da Escola José Fidelis de Moura, do Assentamento Bonfim da Conceição - Ceará

Field Education and Educational Practices of the José Fidelis de Moura School, of the Bonfim da Conceição Settlement - Ceará State

Educación Rural y Prácticas Educativas en la Escuela José Fidelis de Moura, en el Assentamento Bonfim da Conceição - Ceará

Francisco Valdir Amorim* 
http://orcid.org/0000-0003-2086-3199

Luciane Azevedo Chaves** 
http://orcid.org/0000-0001-8069-3668

Márcia Cristiane Ferreira Mendes*** 
http://orcid.org/0000-0002-6219-7182

*Graduado em História pelo Centro Universitário Inta-UNINTA. Professor de História na Escola José Fidelis de Moura. E-mail: <valdiramorim502015@hotmail.com>.

**Doutoranda em História do Brasil (PPGHB/UFPI). Mestra em História Social (PPGHI/ UFU). E-mail: <lucianeazechaves@gmail.com>.

***Professora do Curso de Pedagogia Presencial e EAD do Centro Universitário Inta - UNINTA. Doutora em Educação (PPGE/UECE). Mestra em Educação (PPGE/UFPB). E-mail: <marciacfmendes@gmail.com>.


Resumo

Este estudo traz em seu contexto as lutas dos movimentos sociais por uma Educação do Campo no espaço rural, bem como sua construção, sua organização e seu desenvolvimento educacional social e sustentável nas áreas de assentamento. O objetivo geral é analisar a importância das escolas do/no campo e suas práticas pautadas na Educação do Campo, realizando análise dos documentos oficiais do Assentamento Bonfim da Conceição-CE. Como abordagem metodológica, utilizamos a qualitativa, amparada pelos estudos bibliográficos e pelos arquivos do assentamento de Bonfim da Conceição na comunidade Fazendinha, localizada em Santana do Acaraú-Ceará. Para aprofundarmos a pesquisa, realizamos uma discussão sobre uma educação que surgiu por meio de reivindicação da classe trabalhadora, inconformada com uma educação rural imposta pela classe dominante, tendo como observação de uma nova prática para a Educação do Campo, a escola de ensino médio José Fidelis de Moura, localizada na comunidade Fazendinha, em Santana do Acaraú, Ceará. Como conclusão, apontamos que essa escola tem trazido contribuições, mesmo apontando as dificuldades de transporte para os alunos que moram no campo. São várias as dificuldades dos alunos que moram na zona rural ficando evidente quando analisamos os documentos e as narrativas dos professores da Escola José Fidelis. A qualidade da educação não se evidencia apenas nas escolas localizadas nas zonas urbanas, mas também as que estão na zona rural, por isso, é preciso política de governo voltada para as necessidades dos alunos e da população que mora no campo.

Palavras-chave: Educação do/no campo; Práticas educativas; Assentamento Bonfim da Conceição; Escola José Fidelis de Moura

Abstract

This study brings in its context the struggles of social movements for a Rural Education in rural areas, as well as its construction, its organization and its social and sustainable educational development in the in the settlement areas. The general objective is to analyze the importance of schools in the field and their practices based on Field Education, performing analysis of the official documents of the Bonfim da Conceição-CE Settlement. As a methodological approach, we used qualitative, based on bibliographic studies and archives of the Bonfim da Conceição Settlement, in the community of Fazendinha, located in Santana do Acaraú-Ceará. To deepen the research, we held a discussion about an education that arose through the claim of the working class, dissatisfied with a rural education imposed by the ruling class, having as observation of a new practice for the education of the field, the high school José Fidelis de Moura, located in the community of Fazendinha in Santana do Acaraú, Ceará. In conclusion, we point out that the school has brought contributions, even pointing out the transport difficulties for students living in the field. There is still a need to have more government support for the quality of country education to be proportional to schools in rural areas, which includes the educational practices of teachers who are inserted in schools in rural areas.

Keywords: Education in the field; Educational practices; Bonfim da Conceição Settlement; José Fidelis de Moura School

Resumen

Este estudio contextualiza las luchas de los movimientos sociales por una Educación Rural en las zonas rurales, así como su construcción, su organización y su desarrollo social y educativo sostenible en las zonas de asentamiento. El objetivo general es analizar la importancia de las escuelas en/en el campo y sus prácticas a partir de la Educación Rural, analizando los documentos oficiales del Asentamiento Bonfim en Conceição-CE. Como enfoque metodológico, utilizamos un enfoque cualitativo, apoyado en estudios bibliográficos y en los archivos del asentamiento Bonfim da Conceição, en la comunidad Fazendinha, ubicada en Santana do Acaraú-Ceará. Para profundizar la investigación, llevamos a cabo una discusión sobre una educación que surgió a través del reclamo de la clase trabajadora, inconformista con una educación rural impuesta por la clase dominante, teniendo como observación una nueva práctica para la Educación del Campo, la secundaria. escuela José Fidelis de Moura, ubicada en la comunidad de Fazendinha, en Santana do Acaraú, Ceará. Para concluir, señalamos que esta escuela ha traído aportes, incluso señalando las dificultades de transporte de los alumnos que viven en el campo. Son varias las dificultades para los estudiantes que viven en zonas rurales, que se hacen evidentes cuando analizamos los documentos y relatos de los docentes de la Escuela José Fidelis. La calidad de la educación no solo se manifiesta en las escuelas ubicadas en las zonas urbanas, sino también en las zonas rurales, por lo que es necesario contar con una política de gobierno enfocada en las necesidades de los estudiantes y de la población que vive en el campo.

Palabras-clave: Educación desde/en el campo; Prácticas educativas; Asentamiento Bonfim da Conceição; Colegio José Fidelis de Moura

Introdução

A Educação do Campo, ao longo da história, vem-se consolidando quando se percebe as suas especificidades e peculiaridades trazidas nos currículos educacionais. A educação tradicional abarcou o ensino de uma forma uniforme e desconsiderou os conteúdos pertinentes aos alunos que moram no campo, aos povos originários, à cultura afro-brasileira. Nesse sentido, a Educação do Campo é reconhecida como campo de conhecimento e, em algumas universidades, o curso superior, como na Universidade Federal da Paraíba com a Pedagogia do Campo.

A educação brasileira, ao analisarmos, seguiu uma trajetória educacional que começou nas escolas inseridas nas fazendas e, depois, seguindo o rumo da modernidade e o processo de industrialização, as escolas foram sendo instaladas nas capitais seguindo para a interiorização das cidades, ou seja, do campo para a cidade e das cidades foram priorizando as escolas nas zonas urbanas. Mesmo assim, o sistema educacional não estava voltado para as especificidades do campo e de sua população, e sim uma escola unificada. Segundo Alheit e Dausien (2006), o camponês aprende com a terra, com o campo, com o rio, nas matas, no roçado, nas conversas com os colegas na empreitada diária.

Segundo Arroyo e Fernandes (1999), historicamente, percebemos que a criação do conceito de educação escolar no meio rural esteve vinculada à educação “no” campo, descontextualizada, elitista e oferecida para uma minoria da população brasileira. A educação do campo remete-se às escolas que estavam localizadas na zona rural sem ter nenhuma especificidade nem a prática era voltada à cultura campesina. Seguia o modelo do século XIX e início do século XX quando a economia era baseada na produção de café e leite e as escolas atendiam aos filhos dos fazendeiros. S. (2017, p. 211) afirma que “os movimentos sociais defendem que o campo é mais que uma concentração espacial geográfica”.

A luta pela educaçao do campo foi travada pelos movimentos sociais que defedem o campo e a educação do campo. Arroyo e Fernandes (1999), na Articulação Nacional Por Uma Educação Básica do Campo, enfatizaram que o termo “campo” é resultado de uma nomenclatura proclamada pelos movimentos sociais e deve ser adotada pelas instâncias governamentais e suas políticas públicas educacionais.

Sendo assim, a educação do campo surgiu a partir de 1997 com a criação do Programa Nacional de Reforma Agrária (PRONERA) no período do governo do estado Tasso Jereissati e do governo federal Fernando Henrique Cardoso, partindo da indignação da população inconformada com uma educação imposta pelo sistema governamental capitalista, conhecida como Educação Rural ou Escola Rural. Essa insatisfação com o modelo educacional imposto e precário levou a população a organizar-se em grupos sociais formando os movimentos sociais e com unanimidade foram às ruas, fazendo marcha e ocupações com dois objetivos: terra para plantar e educação de qualidade para desenvolver o campo.

No Ceará, as discussões são presentes e pertinentes, principalmente porque se trata de um campo do conhecimento que são incluídos nos currículos educacionais. A Educação do Campo é reconhecida pela Secretaria de Educação do Estado do Ceará por sua luta junto aos movimentos sociais e sindicais do campo e vem dando uma maior extensão de qualidade ao ensino e à população camponesa, atendendo reivindicações da classe trabalhadora através da construção de escolas (SEDUC, 2005).

Para Silva (2010), a educação do campo é uma política pública que só chega até o trabalhador camponês se for por meio da luta e da reivindicação da população junto aos movimentos sociais, como o MST que é, na história, o personagem principal na luta por educação do campo e no campo (SILVA, 2010, p.125).

Nesse sentido, o estudo tem como objetivo geral analisar a importância das escolas do/no campo e suas práticas, realizando investigações nos documentos oficiais do assentamento Bonfim da Conceição-CE. As investigações nos documentos foram primordiais para perceber a vivência, as discussões nos assentamentos em torno de suas preocupações e necessidades, sendo colocado a prioridade de ter escolas nos assentamentos e nas escolas do Campo. O objetivo também foi pensado a partir de alguns questionamentos: De que forma as escolas inauguradas nos assentamentos garantem as especificidades do conhecimento produzido pelo campo? As escolas do Campo contribuem para a educação e como fortalecem os movimentos sociais do campo e dos movimentos em prol da distribuição das terras? Essas questões foram surgindo ao passo que se pensava na temática de estudo e foi-se aprofundando a pesquisa. Ao definir esses questionamentos, também contribuiu para delinear a escrita do estudo na tentativa de responder a essas interrogações.

A maneira como as pessoas ocupam a terra e formam os acampamentos e os assentamentos são ações coletivas. Desse modo, as forças individuais se interligam por meio da participação coletiva. O coletivo tem a função de educar e relacionar “as pessoas umas com as outras,” caso contrário, não teria como avançar de forma plena e humana (PELICIOLI, 2008, p. 27). Ao longo da pesquisa, percebemos a importância das escolas nos assentamentos, bem como de os alunos fazerem parte do processo de valorização dos seus conhecimentos e das comunidades rurais.

Metodologia

Para o estudo em questão, tomamos como abordagem metodológica a qualitativa e o tipo de pesquisa bibliográfica. Para o aprofundamento do estudo, foram realizadas pesquisas nos arquivos públicos do estado do Ceará, como as Atas da Assembleia Geral dos Assentados de Bonfim da Conceição sobre a inauguração e o exercício das atividades pedagógicas da Escola do Campo José Fidelis de Moura. Para a observação, partimos do Assentamento Conceição do Bonfim, na comunidade de Fazendinha, localizada em Santana do Acaraú, que teve uma escola do Campo inaugurada em 2016 com a modalidade de Ensino Médio, a “Escola de Campo José Fidelis de Moura”. Durante a pesquisa, houve alguns percalços com relação ao acesso às fontes escritas do assentamento, porém essas dificuldades não prejudicaram o desenvolvimento da pesquisa.

Diante dessas iniciativas e com as documentações das escolas inauguradas nos assentamentos no Ceará oriundas das lutas em prol das escolas do campo, resultaram na construção de 12 escolas de Ensino Médio nos assentamentos da reforma agrária (OLIVEIRA, 2017).

A investigação em documentos oficiais, públicos e privados, contribuiu para uma investigação e interpretação histórica na qual, na história tradicional, não contou. As informações que não foram ditas pelas opressões culturais e políticas passadas, estão sendo a cada dia mais investigadas nas academias, produzindo um novo conhecimento. Segundo Luca (2015), ainda na década de 1970, eram poucos os trabalhos que se valiam de jornais, de revistas como fonte de conhecimento histórico. Nas décadas finais do século XX, na terceira geração dos Annales, concebe nas pesquisas a percepção dos novos problemas e novas abordagens da pesquisa histórica proporcionadas pelos documentos, sendo eles impressos e orais.

Ao se tratar dos procedimentos éticos, a pesquisa baseou-se em documentos, sendo eles bibliográficos e as Atas dos assentamentos. Não foram utilizadas entrevistas e as falas mencionadas são os registros das Atas, na qual utilizaremos nomes fictícios para não identificação. Para a utilização das Atas o presidente do assentamento assinou uma declaração autorizando sua utilização em trabalhos acadêmicos dos autores.

Para o aprofundamento do tema, recorremos aos autores Silva (2016), sendo esse o que mais se destacou por realizar estudos sobre as escolas do campo; Sobre a cultura sustentável, Souza e Reis (2009), sobre a educação do campo, o autor Nascimento (2017); o campo experimental, utilizando a obra de Oliveira e Sampaio (2017); Pelicioli (2008), que ajuda na reflexão da força que tem a coletividade junto ao povo, portanto, os autores atuam no contexto histórico da pesquisa ajudando a compreender, como surgiu a educação do campo no PRONERA e no Ensino Médio, uma conquista da luta de classe e de forças unidas na coletividade. Faz-se necessário realizar estudos por diversas discussões que giram em torno da educação do campo dando mais profundidade ao estudo e às análises. Ainda utilizamos como aprofundamento do estudo, trechos das Atas do assentamento considerando relevante para entendermos o movimento de luta da educação do campo.

Ao enveredarmos na pesquisa, devemos estar atentos às perguntas que fazemos aos documentos. Tais perguntas são denominadas pelas historiadoras Maria Vieira do Pilar, Maria do Rosário e Yara Khoury como “agentes da pesquisa”. Essas perguntas são fundamentais para que, enquanto pesquisadores, possamos encontrar os vestígios investigados. Tais interrogações estão fundamentadas nas evidências onde geralmente se apresentam incompletas. Essas perguntas deverão estar em conformidade com o objeto analisado (VIEIRA; KHOURY; PEIXOTO, 1991).

Para a análise das atas, foram consideradas as seguintes categorias: educação do campo, práticas educativas, campo de profissionalização e de experimentação. Contudo, foi realizada uma análise que partiu da interrogação sobre o documento, procurando entender o contexto histórico do período investigado diante das evidências. A partir do campo da História Social, partimos de um método lógico de investigação constituído pelo conhecimento histórico, em que se compreende os fatos ou as evidências que são constituídas pela existência do “real” (THOMPSON, 1981).

Através das perguntas, podemos encontrar as respostas para nossas inquietações ao nos depararmos com os problemas abordados na pesquisa. Refletindo os pensamentos de Marc Bloch, é preciso interrogar o documento mesmo a contragosto. Isso serve para os testemunhos do passado os quais também não falam sozinhos a não ser que os interroguem (BLOCH, 2001, p. 78).

Em relação à inovação da temática, pesquisamos no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) os descritores Escola do Campo e José Fidelis de Moura e não foi encontrado nenhum estudo sobre esse assunto. Na base Scientific Eletronic Library Online (SciELO) também não encontramos nenhum estudo referente a essa temática, o que comprova a originalidade da pesquisa. E para darmos contribuições sobre a educação do campo e a importância da escola do campo José Fidelis de Moura, descortinaremos o conhecimento da educação do campo.

A educação do campo no Assentamento Conceição Bonfim

O Movimento do Campo surgiu no Brasil com a iniciativa de reivindicar a distribuição de terras e, com isso, a melhoria de vida dos campesinatos. O Assentamento Conceição do Bonfim não foi diferente, pois lutam pelo direito à terra, à educação, à saúde, ao transporte, às condições dignas e humanas para a sobrevivência da população que vive do/no campo. No entanto, para a delimitação da discussão, entendemos que são várias as problemáticas que giram em torno do movimento do campo e dos assentamentos, refletiremos sobre a importância das escolas do campo, dando voz à população que vive de perto tais dificuldades.

Dessa maneira, de acordo com Ibiapina et al. (2014), quando colocamos o termo “escola-polo” estamos referindo-nos a uma escola que vem solucionar um problema enfrentado pelos educandos das comunidades rurais dos assentamentos, que se deslocavam até a cidade para estudar, ocasionando a perda de sua identidade local. “Neste aspecto a mobilidade da Educação do Campo para a cidade torna-se complexo, tendo em vista que a comunidade que se desloca rotineiramente sofre um déficit na sua identidade local” (IBIAPINA et al., 2014, p. 01).

Portanto, visando a solucionar a necessidade de se ter escolas e de ser também uma escola de ensino médio no assentamento, que se organizaram para escolher a comunidade que iria receber a escola-polo, sendo anunciada em suas assembleias gerais que Conceição do Bonfim seria a sede da escola-polo. Na ata da reunião da associação comunitária Fazendinha, realizada em 10 de outubro de 2009, a comunidade pertencente ao assentamento Bonfim Conceição receberia a escola. No documento, registrou-se a fala de S. “[...] falou de uma nova escola que vem através da SEDUC que vai vir para beneficiar o assentamento e outras localidades vizinhas e que estava precisando saber ainda onde vai ser o colégio” (ATA, 2009, p. 46).

O relato acima está relacionado à escolha da comunidade na qual a escola seria construída, sendo que os anúncios já apontavam para a própria comunidade de Fazendinha. De acordo com a fala de S. “[...] a escola polo que vai vim por todo esse ano, e que vai haver um seminário aqui no salão para organizar aonde poderá ser esta escola” (ATA, 2010, p. 49).

Nas reuniões, foi aprovada a escola a ser construída na comunidade Fazendinha, no assentamento Bonfim Conceição, zona rural, município de Santana do Acaraú. A escola diante dos recursos provenientes do governo federal, sendo administrada pelo governo do estado do Ceará, seguiu com a construção da escola do campo de Ensino Médio no assentamento. Torna-se interessante apontar que, diante da pesquisa em arquivos públicos, nos documentos oficiais das reuniões da assembleia há a presença da escola de ensino médio. Em 21 de dezembro do ano de 2014, ela aparece numa reunião da assembleia geral dos assentados de Bonfim Conceição (ATA, 2014, p. 1).

Com a aprovação da construção da escola do campo, outro passo importante seria o nome a ser dado a essa instituição de ensino, polo na comunidade de Fazendinha. Para o nome, seria coerente ser alguém que lutou pelo Movimento dos Sem Terra (MST), que esteve/está envolvido (a) com as causas dos campesinos. O nome sugerido nas assembleias foi o de José Fidelis de Moura, popularmente conhecido como Zé Rita, participante das lutas desde os anos de 1990, chegando a falecer antes da inauguração da escola, como podemos perceber no trecho do referido documento.

O presidente da comunidade de Fazendinha falou do nome da escola, diz que já colocaram em assembleia na comunidade de Fazendinha o nome do Sr. José Rita (José Fidelis) e foi aprovado, e trouxe a proposta para ser votada na assembleia geral do assentamento (ATA, 2014, p. 1).

Fonte: dos autores.

Figura 1 Escola José Fidelis de Moura 

Para Silva (2016), o nome da escola deveria ser pensado tomando como requisito alguém que tivesse representatividade nos trabalhos de base. Outro ponto importante nessas reuniões da comunidade foram as discussões e votações de projetos que foram aprovados por meio da coletividade, como o nome da escola do campo de ensino médio, homenageando os companheiros que já partiram (SILVA, 2016).

Foi com base nesse encaminhamento que as escolas do campo nos assentamentos do estado do Ceará receberam o nome de pessoas que fizeram parte da luta de classes, juntamente com o MST. Em concordância com essa proposta, a escola do campo do assentamento Bonfim Conceição, ao ser construída e inaugurada, recebeu o nome do agricultor José Fidelis de Moura (SILVA, 2016, p. 97).

Na Ata da Assembleia Geral dos assentados, do Assentamento de Bonfim Conceição, em novembro de 2015, a escola estava a um passo de dar início as suas atividades pedagógicas. Em dezembro do mesmo ano, a equipe que estava à frente do conselho de organização da escola do campo retorna à Assembleia Geral para repassar mais uma vez a organização pedagógica da escola como matrículas já abertas para alunos do Ensino Médio, preparando-se para o seu funcionamento a partir de 2016, conforme o registro em ata (ATA, 2015, p. 3).

A senhora Gracineide falou sobre a escola do campo e disse que tem um conselho que é representado pelos representantes das escolas polo da região e que é esse conselho que está trabalhando na organização da escola, e pediu o apoio dos pais dos alunos para

matricular seus filhos na escola do campo aqui no assentamento, pois precisamos valorizar o que é nosso, e pediu o empenho de todos para que possa funcionar bem a escola do campo aqui no nosso assentamento (ATA, 2015, p. 35).

Em janeiro de 2016, deram início às aulas, colocando em prática as suas atividades pedagógicas. Também aconteceram encontros nos assentamentos para definir as rotas dos ônibus que iriam levar os alunos para a escola. De forma democrática, foi escolhida a diretora e, no início do ano, ocorreram as matrículas, como também a seleção dos professores (ATA, 2016, p. 38). Fazendo uma comparação ao pensamento de Souza e Reis (2009), a Educação do Campo teve dificuldades de ser implantada no assentamento pelo fato de ser uma educação que estava relacionada historicamente à não agroecologia, uma agricultura que produz alimentos com a agressão à natureza com desmatamentos e queimadas (SOUZA; REIS, 2009, p. 19).

E isso é uma prática historicamente antiga que vem passando de geração em geração, mesmo por ser um assentamento, essa cultura ainda é muito predominante. Foi por isso que a equipe escolar teve dificuldades de trabalhar com conteúdo de preservação da natureza e de uma cultura sustentável sem agredir a natureza (SOUZA; REIS, 2009, p. 19). Os caminhos percorridos até os resultados foram longos, porém resistente e perseverante diante dos anos, pois o descontentamento com a educação imposta fez com que as classes trabalhadoras partissem para a luta em busca de uma educação que se caracterizasse com a realidade camponesa, uma luta não só por terra, mas também por educação. É o início da luta por terra e Educação do Campo no Ceará. Conforme Nascimento:

No Ceará, a luta por uma Educação do Campo e por escolas do campo na modalidade de Ensino Médio, se dá a partir de 2007, momento em que a classe camponesa se organizava em continuidade à luta, mostrando que não se tratava somente da luta por terra, mas também por Educação e por direitos da classe camponesa, a luta pelo território (NASCIMENTO, 2017, p 50).

Isso parte de uma reflexão feita pela própria classe trabalhadora que outrora só lutava por um pedaço de chão para plantar milho, feijão arroz e mandioca, mas chegou o momento em que só isso não bastava, era preciso avançar. Foi então que a classe trabalhadora camponesa organizou-se e deu continuidade à luta com uma pauta de reivindicação tendo como objetivo a educação além da terra (NASCIMENTO, 2017, p. 50).

Assentamento Bonfim Conceição: conceitos e práticas educativas

A Educação do Campo tem, em suas bases, formar seres sociais, críticos e conscientes politicamente e a educação também fortalecerá essas bases com conteúdos teóricos e práticos, desenvolvidos na agricultura e na agropecuária no campo experimental, ou seja, um contato com a escola, com a educação e com atividades agrícolas na Escola do Campo José Fidelis de Moura, no assentamento Bonfim Conceição, em Santana do Acaraú.

Nesse sentido, a Educação do Campo tem a função de desenvolver no ser humano um caráter politicamente social e crítico. Para Molina e Sá (2012), a Educação do Campo em seu conceito pedagógico traz um projeto de formação do sujeito como um ser consciente de seus direitos, tendo uma consciência política com capacidade de contribuir com um projeto amplo e de transformação social.

Isso desenvolve através de uma conscientização política, um espírito de luta, que brota das raízes vistas no processo histórico de luta da classe trabalhadora. Essa luta é por direitos que são seus, nossos, mas que vêm sendo vetados ao longo do tempo pelo sistema governamental capitalista, impedindo que os projetos de escolarização voltados para a área do campo na modalidade Educação do Campo alcance a classe trabalhadora (MOLINA; SÁ, 2012).

Para Bragança e Zientarski (2016, p. 128), essa unificação da classe trabalhadora em luta de massa tem quebrado muitos paradigmas no sistema governamental nos últimos anos, “hoje a educação do campo através de muita luta e ocupações feitas a instituições públicas tem se destacado na atual sociedade e na política de concretização na federação dos estados e municípios nas últimas décadas” (BRAGANÇA; ZIENTARSKI, 2016, p. 128).

Mas, mesmo assim, com essas conquistas na Educação do Campo, muitos direitos têm sido negados, o sujeito do campo ainda tem sido marginalizado e mal compreendido pela classe dominante e capitalista, e até por muitos governantes taxados de terroristas, por não compreenderem a verdadeira realidade de vida das comunidades camponesas e, em contrapartida, exaltam o urbano como o único modelo de vida viável para desenvolver a sociedade (BRAGANÇA; ZIENTARSKI, 2016).

Esse trabalho de conscientizar e formar um ser social e crítico, tanto no meio político educacional e ambiental, não tem sido uma tarefa fácil para a escola do campo José Fidelis de Moura, no Assentamento Bonfim Conceição. Uma das dificuldades enfrentadas pela escola do campo é a falta de compreensão municipal, que não dá o suporte necessário quanto ao transporte escolar, nem aos percursos que fazem, pois, o problema com a falta de transporte escolar tem sido um desafio para a escola desde o início de suas ações pedagógicas em 2016. Essa confirmação está na Ata da Assembleia Geral dos assentados de Bonfim Conceição, realizada em 18 de setembro de 2016, o professor de matemática diz que “está sendo difícil para os alunos e os professores” (ATA, 2016, p. 06).

Com base em Silva (2016), a Educação do Campo mesmo com leis favoráveis ao seu modelo educacional e, também, com a implementação no currículo nacional, ainda há muito o que avançar na luta popular junto aos movimentos sociais e reivindicar direitos que são nossos diante dos governantes municipais, estaduais e federal. Sendo assim, “mais compromisso com a educação do campo e que seu projeto educacional seja mais abrangente e menos burocrático” (SILVA, 2016, p. 178).

Outra dificuldade encontrada pela escola do campo José Fidelis de Moura, ao chegar no assentamento, foi convencer os pais a matricularem seus filhos na escola. O novo para alguns amedronta, mas além disso, para o campesinato, apenas o trabalho da agricultura era suficiente. O discurso era: para que serve a escola se vamos cuidar e plantar? O fato é que havia uma cultura dos pais para com os filhos na sociedade, sendo eles os mais pobres (não do campo) de que tinham que estudar até o segundo grau, hoje Ensino Médio e irem para as cidades viverem em sistema operacional nas grandes empresas e fábricas. No caso da Educação do Campo, apresenta-se com uma proposta contrária a essa cultura, pois sua proposta é fazer com que os jovens desenvolvam um projeto sustentável para ficar e permanecerem no campo. E mais uma vez, o professor de matemática Evandro vai à assembleia do assentamento Bonfim Conceição, em 18 de dezembro de 2016 para falar:

Evandro começou falando sobre a escola do campo, que a mesma esta precisado de mais apoio de todos, para o bem desenvolvimento da mesma e disse que as matrículas estão abertas até 6 de janeiro de 2017 e pediu que os pais matriculassem os filhos na escola (ATA, 2016, p. 15).

A formação social na escola de Ensino Médio José Fidelis de Moura no assentamento Bonfim Conceição iniciou bem antes de suas práticas educativas e pedagógicas. É o que podemos entender no pedido de apoio do professor de matemática “para o bem desenvolvimento da mesma”. E isso é da escola do campo que, para muitos, é um projeto impressionante, porém não compreendido por ser uma modalidade em Educação do Campo (ATA, 2017, p. 42).

Essa incompreensão ao novo modelo de educação da escola do campo no assentamento Bonfim Conceição prolongou por alguns meses depois do funcionamento da escola. É o que nos afirma a fala da coordenadora da escola do campo Sandra, na assembleia geral dos assentados de Bonfim, em 17 de setembro de 2017, relatando o total de alunos e pedindo apoio das comunidades para os cursos de agropecuária que a escola estava oferecendo.

Sandra falou da escola do campo. Que a escola está hoje com 107 alunos e que não pode ficar parada precisamos agir, e pediu apoio das comunidades sobre uns cursos que está para oferecer nas comunidades sobre agropecuária e quer começar agora no mês de outubro (ATA, 2017, p. 42).

A escola precisava revelar ao povo o seu projeto pedagógico, pois era algo novo e recém-chegado e o povo precisava conhecer o que estava sendo proposto. Essas foram as dificuldades encontradas pela escola e seus procedimentos iniciais. Ainda fortalecendo a narrativa de Sandra, diretora da escola, a Sr.ª Clara, nas atas da assembleia geral, mais uma vez aparece o pedido de apoio para superar as dificuldades que a escola está enfrentando, pois “precisamos agir para construir uma educação de qualidade” (ATA, 2017, p. 42).

A escola encontra, naquele momento, o caminho certo a seguir, as relações sociais entre escola e comunidade. Para Borges et al. (2012), o sujeito da história nasce a partir das relações sociais. Isso significa que o ser social é aquele sujeito ativo e determinado que interage ao meio com uma ação determinante tendo um grau de iniciativa e de autonomia capaz de desenvolver atividades práticas no que diz respeito ao conhecimento.

É a partir dessas determinações, iniciativas e organizações que a escola do campo no assentamento ganha respaldo, credibilidade e a confiança do povo no seu projeto pedagógico. A base que nos faz afirmar e chegar a essa conclusão é o retorno da diretora da escola na assembleia geral dos assentados de Bonfim Conceição em 24 de dezembro de 2017, expressando a alegria de ter alcançado os objetivos desejados, formando a primeira turma de alunos do terceiro ano na escola do campo José Fidelis de Moura (ATA, 2017, p. 52).

Segundo Pelicioli (2008), a tarefa de educar o sujeito não tem sido uma batalha fácil, pois há sempre espinhos no meio, principalmente quando se trata da ação de educar e reeducar no meio de um sistema corrompido em que a lealdade e o espírito capaz de sacrificar o bem-estar pelo coletivo junto ao companheirismo está fragilizado.

Educação do campo no campo experimental

A Educação do Campo no Ensino Médio é uma modalidade que contempla todo o conteúdo disciplinar comum que as escolas tradicionais também aplicam. Mas, qual é a diferença da escola tradicional para a escola do campo? Essa diferença é identificada na implementação de três componentes curriculares como base diversificada no conteúdo disciplinar da escola, que são o Projeto Estudo e Pesquisa (PEP), a Organização do Trabalho e Técnicas Produtivas (OTTP) e as Práticas Sociais Comunitárias (PSC) (SILVA, 2016, p. 101).

O diferencial das escolas do campo para as escolas tradicionais disciplinares comuns é o campo experimental. O campo experimental surge de um diálogo com o MST e as famílias nos seminários e na formação dos Projetos Políticos Pedagógicos (PPPs) das primeiras escolas do campo, ou seja, um terreno ao lado da escola destinado às práticas pedagógicas de produção, um lugar onde teoria e prática, educação e produção encontram-se com dois objetivos: educar os alunos em nível de segundo grau, formá-los conscientes de seus direitos constitucionais e orientar a defender o campo e lá viver (SILVA, 2016, p. 103).

O campo experimental não é só uma estratégia criada para que os estudantes coloquem em prática as suas vivências, os seus experimentos, ela também não se limita a um terreno de experimento, não só preparado para pesquisa e inventários, mas compreender todas as diligências de organização de trabalho prático da Educação do Campo.

Embora necessite de uma área específica, o campo experimental não é um espaço físico, mas uma estratégia, um conjunto de ações de fortalecimento da agricultura popular camponesa e da reforma agrária, a partir da escola. Um laboratório onde experimentamos, pesquisamos, inventamos tecnologias para a agricultura camponesa, a partir da realidade produtiva de cada comunidade (SILVA, 2016, p. 104).

O trabalho tecnológico na agricultura camponesa da escola do campo no assentamento Bonfim Conceição atende com quatro experimentos de unidades produtivas, sendo apicultura (criação de abelhas), criação de cabras, criação de ovelhas, criação de galinha caipira e a plantação de horta vinculada ao projeto Mandala. (ATA, 2016, p. 11).

A Mandala é um experimento tecnológico que está dentro do campo experimental, um reservatório de água com aproximadamente um metro e oitenta de água em profundidade para a produção de adubo orgânico na sua água. Dentro dela, são criados peixes e patos e, no meio, é colocada uma luz que atrai os insetos durante a noite para os peixes e os patos alimentarem-se, ambos defecam e, nesse processo, é produzido o adubo orgânico na água para colocar nas plantas que estão em sua volta. Sendo consorciado com outros tipos de agricultura na área de roçado ao lado como mandioca, macaxeira, milho, feijão, abóbora, melancia e amendoim (SILVA, 2016, p. 109).

Para Silva (2016), o campo experimental vai muito além da proposta pedagógica, ela foi pensada e criada para ser um lugar onde se produz conhecimento, para fortalecer a agricultura e a reforma agrária, colocando-se como

Território do ensaio, da experimentação, da pesquisa, da construção de novas alternativas tecnológicas, da organização coletiva, da cooperação para o trabalho, de experimentação do novo campo em construção: da agroecologia, da sustentabilidade ambiental, da soberania alimentar, da economia solidária, da convivência com o semiárido, da resistência cultural (SILVA, 2016, p. 104).

De acordo com Oliveira e Sampaio (2017), o plantio de hortas no campo experimental é uma campanha contra o uso abusivo do agrotóxico que, ao longo do tempo, vem sendo sustentado pela política eliminatória dos direitos da vida no campo. Esse tipo de cultivo está também relacionado à campanha de geração de emprego, renda e alimentos saudáveis na reforma agrária, isso parte da necessidade de cuidar da educação não só dentro do espaço escolar, mas também fora com o objetivo de associar outros fatores de “bens culturais” na política e no modo de produzir uma boa alimentação (OLIVEIRA; SAMPAIO, 2017, p. 162).

A Educação do Campo constrói um projeto popular e, através desse projeto, serão desenvolvidas práticas agroecológicas que vão envolvendo e comprometendo crianças e jovens com a comunidade e com a luta da reforma agrária popular com a “produção de alimentos saudáveis práticas agroecológicas, como as Mandalas, os quintais produtivos e as hortas didáticas” (OLIVEIRA; SAMPAIO, 2017, p. 162).

A Educação do Campo trabalha o campo experimental não só no Ensino Médio, suas práticas experimentais iniciam na educação infantil intencionalmente como instrumento pedagógico de conteúdo disciplinar nas formas como

Geométricas e noção de quantidade na formação dos canteiros com a matemática; formação de palavras, produção textos, estudo do alfabeto, das vogais e consoantes com o português; confecção de maquetes; pontos cardeais; pinturas e cores com a geografia e as artes; estudo dos seres vivos, dos agrotóxicos, das técnicas produtivas e dos solos com as ciências. Todos os conteúdos disciplinares puderam ser explorados de forma prática e teórica (OLIVEIRA; SAMPAIO, 2017, p. 163).

O campo experimental tem como objetivo ser um lugar educativo a partir do ponto de vista interdisciplinar, de trabalho e de conhecimento, em que o saber se identifica de forma diversificada num lugar específico. Isso significa que ele se aprofunda no próprio conhecimento científico. Ele é “proposicional, produtivo e dissemina-se no conhecimento, aponta o necessário a partir da produção; pesquisa, experimenta, desenvolve opções e as divulgam para a comunidade” (SILVA, 2016, p. 104).

Para Oliveira e Sampaio (2017), a Educação do Campo é eleita como o caminho que vai desenvolvendo o meio rural, por isso é necessário refletir sobre quais característica s sociais queremos formar, porque se formarmos um profissional que visa ao agronegócio será frustrante, pois não terá interesse no cooperativismo nem no associativismo, ações desenvolvedoras “[...] das unidades camponesas ou com a melhoria das condições vidas nas areais de assentamentos rurais” no que se relaciona às unidades produtoras dos campos experimentais (OLIVEIRA; SAMPAIO, 2017, p. 165).

Além de ser uma relação do trabalho com o conhecimento científico, os campos experimentais são campos que tendem a acontecer uma “mão dupla”. Com o sentido de fortalecer a didática, tornando concreto os conteúdos que são repassados de forma abstrata sem auxiliar a verdade, o resultado disso é uma aprendizagem limitada, subdividida e fora do contexto. Outra ação disso são os conhecimentos subentendidos “nos processos produtivos que não são possíveis de aprendizagem apenas na relação empírica com o trabalho” (SILVA, 2016, p. 104). Destacamos ainda, outras ações de formação para o trabalho agrícola como a forma de se organizar por cooperativa, tendo “como princípio organizativo a cooperação, que é articulada de várias maneiras, por equipes, por grupos coletivos, turmas que planejam avaliam cada atividade a ser realizada” (SILVA, 2016, p. 105).

Silva (2016) aponta que a doação do terreno feita pelos assentamentos, a estratégia pedagógica começa a desenvolver-se no campo experimental, implantando o seu primeiro diagnóstico na área de produção agrícola e agropecuária. Para que esse processo fosse desenvolvido, “foi necessário implementar carga horária em tempo integral de dois dias nas turmas, tendo como orientador das turmas um professor formado em ciências agrárias, sendo seu componente curricular a disciplina de (OTTP)” (SILVA, 2016, p. 105).

Outro diferencial que encontramos na Educação do Campo, na escola do campo, no assentamento Bonfim Conceição, foi o acréscimo de três conteúdos disciplinares, sendo detalhadas logo abaixo, como também outras realidades vividas na Educação do Campo, pois “tais processos educativos fazem uma conexão privilegiada dos jovens com as atividades campo, numa perspectiva de sobrevivência no próprio campo” (SILVA, 2016, p. 102).

Em primeiro lugar, vem o componente curricular Projetos, Estudos e Pesquisa (PEP), que atua com dois modos de intervenção no problema diante da realidade, toma como objeto para ser estudado e proporciona o início do estudo científico. Promove e elabora atividades “de conclusão do curso” construindo uma trajetória no caminho de pesquisa durante todo o curso do Ensino Médio, colocando a pesquisa como início pedagógico associando à área do conhecimento, compreendendo as atividades como início educativo, devendo atuar em todas as disciplinas (SILVA, 2016, p. 102).

Em segundo lugar, está o componente curricular Organização do Trabalho e Técnicas Produtivas (OTTP). Essa disciplina atua na organização e na coordenação dos trabalhos no “campo experimental da agricultura camponesa e da reforma agrária” e as outras áreas de produção são orientadas por trabalhos técnicos específicos e o coletivo é a lógica de organização das atividades produtiva fortalecendo a relação teoria e prática (SILVA, 2016, p. 102).

Em terceiro lugar, nesse contexto demonstrativo do diferencial da Educação do Campo em nível médio para a educação de nível médio tradicional e comum é o componente curricular Práticas Sociais Comunitárias (PSC). Nele, os alunos fazem uma pesquisa nas famílias da comunidade, conservando principalmente as raízes “da cultura, da luta social e da organização coletiva” com o objetivo de proporcionar e integrar a escola com outras áreas da vida no campo (SILVA, 2016).

Outro princípio educativo da escola do campo diz respeito ao inventário e experimentos junto à intervenção disciplinar fazendo uma ligação entre educação e produção. O inventário é usado no processo relativo a uma ferramenta pedagógica que auxilia nas atividades docentes que une o saber e a realidade, isso tem cooperado com o processo relativo e produtivo local e ajudado nas questões fundamentais nos assentamentos, abordando assuntos relacionados a problemas e a pesquisas fornecendo trabalho educativo que transponha as muradas da escola (SILVA, 2016).

Quer seja tomando determinadas experiências produtivas como objeto de estudo ou recurso pedagógico, quer seja proporcionando atividades de troca de saberes entre educandos e agricultores (as), potencializando a contextualização dos conteúdos e estimulando abordagens interdisciplinares. (SILVA, 2016, p. 107).

Os inventários entram como recurso pedagógico pelo fato de cuidarem das atividades relacionadas aos processos naturais, ou seja, o cuidado com a natureza. Como a primazia hídrica e a primazia alimentar, “as sementes crioulas e nativas”, outro fator importante que a Educação do Campo valoriza no assentamento nesse processo é a “organicidade” que está relacionada à organização dos movimentos diante dos comandos de luta, a juventude que é a força da luta popular. Podemos afirmar que essa união da organicidade com a juventude tem uma importante colaboração com a “identidade camponesa” e, nesse sentido, o assentamento tem-se transformado no espaço educativo em que agricultores, alunos e professores vivem experiências e “troca de saberes, onde todos educam e se educam”. (SILVA, 2016, p. 107).

Produzir a partir de experimentos com experiências científicas agroecológicas e naturais respeitando o meio ambiente como a caatinga, os açudes e as fontes de água tem sido um diálogo forte e presente nos seus processos educativos de produção na escola do campo do assentamento Bonfim Conceição. O cuidado com a natureza parte de dentro da sala de aula com o repasse de conteúdo relacionado ao sistema agrícola agroecológico “nas unidades simples e isolada” (SILVA, 2016, p. 108) como:

A horta Mandala, a roça de mandioca irrigada, o criatório de aves, o pomar, o horto medicinal, progressivamente, as experiências vêm avançando numa perspectiva sistemática, sendo planejadas, considerando a interação entre as diversas unidades e com o ecossistema nativo (SILVA, 2016, p. 108).

Esse ecossistema nativo vai ser construído por meio de um processo de abastecimento de um para o outro. Exemplificamos esse processo da seguinte forma: “a casa de sementes” abastece os viveiros para produzir mudas de plantas que vão servir para recuperar árvores nativas que foram extintas, além do plantio de plantas frutíferas para o abastecimento de frutas na própria escola, também citamos as hortaliças que são cultivadas nos canteiros da escola que fornece verdura e legumes para a cozinha, a palma e o capim são triturados na forrageira produzindo alimento para os animais. Portanto, esses princípios agroecológicos têm desenvolvido na Educação do Campo uma educação de conservação ambiental e de autoabastecimento da escola (SILVA, 2016, p. 108).

Entretanto, nem tudo está favorável, pois esse processo tem encontrado algumas dificuldades, principalmente no que está relacionado à natureza e aos recursos hídricos, como a água e os que estão relacionados ao solo, pois a estiagem da quadra invernosa no sertão e o desgaste do solo tem afetado esse projeto produtivo no campo. Mas reverter essa situação de desenvolvimento na área produtiva, como a criação de animais, a criação de aves, o projeto horta, de plantas frutíferas, plantas medicinais, dentre outras nas escolas, há uma demanda desafiadora e, para manter esse projeto em funcionamento, faz-se necessário desenvolver algumas práticas (SILVA, 2016, p. 108), tais como:

O uso racional dos recursos hídricos, potencialização da captação e armazenamento, e aplicação de tecnologias de reuso e dessalinização, o que tem sido realizado através da construção de cisternas de placa e de enxurrada; de poços profundos; o uso de irrigação por gotejamento; instalação de dessalinizador (SILVA, 2016, p. 108).

A ideia é fazer com que o campo também seja uma área produtora de alimentos saudáveis sem o uso de agrotóxicos e, também, desenvolva a educação com a permanência da identidade camponesa, tendo uma educação não só formadora de conhecimentos pedagógicos, mas de técnicas na produtividade para o desenvolvimento do campo nas unidades produtivas dos sistemas agrícolas agroecológicos (SILVA, 2016, p. 108).

Além disso, a Educação do Campo também tem um papel importante na formação curricular emancipatória e na construção de uma sociedade que tenha compromisso com a justiça e seja igualitária, para que o campo seja visto como um lugar de diálogo, de criatividades e de políticas públicas onde conhecimento, teoria e prática e tecnologias sociais encontrem-se (OLIVEIRA; SAMPAIO, 2017, p. 165).

Considerações finais

Neste estudo, refletimos sobre a educação do campo e, de forma específica, sobre a Escola José Fidelis de Moura, que proporcionou ao campesinato uma educação que evidenciava conhecimentos produzidos pela comunidade rural. Apresentamos os avanços em torno da educação do campo, como também as dificuldades encontradas, o que destacamos a falta de transporte.

A luta pela educação do campo não para, pois existem zonas rurais, assentamentos em comunidades rurais que não têm uma escola do campo. Assim, uma educação que venha atender às necessidades da população camponesa, que esse modelo educacional atue conforme a reivindicação colocada pela população camponesa, junto ao Movimento dos Sem Terra (MST) com o espírito de luta e resistência para conquistar a educação do campo em todos os níveis.

De forma positiva, discutimos a educação do campo no Ensino Médio no assentamento Bonfim Conceição como uma conquista e resultado da luta popular e da organização da classe trabalhadora, como também a construção da escola e sua organização pedagógica no que difere das outras escolas de nível médio e tradicionais comuns.

Desse modo, procuramos evidenciar que todos os projetos existentes nos assentamentos rurais são o resultado da luta popular e da organização dos trabalhadores junto aos movimentos sociais inconformados com a negação das políticas públicas e assim, foram às ruas em marcha, fizeram ocupações até forçarem o governo a liberar tais projetos, como a desapropriação de terras e uma educação de qualidade para a população camponesa.

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Recebido: 23 de Setembro de 2022; Revisado: 23 de Março de 2023; Aceito: 24 de Março de 2023; Publicado: 02 de Maio de 2023

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