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Linhas Críticas

versión impresa ISSN 1516-4896versión On-line ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.27  Brasília  2021  Epub 29-Jul-2021

https://doi.org/10.26512/lc27202136873 

Artigos

A arte na educação infantil: possibilidades formativas no estágio de docência

Arte en la educación infantil: posibilidades formativas en la práctica docente

Art in early childhood education: formative possibilities in the teaching internship

Flavia Regina Levandowski1 
http://orcid.org/0000-0002-5373-0694

Stephany Alves Collares2 
http://orcid.org/0000-0002-3766-8173

Daiana Camargo3 
http://orcid.org/0000-0002-1931-5577

1Pedagoga pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (2019). Professora de ensino fundamental na Secretaria Municipal de Educação de Ponta Grossa - PR.

2Pedagoga pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (2019). Coordenadora pedagógica no Colégio Vila Militar Cescage - Ponta Grossa - PR.

3Doutora em Ciências de la Educación pela Univerdidad Nacional de La Plata, Argentina (2018). Professora no Departamento de Pedagogia da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Membro do Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Educação Infantil – GEPEEDI (CNPq-UEPG).


Resumo

O texto resulta da pesquisa sobre a arte e seus desdobramentos na Educação Infantil, com foco no estágio de docência e em seu potencial formativo. Os fazeres e os saberes dos acadêmicos apresentam a arte e sua potência no trabalho com crianças no estágio. Aborda a importância da arte no curso de Pedagogia, enfatizando a pesquisa, a experimentação e a reflexão. Os resultados apontam que a compreensão de criança e seu potencial vivenciados na Educação Infantil divergem das concepções contidas nos documentos norteadores e que persistem as práticas que reduzem as propostas de criação por meio de modelos e da limitação de materiais, refletindo nas ações do estagiário.

Palavras-chave Formação de professores; Crianças; Arte; Estágio de docência

Resumen

El texto es el resultado de una investigación sobre el arte y sus consecuencias en la Educación Infantil, con un enfoque en la práctica docente y su potencial formativo. Las actividades y los conocimientos de los académicos presentan el arte y su potencia para trabajar con niños en la práctica. Aborda la importancia del arte en el curso de Pedagogía, enfatizando la investigación, la experimentación y la reflexión. Los resultados muestran que la comprensión de los niños y sus potencialidades vividas en la Educación Infantil divergen de las concepciones contenidas en los documentos rectores y que persisten prácticas que reducen las propuestas de creación a través de modelos y materiales limitados, reflejándose en las acciones del pasante.

Palabras clave Formación docente; Niños; Arte; Práctica Docente

Abstract

The text is the result of research on art and its consequences in Early Childhood Education, with a focus on the teaching internship and its formative potential. The academic’s activities and knowledge present the art and its potency in working with children in the internship. It addresses the importance of art in the Pedagogy course, emphasizing research, experimentation and reflection. The results show that the understanding of children and their potential experienced in Early Childhood Education diverge from the conceptions contained in the guiding documents and those practices that reduce the creation proposals through models and limited material persist, reflecting on the intern's actions.

Keywords Teacher training; Children; Art; Teaching internship

Os caminhos formativos: a pedagogia, a criança e a arte

Dentre as demandas formativas da pedagogia, entendemos que formar professores sensíveis e atentos às crianças é uma das tarefas mais desafiadoras. O respeito aos pequenos em suas potencialidades e particularidades é um tema candente. Mesmo avançando no entendimento da(s) criança(s), da Educação Infantil (EI) e das práticas construídas com/para crianças, seguimos encontrando resistência para dar espaço e visibilidade a esta criança, seja em espaços educativos ou na formação inicial. Esta criança protagonista não pode ficar à margem das decisões e nem do lado de fora (ou somente na teoria) durante a formação. Precisamos resistir e seguir ocupando o espaço acadêmico para falar de criança, infância e das possibilidades que estes conhecimentos oferecem ao professor.

Após a realização dos estágios de docência, olhamos com ainda mais atenção para a EI e encontramos inquietações e situações que nos instigaram a pesquisar. Vivenciamos, dia após dia, o valor da escuta, da formação e do questionamento constante do professor sobre a sua atuação. Entendemos que diversas abordagens pedagógicas contribuem para a construção das propostas que constituem a EI, auxiliando na estruturação de ambientes e redimensionando a organização dos tempos e dos espaços para a construção de ambientes. Pudemos abordar as problemáticas do visto e do vivido, articulando com a teoria que estrutura o curso. Um tempo de encontro adulto-criança, como descrevem Levandowski e Collares (2019). Assim, partindo das observações realizadas no cotidiano da EI, emerge a problemática quanto às poucas ou empobrecidas propostas artísticas oferecidas e vivenciadas.

Buscamos referências que abordam a arte e a pedagogia (Ostetto & Silva, 2018; Martins, 2019; Cunha, 2012) e a estética (Ostetto & Silva, 2018), além dos escritos que retratam a experiência das escolas italianas (Rinaldi, 2012; Barbosa & Richter, 2015; Fortunati, 2016), para pensarmos uma EI que permita, dentre outras coisas, a exploração e a expressão. Ouvimos os acadêmicos no intuito de compreender os conhecimentos construídos, partindo do estágio e refletindo sobre a arte na EI, assim como a relevância para a formação em Pedagogia.

Consideramos a arte um conhecimento, uma forma de expressão, de indagação, como direito de acesso à cultura e à constituição de um repertório, como um meio de conexão do professor (e da criança) consigo mesmo e com o mundo. Quanto ao citado desafio de formar professores para a EI, reiteramos a importância de conhecer as crianças, e para isso relembramos Garcia (2002, p. 9), que nos diz que as crianças são “nossas conhecidas tão desconhecidas”. O que realmente conhecemos destas crianças e de suas capacidades artísticas?

Formar professores de educação infantil: caminhos e desafios da pedagogia

O curso de Pedagogia, dentre as suas especificidades, tem como eixo norteador formar docentes para atuarem na Educação Básica (EB). Neste tempo/espaço de formação, são abordadas diferentes teorias, estudamos sobre as crianças e a(s) infância(s) de modo a buscar compreender o sujeito-criança para pensar a prática pedagógica, considerando que, dentre as etapas da EB, o maior tempo vivido é o da infância. As possibilidades de interação e convivência, de experimentação, de ensino-aprendizagem e avaliação precisam ser estruturadas com as crianças, sujeitos da educação, e para as quais precisamos organizar os tempos e os espaços e efetuar escolhas. Assim, é relevante nos apropriarmos de um variado e consistente referencial teórico, mas é importante também vivenciarmos propostas que relacionem o brincar, o corpo e a arte, as quais, mesmo ainda reduzidas no curso de formação, nos mobilizaram à pesquisa.

Os estudos de Kishimoto (1999) e Dias de Lima (2015) ressaltam que o curso é historicamente marcado por estudos de psicologia, de alfabetização e outros temas com vistas a ensinar uma criança maior, cujo foco são o ler e o escrever, com um limitado espaço para as discussões quanto aos bebês e às crianças pequenas, mesmo com o crescente número de pesquisas e demais produções da área. O tempo entre os estudos realizados nos indica que algumas estruturas curriculares apresentam características mais conservadoras. Consideramos que as abordagens sobre o brincar, a arte e o corpo (fundamentais para as crianças) carecem de maior tempo, de maior espaço e articulação entre as disciplinas que estruturam o currículo da formação inicial.

Os estudos de Barbosa (2010) nos contam sobre as primeiras reivindicações para que a arte fosse contemplada no espaço educativo para a infância, registradas nos anos de 1980, com a mobilização política dos arte-educadores. Com relação à formação dos professores, ressaltamos que as Diretrizes Nacionais para o Curso de Pedagogia (Brasil, 2006) apresentam a arte como um campo de saber estruturante da formação. Gobbi e Richter (2011, p. 17) nos dizem que “talvez, quando o assunto é criança pequena, tenhamos que atender à tendência educacional de utilizar uma linguagem menor, até mesmo simplista, diante da complexidade das primeiras aprendizagens do e no mundo”.

Martins et al. (2019) e Gatti (2018) nos mostram os avanços e desafios das disciplinas que abordam a arte na Pedagogia, apontando tanto a fragmentação das disciplinas nos currículos como a desarticulação e a justaposição de conteúdos. Gatti (2018, p. 71) ressalta que “somente o fazer expressivo ou somente a teoria isolada da prática e da reflexão não resulta em transformações dos valores docentes”. Acreditando nas oportunidades e na potência da arte para formar professores, na arte como meio para a articulação teórico-prática, teórico-vida, e na transformação dos valores docentes, tecemos algumas reflexões sobre arte, EI, Pedagogia e estágio de docência.

Formar os professores de Educação Infantil com e pela arte. Por que não?

Quando a arte é integrada às ações formativas dos professores, são ampliados não apenas os modos de compreender a criança e a organização do cotidiano, mas também a forma de ver, pensar e agir do professor. Temos a cultura e o repertório de experiências e conhecimentos que reverberam em seu fazer pedagógico. Neste sentido, é importante reconhecer a arte como o saber que instiga, que desestabiliza, que provoca, que indaga sobre os padrões e as hierarquias de conhecimento estabelecidas, a arte para além de um recurso a ser utilizado na prática pedagógica e sim como um conhecimento (Cunha, 2012).

Momoli e Egas (2015) discutem que a arte na formação de pedagogos pode oferecer outras maneiras de pensar que permitam olhares diferenciados para a escola, a arte, a criança e a infância. Assim, por mais que a arte tenha adentrado os currículos dos cursos de Pedagogia, os estudos desenvolvidos por Martins et al. (2019) apontam que a carga horária ainda é reduzida, frequentemente vinculada a outras disciplinas ou campos de conhecimento.

Consideramos que a organização das situações de registro no cotidiano da EI precisa ir além do papel, da folha A4 (Martins Filho, 2020), explorando os espaços, os materiais (tamanhos e texturas), tintas, suportes e riscadores. Sobre as propostas organizadas para e com as crianças, é fundamental a compreensão dos documentos norteadores, como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEIs) (Brasil, 2009), que apresentam, dentre seus princípios, o estético, e a Base Nacional Comum Curricular para a Educação Infantil (BNCC) (Brasil, 2017), que está estruturada em Campos de Experiências.

Sobre a organização da BNCC, recorremos a Finco et al.(2015), que nos apresentam elementos das experiências educacionais italianas que auxiliam na compreensão dos termos que compõem o documento. A problematização dos Campos de Experiência apresenta um desafio, pois se faz necessário afinar o olhar para os espaços e os materiais utilizados (com coerência e conhecimento), com o intuito de superar a fragmentação das ações e dos recursos utilizados na EI.

É importante que, no estudo e na implementação de ações vinculadas à BNCC, sejam considerados os aspectos teóricos, históricos e políticos do documento, assim como a articulação das propostas com as particularidades de cada instituição, redimensionando o projeto político-pedagógico e as ações cotidianas, visto que precisamos nos encantar, aprender a olhar e ver. Barbosa e Richter (2015) consideram que o professor é encantado por conhecimentos sistematizados, hierarquizados e racionais, construídos na perspectiva ocidental, o que faz com que o seu olhar já não perceba as crianças e os grupos em suas diferenças, não se atente ao movimento de uma vida que flui, não perceba que ele, as crianças e o ambiente não são mais os mesmos.

Desse modo, se faz urgente dialogarmos sobre outras propostas para a EI, iniciando um processo que instigue o professor em formação. Ostetto e Silva (2018) nos provocam a olharmos outras formas, quando nos diz que as dimensões da criação, da curiosidade e da descoberta estão adormecidas, que os acadêmicos estão com os sentidos aprisionados (revelados ao não brincar e cantar, na ausência de encantamento, no medo de arriscar-se, de imaginar, experimentar e criar).

As autoras ainda ressaltam que, para acolher e acompanhar as crianças ao brincar, cantar e dançar, os professores precisam ser brincantes, disponíveis para viver com os pequenos as possibilidades da imaginação e da ludicidade. No espaço formativo, precisamos propor situações que permitam romper com hábitos engessados, com formas reduzidas e naturalizadas de pensar e fazer, se aventurar em outros caminhos, experimentar as mais diversas possibilidades de expressão, construir estratégias que mobilizem o ser na sua inteireza, para perceber-se e perceber o outro, o mover que leva ao movimento, o encantamento, a capacidade de observar, de ver, o que leva à ampliação de seu repertório e, consequentemente, às possibilidades para a criação (Ostetto, 2010).

Pensando em repertório, tratamos de uma dimensão individual, pessoal, pois é preciso se permitir experimentar as linguagens e a arte, cantar, dançar, assistir filmes de diferentes temas e tempos, ir ao teatro, fotografar, manusear e conversar sobre fotografia, ter acesso à literatura infantil de qualidade visual e textual, olhar e ver as plantas, cores, flores, casas, pedras, céus e nuvens. Vivências que integram o cotidiano da EI, das crianças, desde pequenas. Vivências para nutrir esteticamente.

Caminhos de um estudo sobre a arte e o Estágio de Docência

O estágio é um elemento fundante e essencial para formar o professor, como demarcam Cavaton (2012) e Ostetto e Maia (2019). É no estágio e por meio do estágio que se estrutura e se desenvolve este estudo. Ao adentrar o campo de estágio, o acadêmico é desafiado a estabelecer vínculos de confiança e abertura para a escuta, com as crianças e a equipe da instituição, exercitar um olhar cuidadoso e atento ao cotidiano da EI, visando a sua formação, amparada em diálogo, estudo e reflexão.

A inserção para a realização dos estágios de observação e docência nos mobilizou a pensar sobre o que entendemos por arte, como estruturar propostas e o impacto da formação no redimensionamento do saber e fazer arte com e para as crianças, reconhecendo as dificuldades, seja da formação ou da pouca experiência como acadêmicos, e as resistências vistas e vividas em campo de estágio.

Participaram desse estudo acadêmicos de Pedagogia, concluintes do curso no ano 2019, que realizaram o Estágio de Docência na EI com propostas articuladas à arte, sujeitos que vivenciaram a experiência de estudar, pesquisar, planejar e propor ações envolvendo a arte, explorando diversos materiais e permitindo experimentações e construções com crianças pequenas. No contexto relatado, os estágios de docência foram desenvolvidos em Centros Municipais de EI.

Utilizamos um formulário on-line para gerarmos os dados, que contém questões sobre o perfil do respondente, o processo de inserção na EI e o planejamento do estágio e as reflexões acerca das propostas desenvolvidas para e com as crianças. Os recursos do formulário nos permitiram solicitar o envio de registros fotográficos das práticas desenvolvidas (com orientações quanto à utilização de imagens) e integramos ao formulário o termo de consentimento de pesquisa, seguindo as orientações éticas.

Participaram da pesquisa 15 (quinze) acadêmicas, cujos relatos envolvem o estágio em 3 (três) instituições educativas distintas, o que nos permitiu outros olhares e discussões de alguns temas, dentre eles a repetição de alguns comportamentos e modelos. Destas participantes, apenas 4 (quatro) enviaram fotografias, que consideramos importantes para compreender as aprendizagens e as experiências relatadas.

Os dados foram organizados com base na Análise de Conteúdo (Bardin, 2011), demarcando a frequência ou a ausência de algumas características do conteúdo. O uso do software Iramuteq [1] possibilitou identificar os termos recorrentes nas respostas, como uma ferramenta de processamento, pois a interpretação é função do pesquisador (Kami et al., 2016).

Optamos pelo uso da nuvem de palavras disponibilizada no software, que agrupa e organiza graficamente os termos por sua frequência, auxiliando na identificação. A análise nos permitiu algumas inferências, dentre as quais destacamos a importância do processo formativo para o aprimoramento das práticas pedagógicas em relação à arte e às possibilidades com as crianças. O entendimento do impacto da ação docente na formação humana e a especificidade do processo educativo da criança indicam a relevância do aprimoramento constante do professor, seja sobre as demandas da EI ou a necessidade da criança.

Sobre a formação, alguns temas são citados pelas acadêmicas: a necessidade de entendimento sobre a criança, suas particularidades e capacidades (criatividade, interação e movimento); o pensar os espaços da instituição educativa (usos e as restrições de interações e espaços); rever os materiais utilizados por professoras e crianças, que problematizamos a seguir. Assim, alinhavamos os relatos (respostas) e o referencial teórico, o que permite algumas reflexões quanto às vivências com as crianças no Estágio de Docência na EI.

Experiências, descobertas e reflexões: a arte e as propostas de Estágio de Docência

Sustentados em referenciais da área de arte/pedagogia, discutimos os dados gerados, as problematizações e reflexões quanto à arte, a pesquisa e o planejamento e as práticas com crianças no espaço e tempo do Estágio de Docência. Os relatos apresentados nos dizem das possibilidades das crianças, seus olhares criativos e poéticos, nos contam como acontecem as interlocuções com os materiais, o espaço e com os adultos-professores. Apontam também as restrições e o controle instituído nos espaços educativos.

Ostetto (2000) enfatiza que as práticas artísticas que se constituem no espaço da EI recebem a influência da cultura do professor, pelo repertório por ele construído, demarcando a relevância da formação e o desenvolvimento de um trabalho consistente com arte. Ao indagarmos os acadêmicos quanto à arte na formação de professores, destacamos termos como arte, professor, formação de professores e conhecimento.

Fonte: as autoras.

Figura 1 Formação, pedagogia e arte 

O termo com maior ênfase foi arte, acompanhado dos termos formação de professores (4 ocorrências), professor (8) e aluno (7), e na sequência encontramos o termo conhecimento (6).

Para entender como estão estruturados os currículos em cursos de Pedagogia, recorremos aos escritos de Martins et al. (2019), que discutem o papel da formação e a escassez de espaços/disciplinas que abordem arte e práticas artísticas. No que diz respeito ao espaço formativo, as suas limitações e possibilidades, concordamos com as problematizações dos autores, pois o espaço de abordagem da arte é limitado ou de caráter secundário. Mesmo assim, as pesquisas apontam um impacto positivo quando a arte integra o processo formativo (Martins, 2019; Ostetto e Silva, 2018), instigando o professor a pesquisas e outras práticas.

Ponderamos que o destaque ao termo conhecimento reflete que há o entendimento quanto à relevância da formação, da busca constante de elementos do campo da arte para enriquecimento cultural e que incidem diretamente na prática pedagógica na EI. Os acadêmicos nos dizem da surpresa e do estranhamento das professoras ao discutirem o planejamento e as propostas envolvendo arte, sendo comum o relato “na minha formação não tive isso”. Assim, nos deparamos com o tema da formação e do entendimento (ou não) dos documentos norteadores da EI.

Os documentos norteadores da EI abordam a experimentação das diversas linguagens artísticas que possibilitam à criança a descoberta e o aprimoramento das capacidades, instigam a criatividade e favorecem a construção da autonomia. É importante que o professor conheça com propriedade os marcos legais, conceitos e as propostas. Outro elemento fundamental é estar atento às realidades das crianças, identificando o seu espaço sociocultural, explorando os elementos artísticos que estão presentes no cotidiano dos pequenos, valorizando a manifestação das impressões, dos saberes e sensações em suas variadas formas, articulando expressões artísticas mais complexas.

Quanto à ênfase ao termo aluno, é importante lembrar da história da EI e das marcas de práticas comuns no ensino fundamental, que por vezes desconsideram as crianças pequenas em suas particularidades e necessidades. Sobre a utilização do termo aluno, entendemos que está frequentemente vinculado ao entendimento de um ser passivo. Os estudos atuais (da psicologia, da sociologia e da antropologia) nos respaldam a pensar como ocorre a aprendizagem pela criança, enlaçando idade, contexto e qualidade das experiências vividas.

Ao tratarmos da importância dos saberes construídos sobre a arte por parte de crianças e professores, recorremos a Rinaldi (2012, p. 193), que nos respalda: “[…] não haverá criatividade na criança se não houver criatividade no adulto. Por essa razão, é absolutamente indispensável reconsiderar a nossa relação com a arte como uma dimensão essencial do pensamento humano”.

Acreditamos também que, para além dos espaços formativos, é essencial a ampliação de repertório por parte do professor, numa busca pessoal por novas inspirações, pela experiência da visita a museus, exposições, galerias, espetáculos, exercitando um olhar atento e sensível a toda cultura que o rodeia. Recorrendo ao conhecimento, à vivência com a arte, o professor pode desafiar-se em propostas diferenciadas, organizar outros ambientes e provocar as crianças a pesquisar e a viver novas experiências.

Quanto à arte e a sua importância no trabalho pedagógico com crianças, as acadêmicas nos dizem:

Compreender ser possível ensinar e também aprender através de diferentes linguagens, sem contar que trabalha mais o concreto assim facilita no aprendizado da criança, colocando-a como protagonista. (Acadêmica J)

De extrema importância para estimular a criatividade, ampliar a visão de mundo e desenvolver o senso crítico. (Acadêmica E)

Rinaldi (2012), ao abordar a experiência da arte com crianças pequenas, enfatiza que criança criativa é aquela que tem contato com a diversidade de materiais e de espaços e com outras crianças. Apontamos que a criação destes espaços é uma necessidade que remete tanto à formação (inicial e continuada) quanto ao diálogo com as equipes gestoras, pois perpassa conceitos de criança e aprendizagem que necessitam ser do entendimento de todos os sujeitos que atuam no espaço educativo, articulados com a filosofia da instituição, com objetivos contidos no projeto pedagógico, com o contexto em que se insere, sem perder de vista a legislação vigente.

Quanto às ações e potências das crianças, os estudos de Gobbi e Richter (2011), Infantino e Zuccoli (2016) e Martins Filho (2020) enfatizam que as concepções de criança e de EI que o docente construiu são estruturantes das práticas pedagógicas, que dessas concepções dependem se as propostas planejadas permitem ou não a interação e a exploração, se valorizam processo ou produto, dentre outros aspectos. Assim, ao considerarmos a criança como integrante do espaço cultural e produtora de cultura, e a escola como espaço de apropriação de saberes e cultura, é preciso oportunizar situações para ouvir, olhar, discutir, compreender e ampliar seu repertório.

Ressaltamos a necessidade de superar propostas que tendem a limitar as crianças a atividades impressas, padronizações de cores e limitações de espaço, ignorando suas capacidades de reflexão, de experimentação de outra linguagem artística. Para Infantino e Zuccoli (2016), as professoras precisam ser cultas e preparadas para as práticas artísticas, capazes de instigar as construções das crianças, atribuindo valor às criações dos pequenos. Quanto aos saberes dos professores, os acadêmicos destacam a ausência de sintonia entre as ações desenvolvidas e os documentos norteadores da EI, como verificado ao vivenciarem as ações organizadas em “cantos” de propostas estanques, com recursos limitados ou produzidos pelo professor e denominadas como Campos de Experiência, remetendo, outra vez, à formação e à apropriação conceitual.

Ao indagarmos sobre a arte, estruturando as práticas desenvolvidas com crianças, obtemos um importante relato:

É importante para sabermos utilizar e explorar com nossos alunos, porém vemos uma fragilidade na formação tivemos poucas vezes questões relacionadas à arte durante o curso. (Acadêmica L)

Da análise desta questão, temos a nuvem de palavras abaixo, com as respectivas ocorrências: arte (18), criança (12) e planejamento (12):

Fonte: as autoras.

Figura 2 Estruturando as práticas de docência 

A ênfase ao termo planejamento nos permite refletir quanto à definição e ao preparo das propostas artísticas, que precisam estar vinculadas ao cotidiano, superando um planejamento guiado por imposições, temas desconexos ou pelas datas comemorativas, como destaca Ostetto (2000). O termo planejamento aparece também vinculado a definir experiências e à criança, o que nos leva a pensar em um movimento de reconhecimento desta criança, um olhar ao seu protagonismo, à abertura de espaços para propostas de maior exploração, interação e criatividade.

Neste sentido, Barbosa (2010) pondera que a arte na educação incide diretamente na capacidade de invenção, de inovação e difusão de novas tecnologias. A arte, com a sua potência mobilizadora, pode apontar outros caminhos, outros meios de fazer a EI, superando os registros e modelos.

No que tange às práticas que remetem à arte, as acadêmicas apontam que a arte e/ou os materiais artísticos ainda permanecem, ora como modelo a ser seguido, determinado em recursos, tempo e forma, ora como passatempo das crianças, sem um significado maior. Ao indagarmos as acadêmicas quanto às observações realizadas na EI e à identificação da arte como constituinte de uma prática pedagógica, emergem estes relatos:

Pouco, os materiais e o tempo eram restritos, sempre seguindo as orientações e modelos da professora. (Acadêmica G)

Muito pouco. O que observei foi o uso do "cantinho da arte", onde as crianças brincavam livremente com as massinhas. (Acadêmica I)

Reiteramos que o respeito à criança em sua individualidade é fundamental, reconhecendo o seu potencial para além dos modelos e dos resultados esperados pelo adulto-professor, contemplando diversas formas de expressão. “Arte não é enfeite, arte é cognição, é profissão, é uma forma diferente da palavra para interpretar o mundo, a realidade, o imaginário, e é conteúdo” (Barbosa, 2010, p. 15).

A formação constante (contínua e continuada) é basilar para que os professores possam compreender a(s) criança(s), as suas particularidades e necessidades em cada tempo, espaço e cultura, propondo experiências que as aproximem de outras linguagens. É fundamental conhecer cada criança e saber sobre as crianças na contemporaneidade. Olhar com atenção para as ações e os saberes destas crianças em suas especificidades permite ir além do que está posto, superar a mera reprodução, possibilitar a expressão, a experimentação de diferentes elementos, materiais, espaços e formas, como enfatiza Cunha (2012).

Destacamos que as propostas não devem ficar limitadas ao espaço da sala de aula, pois diferentes espaços e ambientes são fundamentais ao processo de aprendizagem. As acadêmicas nos relatam a dificuldade de acesso e utilização de outros ambientes ou espaços. Quanto aos termos ambiente e espaços, retomamos que “[…] espaço se refere aos locais onde as atividades são realizadas, caracterizados por objetos, móveis, materiais didáticos, decoração. O termo ambiente diz respeito ao conjunto desse espaço físico e às relações que nele se estabelecem” (Zabalza, como citado em Horn, 2007, p. 35).

Do mesmo modo que almejamos um planejamento contextualizado e flexível, revisitado e revisado, um planejamento no qual vemos e ouvimos crianças, é preciso que o modo de compreender e utilizar os espaços sejam revistos, que passem a ser habitados, explorados pelas crianças, visto que estes também possibilitam a interação e a construção de conhecimento, indo além do que é entendido por espaço de “aula”. Os recursos que disponibilizamos nas paredes e como utilizamos os espaços dizem de nossa concepção de criança e educação, como ressalta Rinaldi (2012). Paredes, tetos, pisos, pátios ou jardins precisam ser entendidos como educativos, como espaços de e para arte. Destacamos as reflexões de Brailovsky e Calmels (2020) ao tratarem da educação de bebês e a potência das interações piso-teto, ressaltando o valor do uso dos espaços, respeitando as possibilidades corporais, a experimentação e a expressão dos pequenos.

Conforme as DCNEIs (Brasil, 2009), o papel do docente é de grande importância na organização do tempo e do espaço na EI. É preciso que a criança possa realizar movimentos amplos e deslocamentos em espaços internos e externos da instituição, envolvendo explorações de materiais diversificados, objetos e brinquedos que atendam às peculiaridades de cada idade. Assim, um espaço organizado para crianças e planejado para propostas diferenciadas instiga a exploração, a autonomia e o aprendizado, por meio de experiências que valorizem a descoberta e a hipótese, que tenham um significado.

Ao abordarmos o valor das experiências, retomamos a expressão aceitação de professores (5), pois as experimentações planejadas visavam ao manuseio de materiais incomuns naquele contexto, em espaços que percebemos como pouco explorados. Ponderamos que a resistência apresentada por parte das professoras está relacionada ao cuidado (por vezes demasiado) com a limpeza e a organização dos espaços e dos materiais utilizados, em alguns casos atendendo a regras da equipe da instituição. Algumas destas atitudes refletem na maneira de agir das crianças, pois os acadêmicos nos dizem:

Eles amaram, porque puderam manipular diferentes texturas e materiais, algo que não foi possível ver durante as observações. Até senti dificuldade para trabalhar com a turma toda, demoravam a começar, não queriam tocar. Depois eles não queriam soltar o carvão, a tinta etc. (Acadêmica E)

[…] foi possível perceber que está fora do cotidiano as experiências com materiais diversificados, que diante deles as crianças ficavam receosas em manuseá-los. (Acadêmica F)

O olhar da professora controlava de longe […]. (Acadêmica J)

As ações de controle do adulto, como discute Foucault (2007), tendem a modelar comportamentos, moldar corpos, atitudes e expressões, num movimento denominado pelo filósofo como docilização e disciplinamento. A curiosidade, as experimentações e descobertas das crianças por vezes ficavam limitadas pelo já instituído controle da professora.

As acadêmicas ressaltam que toda a organização do estágio demandou pesquisa e planejamento, com a escolha de cada material, valorizando os recursos já conhecidos das crianças (carvão, terra, folhas e sementes, bolhas de sabão) e utilizados de um outro modo, como material de arte, e encontramos este relato:

[…] foi intenso, a bagunça aconteceu, mas o aprendizado de todos os atores do processo compensou todo o caminhar. (Acadêmica L)

Sobre a diversidade de materiais e o efeito das propostas artísticas nas crianças e na professora da EI, encontramos o termo susto, destacando que ficou evidente a falta de costume em utilizar materiais diferenciados, identificados tanto na euforia das crianças quanto nas expressões e reações das professoras, que em algumas ocasiões cerceavam a experimentação com expressões como “cuidado”, “não exagere”, “não misture”, dentre outras.

A resistência dos adultos por vezes inibe as crianças em experiências valiosas para o seu desenvolvimento, pois elas ficam indecisas entre explorar plenamente o material disponibilizado ou obedecer às regras. Apontamos como desafio a formação consistente, contínua e articulada para a equipe da instituição educativa a fim de juntos estabelecerem um diálogo sobre as necessidades das crianças, os princípios educativos e as formas de cooperação e organização que norteiam a instituição, no que diz respeito à garantia das interações.

Professores em formação: experimentações e descobertas com as crianças e a arte

A compreensão da relação que se estabelece entre a criança e a arte é indispensável, pois a infância é um momento intenso de aprendizagens e descobertas. O enlace entre a arte e os fazeres do cotidiano da EI pode auxiliar para que essas experiências tenham maior significado para as crianças, considerando as possibilidades de experimentação e invenção encontradas nas artes. Nesta perspectiva, Barbosa (2010) aponta que não há possibilidade de desenvolvimento integral sem a arte. Para a autora, a arte está relacionada ao desenvolvimento do chamado pensamento divergente, bem como ao pensamento visual e ao conhecimento representacional. Ao indagarmos as acadêmicas sobre as relações crianças-arte, emergem diversos termos:

Fonte: as autoras.

Figura 3 As crianças, os materiais e a arte 

Dentre os termos destacados, estão atividade (15) e criança (14). Sobre o conceito de atividade, é importante pensar em experiências sempre com intencionalidade, não apenas relacionadas à intenção do adulto, mas que façam sentido às crianças.

Durante a vivência dos alunos com a atividade, percebia que eles estavam empolgados e envolvidos com as atividades propostas. (Acadêmica L)

A atividade pode ser entendida de diferentes maneiras, como quando recorremos à importância da atividade humana na teoria de Vygotsky, remetendo ao agir humano sobre o objeto (Leontiev, 1978). Porém, no fazer pedagógico da EI, o termo foi tomando outras características, e por vezes remete a propostas estanques, a apenas registros padronizados, como se estar “em atividade” não estivesse vinculado a um conceito mais amplo. Rech (2006, p. 64) nos diz: “Pensar previamente em todas as atividades que as crianças irão fazer, organizá-las em tempo, sequências e materiais necessários, depois realizá-las no seu cotidiano, não se coadunam com as concepções atuais de uma pedagogia da infância”.

Interpretamos o termo proposta (6) como proveniente das discussões tecidas na pedagogia, pois, ao tratarmos da criança como um sujeito ativo, de direitos e com capacidades específicas, é possível pensar as ações, a organização cotidiana, de outras formas, superando algo imposto, como a valorização excessiva do registro, e contemplando o processo e as experimentações.

Outra ponderação é relacionada ao termo material (5), visto que durante a docência as crianças foram provocadas a participar de experiências diversificadas, com a manipulação de recursos naturais. Quando questionamos sobre a reação e a aceitação das crianças, é apontada a potência dos materiais:

[…] foi possível perceber que está fora do cotidiano as experiências com materiais diversificados, que diante deles as crianças ficavam receosas em manuseá-los, depois não queriam parar. (Acadêmica D)

[…] colocar o projeto em prática exigiu bastante esforço e tempo, pesquisa […] mas houve participação efetiva das crianças. (Acadêmica M)

A pouca familiaridade com a utilização desses materiais se evidencia, pois várias acadêmicas mencionam a surpresa de professoras e crianças com a quantidade e a diversidade de recursos disponibilizados para desenvolver as propostas. Vale destacarmos aqui que a BNCC (Brasil, 2017) indica os “Direitos de Aprendizagem”, garantindo à criança a exploração de diferentes elementos, formas, texturas, cores etc.

A utilização de materiais diversificados permite que a criança explore e descubra outras linguagens, reconhecendo o próprio potencial criativo, como apontam as abordagens italianas de EI (Barbosa & Richter, 2015) que sustentam os campos de experiência. A imagem abaixo corrobora as discussões acerca dos materiais:

Fonte: Registro de estágio – arquivos das autoras.

Figura 4 Os bebês e as mandalas 

A estruturação desta proposta de criação de mandalas envolveu sentidos e significados do circular, cantigas de roda, cirandas, entre outras explorações. Foi um tempo de pesquisa, observação, escuta, diálogo, experimentação de elementos circulares, coleta e exploração de materiais, imagens, artistas, até a construção final; atividades que, por orientação da instituição, não puderam ser realizadas em outro espaço.

Se mencionamos anteriormente a surpresa das crianças ao poder explorar muitos e diferentes materiais, grandes também foram a satisfação e a surpresa descritas pelas acadêmicas após as propostas desenvolvidas no estágio, reafirmando a potência da criança e da arte, da arte para a criança.

Foi um rico e belo encontro de adultos e crianças em contexto de EI, com a criança do tempo presente, com as suas particularidades e complexidades, um encontro para reconhecer a capacidade da criança de criar, inventar e reinventar o mundo ao seu redor. A experiência marcou diferentes sujeitos, crianças e professores em formação, instigando a pensar o ato de explorar objetos, que supera o de manipular objetos (e envolve sons, formas, cores, construções, corpos). Foi um tempo de aprender com a exploração e a descoberta dos pequenos, de falar com crianças e saber sobre elas.

Algumas reflexões e tantas outras possibilidades

Ao retomarmos o caminho percorrido no estudo, lembramos que uma das motivações de pesquisa foi a possibilidade que a arte nos dá de desestabilizar, de provocar. Olhamos para a arte como esperança e enfrentamento, como um meio para superar o modelo educativo ainda resistente, que valoriza como linguagem somente a leitura e a escrita. Modelo este que nos marca profundamente como sujeitos e, agora, professores (a nós e a muitas outras gerações de professores).

A busca por conhecer e compreender a arte e suas possibilidades no cotidiano da EI nos permitiu verificar que, no contexto investigado, a prática permanece limitada a colagens, pinturas e desenhos de datas comemorativas e à utilização de poucos recursos, vinculados a modelos e tempos insuficientes. O que colar além dos papéis picados, bolinhas de papel e retalhos de EVA? Qual pintura, quais tintas? Quais suportes, pincéis e recursos? O que nos dizem os documentos norteadores da EI? Eis algumas dentre tantas inquietações.

Dentre as inquietações, as possibilidades. Nesse tempo de formação e construção do estágio, organizamos propostas pensando em outros espaços, outros materiais, para que a expressão das crianças pudesse ser mobilizada para outras formas, para novas experimentações, e o envolvimento das crianças foi surpreendente. Quanto às professoras, mesmo receosas, não conseguiam esconder o contentamento com o encantamento dos pequenos.

Ao nos apropriarmos de outras abordagens teóricas, pesquisas e autores que discutem arte e EI, ficou ainda mais evidente a importância de integrar a arte ao trabalho com crianças. Trazemos também as marcas e as reflexões que ainda ecoam, após nos apropriarmos de estudos que abordam pedagogia e arte e como esta área de conhecimento pode enriquecer as propostas para a formação de professores, como abordam Ostetto e Silva (2018) e Martins et al. (2019).

Consideramos importante ressaltar o impacto positivo gerado pela leitura sobre o legado de Malaguzzi, apresentado nos escritos de Rinaldi (2012), abordagem esta ainda pouco explorada no contexto de formação inicial em que nos inserimos. Identificamos que se faz necessário o aperfeiçoamento quanto à pedagogia italiana aos profissionais que atuam no contexto da EI investigado, para a ampliação da compreensão sobre os Campos de Experiência (o conceito e as propostas com as diferentes linguagens) contida nos documentos norteadores desta etapa da EB e tratadas por Barbosa e Richter (2015).

Pudemos refletir sobre o quão potentes são as crianças, capazes de interagir, construir, experimentar, indagar e reinventar quando são desafiadas em propostas diferenciadas, o que evidencia a importância do conhecimento construído pelo professor, da cultura, da formação estética e dos ambientes e proposições que permitam que a criança se expresse, possibilitando seu desenvolvimento em totalidade. Ao encontrar-se com a arte, a criança pode experimentar formas de falar de si e sobre o mundo, recorrendo aos recursos da pintura, da dança, música, dentre tantas outras possibilidades.

Ao nos depararmos com algumas instituições em que persiste a utilização das atividades prontas, que pouco instigam as crianças e que geralmente se estruturam em modelos, padronizando o resultado, se acentua a importância da arte (conceitos, propostas e constituição histórica), criando a possibilidade de discutir acerca dos espaços, tempos e materiais possíveis. As práticas padronizadas são marcas de um currículo/planejamento estruturado em datas comemorativas, como discute Ostetto (2000), que precisa ser superado.

A partir das propostas vivenciadas no estágio e descritas no estudo, identificamos que a arte permanece limitada ao uso de papéis para modelar “bolinhas” e utilizar em colagens, uso de retalhos de EVA para mosaicos previamente estabelecidos, desenhos para colorir ou modelos, dentre outras. Para além do material, é importante repensar o conceito, indagar o que fazemos e por que, pois identificamos algumas releituras (ou cópias erroneamente nomeadas de releituras) de determinadas obras, que não permitiram um aprofundamento no tema, foram realizadas sem problematizações e contextualização, sem um sentido e um significado para a criança. Quando compreendemos que a criança aprende mais e melhor com aquilo que a mobiliza e lhe é significativo, perguntamos: o que ela aprende com essas propostas convencionais?

Olhar para o estágio como campo de pesquisa nos envolveu, permitindo reflexões de maior aprofundamento, instigando o diálogo e a partilha de experiências entre acadêmicos. Os dados analisados reafirmaram o desafio que se constitui construir práticas diversificadas com crianças na EI, romper estereótipos, indo além do comum, do já realizado, do rotineiro, dos modelos; identificamos tanto as possibilidades quanto as dificuldades da articulação entre arte e prática pedagógica. Assim, instigou a reflexão a respeito do profissional que desejamos ser, sobre as especificidades do ser professor na EI, dos desafios e das aprendizagens do cotidiano com as crianças.

Reiteramos o quão importante é a formação dos professores e demais profissionais que atuam na EI, na busca de outros modos de organizar as práticas, para repensar tanto as ações desencadeadas na escola quanto a postura no que se refere às expressões artísticas. O tempo da infância vivido na EI é um tempo para experiências, tempo de mobilizar para a criação, tempo de brincadeiras e encantamento.

Aos professores de crianças cabe, então, instigar a curiosidade e o questionamento, serem eles também capazes de indagar e experimentar, de dialogar, ouvir e estar com crianças, olhando atentamente e agindo com sensibilidade. O referencial teórico e as pesquisas que nos amparam na reflexão dos dados gerados apontam que as fragilidades das propostas que envolvem a arte para as crianças são recorrentes em outras etapas educativas, nas quais arte, brincar e movimento são considerados como não sérios ou elementos decorativos (Levandowski & Collares, 2019).

Esperamos que a pintura ultrapasse o registro do real e se considerem as sensações, as experiências, o traço para além do lápis, os suportes, as texturas, o reconhecimento do corpo que pinta, a tinta que dança. A tinta pinta, o corpo dança. Que a dança adentre a EI para além das coreografias de festivais ou datas comemorativas, pois o corpo é um valioso meio de expressão, corpos que se movem e dizem da história, dizem da cultura de diferentes povos.

Desejamos professores potentes, que possam se permitir estar inteiramente com e para as crianças, almejamos por políticas que valorizem o professor e a formação, sujeitos que constituam uma prática em que as coisas de criança e construídas pelas crianças possam ser importantes, visíveis, reconhecidas e respeitadas. Que possam garimpar materiais e oferecer o diferente, o inusitado.

Acreditamos na potência dos professores que buscam por outras ou novas maneiras de ser professor, em sua força para resistir à pressão do cotidiano, para ver o inédito mesmo no que se faz diariamente. Professores que acreditem que podemos ter espaços educativos com todas as cores e tonalidades, aromas e formas. Profissionais que repensem a organização dos espaços e as suas propostas considerando aspectos estéticos, para outras experiências, com novos sentidos e significados.

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Recebido: 12 de Março de 2021; Aceito: 15 de Junho de 2021

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