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Jornal de Políticas Educacionais

versión On-line ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.16  Curitiba  2022  Epub 30-Mayo-2023

https://doi.org/10.5380/jpe.v16i0.85511 

Artigos

Política do imprevisível: a intersetorialidade na implementação de ações na Educação Infantil durante a Pandemia1

The politics of the unpredictable: the intersectoriality in the implementation of action in Child Education during the Pandemic

Política del impredecible: la intersectorialidad en la implementación de acciones en la Educación Preescolar durante la pandemia

Edson Cordeiro dos Santos2 
http://orcid.org/0000-0003-4275-3089

Eline Moreira Ferreira de Oliveira3 
http://orcid.org/0000-0001-7663-4171

Stephani Oliveira Coelho4 
http://orcid.org/0000-0001-7696-412X

2Pós-Doutorando em Educação, PUC-Rio/Capes. Rio de Janeiro, RJ. Brasil. Orcid: http://orcid.org/0000-0003-4275-3089 Email: edsoncordeiro.nig@gmail.com

3Doutoranda em Educação, PUC-Rio. . Rio de Janeiro, RJ. Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7663-4171. Email: eline_mf@yahoo.com.br

4Mestranda em Educação, Uerj. Rio de Janeiro, RJ. Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7696-412X E-mail: stephaniocoelho@gmail.com


Resumo

O artigo apresenta uma vertente da pesquisa sobre avaliação na/da Educação Infantil realizada em uma Universidade Federal. Por meio de estudos sobre materiais, propostas educacionais e ações em 3 municípios do estado do Rio de Janeiro, dentre 17 municípios que abarca a investigação, analisa a implementação de políticas públicas intersetoriais no âmbito da Educação Infantil elaboradas durante o período de emergência sanitária causado pelo novo Coronavírus (Sars-CoV2), especialmente as ações ligadas à distribuição de material (físico ou on-line) e alimentação, bem como a judicialização do tema. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica sobre políticas públicas, em especial, sobre a fase de implementação, e a pesquisa eletrônica nos sites e redes de compartilhamento dos municípios selecionados, a partir de documentos e informações oficiais, para observar quais foram as políticas públicas de enfrentamento à Pandemia que tiveram relação direta (ou indireta) com a Educação Infantil pública. O reconhecimento da Pandemia pela Organização Mundial da Saúde em março de 2020 teve como consequência o “fechamento” físico das escolas para o acesso dos estudantes a partir do dia 16/3/2020, com um prazo de retorno difícil de determinar. As desigualdades entre os municípios da pesquisa ficaram muito evidentes, mesmo em regiões geográficas próximas com contextos semelhantes. Tal cenário inédito escancarou fragilidades e merece ser problematizado a fim de que as políticas implementadas nesse período não reforcem desigualdades educacionais ao invés de mitigá-las.

Palavras-chave: Educação Infantil; intersetorialidade; implementação de políticas; judicialização

Abstract

The paper demonstrates a branch of the research on evaluation on/of Child Education performed in one Federal University. Through studies about materials, educational proposals and actions in three cities from the state of Rio de Janeiro, among the 17 cities investigated, analyses the implementation of intersectorial public policies elaborated during the period of sanitary emergency caused by the new Coronavirus (Sars-CoV2) in the scope of Child Education, specially the ones related to the distribution of materials (physical or online) and feeding, as much as the judicialization of the topic. The methodology used was bibliographic research of the public policies, specially about the implementation phase, and the electronic research in websites and sharing networks of the selected cities, from official documents and informations, to observe which public policies of Pandemic confrontation had a direct (or indirect) relation to public Child Education. The acknowledgement of the Pandemic by the World Health Organization in March, 2020 had as a consequence the physical “closure” of the schools to the access of students in 03/16/2020, with a hard to determine deadline for return. The differences between the cities studied were evident, even in cities close geographically and similar contexts. This unprecedented scenario showed these fragilities and should be further analyzed so that policies implemented in this period do not reinforce the educational discrepancies instead of mitigating them.

Keywords: Child Education; intersectoriality; policy implementation; judicialization

Resumen

El artículo presenta un eje de la investigación acerca de la evaluación en/de la Educación Preescolar hecha en una Universidad Federal. Mediante estudios sobre materiales, propuestas educativas y acciones en tres municipios de Rio de Janeiro, entre los diecisiete incluidos en la investigación, analiza la implementación de políticas públicas intersectoriales en el ámbito de la Educación Preescolar elaboradas durante el período de emergencia sanitaria causado por el nuevo Coronavirus (Sars-CoV2), especialmente las acciones relacionadas con la distribución de material (físico u online) y con la alimentación, además de su judicialización. La metodología utilizada fue la investigacion bibliografica acerca de políticas públicas, sobre todo acerca de la etapa de implementación, y la investigación electrónica en los sitios web y redes de divulgación de los municipios elegidos, basada en documentación y informaciones oficiales, para observar las políticas públicas aplicadas para enfrentar la pandemia que tuvieron relación directa (o indirecta) con la Educación Preescolar pública. El reconocimiento de la pandemia por la Organización Mundial de la Salud en marzo de 2020 tuvo como consecuencia el “cierre” físico de las escuelas a los estudiantes desde 16/03/2020, con una fecha de regreso incierta. Las desigualdades entre los municipios son evidentes, incluso en regiones cercanas y con contextos similares. Este escenario inédito ha exacerbado fragilidades y se merece la problematización para que las políticas implementadas en este período no refuercen desigualdades educativas en vez de mitigarlas.

Palabras clave: Educación Preescolar; intersectorialidad; implementación de políticas; judicialización

Introdução

A chegada de uma nova enfermidade no mundo com potencial para gerar uma Pandemia já era noticiada no final de 2019. Apesar do conhecimento de que a doença chegaria ao Brasil, os representantes do Poder Executivo não alteraram o cotidiano e as formas de planejamento de políticas. Em março/2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceu a existência da Pandemia da Covid-19. Os entes federados foram tomados por uma urgência nas ações sem um desenho claro da política que estavam implementando, sem a apresentação de estratégias de enfrentamento da crise e sem a previsibilidade ou um plano de retomada transparente discutido com a sociedade e sem uma coordenação nacional que orientasse a redução de danos educacionais.

O artigo investiga a implementação de ações realizadas pelas Secretarias Municipais de Educação (SMEs) no âmbito da Educação Infantil (EI) no decorrer da Pandemia pelo novo Coronavírus (Sars-CoV2), utilizando a pesquisa bibliográfica sobre políticas públicas, em especial sobre a fase de implementação, e a pesquisa documental de forma virtual. Nos pressupostos de Gil (2002), a primeira é desenvolvida com base em material já elaborado (livros, artigos...) e, a segunda, baseada em documentos públicos ou privados, com a vantagem de possuir uma fonte rica e estável de dados, que, em geral, não recebeu tratamento analítico, podendo ser reelaborado de acordo com os objetivos do estudo. Não necessita de altos custos e não exige contato com os sujeitos da pesquisa, ideal para o momento pandêmico em curso.

A estratégia metodológica partiu do levantamento das ações municipais, alicerçada na análise da comunicação em sites e redes de compartilhamento (Facebook e Instagram), tanto das SMEs quanto das Prefeituras e Conselhos Municipais de Educação (CMEs). A partir de documentos e informações oficiais, observamos quais foram as políticas públicas de enfrentamento à Pandemia que tiveram relação direta (ou indireta) com a EI pública. O marco temporal foi de 16/3/2020 (início do primeiro isolamento social) até 26/9/2020 (prazo final de registro de candidaturas para as eleições municipais), pois muitas informações sobre entrega de benefícios aos discentes foram retiradas das plataformas digitais para que não fossem confundidas com atos de campanha.

A escolha do campo foi definida levando em conta, principalmente, o estudo organizado por Nunes (2019), que partiu dos 92 municípios do estado do Rio de Janeiro com suas respectivas informações de PIB per capita, tamanho da população e a variação do número de matrículas da pré-escola entre 2010 e 2017, categorizados em 8 grupos a fim de se obter uma melhor representatividade destas diferentes condições iniciais, elencando 2 municípios em cada categoria, que tivessem condições iniciais próximas, porém obtiveram diferentes resultados na expansão da pré-escola. O estudo agregou as seguintes duplas: Cambuci/São Sebastião do Alto; Vassouras/Iguaba Grande; Saquarema/Guapimirim; Belford Roxo/Nova Iguaçu; Carmo/Quatis; Santo Antônio de Pádua/Paraíba do Sul; Barra do Piraí/Teresópolis; Niterói/Duque de Caxias. Em razão da quantidade de municípios e da complexidade existente em cada um deles, foram selecionados três municípios: Niterói/Duque de Caxias e a inclusão da Cidade do Rio de Janeiro, dada a sua centralidade na política estadual.

Toda iniciativa pública voltada para o atendimento social ou educacional se constitui em uma ação relevante, sendo determinante na vida dos que dela fazem parte. Centrado numa perspectiva de caráter “meso”, a investigação se ancora nas políticas públicas e nas instâncias intermediárias, buscando compreender como se dá o processo de construção de uma política pública por demanda nova (RUA, 2014). Os objetivos centrais da pesquisa consistem em analisar a implementação de políticas públicas intersetoriais no âmbito da EI elaboradas durante o período de Pandemia a partir da suspensão de atividades escolares presenciais e discutir sobre as políticas implementadas nesse período, em especial, as ações ligadas à distribuição de materiais, alimentação e propostas pedagógicas, bem como a judicialização do tema, sob a ótica da (re)produção de desigualdades. Caracterizamos como uma política do imprevisível, calcada no improviso diante das demandas apresentadas, sem a preparação devida e devendo ser implementada na base do ensaio e erro, de forma repentina e muitas vezes inapropriadas.

As políticas perpetradas tiveram relação com a continuidade do atendimento educacional das crianças de maneira remota e com o fornecimento de alimentos e materiais escolares aos estudantes durante o isolamento social. Apesar de todos os municípios da amostra resolverem adotar essas medidas, a pesquisa aponta que a forma como elas foram realizadas tomou contornos diversos em cada um deles, bem como foi acompanhada de maneira distinta por órgãos de proteção aos direitos das crianças (Ministério Público e Defensoria Pública).

Políticas educacionais para a Educação Infantil durante a Pandemia

A EI apresentou várias mudanças para alcançar as concepções atuais. Diversas transformações nas regulamentações e nos direitos reconhecidos como das crianças aconteceram durante todo o período do século XX.

No Brasil, nos anos de 1930, houve alterações importantes para se institucionalizar a educação como um direito, como, por exemplo, a aprovação da Constituição de 1934 (BRASIL, 1934), que declarava a educação gratuita e obrigatória. No âmbito internacional, a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, foram publicadas as declarações sobre os direitos humanos, no ano de 1948, e sobre os direitos da criança, em 1959, ambas aprovadas pela Organização das Nações Unidas. Essas documentações enfatizaram a necessidade de se democratizar a educação, porém não possuíam força de lei.

A partir de 1970 houve maiores modificações nas demandas para a educação das crianças, como as criações do Projeto Casulo da Legião Brasileira de Assistência – LBA (1974) e da Coepre – Coordenação de Educação Pré-Escolar (1975), bem como o lançamento do Programa Nacional de Educação Pré-Escolar, em 1981 (NUNES; CORSINO; DIDONET, 2011). Com a Constituição de 1988 (CF/1988) fica estabelecido que a educação é um direito público subjetivo para crianças e adolescentes dos 4 aos 17 anos de idade, conforme previsão do Art. 208, a partir da modificação dada pela Emenda Constitucional (EC) nº 59/2009 (BRASIL, 1998, 2009).

Com a inclusão da educação para crianças pequenas na Constituição, a EI passou a ser mais valorizada em outras documentações oficiais, como é o caso dos Planos Nacionais de Educação (PNEs), que estabeleceram metas para essa etapa de ensino, como discorre Santos (2018, p. 51):

Desfrutando dessa nova fase legal, a EI passa a possuir meta no PNE, aprovado em 2001 para vigorar nos 10 anos seguintes, como também no PNE atual, aprovado em 2014 pelo Congresso Nacional. Os anos 2000 também trazem como novidade a discussão do financiamento da EI, com a aprovação da EC nº 53/2006 (BRASIL, 2006), e posterior regulamentação do Fundeb.

Desta forma, pela CF/1988 (BRASIL, 1988), a Educação, entre outros direitos, constitui-se com um direito social (Art. 6º), direito de todos e dever do Estado e da família, que deve ser promovida e incentivada pela sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (Art. 205). O atual PNE propõe como metas para a EI a universalização da pré-escola para as crianças de 4 e 5 anos até o ano de 2016, além de ampliar a oferta em creches para, pelo menos, 50% das crianças de até 3 anos até o final da vigência de tal documento (BRASIL, 2014).

Em março de 2020, devido aos altos índices de contaminação causados pelo vírus da Covid-19, a OMS considerou a situação como uma Pandemia. Os governantes de cada unidade federativa tiveram que adotar medidas específicas que impactaram o cotidiano escolar diretamente, sobretudo em razão da suspensão de aulas presenciais a fim de evitar aglomerações.

Para acessar os dados e documentos relativos às medidas tomadas pelos municípios, a estratégia metodológica partiu do levantamento das ações municipais, de forma virtual, a partir da comunicação em sites e redes de compartilhamento (Facebook e Instagram), tanto das SMEs quanto das Prefeituras e CMEs, construindo um Banco de Dados com as informações relevantes dos municípios, como vistos a seguir.

Niterói estabeleceu, por meio do Decreto nº 13.506/2020 (NITERÓI, 2020a), que as aulas deveriam ser suspensas por 15 dias, entre 16 e 31/3/2020, para diminuir a propagação do vírus, apresentando elementos que deveriam guiar as políticas públicas e afirmando princípios constitucionais de compromisso com a infância como prioridade absoluta. Em 1/4/2020, pelo Decreto de nº 13.533/2020 (NITERÓI, 2020b), foi determinado que as aulas continuassem suspensas até o fim do estado de emergência. Foi criado o Edital de Processo Seletivo de Materiais Educacionais Digitais para o Portal Educacional da Rede Municipal de Educação, que visava a elaboração de atividades por meio virtual, elaboradas por pedagogos e professores, para acesso dos estudantes durante o período de quarentena.

Duque de Caxias, também aderiu à suspensão das aulas presenciais entre o período de 16 e 31/3/2020, de acordo com informações encontradas nas redes de compartilhamento. Depois foi divulgado que as escolas continuariam fechadas até meados de abril e com os decretos nos 7.578/2020 e 7.587/2020, as aulas ficariam suspensas até 31/5 e 15/6/2020, respectivamente (DUQUE DE CAXIAS, 2020a,b). No dia 3/7/2020 o decreto nº 7.626/2020 (DUQUE DE CAXIAS, 2020c) autorizou a reabertura das escolas particulares do município, no entanto, uma decisão judicial suspendeu a medida até que fosse feita uma audiência de mediação entre o sindicato das escolas particulares e representantes do município e do estado, da área da saúde e da educação.

No Rio de Janeiro, por meio do Decreto nº 47.282/2020 (RIO DE JANEIRO, 2020a), foram estabelecidas medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública, incluindo a suspensão das aulas presenciais a partir de 16/3/2020, mas as escolas se mantiveram abertas, durante os dias 16 e 17 do mesmo mês, para a oferta de merenda escolar. Houve a criação de cursos de aperfeiçoamento e um curso de apoio emocional online para os profissionais da Educação. O Decreto nº 47.488/2020 (RIO DE JANEIRO, 2020b), instituiu o Programa Rio de Novo, com ações de retomada da economia e elaboração de fases de reabertura de comércio e serviços, com adiantamento nas datas de reabertura de comércios e sucessivos adiamentos nas datas de reabertura das escolas (públicas ou particulares). Os funcionários terceirizados de limpeza e cozinha que trabalhavam nas escolas ficaram afastados, mas com a garantia de seus salários, pagos em parte pela empresa (30%) e parte pelo Governo Federal (70%). Entretanto, a partir do mês de junho/2020, o contrato de trabalho das equipes de limpeza acabou e não foi renovado, logo, os profissionais ficaram desempregados; com parte desses profissionais sendo recontratada a partir de agosto/2020, no momento que as escolas reabriram fisicamente apenas para expediente administrativo e entrega de materiais às famílias.

Diante dos municípios analisados, é possível compreender que as principais políticas educacionais tomadas para a EI, foram tentativas de contenção da propagação do Coronavírus nos ambientes escolares a partir do distanciamento social e de alguma forma de atendimento remoto às crianças por meio de aplicativos, plataformas ou envio de vídeos às crianças.

Intersetorialidade na implementação de políticas públicas

A política pública é “[...] tudo que um governo faz e deixa de fazer, com todos os impactos de suas ações e de suas omissões.” (AZEVEDO, 2003, p. 38). Assim, temos que as omissões de um gestor também fundam políticas públicas, pois, podem implicar em consequências para a população. A fase de implementação, de acordo com Arabage et al. (2018, p. 54), “consiste em programar em detalhes o que será feito, o que se espera que aconteça como resultado de cada ação e o que se necessita agenciar e disponibilizar de modo a assegurar a sua realização.” De acordo com Pires (2019, p. 18), os estudos sobre a implementação vêm “desenvolvendo uma perspectiva sobre a atuação do Estado e suas políticas públicas que valoriza o olhar sobre operações, processos e atos ordinários que dão concretude e preenchem o cotidiano da atividade governamental.”

Temos, desta forma, que as ações desenvolvidas pelos municípios pesquisados no período da Pandemia são políticas públicas por demandas novas (RUA, 2014), pois nascem de um problema que não estava previsto nos planejamentos municipais5, e intersetoriais, já que articulam aspectos das áreas da saúde, educação e assistência social, onde, “cada setor de política pública tem seus interesses e preferências, assim como cada instituição apresenta sua própria cultura organizacional e lógica de atuação.” (OLIVEIRA; LOTTA; NUNES, 2019, p. 460).

A implementação de políticas públicas vem sendo muito estudada nos últimos anos, da mesma forma que vem crescendo, no Brasil, os estudos sobre a temática das desigualdades sociais. Apesar da expansão dos estudos das duas temáticas, elas andam paralela e separadamente, não encontrando um esforço de aproximação e diálogo entre essas abordagens. Urge, nos pressupostos de Pires (2019), buscar o diálogo entre essas temáticas, ou seja, colocar o desafio, tanto teórico quanto empírico, pensando nesse encaixe e definindo como objeto intermediário a ideia de pensar como contatos cotidianos entre segmentos vulnerabilizados da população e as políticas públicas voltadas para o público em questão podem em alguma medida interferir nos padrões de produção e reprodução de desigualdades sociais.

Pires (2019, p. 14) nos traz que “os contatos cotidianos entre os segmentos vulneráveis da população e os serviços e as políticas públicas podem, em algumas circunstâncias, contribuir para reforçar (ao invés de mitigar) vulnerabilidades e formas de exclusão, perpetuando, assim, desigualdades sociais já existentes.” Por exemplo, nos municípios pesquisados aparecem as atividades não-presenciais, conforme a seguir:

  • - Niterói: utiliza um portal já existente com propostas para a EI e o Ensino Fundamental (EF), adaptado como possibilidade de manter o trabalho educativo no contexto de isolamento social. A Prefeitura, envolvendo as Secretarias de Educação e Ciência e Tecnologia e a Fundação Municipal de Educação, criou um Edital para seleção de materiais educacionais digitais, elaborados por professores e pedagogos que atuam nas etapas de EI e/ou EF, incluindo outras modalidades.

  • - Duque de Caxias: não foi identificada nenhuma plataforma digital específica, mas foi sugerido o envio de vídeos, áudios, imagens, com cada escola tendo autonomia para escolher o formato do trabalho no momento de Pandemia. Produziram vídeos com narração de histórias (projeto “Doe uma história”).

  • - Rio de Janeiro: a partir da primeira semana de suspensão das aulas presenciais foi disponibilizado um aplicativo com exercícios para a EI e o EF. Com a adoção do uso da plataforma Microsoft Teams, no mês de maio cada professor também pôde enviar exercícios específicos para os estudantes que conseguissem acessar. A partir do dia 13/8/2020, a Prefeitura passou a exibir uma programação em TV aberta (canais Band Rio e TV Escola) para crianças do 1º ao 9º ano, com a promessa de extensão da programação para a EI.

Quanto ao acesso ao ensino remoto, verificamos uma preocupação no município do Rio de Janeiro, onde, de acordo com Diário Oficial de 1/6/2020, consta cotação de preços (com dispensa de licitação) para a contratação de Internet aos estudantes para uso exclusivo nos sites da própria Prefeitura. Não encontramos publicações que confirmem se a medida foi efetivada. Foi a única, em nossa amostra, que realizou pesquisa com os responsáveis para saber a opinião dos mesmos sobre o uso das plataformas digitais. Em Niterói, foi noticiado que os estudantes das escolas municipais receberiam kits escolares (1º e 2º ciclos) e os cadernos “Caminhos de Aprendizagens” (2º, 3º, 4º e EJA), para beneficiar quem não tem acesso à Internet, contudo, não identificamos materiais que contemplem as especificidades da EI. No município de Duque de Caxias não identificamos nenhuma ação com essa preocupação.

Além dos conteúdos pedagógicos, surgiram ações intersetoriais, como as de cunho assistencial, em especial, ligadas à alimentação. Para Oliveira, Lotta e Nunes (2019, p. 464), “a intersetorialidade é a coordenação de diferentes setores para, conjuntamente, construírem soluções que resolvam de forma produtiva problemas sociais.” Observem as ações intersetoriais identificadas:

  • - Niterói: o decreto de suspensão das aulas aponta a necessidade de prover as crianças e adolescentes da Rede Pública de alimentação básica em substituição à alimentação fornecida em período escolar, medida de segurança alimentar imprescindível para a manutenção da saúde dos estudantes. Foi divulgado que gestores das unidades municipais fariam levantamento dos estudantes em vulnerabilidade social, em conjunto com a Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS), para garantir a distribuição de 30 mil cestas básicas. Além das ações específicas para os estudantes, foi aprovada uma lei que dispõe sobre a criação de renda básica temporária de 500 reais para cidadãos do município inscritos do CadÚnico. Também serão beneficiárias da renda básica temporária as famílias que tenham ao menos um filho matriculado nas escolas da rede pública, ainda que não estejam inscritas no CadÚnico da SMAS, por três meses.

  • - Duque de Caxias: em parceria com o aplicativo PicPay, propôs complementar a alimentação de 70 mil estudantes da rede municipal com 50 reais por mês durante o período sem aulas presenciais. Contudo, existem relatos de profissionais da rede que dizem que só foi depositada uma parcela do benefício.

  • - Rio de Janeiro: pretendia manter a oferta de merenda escolar, mesmo com as aulas suspensas, sendo impedida por ordem judicial. Posteriormente, lançou um edital para cadastrar supermercados para o fornecimento de cestas básicas aos estudantes. Em seguida (ainda no mês de abril/2020), disponibilizou um cartão-alimentação no valor de 100 reais para os beneficiários do Programa Bolsa-Família – PBF (inicialmente seria um cartão por família e depois passou para um cartão por estudante). Foi disponibilizado um link para a solicitação de um cartão-alimentação para famílias não beneficiárias do PBF e que estivessem nas seguintes situações: não trabalha, autônomo, desempregado, empregado com trabalho suspenso e inscrito como Microempreendedor Individual. No entanto, os cartões não foram entregues e viraram cestas básicas por ordem judicial. No início do mês de agosto/2020 foi liberado um calendário para a entrega de um novo cartão-alimentação no valor de R$ 54,25 para cada estudante da rede municipal. Esse calendário previa dias específicos para a entrega do cartão de acordo com a letra do nome do responsável e a promessa de que haveria uma recarga mensal de valor idêntico enquanto as aulas continuarem suspensas.

Os dados identificados no estudo não foram suficientes para analisar como se deram os diálogos entre as burocracias das diferentes instâncias intersetoriais. Surpreende-nos a falta de ações da área da saúde em articulação com as escolas dada a natureza do contexto de Pandemia no qual estamos vivendo.

Judicialização de políticas públicas em contexto de atividades presenciais suspensas

A CF/1988 (BRASIL, 1988) elencou a Educação como um direito fundamental e o Art. 208 traz a previsão de que se trata de um direito público subjetivo. Entendemos como direito público subjetivo tudo aquilo que representa “o poder da vontade humana que, protegido e reconhecido pelo ordenamento jurídico, tem por objeto um bem ou interesse.” (JELLINEK, 19106apudDUARTE, 2004, p. 10). Nesse sentido, o acesso à EI é um direito próprio de cada criança, independente da edição de leis ou regulamentos para sua efetivação. O seu não cumprimento ou atendimento insatisfatório acarreta a possibilidade de responsabilização do poder público, já que “a criança, com a promulgação da Constituição, deixa de ser alguém que não é (pelo menos nas discussões acadêmicas) e passa à condição de cidadã (pelo menos na letra da lei).” (KRAMER, 19967apudOLIVEIRA; TEIXEIRA, 2019, p. 17).

A falta de conhecimento sobre normas e aspectos de cidadania por grande parte da população fez com que a execução de programas já existentes fosse equivocadamente interpretada como políticas de assistência social elaboradas especialmente para esse período, como exemplo da oferta de alimentos pelos municípios pesquisados. Isso porque a presença das crianças da EI no cotidiano escolar além de conferir a oferta de serviços educacionais, também reúne aspectos de segurança alimentar, com a garantia de merenda escolar diária, de segurança emocional e de saúde, sendo a intersetorialidade um tema sensível à esta etapa de ensino. Com a falta de uma coordenação nacional do Ministério da Educação, cada estado e município prosseguiu a seu modo e a maior diferença identificada durante a pesquisa foi no repasse (ou não) da verba destinada à merenda escolar.

A defesa dos direitos educacionais das crianças não precisa ser pleiteada apenas por seus pais e/ou responsáveis. A própria Constituição possibilita a órgãos como o Ministério Público (MP) e a Defensoria Pública (DP) o manejo de instrumentos judiciais e extrajudiciais para questionar ações ou omissões do Poder Executivo. Ao longo da pesquisa de ações das Secretarias Municipais, realizamos uma busca virtual nos sites desses dois órgãos a fim de verificar a forma de interação destes com as políticas públicas promovidas. Segundo Cury e Ferreira (2016, p. 5),

Pode-se designar este fenômeno como a JUDICIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO, que significa a intervenção do Poder Judiciário nas questões educacionais em vista da proteção desse direito até mesmo para se cumprir as funções constitucionais do Ministério Público e outras instituições legitimadas.

Observando a atuação tanto do MP quanto da DP percebemos que são expedidas recomendações (procedimentos administrativos) aos municípios para coletar informações sobre os atos municipais e orientar na execução correta do uso das verbas públicas e da efetivação de direitos. Caso as recomendações não sejam seguidas e alguma irregularidade dentro da discricionariedade administrativa ocorra, são movidas ações civis públicas, com ou sem pedidos de antecipação de efeitos para resguardar os direitos das crianças. Observamos que as atividades relacionadas à alimentação e envio de atividades não passaram despercebidas pelos órgãos de proteção.

Com relação ao direito à alimentação, o debate jurídico girou em torno da criação de uma conta exclusiva para recursos da Educação, da não utilização de verbas da Educação para custeio de fornecimento de gêneros alimentícios às crianças e do fornecimento de alimentos a todas as crianças e não apenas àquelas pertencentes aos programas de complementação de renda. Silveira (2013, p. 384) destaca que “a tutela dos direitos educacionais deve envolver interesses que transcendem a esfera individual, influenciando o planejamento do orçamento público e o estabelecimento de prazos para o cumprimento das metas a serem atingidas.” O direito à alimentação de todas as crianças que estudam na rede pública foi questionado tanto pelo MP quanto pela DP, especialmente porque a alimentação escolar decorre de um programa específico do Governo Federal (PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar), mas na prática alguns gestores municipais em vez de repassar essa verba às famílias usaram verbas da Educação para conceder valores distintos, nem sempre a todos os estudantes, o que se aproximava mais de medidas de assistência social que propriamente educacionais. Tal escolha é ainda mais sensível em um período pré-eleitoral.

Já com relação às atividades educacionais remotas, a preocupação se deu em deixar claro que o envio de atividades durante a suspensão das aulas não poderia ser considerado como dia letivo para fins de cômputo da Lei nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996), assim como na recomendação de não exposição das crianças, em especial da EI, a tempo demasiado de tecnologias, pois isso poderia prejudicar sua saúde e desenvolvimento. Em âmbito federal, no mês de agosto, foi publicada a Lei nº 14.040/2020 que dispensa as escolas de cumprir os 200 dias letivos. Diante dessa conjuntura atípica, forçou os municípios a acelerarem essas fases da política e desencadearam um contexto em que as ações são colocadas e alteradas em um curto espaço temporal sem a possibilidade de avaliação e monitoramento.

No que tange a alimentação, o município do Rio de Janeiro anunciou a entrega de cartões-alimentação no valor de 100 reais para estudantes pertencentes ao PBF; posteriormente disponibilizou um link para solicitação do mesmo cartão a quem informasse a necessidade de recebimento. Diante desse cenário a DP expediu recomendação ao município para que fornecesse alimentação a todos os estudantes, seja por distribuição de gêneros ou por transferência de renda, na quantidade de refeições que a criança fizesse na escola. O município não seguiu a recomendação e no final do mês de maio/2020 a DP e o MP ingressaram com ações judiciais para obrigar a cumprir os itens que antes foram recomendados. Com a decisão judicial, o município anunciou que não daria mais os cartões e passaria a dar cestas básicas a todos os discentes, contudo, firmou um Termo de Ajustamento de Conduta com o MP e distribuiu um cartão alimentação por estudante no valor de R$ 54,25 com a promessa de recargas mensais até o fim da suspensão das aulas. Esse valor foi calculado com base no gasto médio mensal de merenda consumido por uma criança. Outro ponto alvo de judicialização foi o financiamento da alimentação durante a Pandemia, já que o MP sustentou, na recomendação que expediu, que essa ação deveria acontecer por meio dos valores recebidos do Governo Federal por meio do PNAE em vez do uso de verbas municipais destinadas ao investimento e valorização da educação. Como não houve consenso, o MP entrou com uma ação civil pública para discutir o correto financiamento da alimentação durante a Pandemia. O MP requereu, ainda, a interrupção das regras de flexibilização do isolamento social sem que antes fosse apresentado um estudo técnico que justificasse as medidas que estava adotando, mas nesse aspecto não logrou êxito.

No município de Duque de Caxias as interações entre os poderes Executivo e Judiciário foram semelhantes. Em maio/2020, o MP conseguiu uma liminar para impedir o prefeito de flexibilizar o isolamento social, momento em que a transmissão do vírus ainda era alta e o município não apresentava nenhum estudo técnico que justificasse tais medidas. Além disso, o MP enviou duas recomendações, uma destacando o uso correto das verbas para custeio da alimentação durante a Pandemia e outra para que o município se abstivesse de oferecer atividades não presenciais para discentes da EI e do EF com o intuito de cômputo de horas para o ano letivo. Recomendou a oferta de atividades para o EF apenas em caráter complementar e para a EI apenas atividades lúdicas. Tais recomendações não viraram ações judiciais e o MP permaneceu acompanhando as ações do município por intermédio do procedimento administrativo que requereu informações sobre as medidas referentes à garantia da saúde dos estudantes e profissionais da educação, ao cumprimento da carga horária anual e ao direito à alimentação das crianças durante a suspensão das aulas presenciais. Durante a pesquisa não foram localizados atos emanados da DP neste município.

Com relação ao município de Niterói, dentro do recorte temporal da pesquisa, não foi encontrado nenhum procedimento, administrativo ou judicial, por parte da DP ou do MP. Essa é apenas uma, dentre as diferenças percebidas em cada um dos municípios pesquisados.

Considerações Finais

A pesquisa nos trouxe diversos questionamentos acerca de como as relações e a oferta de EI são desiguais, dentro e entre os municípios. Tais desigualdades, sabidamente existentes antes da existência de uma situação de Pandemia, foram escancaradas de uma só vez. Observamos que as principais políticas educacionais foram relacionadas às tentativas de contenção da propagação do Coronavírus nas unidades educacionais por meio do distanciamento social e da oferta de atendimento remoto às crianças. Ao mesmo tempo, a preocupação com a saúde e a alimentação das crianças foi exaltada, permeada pela interlocução dos gestores municipais com o Ministério Público e a Defensoria Pública no sentido de fiscalizar e induzir a promoção de políticas públicas.

Ressaltamos a fase de implementação por seu potencial de mitigação ou (re)produção de desigualdades. Com a decretação da emergência sanitária decorrente do novo Coronavírus os municípios foram forçados a se articular num curto espaço de tempo e a promover políticas públicas (em geral políticas intersetoriais entre a saúde, educação e assistência social) sem um planejamento prévio. A educação básica é efetivada de maneira presencial, sobretudo a EI, que é pautada nas interações e brincadeiras. Os municípios propuseram atendimento remoto sem deixar claro o que isso significava, bem como a fornecer alimentos sem elucidar a natureza dessas ações. Isso porque se a natureza é assistencial deve ser dada a todos os moradores do município; se for de origem educacional deve ser dada a todos os estudantes da rede. Os municípios escolhidos para o presente relato indicaram ações híbridas, concedendo valores diferenciados para alimentação utilizando como critério as crianças que possuem benefícios sociais (geralmente o Programa Bolsa-Família).

Os fatores que levam a produção ou manutenção das desigualdades sociais são muito mais amplos (ordem econômica, definição de formas de propriedade privada, comércio global etc.), contudo, a pesquisa se restringiu a pensar de que forma a organização e a prestação do serviço público pode ter um papel de reforço ou de mitigação desses processos. Na questão do reforço, temos que em alguns casos pode contribuir para a perpetuação das desigualdades, como a falta de acesso à equipamentos de informática e Internet para as atividades remotas.

Muitas vezes, ficam latentes as dificuldades de acesso às políticas públicas, como é o caso, agora, no oferecimento de atividades on-line na Pandemia, onde são reproduzidas as desigualdades já existentes, que são acumuladas ao longo da trajetória das crianças, com claros impactos em suas possibilidades futuras na vida, em geral, e no processo educacional, em particular. Nos municípios estudados não estava prevista a obrigatoriedade no acesso às atividades, ou seja, não se pode verificar o alcance das mesmas e quem pôde acessar as atividades, pois, nem todas as crianças possuem as condições ideais para o acesso às plataformas digitais (espaço físico, equipamentos, Internet...), perpetuando as desigualdades que já estavam colocadas mesmo antes da Pandemia.

Os contatos cotidianos são importantes, não só porque abundam na nossa vida, do nascimento até a morte (operações de registro, documentos, prestação de serviços, serviços de saúde, assistência social, sala de aula, tributação etc.), mas também podem desembocar em situações muito diversas, como exercer influências para o acolhimento, para o reforço à dignidade, para percepção de exercício de direitos, pertencimento a uma comunidade política, mas, ao mesmo tempo, eles são capazes de representar a desatenção, a humilhação, ao desamparo, até o desespero e a desvinculação desse sujeito da comunidade, podendo, assim, mitigar os danos associados à exclusão social, ou, ao contrário, reforçar as desigualdades já existentes, como demonstrado no decorrer do texto, tanto em relação à educação como à saúde e à assistência social.

É justamente por terem esse potencial de oscilar entre esses dois polos que os tornam um objeto importante da análise observar se a política voltada, na intenção, à inclusão de todos, pode, nas dinâmicas cotidianas, impedir esse objetivo, gerando resultados adversos, contrários a esses propósitos. Pode ainda trazer um tipo especial de efeito não pretendido, o “efeito social da implementação”, que designa o conjunto de repercussões que o envolvimento com um serviço pode gerar na rede na qual o sujeito está inserido, podendo afastá-lo ou reforçar sua incorporação. Ou seja, “a depender da maneira como um serviço público é implementado, podem emergir barreiras de acesso ou critérios de seleção não formalmente previstos e que incidam precisamente sobre os segmentos sociais mais precarizados.” (PIRES, 2019, p. 20). Assim, as políticas têm objetivos, produzem resultados, entre os quais resultados não-esperados, e esses efeitos interferem na produção e reprodução de posições sociais, ou seja, um arranjo institucional que não funciona bem, transfere os custos desse enredamento aos próprios usuários e beneficiários (maleficiários), tais como, custos associados à aquisição de equipamentos de informática, ao acesso à Internet, entre outros, o que, em certas situações, pode levar a graves danos ao sujeito envolvido.

Outra questão nos tipos de ações desenvolvidas no âmbito das SMEs, refere-se à intersetorialidade na implementação da política pública, que demandam o envolvimento de outros setores e secretarias, que precisam estar bem coordenados para gerarem soluções para os problemas sociais, não cabendo improvisos e imprevisibilidades.

As desigualdades entre os municípios da pesquisa ficaram muito evidentes. A diferença de um município que concede 50 reais por mês (Duque de Caxias) e outro que concede 500 reais para um período de 3 meses (Niterói) aos estudantes que possuem cadastros em programas sociais; de um município que não propõe nenhuma atividade remota aos discentes de início (Niterói) para outro que disponibiliza um aplicativo com atividades desde a primeira semana (Rio de Janeiro), são apenas alguns exemplos que surgem em regiões geográficas próximas que passam por um contexto semelhante de suspensão das aulas presenciais em decorrência de uma emergência de saúde pública.

A decisão de “fechamento” físico do acesso das crianças às escolas foi uma medida de origem sanitária que trouxe imensos desafios aos municípios, mas as políticas controversas implementadas foram alvo de recomendações e de ações civis públicas na área da educação com o objetivo de discutir estratégias de atendimento educacionais remotos, garantia de cumprimento de carga horária letiva, financiamento da educação e retorno presencial das aulas. Como as ações civis públicas movidas nesse período ainda não foram julgadas e a Pandemia ainda não passou, as questões levantadas no presente texto são apenas preliminares, necessitando de aprofundamentos em futuras investigações.

1A pesquisa teve apoio financeiro do CNPq e da Faperj, contando com bolsa PNPD/Capes.

5As demandas das políticas públicas podem ser definidas como: i) novas – aquelas que nascem de novos atores políticos ou de novos problemas; ii) recorrentes – aquelas que anunciam problemas não resolvidos ou mal resolvidos; ou iii) reprimidas – aquelas formadas por “estados de coisas” ou por não-decisões, ou seja, situações que existem sem mobilizar as autoridades governamentais. (RUA, 2014).

6JELLINEK, G. Sistema dei diritti pubblici subbietivi. Milano, 1910.

7KRAMER. Sonia. Pesquisa Infância e educação: um encontro com Walter Benjamin. KRAMER, Sonia; LEITE, Maria Isabel (Orgs.). Infâncias: fios e desafios da pesquisa. “Série Prática Pedagógica”. Campinas (SP): Papirus, 1996.

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Recebido: 01 de Abril de 2022; Aceito: 01 de Maio de 2022; Publicado: 01 de Junho de 2022

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