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Jornal de Políticas Educacionais

versión On-line ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.17  Curitiba  2023  Epub 11-Oct-2023

https://doi.org/10.5380/ipe.v17i0.90095 

Seção Artigos

Mapeamento da formação de docentes no Paraná: um olhar para o indicador de adequação

Mapping teacher training in Paraná: a look at the adequacy indicator

Mapeo de la formación docente en Paraná: una mirada al indicador de adecuación

Gabriela Schneider1 
http://orcid.org/0000-0002-6346-2849

Adriana Aparecida Dragone Silveira2 
http://orcid.org/0000-0001-6022-627X

Thiago Alves3 
http://orcid.org/0000-0002-5746-3386

1Doutora em Educação, Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná (PPGE/UFPR). Orcid: https://orcid.org/0000-0002-6346-2849. E-mail: gabrielaschneider@ufpr.br

2Doutora em Educação, Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná (PPGE/UFPR). Orcid: https://orcid.org/0000-0001-6022-627X. E-mail: adrianadragonesilveira@gmail.com

3Doutor em Administração, Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Goiás (PPGADM/FACE/UFG). Orcid:https://orcid.org/0000-0002-5746-3386. E-mail: thiagoalves.edu@ufg.br


Resumo

O artigo analisa o Indicador de Adequação da Formação Docente dos profissionais que atuam no ensino fundamental – anos finais – e ensino médio no Paraná, por meio da plataforma Mapeamento da Formação Docente do Paraná (Mapfor Paraná) com base nos dados do Censo Escolar. Compreender melhor a formação dos docentes se faz importante para direcionar melhor as ações formativas. A análise dos dados mostrou que, apesar de uma grande parcela dos docentes do estado do Paraná possuir formação em nível superior, nem todos têm formação em licenciatura e há uma parcela deles que atuam em disciplinas que não condizem com sua formação. Nesta condição, destacam-se docentes da rede privada e os professores com contratos temporários.

Palavras-chave: Adequação na formação docente; Formação docente; Dados Educacionais; Políticas Educacionais; Educação Básica

Abstract

The article analyzes the Teacher Training Adequacy Indicator of professionals working in the final years of elementary school and high school in Paraná, using the platform Mapping of Teacher Training in Paraná (Mapfor Paraná), based on school census data. A better understanding of teacher training is important to better direct formative actions. Data analysis showed that, despite a large portion of teachers in the state of Paraná having higher education degrees, not all of them have a degree in education and some of them teach subjects that do not correspond to their degree. In this condition, teachers from private schools and those with temporary contracts stand out.

Keywords: Adequacy in teacher training; Teacher training; Educational Data; Educational Policies; Basic education

Resumen

El artículo analiza el Indicador de Adecuación de la Formación Docente de los maestros que actúan en la Enseñanza Básica y Media en Paraná, a través de la plataforma de Mapeo de la Formación Docente en Paraná (Mapfor Paraná) con base en datos del Censo Escolar. Una mejor comprensión de la formación docente es importante para orientar mejor las acciones de formación. El análisis de los datos mostró que, aunque una gran parte de los docentes del estado de Paraná tiene educación superior, no todos tienen título y hay algunos que trabajan en disciplinas que no corresponden a su formación. En esta condición se destacan los docentes de la red privada y los docentes contratados como temporales.

Palabras Clave: Adecuación en la formación del profesorado; Formación de profesores; Datos educativos; Políticas Educativas; Educación básica

Introdução

A educação básica brasileira expandiu-se significativamente desde a década de 1970, aproximando-se da universalização no ensino fundamental (EF), ainda que permaneça o desafio do acesso na educação infantil (EI), especialmente na creche, e da permanência no ensino médio (EM). Ao desafio do acesso e permanência soma-se o desafio da oferta de uma educação em condições de qualidade, conforme prevê a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).

Um dos elementos relacionados à discussão da oferta educacional em condições de qualidade é a adequação da formação docente quanto ao nível de formação (superior), grau acadêmico (licenciatura) e área de formação (etapa/disciplina de atuação). Dessa forma, o diagnóstico da formação dos docentes que atuam na educação básica e da oferta de formação superior são fundamentais para a discussão das políticas educacionais e o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) (BRASIL, 2014).

São inúmeros desafios relacionados a questão docente: condições de trabalho, baixa atratividade da carreira (GATTI; BARRETO, 2009); condições de emprego e condições objetivas para a realização do trabalho (NARDI; SCHNEIDER, 2014); além de adoecimento e intensificação do trabalho (VIEGAS, 2022). A formação também é um desafio, pois é condição necessária para ingresso na carreira e para atuação no ensino, conforme estabelece a legislação (BRASIL, 1996).

A formação dos profissionais da educação escolar básica é definida pela LDB (BRASIL, 1996, art. 61) tendo como requisito mínimo licenciatura, admitida a formação de nível médio na modalidade normal para a educação infantil e anos iniciais do EF. O PNE de 2014 estabeleceu como meta formar todos os professores da educação básica em nível superior e garantir que as disciplinas sejam ministradas por docentes com formação adequada, ou seja, na área da disciplina. Porém, mesmo com as definições legais mínimas exigidas para atuação docente, ainda é possível encontrar professores com formação incompatível à etapa e à área de atuação. Dados do Censo Escolar 2020 (UFG; UFPR, 2020) apontam que 16,7% dos docentes brasileiros não possuem licenciatura. Somado a isso, 62% dos docentes dos anos finais do EF e EM não possuem formação adequada na área/disciplina que lecionam.

Diante desse cenário, é importante compreender melhor a formação dos docentes a fim de direcionar melhor as políticas formativas, subsidiar dimensões da valorização docente e as formas de acesso à carreira. Nesse sentido, o objetivo desse artigo é analisar os dados de adequação da formação docente dos profissionais que atuam nos anos finais do EF e no EM no Paraná.

Foram utilizados dados da plataforma Mapeamento da Formação Docente do Paraná (Mapfor Paraná), desenvolvida pelo grupo de pesquisa Laboratório de Dados Educacionais (LDE), vinculado à Universidade Federal do Paraná (UFPR) e à Universidade Federal e Goiás4 (UFG). O Mapfor Paraná é um painel de indicadores e mapas on-linecom informações sobre a formação dos docentes que atuam na educação básica no Estado do Paraná. A plataforma também apresenta dados sobre a oferta da educação superior em licenciatura detalhados em cursos, matrículas e situação das matrículas. Os indicadores que compõem a plataforma buscam responder as seguintes questões: 1) Qual é a formação dos(as) docentes da educação básica? 2) Qual é a oferta de formação docente? 3) Qual é a demanda de formação docente? Considerando o foco deste artigo, analisar-se-á o indicador da adequação da formação docente à disciplina que leciona. Neste artigo, especificamente, analisam-se os dados dos profissionais que atuam nos anos finais do EF e EM.

A pesquisa utilizou dados quantitativos para descrever o número de docências5 ou disciplinas ministradas por docentes com a formação adequada. A discussão sobre os dados considerou a etapa de ensino (fundamental ou médio), de acordo com os vínculos dos docentes e dependência administrativa. O indicador foi construído tomando como referência o indicador de adequação da formação do docente da educação básica formulado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep; 2014), mas com adaptações à unidade dos dados, conforme detalhamento apresentado na seção de procedimentos metodológicos.

Os indicadores da formação docente e da oferta de formação podem contribuir com o planejamento de redes de ensino e de instituições de educação superior. Nos últimos anos vem crescendo a iniciativa de coleta e sistematização de dados e indicadores educacionais por parte de diversas instituições, com vistas à melhor compreensão do fenômeno educacional. Nesse sentido, a possibilidade de tornar os dados e indicadores mais facilmente disponíveis é uma forma de colaborar com a discussão, pesquisas e controle social da garantia do direito à educação.

O artigo está estruturado em quatro partes a partir desta introdução. A próxima seção apresenta uma discussão sobre a adequação da formação docente. A terceira versa sobre os procedimentos metodológicos e a quarta seção sobre os resultados e análise de dados. A quinta, e última seção, apresenta as considerações finais.

Adequação da formação docente no Brasil

A expansão da educação básica no Brasil nas últimas cinco décadas, com ampliação do atendimento para além do antigo ensino primário, demanda também um número maior de docentes. Consequentemente é preciso analisar as condições de formação docente nas instituições de educação superior, bem como as condições de trabalho para a atratividade e permanência dos professores qualificados nas escolas de educação básica nos diferentes contextos de lutas pela profissionalização.

A ideia do trabalho docente por vocação sempre esteve muito presente na história educacional e afeta negativamente o movimento de profissionalização do magistério, bem como a valorização por meio de remuneração compatível com a formação.

A melhoria da qualidade da educação está relacionada com a valorização dos docentes. A Constituição Federal, ao estabelecer os princípios nos quais o ensino deve ser ministrado, estabelece que a valorização dos profissionais da educação se dará por meio de planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público (art. 206, inciso V), piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública (art. 206, inciso VIII). Segundo Grochoska (2015), essa carreira se desenvolve por meio de três elementos, tendo como objetivos a qualidade da educação e a qualidade de vida do trabalhador: formação, condições de trabalho e remuneração.

Como destacado por Grochoska (2015), a valorização docente também perpassa pela garantia de condições de trabalho, por meio da garantia de jornada de trabalho para estudo e preparação das aulas (1/3 da jornada destinada à hora-atividade), redução do número de alunos por turmas para a garantia de um trabalho efetivo visando à aprendizagem de todos os estudantes e melhoria na infraestrutura das escolas.

Dentre as dificuldades enfrentadas pela carreira docente está a falta de atratividade:

Já é dado conhecido que a carreira docente não tem exercido suficiente atração para os jovens concluintes do ensino médio, em especial para o trabalho com áreas disciplinares específicas, como matemática, física, química etc. Pesquisas atestam esse fato, mostrando que o número de matriculados nesses cursos vem caindo ao longo dos anos, e que a não conclusão do curso pelos matriculados é muito alta, estimada em torno de 70%. A situação é mais grave nas disciplinas relativas aos anos finais do ensino fundamental e ensino médio. (GATTI, 2014, p. 32).

A falta de atratividade traz reflexos para a formação dos professores que atuam na educação básica, conforme podemos observar na tabela 1. Apesar de uma melhoria na formação, ainda existem profissionais atuando sem a formação mínima necessária. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) a formação docente mínima é dada em cursos de licenciatura de nível superior, sendo admitida a formação em nível médio na modalidade normal para atuação nos anos iniciais do ensino fundamental e na educação infantil.

Tabela 1 Número de docentes segundo formação e percentual de crescimento, Brasil, 2015 – 2020. 

Escolaridade docente 2015 2020 %de crescimento
Número % Número %
Ensino fundamental incompleto 1.521 0,1 1.035 0,0 -32
Ensino fundamental completo 4.781 0,2 3.783 0,2 -20,9
Ensino médio 249.191 11,4 104.852 4,8 -57,9
Ensino médio na modalidade normal 260.838 11,9 183.849 8,4 -29,5
Superior bacharelado ou tecnólogo 60.723 2,8 57.779 2,6 -4,8
Superior licenciatura 895.530 40,9 896.887 41,0 0,2
Especialização com bacharelado/tecnólogo 28.995 1,3 41.726 1,9 43,9
Especialização com licenciatura 638.788 29,2 814.447 37,2 27,5
Mestrado com bacharelado/tecnólogo 6.952 0,3 11.917 0,5 71,4
Mestrado com licenciatura 33.009 1,5 56.179 2,6 70,2
Doutorado com bacharelado/ tecnólogo 1.833 0,1 4.872 0,2 165,8
Doutorado com licenciatura 4.993 0,2 11.679 0,5 133,9
Total 2.187.154 100,0 2.189.005 100,0 0,1

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados do Laboratório de Dados Educacionais a partir dos Microdados do Censo da Educação Básica/Inep 2015 e 2020.

Nos últimos anos, pode-se perceber uma melhoria na qualificação profissional, com destaque para o crescimento de mestres e doutores que, apesar de continuarem representando percentualmente um número pequeno de docentes, tem o maior percentual de crescimento no período analisado. Tal fator pode estar associado aos programas de incentivo e qualificação profissional, além da ampliação de programas de pós-graduação, especialmente de mestrado profissional nos últimos anos. Outros fatores que podem lançar luz sobre essa melhoria na qualificação referem-se à exigência da existência de planos de carreira e, com ela, o incentivo a qualificação profissional. Destaca-se que a qualificação profissional é uma das metas do Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014).

Porém, além da formação inicial, a adequação da formação docente à disciplina de atuação ainda se apresenta como um desafio a ser enfreando no Brasil, segundo dados de 2020 do Laboratório de Dados Educacionais, 62% das docências são relativas a docentes sem a formação na disciplina que ministram (UFPR; UFG, 2020).

A falta de formação adequada para a área de atuação, apesar de bastante elevada, é diferente para as diversas etapas e níveis da educação básica. E tende a ser maior especialmente no ensino médio e em disciplinas como física, química e matemática (COSTA; OLIVEIRA, 2011).

A adequação da formação docente também está relacionada à eficiência e ao prazer no desenvolvimento das atividades por parte dos docentes:

Pesquisas sugerem que quando professores são bem formados e têm um senso de confiança em seu trabalho, eles são mais efetivos e têm uma maior satisfação decorrente do ensino (Rosenholtz, 1989). Embora professores possam se sentir preparados para ensinar uma disciplina que não sejam licenciados, pesquisadores geralmente assumem que professores que não possuem licenciatura em uma área não são preparados para ensiná-la. Alguns inferem, inclusive, que professores designados para disciplinas que não licenciados são consequentemente insatisfeitos (JOHNSON; BERG; DONALDSON, 2005, p. 55, tradução nossa).

Algumas pesquisas, como de Do Carmo et al. (2015) e Duran (2021) têm investigado a alocação de docentes em disciplinas diferentes de sua formação e as implicações sobre o resultado da aprendizagem do aluno e concluem que a adequação entre a formação docente na licenciatura e a disciplina ministrada traz resultados positivos. Costa, Britto e Waltenberg (2020, p. 372), ao analisarem especificamente o ensino médio, sinalizam “uma relação positiva e significativa entre a proporção de docências sem formação específica e as taxas de abandono e de distorção idade-série.”

O PNE/2014 estabelece uma meta específica para a formação dos professores e professoras:

Garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no prazo de 1 ano de vigência deste PNE, política nacional de formação dos profissionais da educação de que tratam os incisos I, II e III do caput do art. 61 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurado que todos os professores e as professoras da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam. (BRASIL, 2014, meta 15).

Para o cumprimento dessa meta se faz importante não apenas investir na ampliação da política de formação de professores, mas também nas políticas de valorização para a atratividade e manutenção dos docentes, principalmente nas escolas públicas.

Procedimentos metodológicos

O indicador de adequação da formação docente por disciplina, apresentado nesse trabalho, tem como fonte de dados os microdados do Censo Escolar dos anos de 2012 a 2020. Destaca-se que a utilização de dados de 2020 refere-se ao último ano em que os microdados do Censo Escolar foram disponibilizados desagregados por docência. A partir de 2021, os dados passaram a ser liberados apenas no nível de escola sem o detalhamento da formação docente. Isso inviabiliza a construção do indicador em questão e mesmo o levantamento de informações gerais sobre formação docente.

No âmbito do Laboratório de Dados Educacionais, a construção do indicador de formação docente apresenta as seguintes opções metodológicas:

A unidade de análise do indicador é a docência de uma dada disciplina em uma determinada turma ministrada por um docente específico – logo, os resultados apresentados referem-se às combinações existentes entre formações docentes, disciplinas e turmas. São consideradas no cálculo do indicador apenas as disciplinas da Base Nacional Comum Curricular (BNCC): Língua Portuguesa, Língua estrangeira (Inglês, Espanhol, Francês e Outras), Língua Indígena, Arte, Educação Física, Matemática, Ciências, Química, Física, Biologia, Estudos sociais, História, Geografia, Sociologia, Filosofia e Ensino Religioso. (UFPR; UFG, 2020).

A unidade de análise é, portanto, a “docência” e não o/a sujeito docente. Ou seja, o quantitativo de docências é bem superior ao número de professores (pessoas) existentes. As docências referem-se às disciplinas ministradas nas turmas e, portanto, na construção desse indicador para cada disciplina ministrada em uma determinada turma, é analisada a formação docente. Desse modo, o mesmo docente pode ministrar aulas em disciplinas em que tem formação e outras em que não.

Na construção do indicador são considerados apenas os profissionais identificados com funções de Docente e de Docente Titular - coordenador de tutoria (de módulo ou disciplina) – Educação a Distância (EaD), exercidas na escola atuantes em turmas cujo tipo de atendimento não seja de Atividade complementar, nem de Atendimento Educacional Especializado (AEE). Como o foco desse trabalho são apenas os anos finais do EF e EM, foram selecionadas apenas estas etapas. Portanto, não foram analisadas as disciplinas dos cursos profissionalizantes, integradas (técnico ou magistério) e de turmas multisseriadas/multietapas.

Além disso, parte-se do pressuposto que um professor sem formação superior não tem formação adequada e entre aqueles que têm formação superior, considera-se a licenciatura como elemento necessário ao exercício adequado da docência. Sendo assim, a adequação da formação docente corresponde à formação em licenciatura ou complementação pedagógica na mesma área da disciplina lecionada. As definições das diversas legislações nacionais (LDB), Diretrizes da Formação de Professores e o indicador de adequação docente criado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) - Nota técnica 20/2014 - foram utilizadas como parâmetro para a definição de “adequação”.

Os resultados apresentados são oriundos da plataforma gratuita denominada “Mapeamento da Formação de Docentes do Paraná” (Mapfor Paraná) desenvolvida pelo Laboratório de Dados Educacionais (UFPR; UFG) com financiamento da Pró-reitoria de Graduação da UFPR. A plataforma permite analisar a formação dos docentes por meio de indicadores de formação e adequação, além de informações sobre a oferta de formação em nível superior. Por meio de georreferenciamento, permite consulta em âmbito estadual, micro e mesorregião, município e escola ou instituição de ensino superior. De forma interativa, as consultas podem ser gerais ou mesmo com a utilização de critérios de seleção (dependência administrativa, área de localidade tipo de vínculo, etapa/modalidade).

A formação docente no Paraná: um olhar sobre o indicador de adequação

No Paraná, o percentual de docentes com licenciatura nos anos finais do EF e do EM vem aumentando. Em 2012, eles representavam 92,9% e em 2020 passam a 94,8%. É crescente também a formação em pós-graduação, que estava em torno de 74% entre os licenciados e aumentou para 84%.

Apesar de 94,8% dos docentes terem formação em licenciatura, apenas 74,9% das docências são de formação adequada, sinalizando que um número significativo de docentes ministra aulas em disciplinas em que não tem formação para tal. Com destaque para a disciplina de física, com apenas 57,1% de adequação e, no outro lado, educação física, com 91,9%. Outros autores, como Costa e Oliveira (2011), também constataram que a falta de formação adequada para a área de atuação é bastante elevada, ainda que seja diferente para as diversas etapas e níveis da educação básica, tendendo a se ampliar, especialmente, no ensino médio e em disciplinas como física, química e matemática.

Cabe destacar que esse não é um problema apenas do Brasil. Hobbs e Porsch (2021) sinalizam que o fenômeno denominado Teaching out-of-field (ensinar fora do campo) é bastante comum em diversos países, embora se manifeste de forma diferente em cada país. Johnson, Berg e Donaldson (2005) afirmaram que pesquisas nos Estados Unidos com docentes da área de matemática, ciências, língua inglesa e história do ensino médio revelaram que uma parcela significativa desses professores não tem formação na área ou em área correlata. No caso de matemática, um terço dos professores não tem formação especializada e “(...)todos os anos nas áreas de inglês, matemática e história mais de quatro milhões de alunos de nível secundário são ensinados por professores sem especialização nem especialização na área.” (INGERSOLL, 2002, pág. 19, tradução nossa).

Além dessas disciplinas, a adequação no Paraná é bastante baixa em língua indígena, que é assegurada aos povos indígenas e conta com 3,2% de adequação em 2020. Nesse aspecto, há uma dificuldade, tendo em vista a baixa disponibilidade de cursos para formação em línguas indígenas, bem como a baixa e recente presença dos povos indígenas na educação superior. Foi apenas a partir de 2001 que começaram a aparecer os primeiros cursos de licenciatura com o intuito de formação de docentes indígenas para atuação em suas aldeias (DAVID, MELO, MALHEIRO, 2013).

Ao analisar uma série histórica de 2012 a 2020, verifica-se que a adequação da formação apresenta melhoria até 2018 e diminui em 2019 e 2020 (Gráfico 1). Essa diminuição ocorre na rede estadual, mas principalmente na rede privada, na qual a adequação sai de 71,3% em 2018 para 53,5% em 2020. Na rede privada, a disciplina de física se destaca com apenas 33,9% de adequação. Ainda sobre a rede privada, cabe destacar que, 9,2% dos professores são bacharéis e 2,2% não têm formação de nível superior, o que indica que os professores lecionam disciplinas que não são da sua área de formação.

Fonte: Mapfor Paraná. Elaborado pelo Laboratório de Dados Educacionais a partir dos Microdados do Censo da Educação Básica/INEP 2012-2020.

Gráfico 1 Percentual de docências de professores com formação superior adequada à área de conhecimento que lecionam, Paraná, 2012 – 2020. 

No caso da rede federal, a falta de formação adequada é dada principalmente pela ausência de licenciatura, pois apesar de todos os docentes possuírem formação em nível superior, uma parte não tem formação em bacharelado ou tecnólogo. O percentual de adequação é superior às outras dependências, chegando a 86,3%.

Johnson, Berg e Donaldson (2005), em estudo sobre a retenção de professores, destacam que um dos elementos importantes para muitos docentes é estarem preparados para ministrar suas aulas, sendo que

A satisfação com o trabalho e a carreira é inevitavelmente influenciada pelo fato de terem sido designados para lecionar uma disciplina e etapa de ensino para os quais acham que estão preparados e se consideram a carga atribuída justa e administrável. (...) Entrevistas qualitativas de pesquisas (Johnson & Birkeland, 2003; Johnson et al., 2004) revelam que os novos professores se ressentem de atribuições que exigem que eles ensinem disciplinas que não conhecem, que exigem muita preparação de aulas, quando são divididos entre duas disciplinas ou escolas ou incluem turmas muito grandes. (JOHNSON, BERG, DONALDSON, 2005, p. 55, tradução nossa).

No caso da rede pública estadual, processos de precarização do trabalho, falta de concurso público e estagnação dos planos de carreira ajudam a explicar a diminuição da formação adequada. A rede estadual responde por 84,9% das matrículas de anos finais do EF e do EM e a melhoria da adequação encontra forte relação com a forma de contratação docente. O percentual de adequação é de 80,3% e se distribui de forma diferente entre as mesorregiões (FIGURA 1), sendo que o noroeste, centro ocidental, oeste, sudoeste e norte paranaense têm um percentual inferior de adequação da formação, que varia entre 60 e 80%, enquanto nas demais mesorregiões esse percentual varia de 80,1% a 100%. Cabe destacar, porém, que dentro de cada mesorregião esses percentuais podem variar.

Fonte: Mapfor Paraná. Elaborado pelo Laboratório de Dados Educacionais a partir dos Microdados do Censo da Educação Básica/Inep 2020.

Figura 1 Percentual de disciplinas cujos docentes têm formação adequada, por mesorregião do Paraná, 2020 

A distribuição dentro das micro e mesorregiões também apresenta diferenças. Analisando apenas a rede estadual, percebe-se que o município de Santa Inês, localizado na microrregião de Astorga (Norte Central Paranaense), é o que possui o menor percentual de adequação (50,8%), seguido por Uniflor (54,8%) na mesma microrregião. Os demais municípios com menos de 70% de adequação estão espalhados pelo estado, como Tunas e Guaraqueçaba com 58,8% (microrregião de Curitiba, e microrregião de Paranaguá, respectivamente) e São Manual do Paraná, que conta com 57,3% de adequação (noroeste paranaense na microrregião de Cianorte). Na microrregião de Apucarana, aparece Cambirá com 57,3% de adequação. Na região de Ivaiporã, o município de Lunardelli tem 59,3% de adequação. No Norte Pioneiro, destaque para o município de Nova Fátima (microrregião de Cornélio Procópio) com 59,4% de adequação. No oeste paranaense, microrregião de Todelo, o município de Quatro Pontes tem 58,8% de adequação. No sudoeste paranaense, na microrregião de Pato Branco, o município de Sulinas tem 57,8% de adequação. Esses municípios são, em geral, pequenos e contam com poucas escolas, o que pode explicar o percentual menor de adequação, seja pela falta de profissionais, seja pelo fato de, para fecharem sua carga horária no mesmo município, docentes precisam assumir aulas de disciplinas não compatíveis com sua formação.

Ao analisar a adequação, na rede estadual, considerando apenas os professores concursados, o percentual de adequação sobe para 82,8%. Já entre os vínculos precários (temporários), esse percentual cai para 74,5%, o que sugere que são esses docentes que mais ministram disciplinas fora da sua área de formação, provavelmente, muito vinculado à necessidade de garantir uma carga horária mínima de trabalho ou mesmo aumentar a quantidade de horas de trabalho, mesmo que isso signifique trabalhar com disciplinas para a qual não possuem formação.

Considerações finais

Analisar a formação docente é imprescindível para a discussão da melhoria da qualidade da educação, bem como para a discussão de políticas referente a esses profissionais. Segundo Souza e Gouveia (2011), os docentes são os certificadores para que as políticas educacionais se expandam para as salas de aula e outros ambientes educacionais.

A análise apresentada mostrou que, apesar de uma grande parcela dos docentes do estado do Paraná possuir formação em nível superior, nem todos têm formação em licenciatura e há uma parcela deles que atuam em disciplinas que não condizem com sua formação, com destaque para aqueles atuantes na rede privada e que são contratados como professores temporários. Necessário chamar atenção para os dados da rede privada, com alto índice de não adequação, sendo que nesse caso não se refere a falta de concursos ou profissionais, mas uma decisão dos empregadores sobre a alocação profissional.

A realidade da formação adequada paranaense sinaliza, portanto, um desafio quanto ao cumprimento da LDB e mesmo do Plano Nacional de Educação, a reforma do ensino médio, com seus itinerários formativos, que tende a complexificar a análise da formação adequada quando se considera disciplinas como projeto de vida e educação financeira que fogem ao escopo das formações existentes nos cursos de licenciatura. Embora o contexto paranaense se apresente mais favorável que o brasileiro, é preocupante que a adequação venha diminuindo nos últimos dois anos analisados, afinal segundo Costa, Britto e Waltenberg (2020)

A ideia de que qualquer um pode ser professor dissemina-se pela falta de exigência de formação específica ou mesmo pela negligência do sistema educacional em reconhecer como um problema a atuação fora de área. Inclusive, a possibilidade de atuar em áreas diferentes de sua formação pode ser prejudicial à atratividade da carreira. (COSTA, BRITO, WALTENBERG, p. 399, 400).

A discussão da adequação não pode ser feita de forma isolada e precisa ser pensada à luz da ampliação e consolidação de políticas de formação continuada, de valorização da carreira, de retomada de concursos públicos e da ampliação da discussão em relação aos processos formativos dos professores. Além disso, é importante a disponibilidade de dados que permitam analisar a formação docente, elemento essencial a qualidade de ensino.

Ressalta-se a importância da formação docente dada em cursos de licenciatura específicos, que se distingue da formação do bacharel ou do tecnólogo, justamente por se debruçar sobre aspectos relativos aos métodos e à organização educacional e são essenciais para atuação em sala de aula. Estes elementos são o que constituem a especificidade do fazer docente. Neste sentido, discutir a adequação da formação é essencial para pensar a qualidade de ensino, bem como a melhoria dos processos educacionais.

5Número de docências corresponde ao número de atuações docentes considerando cada disciplina e turma ministrada, ou seja, um mesmo docente pode ser contado mais uma de vez, quando atuar em turmas e disciplinas diferentes.

Referências

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Recebido: de 2023; Aceito: de 2023; Publicado: de 2022

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