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Revista Diálogo Educacional

Print version ISSN 1518-3483On-line version ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.21 no.69 Curitiba Apr./June 2021  Epub June 11, 2021

https://doi.org/10.7213/1981-416x.21.069.ao03 

Artigos

A Concepção de Alfabetização e Letramento na Política Nacional de Alfabetização (PNA): entre tropeços e retrocessos

The conception of literacy and lettering in the national literacy policy (NLP): between problems and setbacks

La concepción de alfabetización y letramiento en la Política Nacional de Alfabetización (PNA): entre problemas y retrocesos

Maria Eurácia Barreto De Andradea 
http://orcid.org/0000-0001-9910-0527

Sineide Cerqueira Estrelab 

aUniversidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Amargosa, BA, Brasil. Doutora em Educação, e-mail: mariaeuracia@ufrb.edu.br

bSecretaria de Educação do Estado da Bahia (SEC-BA), Universidade Estadual de Feira de Santana/GEPHEG (UEFS), Feira de Santana, BA, Brasil. Doutora em Educação, e-mail: sineidestrela@hotmail.com


Resumo

O artigo em foco tenciona tecer considerações acerca da problemática do ensino-aprendizagem inicial da leitura e da escrita frente às novas exigências sociais, o perfil dos sujeitos que se fazem necessários para atender às demandas postas pelo cotidiano e os posicionamentos legais contidos na atual Política Nacional de alfabetização (PNA), tendo como objetivo principal a realização de um estudo preliminar com bases teóricas e metodológicas para conhecer o projeto político de alfabetização normatizado pelo MEC, em abril de 2019, visando identificar a concepção de alfabetização presente e suas principais implicações sociais e políticas. O objetivo secundário deste artigo é ratificar as pesquisas dos vários autores brasileiros e estrangeiros, que há décadas vêm se debruçando sobre a problemática da alfabetização e as várias facetas implicadas, e que têm contribuído para auxiliar os professores no seu quefazer alfabetizador e político. Amparamo-nos, para defender nossos argumentos, nas diversas vozes, intencionalmente silenciadas no documento pautado, tais como: Soares (2004a), Freire (2000; 2005), Ferreiro e Teberosky (1985), Mortatti (2019), Frade (2019), Monteiro (2019), dentre outros. Na esteira desse desafio, a realização deste artigo ocorre por meio de pesquisa documental e bibliográfica. Os resultados apontados indiciam que, longe de preparar os sujeitos para atender aos apelos sociais e políticos, a PNA apresenta uma concepção equivocada de alfabetização que, no máximo, presta-se a preparar analfabetos funcionais, deslocando o foco do aprender para o “ensinar”, por meio da ditadura do método único (fônico), integrante do método sintético, desmerecendo todo o conhecimento produzido no Brasil até então.

Palavras-chave: Evidências científicas; Alfabetização; Letramento; Plano Nacional de Alfabetização

Abstract

This article intends to make considerations about the problem of the initial teaching-learning of reading and writing in face of the new social demands, the profile of the subjects who are needed to meet the demands placed on daily life and the legal positions contained in the current National Literacy Policy (NLP), having as main objective the accomplishment of a preliminary study with theoretical and methodological bases to know the political literacy project standardized by the MEC, in April 2019, aiming to identify the present literacy concept and its main social and political implications. Its secondary goal is to ratify the research of various Brazilian and foreign authors, who have been focusing on literacy issues and the various aspects involved for decades and which have contributed to assist teachers in their teaching and literacy activities. We support ourselves to defend our arguments on the various voices intentionally silenced in the document, such as: Soares (2004a), Freire (2000; 2005), Ferreiro and Teberosky (1985), Mortatti (2019), Frade (2019), Monteiro (2019), among others. In the wake of this challenge, the realization of this article was developed through document and bibliographic research. The results indicated that far from preparing the subjects to respond to social and political appeals, the NLP presents a mistaken conception of literacy that at most, suits to prepare functional illiterates, shifting the focus from learning to "teaching", through the dictatorship of the single method (the phonic one), part of the synthetic method, belittling all the knowledge produced in Brazil until now.

Keywords: Scientific evidence; Literacy; National Literacy Plan

Resumen

El artículo en foco pretende hacer consideraciones sobre el problema de la enseñanza-aprendizaje inicial de lectura y escritura ante las nuevas demandas sociales, el perfil de los sujetos que se necesitan para cumplir con las demandas de la vida diaria y las posiciones legales contenidas en la Política Nacional de Alfabetización (PNA) actual, teniendo como objetivo principal la realización de un estudio preliminar con bases teóricas y metodológicas para conocer el proyecto de alfabetización política estandarizado por el MEC, en abril de 2019, con el objetivo de identificar el concepto actual de alfabetización y sus principales implicaciones sociales y políticas. Su objetivo secundario es ratificar la investigación de varios autores brasileños y extranjeros, que se han centrado en cuestiones de alfabetización y los diversos aspectos involucrados durante décadas, que han contribuido a ayudar a los maestros en sus actividades de enseñanza y alfabetización. Nos apoyamos para defender nuestros argumentos, las diversas voces, silenciadas intencionalmente en el documento, tales como: Soares (2004a), Freire (2000; 2005), Ferreiro y Teberosky (1985), Mortatti (2019), Frade (2019), Monteiro (2019), entre otros. En este caminar desafiador, la realización de este artículo se desarrolló a través de la investigación documental y bibliográfica. Los resultados indicaron que, lejos de preparar a los sujetos para responder a los llamamientos sociales y políticos, la PNA presenta una concepción errónea de la alfabetización que, a lo sumo, se presta para preparar analfabetos funcionales, cambiando el enfoque del aprendizaje a la "enseñanza", a través de la dictadura del método único (fónico), que es parte del método sintético, descuidando todo el conocimiento producido en Brasil hasta entonces.

Palabras clave: Evidencia científica; Alfabetización; Letramiento; Plan Nacional de Alfabetización

Introdução: palavras iniciais

[...] a alfabetização “não pode se fazer de cima para baixo, nem de fora para dentro, como uma doação ou uma exposição”, mas de dentro para fora pelo próprio analfabeto, somente ajustado pelo educador (FREIRE, 1979, p. 72, grifos nossos).

A discussão em torno da alfabetização e sua universalização vem sendo apresentada como problema estratégico a demandar soluções urgentes, mobilizando administradores públicos, legisladores do ensino, profissionais das mais diferentes áreas de conhecimento, assim como professores. Porém, as diversas vozes presentes nessa problemática foram intencionalmente silenciadas no atual Plano Nacional da Educação (PNA), podendo ser caracterizada como uma proposta “feita de cima para baixo” e de “fora para dentro” e que, assinada pelo então presidente Jair Bolsonaro, apresenta-se como uma “doação”, fartamente criticada por Freire, cujas palavras abriram a epígrafe deste artigo.

Destarte, o presente estudo tenciona contribuir para aquecer os debates e reflexões sobre a alfabetização e seus “descaminhos” (SOARES, 2004a) nos últimos anos, advindos de políticas reacionárias, intransigentes e autoritárias, de cima para baixo, no trato para com a educação, cuja face mais visível dessa problemática foi se configurando no como ensinar, ou seja, na questão dos métodos de alfabetização ou “querela dos métodos” (MORTATTI, 2019). Ora, o documento em tela traduz em seus fundamentos e princípios norteadores a ausência do diálogo ético, firmado em valores democráticos, como nos assegura Freire em toda a sua literatura e, com isso, reafirma uma pedagogia antidialógica, própria da pedagogia conservadora, bastante criticada por ele.

Considerando tais posicionamentos, será, aqui, problematizada a PNA, detalhada no Caderno PNA e o decreto que lhe deu origem, à luz do lastro de estudiosos silenciados no processo de elaboração do referido documento, tais como: Soares (2004a), Freire (2000; 2005), Ferreiro e Teberosky (1985), Mortatti (2019), Frade (2019), Monteiro (2019), dentre outros, cujas evidências teórico-metodológicas, melhor dizendo: cujas dimensões científica e política, claramente articuladas à dimensão didático-pedagógica, forneceram e fornecem subsídios para os professores alfabetizadores trilharem por possibilidades pedagógicas mais qualificadas, posto que o enfrentamento do analfabetismo denunciado historicamente, e hoje apresentado nos últimos sensos, confirma que tal problema não pode ser atribuído exclusivamente aos professores e ao uso de qualquer que seja o método, mas precisa ser considerado na sua relação com as questões mais amplas, de cunho institucional, aos modelos e práticas de formação (inicial e continuada), à organização dos sistemas de ensino, da escola, do currículo (MORAIS; ALBUQUERQUE; LEAL, 2005) e que dizem respeito à falta de vontade política.

A assunção das reflexões de tais autores e das dimensões citadas acima é indicadora de que não podemos ignorar que a dimensão política, em íntima relação com a científica, supõe uma perspectiva clara do papel social do conhecimento, do ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita, do tipo de sociedade e de homem que se almeja formar, bem como da realidade que se quer não só compreender e desvelar, mas, igualmente, transformar; “[...] Supõe também uma consciência sobre o papel da ciência, da educação e do professor na sociedade em que vivemos [...]” (CANDAU, 1998, p. 46-47 apud SOUZA; ALVES; GOMES, 2018, p. 89). E é, justamente, com esse olhar crítico-reflexivo que precisamos compreender a Política Nacional de Alfabetização imposta, questionando as intencionalidades, as implicações sociais e políticas e a quem ela serve.

Com efeito, este trabalho tem como objetivo principal a realização de um estudo preliminar com bases teóricas e metodológicas, para conhecer o projeto político de alfabetização normatizado pelo MEC, em abril de 2019, visando identificar a concepção de alfabetização presente e suas principais implicações sociais e políticas. Tem como objetivo secundário ratificar as contribuições dos vários autores brasileiros e estrangeiros, que há décadas vêm se debruçando sobre a problemática da alfabetização e as várias facetas implicadas e que têm contribuído para auxiliar os professores no seu quefazer alfabetizador e político. Acreditamos que o plano de alfabetização em questão deveria partir da revisão dos caminhos já percorridos e as propostas de solução, com vistas ao refinamento, pois “[...] é pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática” (FREIRE, 1999, p. 43-44).

Reforçam o nosso ponto de vista os argumentos apresentados acima por Paulo Freire, no sentido dessa chamada à reflexão crítica, à avaliação cuidadosa dos processos experienciados e de todo o conhecimento já construído para que, a partir deles, da revisão criteriosa, se possa construir uma proposta de alfabetização realmente capaz de garantir o direito de usufruir da aprendizagem da leitura e da escrita como um bem e direito de todos(as) brasileiros(as). Espera-se que os apontamentos aqui cotejados possam contribuir para ampliação das reflexões e aquecer as discussões a respeito do projeto de alfabetização proposto para crianças, jovens, adultos e idosos, no intuito de mobilizar os mais diversos segmentos da educação, particularmente os professores, tencionando movimentos de resistências em suas práticas educativas.

Diante do estudo anunciado, sistematizamos nossas reflexões em três seções: na primeira seção, situaremos brevemente a PNA construída e as “evidências científicas”, tentando compreender suas entrelinhas, a concepção de alfabetização assumida e as implicações sociais e política advindas. Em seguida, na segunda seção, discutiremos a opção de uso de literacia, em substituição a letramento, seus princípios e diretrizes. Por fim, a terceira e última seção, intitulada de “Entre críticas e sugestões: considerações finais ou início de novas problematizações”, está reservada às considerações, com notas e sugestões para continuarmos caminhando.

Plano Nacional de Alfabetização: entre evidências e tropeços; caminhos e descaminhos

O Decreto presidencial nº 9.765, assinado no dia 11 de abril de 2019, designa a Política Nacional de Alfabetização, com a promessa de promoção de ações para alfabetização baseada em “evidências científicas”, visando melhorar a qualidade da alfabetização e combater o analfabetismo absoluto e o analfabetismo funcional (BRASIL, 2019a), e ao fazê-lo, o então Secretário de Alfabetização, Carlos Francisco de Paula Nadalim, na apresentação do caderno PNA1, assim se expressa: “[...] A PNA pretende inserir o Brasil no rol de países que escolheram a ciência como fundamento na elaboração de suas políticas públicas de alfabetização, levando para a sala de aula os achados das ciências cognitivas [...]” (BRASIL, 2019b).

Indagando tudo isso, a história da alfabetização no Brasil expressa, como anunciou Magda Soares (2004a) em artigo intitulado Alfabetização e letramento: caminhos e descaminhos, uma trajetória de sucessivas mudanças conceitual e metodológica. Observa-se que a proposta de alfabetização, referida acima, se apresenta como portadora da boa nova, como o melhor e mais seguro caminho a ser percorrido: “promoção da alfabetização baseada em evidências científicas”; e mais, apresenta-se como se, só agora, o Brasil utilizasse da ciência para respaldar as políticas de alfabetização. Verifica-se, contudo, que tal anúncio não se sustenta e a proposta de alfabetização mostra-se simplista, com equívocos de várias ordens, significando, na prática, um retrocesso.

Retrocesso esse já prenunciado por Soares, em 2004a, quando, no artigo acima mencionado, advertiu que o desafio de buscar reexaminar a teoria e prática de alfabetização atual pode levar a duas formas de abordagem com motivações distintas. Segundo a autora:

[...] Um momento como este é, sem dúvida, desafiador, porque estimula a revisão dos caminhos trilhados e a busca de novos caminhos, mas é também ameaçador, porque pode conduzir a uma rejeição simplista dos caminhos trilhados e a propostas de solução que representam desvios para indesejáveis descaminhos [...] (SOARES, 2004a, p. 96, grifos nossos).

Como os resultados de aprendizagem ainda hoje estão a nos desafiar, ao invés de servirem para revisarmos criticamente os caminhos até então trilhados, como demonstrou Freire (1999), e baseados na compreensão dos seus alcances buscarmos novos caminhos, a partir de todo o conhecimento já disponível, como também podemos depreender do fragmento acima, observamos que nosso presidente optou pelo que temia a autora, isto é, conduziu a “[...] uma rejeição simplista dos caminhos trilhados e a propostas de solução que representam desvios para indesejáveis descaminhos” (SOARES, 2004a, p. 96).

Com essa atitude, Jair Bolsonaro ratifica o que constatou Dermeval Saviani há mais de dez anos, ao afiançar que um dos graves problemas históricos da política pública brasileira é a descontinuidade das medidas educacionais acionadas pelo Estado: “[...] cada qual recomeçando da estaca zero e prometendo a solução definitiva dos problemas que se vão perpetuando indefinidamente” (SAVIANI, 2008, p. 7).

A denúncia feita por Saviani reveste-se de importância ímpar porque o que vemos hoje é a prática contumaz do governo brasileiro de buscar silenciar as conquistas históricas do processo alfabetizatório, imprimindo autoritariamente sua marca, ao acordar um método há muito superado, que de novo não tem nada, deslocando o eixo do como aprender para o como ensinar.

Cabe salientar, porém, que não é retornando a um passado já superado e negando avanços teóricos incontestáveis que esses problemas serão esclarecidos e resolvidos. Por outro lado, ignorar ou recusar a crítica aos atuais pressupostos teóricos e a insuficiência das práticas que deles têm decorrido resultará certamente em mantê-los inalterados e persistentes. Em outras palavras: o momento é de procurar caminhos e recusar descaminhos (SOARES, 2004a, p. 99).

Esses descaminhos, conforme anunciado por Soares (2004a), referem-se à tentativa de privilegiar apenas uma das diversas facetas do processo de ensino da leitura e da escrita, como já aconteceu no passado, desconsiderando outras tantas que são também importantes. Tais descaminhos desconstroem e invalidam os feitos anteriores, como sublinhou Saviani (2008) e endossou Lopes (2019), revelam “[...] ignorância, arrogância e má intenção” (LOPES, 2019, p. 86), sob a justificativa de evidências científicas.

Ademais, buscando-se desvelar o sentido atribuído ao termo “evidências” utilizado para justificar o que se está entendendo por científico, o dicionário on-line de língua portuguesa esclarece que a palavra é um substantivo feminino, que significa qualidade ou caráter do que é evidente, do que não dá margem à dúvida; prova. Portanto, a expressão “alfabetização baseada em evidências científicas”, no contexto da PNA, e esclarecido pelo dicionário (evidência como qualidade do que não deixa nenhuma margem para dúvidas, equívocos ou imprecisão), no mínimo pode ser classificada como um tratamento desconfiado e duvidoso acerca de todo o conhecimento acumulado na área alfabetização e revela, além do pontuado, desprezo e desrespeito em relação:

a vasta produção científica nacional e também internacional (assumida incorporada em pesquisas e estudos do país) sobre a temática da alfabetização - em suas múltiplas faces (SOARES, 2003) - intensificada há quatro décadas; (LOPES, 2019, p. 86)

as iniciativas governamentais já empreendidas, tanto a) na formação de professores alfabetizadores em âmbito nacional, como o PROFA (BRASIL, 2001), o Pró- Letramento (BRASIL, 2006), o PNAIC (BRASIL, 2012), todos “fundamentados - orientados em/por proposições teóricas” acerca das várias dimensões do processo de alfabetização e com claras definições acerca do que é necessário aprender (e ensinar); quanto b) na produção e distribuição de material didático - PNLD, PNBE, livros do PNAIC, jogos para a alfabetização, entre outros (LOPES, 2019, p. 87).

A despeito da vasta produção científica, não se pode desmerecer a contribuição dos estudos e pesquisas de Ferreiro e Teberosky (1985). Há que se respeitar e reconhecer a teoria da Psicogênese da Língua Escrita2, por sua ampla contribuição para melhor compreender o processo de construção da escrita e as diferentes hipóteses3 trilhadas para a conquista da base alfabética. Além disso, seus resultados foram validados em pesquisas desenvolvidas em outros contextos culturais. “[...] Esta pesquisa não produziu uma didática, mas seu quadro teórico ajuda os professores a fazer uma reinterpretação contínua, em sala de aula, de como as crianças pensam quando estão aprendendo as características do sistema de escrita [...]” (FRADE, 2019, p. 17).

Com Ferreiro e Teberosky foi possível direcionarmos o olhar para os processos de aprendizagem e, com elas, ampliam-se as lentes sobre o pensamento ativo da criança. Em consonância com Frade, “[...] não é pela negação de uma metodologia de pesquisa não experimental ou pela afirmação de apenas uma metodologia válida, como faz crer o texto da PNA, que o conhecimento sobre a alfabetização avança” (FRADE, 2019, p. 17). Pelo contrário, muitos problemas de pesquisa educacional não podem ser respondidos com base em pesquisas experimentais. Morais (2019) chama a atenção para esse fato e esclarece que a PNA, ao ignorar isso, demonstra pouca familiaridade com as escolas e seus professores, com alunos, assim como com a própria alfabetização.

Frade (2019) contribui reconhecendo que há evidências que fazem avançar um campo de conhecimento, como é o caso das Neurociências citadas na PNA, mas que estas não trazem contribuições muito concretas para a educação, pois os conhecimentos sobre quais áreas são acionadas num ato de leitura ou de escrita servem de base para se refletir acerca do funcionamento cerebral e o desenvolvimento biológico, contudo, acrescenta a autora;

[...] isso traz resultados muito incipientes sobre como as pessoas produzem sentidos a respeito do que leem ou escrevem; o que as leva a escrever; quais conhecimentos e repertórios culturais mobilizam nesses atos. Assim, se essas pesquisas são válidas para fazer avançar as Neurociências e validam interpretações sobre os resultados de exames sofisticados e próprios da área, isso traz poucas repercussões pedagógicas (FRADE, 2019, p. 18).

A assunção dessa constatação leva a autora a asseverar que não há evidência mais importante que outra, assim como não há área de pesquisa mais fundante que outra, portanto, não é o desmerecimento da pesquisa qualitativa que fará avançar o conhecimento, como faz crer o Ministério da Educação (MEC), mas sim, opção e compromisso político com a educação pública.

[...] no que diz respeito às pesquisas científicas, a questão não é teórica e nem metodológica. A questão é política, ou seja, em como o Estado, em detrimento do seu caráter público, passa a privilegiar empresas privadas (que se dizem sem fins lucrativos) do campo educacional e, especificamente, no campo da alfabetização, promovendo a privatização da educação e da alfabetização [...] (GONTIJO; ANTUNES, 2019, p. 33)

Com esse posicionamento, Gontijo e Antunes (2019) advogam que a referência à validade das pesquisas na PNA tem duas intenções de igual importância. A primeira é a de desqualificar as investigações produzidas (no meio acadêmico educacional brasileiro e estrangeiro) que fundamentaram as propostas curriculares e os programas de formação de docentes alfabetizadoras até então utilizados, como já constatou Lopes (2019); em segundo lugar, servir como subterfúgio para prosseguir com seu projeto de privatização, subordinando a educação básica aos interesses privados.

Gontijo e Antunes (2019) reafirmam a compreensão de Adrião (2018) no que se refere ao termo privatização e evidenciam ser apropriado para elucidar o que está posto na PNA, por se tratar de processos pelos quais a educação, financiada pelo poder público, acaba se corrompendo e subordinando o setor privado, visando, principalmente, a obtenção de lucro.

Com isso, o nosso país sofre grande perda, em razão da não valorização da ciência brasileira, seguindo políticas impostas pelos “países ricos do eixo Norte”. Ao aceitar essa lógica perversa, não buscou construir suas próprias políticas alfabetizadoras a partir das diversas pesquisas e todo conhecimento produzido no Brasil, de modo a “assumir as rédeas do processo de descolonização”, condição sine qua non para um desenvolvimento sustentável e autônomo (MACEDO, 2019). A autora ainda acrescenta que o governo brasileiro, ao assinar o decreto que institui a PNA, assume a permanência do país “[...] na condição de subalternidade, ao se negar a reconhecer o avanço que a pesquisa sobre alfabetização no Brasil4 alcançou nas últimas quatro décadas” (MACEDO, 2019, p. 63).

As pesquisas científicas anunciadas pela autora, consolidaram uma visão ampla de alfabetização. Uma posição sobre a alfabetização “[...] como um processo múltiplo, plural [...] como um conhecimento indispensável ao exercício da cidadania, se ensinados na perspectiva da formação crítica dos sujeitos, concebidos como ativos” (MACEDO, 2019, p. 64), portanto, uma alfabetização libertadora5, como nos ensinou Freire em Pedagogia do Oprimido, que recusa uma educação bancária6 como a apresentada na PNA.

A concepção bancária de educação pode ser observada no Art. 2º, do decreto presidencial. Este abarca onze incisos e está reservado à definição. Abre o artigo a definição de “alfabetização - ensino das habilidades de leitura e de escrita em um sistema alfabético, a fim de que o alfabetizando se torne capaz de ler e escrever palavras e textos com autonomia e compreensão” (BRASIL, 2019a). Concordamos com Lopes (2019) quando avalia que a alfabetização definida apenas como ensino omite o processo de aprendizagem. Significa dizer a relação ensino e aprendizagem. Lopes pondera que tal omissão constitui um retrocesso, visto que há décadas se sabe que o processo alfabetizatório envolve interações entre sujeitos “[...] que interagem com objetos de conhecimento em relações de interação, mediação, apropriação-significação. Revela-se um equívoco como negação do sujeito aprendiz e de sua agência nesse processo” (LOPES, 2019, p. 87).

A concepção de alfabetização imposta é reducionista e informada por uma visão empirista de conhecimento, de homem e de sociedade. A escrita, muito mais que uma técnica “[...] Ela é uma cultura! E como tal, só pode ser apreendida a partir da imersão em experiências que produzam sentido, que evidenciem para as crianças o modo como esta ferramenta funciona na sociedade em que vivemos [...]” (MACEDO, 2019, p. 64). Nesse veio, as evidências científicas atuais demonstram que o processo de leitura/escrita ocorrem, basicamente, pela construção e atribuição de significados, portanto, as aquisições dos mecanismos, das convenções ortográficas devem estar a serviço dessa construção, como sublinhou Kramer (2019).

Diante dessas ponderações pertinentes, Macedo (2019) sustenta que a proposta de alfabetização do atual governo, além de ser um retrocesso, configura-se uma violência simbólica às crianças (e aos que não podem ter sua cognição reduzida a uma relação grafema-fonema) e aos docentes. Podemos inferir, a partir disso, que a aprendizagem fica reduzida à aquisição da técnica da escrita.

Complementando os argumentos, Ana Caroline de Almeida (2019) caracteriza a política atual de alfabetização como instrumento ideológico que expressa um discurso liberal e de direita e que reduz a alfabetização a uma perspectiva individual e funcional que, desempoderador dos sujeitos e reprodutora da situação social existente, se filia aos interesses econômicos implícitos, como também observaram Gontijo e Antunes (2019).

Na esteira desse fato, a PNA retira o caráter político e cultural da alfabetização, tencionando emudecer não só a pedagogia do oprimido e a transformação visada, mas o apelo de Paulo Freire para o necessário refinamento do seu método, dada a temporalidade histórica. Missão com a qual Magda Soares, dentre outros, tem contribuído nas últimas décadas.

Ao desconsiderar tudo isso, o plano referido entende a alfabetização como a aquisição de uma técnica para adquirir as habilidades de leitura e escrita, orientando que se faz necessário guiar gradualmente o alfabetizando para seu aprendizado:

[...] ao aprender as primeiras regras de correspondência entre grafema- fonema/fonema-grafema, a pessoa começa a decodificar, isto é, a extrair de uma sequência de letras escritas a sua forma fonológica (ou pronúncia), e a codificar, isto é, a combinar em sinais gráficos (letras ou grafemas) os sons produzidos na fala. Em outras palavras, começa a ler e a escrever. O ensino dessas habilidades de leitura e de escrita é que constitui o processo de alfabetização (BRASIL, 2019b, p. 18-19).

Essa orientação contrapõe-se à Pedagogia do Oprimido e sua pedagogia libertadora, pois não há nenhuma referência nas orientações de Freire de que o aprendizado da relação entre fonemas e grafemas se dê primeiro para só depois aprender a interpretação/compreensão e produção de sentidos sobre a realidade, muito pelo contrário, como nos quer fazer crer a PNA. Esse aprendizado acontece concomitantemente e isso ocorre valendo-se, “[...] da linguagem e da capacidade de recognição de que somos dotados” (FREIRE, 1978 apud ALMEIDA, 2019, p. 55-56), portanto, no texto da PNA verificamos um retorno a uma proposta de concepção “bancária” (FREIRE, 2005) de alfabetização (atividade motora, mecanicista), aluno depósito de informação, ensino pautado no empirismo e o aluno, decorrente desse modelo epistemológico, só pode ser uma tábula rasa.

Em uma concepção de alfabetização que orbita numa abordagem cognitiva da leitura, a compreensão textual é o que menos importa, ou seja, a compreensão do texto “[...] fica relegada a posição de menor importância em benefício do desenvolvimento de novas estruturas cognitivas que podem capacitar os alunos a caminhar de tarefas simples de leitura para tarefas altamente complexas” (FREIRE; MACEDO, 2015, p. 179 apud ALMEIDA 2019, p. 56).

Por tudo isso, a proposta de alfabetização (ensino das habilidades de leitura e de escrita em um sistema alfabético) não garante que o alfabetizando se torne capaz de ler com autonomia e compreensão. Ao contrário, conceito incipiente de alfabetização

[...] que penaliza alunos de escolas públicas e reforça as desigualdades sociais, ocultando-se resultados de pesquisas científicas que advertem para o fato de que a “consciência fonêmica” não tem como consequência direta a capacidade de leitura e escrita de “textos com autonomia e compreensão” (MORTATTI, 2019, p. 28, grifos da autora)

Afinado a tudo isso, a visão rudimentar da alfabetização ainda pode ser visualizada no art. 2º, V do decreto, ao explicitar a “[...] instrução fônica sistemática - ensino explícito e organizado das relações entre os grafemas da linguagem escrita e os fonemas da linguagem falada”. A assunção enfática do método único-fônico, consoante com o modelo estreito de alfabetização, esquece a necessidade de múltiplos métodos, ou as muitas facetas (SOARES, 2004a), porque conforme o documento o que importa é o ensino da consciência fonêmica7 e a instrução fônica sistemática, ou seja, garantem-se os treinos de palavras e sons como essenciais para a alfabetização, em detrimento da criticidade e criatividade infantil e, no seu lugar, legitima-se o “Eva viu a uva” (e os “va, ve, vi, vo, vu”) criticado e ultrapassado e que não garante a formação do tipo de leitor que se faz necessário atualmente, mas constrói-se a subserviência, reprodutora de discurso alheio. Acolhendo a voz de Paulo Freire: “[...] não basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho” (FREIRE, 2000, p. 41).

Essa visão emancipatória e política de Freire é apagada no documento. Ao institucionalizar o método sintético (faceta fônica8) deixa-se claro o total desconhecimento do objeto da alfabetização, além do que já se sabe sobre os fonemas e os grafemas não contribuírem para produção de sentido no processo alfabetizatório, assim como para que ela seja alfabetizada de fato, “[...] se entendermos a alfabetização no sentido aqui defendido, como a apropriação de uma cultura escrita, que se dá num processo complexo e inconcluso, como é da natureza do ser humano” (MACEDO, 2019, p. 64).

Ao caminhar pela senda de um método único ou de uma de suas várias facetas, a faceta fônica, Soares (2004a) qualifica como um descaminho ou um grande equívoco no ensino e na aprendizagem inicial da leitura e escrita e alude que

[...] Talvez por isso temos sempre fracassado nesse ensino e aprendizagem; o caminho para esse ensino e aprendizagem é a articulação de conhecimentos e metodologias fundamentadas em diferentes ciências e sua tradução em uma prática docente que integre as várias facetas, articulando a aquisição dos sistema de escrita, que é favorecido pelo ensino direto, explícito e ordenado, aqui compreendido como sendo o processo de alfabetização, com o desenvolvimento de habilidades e comportamentos de uso competente da leitura e escrita nas práticas sociais de leitura e de escrita, aqui compreendido como sendo de letramento (SOARES 2004a, p. 100).

A vista desse argumento, observa-se que a autora distingue a alfabetização do letramento em três aspectos: do objeto de conhecimento, da relação dos processos cognitivos e linguísticos de aprendizagem e do ensino desses diferentes objetos, portanto, não constitui a verdade que os autores da “‘nova política de alfabetização querem imprimir’ de que a palavra alfabetização é muitas vezes usada de modo impreciso, resultando confusão pedagógica e didática, dificuldade de diálogo entre as pessoas envolvidas na educação [...]” (BRASIL, 2019b, p. 18).

Com tais argumentos, a PNA sustenta o método fônico e o entendimento de que o sujeito deve aprender a ler e escrever (no caso, codificar e decodificar) para só depois se aventurar a ler e escrever textos, como se aqueles fossem suficientes para o uso competente da leitura e da escrita, a fim de atender as exigências de uma sociedade em franco processo de desenvolvimento. A história já provou que apenas colocar a criança e também o adulto em interação com práticas de leitura e de escrita não garante a estes a compreensão e o uso da escrita. É necessário ensino direto, explícito e sistemático da alfabetização e do letramento, de acordo com (SOARES, 2004a). É capital, aqui, compreender que, no ato pedagógico, forma e conteúdo são indissociáveis, isto é, diferentes objetos exigem diferentes métodos, com isso queremos sublinhar que existem métodos para o aprendizado do sistema alfabético e ortográfico da escrita9 e existem métodos para o aprendizado do uso com autonomia da leitura e da escrita para atender diferentes demandas.

Entretanto, o ordenamento legal, ao desconhecer tais fundamentos, incorre no perigo de implicar na produção do analfabetismo funcional10, caracterizado pela falta de propostas concretas para a leitura e produção de textos e defesa de uma visão equivocada de sujeito alfabetizado, como equivocado é o entendimento de autonomia11:

[...] alfabetizado alguém que é capaz de decodificar e codificar qualquer palavra em sua língua[...]. O objetivo é fazer que se torne capaz de ler e escrever palavras e textos com autonomia e compreensão [...] ler e escrever com autonomia. É conhecer o código alfabético e as correspondências grafofonêmicas a ponto de conseguir ler e escrever apropriadamente, sem a intervenção, antes necessária, de um mediador [...] A compreensão de textos, por sua vez, consiste num ato diverso do da leitura. É o objetivo final, que depende primeiro da aprendizagem da decodificação e, posteriormente, da identificação automática de palavras e da fluência em leitura oral (BRASIL, 2019b, p. 19, grifo dos autores).

Desta forma, podemos inferir que o aprendizado do sistema alfabético e ortográfico da escrita, apenas, não torna o sujeito capaz de ler e escrever palavras e textos com autonomia e compreensão, como propõe o descrito acima e também em Brasil (2019a), mas fortalece um trabalho de repetição e memorização mecânica dos “ba, be, bi, bo, bu”, dos “la, le, li, lo, lu” criticados por Freire (2000), “[...] reduzindo a alfabetização ao ensino puro da palavra, das sílabas ou das letras. Ensino, cujo processo o alfabetizador fosse ‘enchendo’ com suas palavras as cabeças supostamente ‘vazias’ dos alfabetizandos” (FREIRE, 2000, p. 19).

Morais (2019) enriquece a reflexão, ao evidenciar que a PNA é pautada por uma visão simplista de consciência fonêmica, afirmando que muitas das habilidades que o método fônico treina não são necessárias para a compreensão do sistema alfabético. Esclarece que as crianças resolvem tarefas de segmentação de uma palavra em fonemas ou as de adição ou subtração de fonemas no início de palavras, porque pensam sobre a sequência de letras. Elas já alcançaram uma hipótese alfabética. Significa dizer que, como os adultos, as crianças “[...] já lançam mão de uma ‘consciência gráfica’ e não apenas ficam ‘manipulando fonemas’ para resolver aquelas tarefas esdrúxulas” (MORAIS, 2019, p. 68, grifo do autor). Essas constatações validam nossos argumentos de que é possível ajudar crianças e adultos a se apropriarem da leitura e da escrita sem métodos repetitivos e controlados das relações entre grafemas e fonemas, uma vez que a criança é um aprendiz ativo, que pensa; não é mera receptora e reprodutora de informações como defendem os especialistas que formataram a PNA.

Somem-se a isso o fato de na PNA a compreensão leitora aparecer como uma questão acessória, isto é, só será objeto do trabalho pedagógico após o domínio da decodificação e da leitura fluente de palavras soltas, mitigando os estudos sobre leitura e letramento e as possiblidades didáticas, sempre abertas, de utilização de práticas leitoras desde a educação infantil, como um recurso que subsidia as crianças a desenvolverem estratégias de compreensão de textos mesmo antes de terem autonomia na leitura de palavras (MORAIS, 2019), o que pressupõe alfabetizar letrando e os muitos métodos e estratégias implicados.

Letramento ou Litercia? Conceitos, princípios e diretrizes na Política Nacional de Alfabetização

No intuito de aprofundar a questão, retomaremos o Decreto nº 9.765, particularmente o Art. 2º, que apresenta e conceitua três tipos de literacia12:

VII: - literacia - conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes relacionadas com a leitura e a escrita e sua prática produtiva;

VIII - literacia familiar - conjunto de práticas e experiências relacionadas com a linguagem, a leitura e a escrita, as quais a criança vivencia com seus pais ou cuidadores;

IX - literacia emergente - conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes relacionadas com a leitura e a escrita, desenvolvidos antes da alfabetização; (BRASIL, 2019a).

Vemos, por meio da normativa acima transcrita, que a palavra letramento foi subtraída do documento em questão, numa clara tentativa de extinguir os conhecimentos construídos no Brasil, sobretudo os produzidos por Magda Soares, sobre a necessidade e a importância de se qualificar o processo alfabetizatório, a partir da diferenciação e complementariedade do letramento e da alfabetização, que, em nosso país, tem respaldado as políticas públicas, como já pontuamos na seção anterior.

Investigando o conceito de literacia detalhado no caderno da PNA, para justificar o seu uso em sistema alfabético, está posto que literacia “[...] consiste no ensino e na aprendizagem das habilidades de leitura e de escrita, independentemente do sistema de escrita utilizado” (BRASIL, 2019b, p. 18). Esse fato está incoerente, como observou Monteiro (2019, p. 42), com o que se estabeleceu para os níveis de literacia: “[...] como o desenvolvimento da consciência fonológica, das habilidades de leitura e de escrita (de palavras e de textos) e da fluência em leitura oral”, portanto, torna-se incoerente com o conceito de literacia assumido, posto que se apoie em processos de alfabetização.

A vista de tais incoerências e imprecisões conceituais como as acima denunciadas por Monteiro (2019), a palavra letramento, uma tradução de literacy, assumida e defendida por estudiosos brasileiros, alarga as nossas lentes sob o ponto de vista didático e político, no direcionamento do planejamento intencional e sistemático para que todos e todas gozem da alfabetização como um bem cultural, de direito. O direito de ler e escrever em situações: “[...] pessoais, sociais e escolares em que precisamos ou queremos ler ou escrever diferentes gêneros e tipos de textos, em diferentes suportes, para diferentes objetivos, em interação com diferentes interlocutores, para diferentes funções [...]” (SOARES, 2014b, n.p.). Palmilhada a tudo isso, vê-se no texto da PNA a intenção de, assumindo um conceito adstrito de alfabetização e uma prática mecânica dele decorrente, no mínimo, para sermos generosas, dificultar o trabalho com as práticas de letramento e com ele a proposta de alfabetizar letrando.

Ao importar um conceito europeu, “literacia” (comumente utilizado em Portugal), percebe-se uma tentativa, infrutífera, de referir-se aos usos da escrita, conforme observou Bunzen (2019), como uma novidade e/ou termo neutro ou técnico. Essa não é uma prática neutra. Há uma tentativa clara de ignorar explicitamente não só as contribuições de Paulo Freire e Magda Soares e ignorar todas as discussões brasileiras no campo dos estudos sobre letramentos emergentes e familiares13, mas, também, demonstra que a tradução dos termos (literacia familiar ou literacia emergente), no documento aqui tematizado, só revela o desconhecimento de como estes são utilizados no Brasil (“letramento”, “alfabetismo” ou “alfabetização”) e reduz o termo (literacia) à habilidade que se ensina e pode ser medida via testes de larga escala, como asseverou Bunzen (2019), quando estudos brasileiros evidenciam a importância do trabalho com eventos e práticas de letramento específicos tanto na Educação Infantil como nas redes familiares, que balizam, diferente da PNA, as práticas e interações sociais e os artefatos culturais. Com isso, facultam-nos inferir que

A equipe que elaborou o documento traduziu a palavra “literacy” como “literacia” em todo documento, sem fazer diferenciações ou adaptações para o contexto nacional. Uma tradução literal que apaga as diversas discussões históricas realizadas no campo da alfabetização e que não demonstra zelo e cuidado com as leitoras e os leitores. O uso da palavra “literacia”, infelizmente, marca uma posição política e autoritária clara para reduzir as discussões sociológicas, antropológicas, linguísticas e discursivas [...]. (BUNZEN, 2019, p. 48).

Esse apagamento pode ser visualizado à medida que o conceito de literacia assumido obscurece as práticas de letramento (da escola e da comunidade) e as interações das crianças com a escrita em tais contextos. A PNA, ao optar pela literacia “[...] no ensino e na aprendizagem das habilidades de leitura e escrita” (BRASIL, 2019b, p. 18), desasiste as alfabetizadoras no planejamento intencional, organizado e sistemático para garantir a leitura e a escrita no atendimento das diversas demandas postas pelo mundo atual, que só poderiam ser satisfatoriamente atendidas via alfabetizar letrando, isto é, possibilitando às crianças, jovens e adultos ler e escrever a partir de situações reais de uso (sociais, pessoais e escolares), interagindo com interlocutores baseados em diferentes funções e com textos reais. O que implica lançar mão do trabalho com diferentes gêneros e tipos textuais, conforme Magda Soares sublinhou em todas as suas obras.

Na contramão da proposta da autora, os argumentos apresentados para a utilização e aceitação do termo literacia e as vantagens apresentadas na PNA representam o pouco-caso não só para com ela, mas para com todos os passos dados até aqui.

A provocação expressa no infográfico do caderno da PNA, conforme pode ser constatada na Imagem 1, adiante, é uma pequena mostra do desprezo com que são tratados os estudiosos brasileiros da área e um indicador irrefutável de que a política de alfabetização imposta “[...] não visa dialogar com nada nem com ninguém. Sua meta é padronizar [...]. Portanto, desrespeita, completamente, os saberes profissionais e experiências dos alfabetizadores” (MORAIS, 2019, p. 74).

Fonte: Brasil (2019b, p. 38).

Figura 1 Infográfico do caderno da PNA 

A imagem anterior sugere, com a expressão: “A PNA traz definições precisas”, que as políticas e estudos anteriores padeciam de imprecisões acerca da alfabetização (o que vai de encontro a todo o esforço de Magda Soares), além de ofender deixando subentendido que no Brasil nunca houve um “debate sério sobre políticas de alfabetização”; melhor dizendo: não houve na construção do plano, porque se houvesse teria partido da escuta, da valorização das experiências e do diálogo com os estudiosos e equipes escolares brasileiras. Faltaram a abertura para “co-laboração”, a “união”, a “organização” e a “síntese cultural” (FREIRE, 1987), ficando no limite dos 20 especialistas colaboradores citados no documento em pauta.

Com efeito, a partir de toda a análise feita até aqui e das inúmeras contribuições dos estudiosos brasileiros aqui lembrados e referenciados e, outros tantos, que têm se preocupado com uma alfabetização, no sentido amplo defendido neste estudo, vimos com desconfiança a política em curso.

Entre críticas e sugestões: considerações finais ou início de novas problematizações

Desconfiança que nos faz concordar com Mortatti (2019), Saviani (2008) e Lopes (2019) sobre o problema da alfabetização no Brasil ser histórico. Não está centrado no método de alfabetização; ele nasceu e se desenvolveu como decorrência de fatores educacionais, sociais, econômicos e políticos (responsáveis pelas desigualdades sociais) e pela não priorização de educação de qualidade, decorrente da falta de continuidades das políticas implementadas, da invalidação das pesquisas brasileiras e estrangeiras e os avanços de mais de quarenta anos (com participação democrática dos interessados) e da falta de investimentos na escola pública e gratuita. O que se vê, na realidade, é a hegemonia de projetos políticos e educacionais de direita transvestidos de uma pretensa “inovação/solução”, sem sustentação científica. O que falta no Brasil para universalizar a alfabetização e o letramento, ou melhor, o alfabetizar letrando (SOARES, 2004a), não é a técnica, como está posta, mas é vontade política e isto custa dinheiro e reconhecimentos dos avanços já conquistados e dos caminhos percorridos.

Tais avanços, subtraídos na PNA, nos autorizam a afirmar que o conhecimento já conquistado, sobre a aprendizagem inicial da língua escrita, atesta que a alfabetização e o letramento são indissociáveis, simultâneos e interdependentes (SOARES, 2004a). A criança constrói seu conhecimento do sistema alfabético e ortográfico da leitura e escrita em situação de letramento. É no contexto de e por meio de interações com material escrito real e de sua participação em práticas de leitura e de escrita; por outro lado, a criança desenvolve habilidades e comportamento de uso competente da leitura e escrita nas práticas sociais que a envolvem. Defendemos, com Magda Soares, que é pela integração e articulação das várias facetas do processo de aprendizagem inicial da leitura e da escrita que podemos seguir um caminho seguro para a superação dos problemas da alfabetização; descaminhos significam privilegiar esta ou aquela faceta, como se fez no passado e se faz hoje (SOARES, 2004a).

A PNA, ao impor um método único (fônico/instrução fônica), atende aos interesses políticos, ideológicos e econômicos do governo Bolsonaro, com “[...] ‘intervenção máxima’ na alfabetização, por meio da imposição autoritária de ações pautadas em princípios do ultraconservadorismo político conjugados com fundamentalismo científico-religioso [...]” (MORTATTI, 2019b apud MORTATTI, 2019, p. 29, grifos no original). Para esta autora, e para nós, a PNA representa uma “guinada” ideológica-metodológica para trás e pela direita, que, enfatizando a querela dos métodos, busca alcançar a categoria de “guerra dos métodos”, ocultando e/ou silenciando o problema da alfabetização

Tais considerações podem ser observadas a partir dos princípios da alfabetização tratados no Art. 3º, IV, da PNA, que prescreve o ensino de seis componentes essenciais para a alfabetização: “a) consciência fonêmica; b) instrução fônica sistemática; c) fluência em leitura oral; d) desenvolvimento de vocabulário; e) compreensão de textos; e f) produção de escrita” (BRASIL, 2019a).

Analisando-se a prescrição feita e seu detalhamento no caderno do plano, verificamos que a PNA sustenta como primeiro eixo do ensino a “Consciência fonêmica”, quando estudiosos brasileiros, com base nas tão faladas evidências científicas e aqui acrescentamos empíricas também, demonstram a importância do trabalho que desenvolva a consciência fonológica começado na Educação Infantil, ludicamente. Leal (2019) assevera que o método fônico e seu treinamento desmotivam as crianças a aprender. Segundo princípio balizador: “Instrução fônica sistemática”, prescreve o ensino explícito e sistemático, organizado em sequência lógica e controle do tamanho dos textos. Essa prescrição nos preocupa, porque dá margem ao uso de textos cartilhados, visto que “haveria um controle sobre as silabas a serem apresentadas [...]” (LEAL, 2019, p. 82) e que formam analfabetos funcionais. Terceiro princípio: a “Fluência em leitura oral”, não negamos sua importância, mas questionamos. Primeiro, porque sabemos que a fluência leitora não provém apenas do domínio de correspondências grafofônicas. Ao contrário, busca desenvolver um conjunto de habilidades de leitura, portanto precisa ser ensinada de forma planejada e sistemática e isso a PNA não previu. Outro ponto importante a considerar no documento referido é a “[...] orientação de controle de número de palavras para os textos que são usados para alfabetizar também reduz enormemente o desenvolvimento da capacidade de lidar com os textos que circulam na sociedade [...]” (LEAL, 2019, p. 83).

Ainda problematizando os princípios anunciados para a “ênfase no ensino”, o “Desenvolvimento de vocabulário” apresenta-se como quarta prescrição. Leal (2019) sustenta que não se pode ajuizar, como está posto, que a base da compreensão de textos está em um amplo vocabulário e a capacidade de reconhecer automaticamente, uma vez que, segundo a autora, estes são apenas fatores que influenciam nessa compreensão e que estão ausentes do documento os outros fatores promotores de tais capacidades (LEAL, 2019). Nessa mesma linha, “Compreensão de textos” (quinto princípio e/ou prescrição para o ensino) - examinando atentamente e, concordando com a autora citada, constata-se que não são apresentadas estratégias na direção do princípio apresentado. Por último aparece a “Produção de textos”, apresentada com dois princípios: para as crianças mais novas e para os mais velhos. A estes a escrita serve para entender tipologias e gêneros e àqueles para desenvolver a consciência fonêmica e a instrução fônica. “[...] Tal afirmação fere toda a discussão feita pelos autores que tratam dos gêneros discursivos. Desse modo, pode-se supor que a referência a gênero entrou no documento sem discussão sobre ao que remeteria [...]” (LEAL, 2019, p. 83).

Percebe-se que a lacuna presente no quinto princípio, citado anteriormente, persiste no princípio sexto, ou seja, ambos não apresentam a compreensão sobre o que realmente haverá de ser ensinado em relação aos dois eixos. Quanto ao que está prescrito para o ensino destinado às crianças mais novas, verifica-se, mais uma vez, o desmerecimento de tudo o que já foi conquistado a respeito da importância do acesso aos mais diversos texto desde o início da educação formal. Numa palavra, os seis princípios apresentados constituem-se reducionistas (MORAIS, 2019).

Retomemos, mais uma vez, o conceito de alfabetização para aquecer a discussão. À vista de tantos desencontros históricos, epistemológicos, dentre outros, o conceito de alfabetização na PNA, com “base na ciência cognitiva da leitura”, define “ensino das habilidades de leitura e de escrita em um sistema alfabético” (BRASIL, 2019b, p. 18) e os seis princípios, já analisados anteriormente, tencionam tornar o sujeito capaz de ler e escrever palavras e textos com autonomia e compreensão, porém, longe de formar o aluno leitor e escritor de que o momento social necessita, vai acirrar as desigualdades sociais, uma vez que, como vimos mostrando, “consciência fonêmica” não resulta diretamente na capacidade de leitura e escrita de “textos com autonomia e compreensão” (MORTATTI, 2019).

A alfabetização, hoje, mais que nunca, precisa ter seu entendimento alargado. Freire, em sua práxis político-educativa, apresentou-nos uma visão radicalmente democrática da educação, da sociedade e do mundo que se mantém atual e pertinente nos dias de hoje, como um caminho possível de uma alfabetização como ato político. Ora, a PNA desconsidera o referencial teórico-conceptual-pedagógico-político vivenciado e comprovado cientificamente, não só em Angico, 1942, Rio Grande do Norte, mas de todos os alfabetizados que Brasil a fora seu método deixou, bem dizer, permanentemente reinventado, há mais de quarenta anos, com a contribuição de diversos estudiosos dos mais variados ramos do conhecimento que, sem descuidar das principais categorias por Paulo Freire ensinadas e presentes em Pedagogia da Autonomia, nos tem mostrado que não cabe o retroceder. Alfabetizar instrumentalmente crianças e jovens significa retroceder a uma “educação bancária” (FREIRE, 2005), que atuou e pode atuar como instrumento de opressão. A ampliação das práticas de letramento e as reflexões dos usos e funções dos textos desde a educação infantil tornam-se urgentes, dadas as desigualdades sociais impostas. Assegurar as práticas letradas na escola “[...] é uma opção política por democratização, por redução de desigualdades, que só faz bem para os meninos e para as meninas que frequentam nossas redes públicas” (MORAIS, 2019, p. 70).

O que nos parece consensual entre os estudiosos da área da alfabetização, analisando a PNA, é que esta é inadequada sob o ponto de vista teórico, pois, segundo Morais (2019), não leva em consideração o modo como as concepções das crianças evoluem. Conhecimento há muito demonstrado pela psicogênese da língua escrita. Sob o ponto de vista didático, constitui um plano desastroso, isto é, pratica um ensino padronizado, que desconhece o que a criança pensa e a diversidade de conhecimento infantil numa mesma sala de aula. Nas palavras de Morais, “[...] a perspectiva da PNA não tem compromisso com a motivação e com os direitos da criança, quando se trata de ter prazer brincando com palavras ou de cedo se deleitar com livros e outros textos do universo infantil” (MORAIS, 2019, p. 73).

Podemos inferir, com esse posicionamento, que a abordagem defendida pelo MEC “[...] é parcial quanto às evidências e é reducionista quanto à complexidade dos processos pedagógicos [...]” (LEAL, 2019, p. 84). Uma proposta, no mínimo, imprópria, desconectada do objeto da alfabetização. Para que serve o aluno ler e escrever (codificar e decodificar) e não compreender, posicionar-se e saber usar esse conhecimento para resolver aos apelos da vida cotidiana? A PNA precisa mudar a forma (autoritária) e o conteúdo (equivocado) decorrentes da ausência de diálogo com os sujeitos implicados no processo: professores, alunos, gestores escolares, universidades e sociedade organizada.

À vista dos dados apresentados, infere-se que a “Política Nacional de Alfabetização” abre as portas para antigos e ultrapassados métodos, como já antecipava há 15 anos Magda Soares (2004a), em artigo publicado na revista Pátio, o que pode, ao invés de qualificar o processo alfabetizatório, trazer sérias e danosas implicações sociais e políticas, aumentando o número de analfabetos funcionais. Portanto, perante os desmandos anunciados, ratificamos que o momento é de procurar “caminhos e recusar descaminhos”, conforme advertiu a autora citada.

O caminho já está construído há décadas pelas contribuições de pesquisadores brasileiros e colaboradores internacionais que, antenados com seu tempo, apontaram propostas, com evidências científicas e empíricas, a partir da avaliação dos processos percorridos, mas, principalmente, a partir da escuta, do diálogo e do debate respeitoso com aqueles e aquelas que estão na ponta do processo de ensinar e aprender, silenciados na PNA de um governo que incita o ódio e demonstra desprezo por sua gente e se esquece de que são os professores, os alunos e suas famílias, os gestores, os funcionários que, no chão de uma escola real, concreta, conseguem, apesar de tudo, se reinventar a cada dia, na esperança de que é possível transformar.

É possível construir uma educação libertadora. Na contramão de propostas impostas, é imperativo resistir. Urge a “desobediência civil” (GARCIA, 2003 apud MORTATI, 2019, p. 30) e está ciente de que uma educação não é feita de cima para baixo e por decretos, que convocamos os (as) professores (as) a assumirem uma atitude pedagógica que é, antes de tudo, uma opção política, de utilizarem em suas salas de aulas, que se abrem para o entorno da comunidade, as muitas “facetas da alfabetização”, já incorporadas no cotidiano escolar. Que lancem mão das muitas estratégias possíveis para o ensino e a aprendizagem inicial da leitura e da escrita, pela via do ensino que mira uma alfabetização como ato político pregado por Paulo Freire. Uma alfabetização popular, tradutora da realidade brasileira e das aspirações de seus protagonistas (professores e alunos) que, como tal, precisam pautar-se no planejado sistemático e contínuo, negador da ditadura de um método único, que já se mostrou historicamente impotente para alfabetizar a criança, o jovem e o adulto com conhecimentos que lhes possibilite ler e compreender o mundo e escrever uma nova história. Com isso, encerramos e reiniciamos novas problematizações, com a certeza de que devemos reafirmar as nossas convicções de que precisamos resistir e defender uma educação popular, plural e de qualidade para crianças, jovens, adultos e idosos.

Referências

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1Caderno PNA lançado no dia 15 de agosto de 2019 e que explicita os desdobramentos da PNA (BRASIL, 2019b).

2A pesquisa utilizou o método clínico, tornando possível a compreensão do processo de construção da escrita na criança e, também, nos adultos e obteve reveladores de que ambos os sujeitos constroem conhecimento acerca da escrita.

3Segundo Ferreiro e Teberosky (1995), o sujeito passa por um processo de construção de escrita baseado em cinco níveis de hipóteses, quais sejam: pré-silábica, intermediário, silábica, silábico-alfabética e alfabética.

4Este avanço é anunciado por Macedo (2019) pelo grande número de teses e dissertações defendidas nos programas de pós-graduação e pelo volume de revistas e livros sobre alfabetização, publicados nos grupos de pesquisa espalhados pelo país.

5Segundo Freire (2005) a educação libertadora busca estabelecer os princípios da preparação para a mudança social dos sujeitos, uma mudança que possibilite libertá-los das grades da opressão e isso só pode se concretizar como resultado da construção da consciência. Para Freire, não há como separar a educação da liberdade, o que implica em uma prática permeada pelo diálogo.

6Conceito freireano que tem como propósito a manutenção da reprodução da não criticidade. Nas palavras do próprio autor a educação bancária “[...] se funda num conceito mecânico, estativo, especializado da consciência e em que transforma, por isso mesmo, os educandos em recipientes, em quase coisas, não pode esconder sua marca necrófila” (FREIRE, 2005, p. 75).

7A PNA define no Art. 2º, IV, como o conhecimento consciente das menores unidades fonológicas da fala e a habilidade de manipulá-las intencionalmente.

8 Soares (2004a) esclarece que a faceta fônica envolve o desenvolvimento da consciência fonológica, necessária para que a criança tome consciência da fala com um sistema de sons e possa compreender o sistema de escrita alfabética como um sistema de representação desses sons, assim como a aprendizagem das relações fonema-grafema e suas convenções de transferência (da forma sonora da fala para a forma gráfica da escrita).

9Sabe-se que o que diferencia os métodos de alfabetização é a unidade linguística considerada para iniciar o ensino da leitura e escrita, ou seja, os métodos sintéticos (alfabético, fônico, silábico) iniciam-se da parte para o todo e nos métodos analíticos (palavração, sentenciação, historieta, conto) o caminho é inverso (do todo para a parte). Um estudo mais aprofundado pode ser encontrado em Maria do Rosário L. Mortatti, A “querela dos métodos” de alfabetização no Brasil: contribuições para metodizar o debate. Disponível em: http://www.acoalfaplp.net/

10A PNA, no Art. 2ª, III conceitua como condição daquele que possui habilidades limitadas de leitura e de compreensão de texto.

11Para Freire, autonomia é a capacidade e a liberdade de construir e reconstruir o que nos é ensinado.

12Termo utilizado em substituição a “letramento” e, segundo Bunzen (2019), comum em alguns documentos curriculares em Portugal: “literacia” como desejo de inovar.

13Letramentos emergentes e familiares (cf. TERZI, 1995; GOULART, 2006; ROJO, 2010; NEVES, CASTANHEIRA; GOUVEA, 2015), apoiando-se normalmente em relatórios internacionais (Developing Early Literacy, do National Early Literacy Panel, 2009) ou nas discussões da psicologia cognitiva e das neurociências. (BUNZEN, 2019, p. 47).

Recebido: 30 de Maio de 2020; Aceito: 19 de Janeiro de 2021

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