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Revista Diálogo Educacional

versão impressa ISSN 1518-3483versão On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.22 no.74 Curitiba jul./set 2022  Epub 19-Nov-2022

https://doi.org/10.7213/1981-416x.22.074.ao01 

Artigos

Educar a Pessoa

Educating the Person

Educar a la persona

MARIA JUDITH SUCUPIRA DA COSTA LINSa 
http://orcid.org/0000-0001-5404-6061

aUniversidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Doutor em Educação, e-mail:


Resumo

Educadores precisam pensar sobre o significado da filosofia como base da sua prática diária. Considera-se aqui que a Educação deve ter a Pessoa como centro do processo. O problema principal em Educação é entender a Pessoa. A fundamentação teórica está em Dietrich von Hildebrand, Jacques Maritain e Alasdair MacIntyre. A hipótese é a necessidade de que a educação seja organizada segundo a natureza da Pessoa. O objetivo desse artigo é desenvolver argumentação para mostrar quão importante é prestar atenção à Pessoa quando existe o desejo de educar seres humanos. Seis tópicos relevantes foram selecionados para serem discutidos: amor; ética/valores; caráter; consciência; vontade e liberdade. A abordagem metodológica é a hermenêutica de Paul Ricoeur, pois ela permite ao autor explorar diferentes perspectivas e entender o que os filósofos e outros querem expressar. Filósofos e educadores questionam sobre Educação concernente à Pessoa como um ser humano real e concreto vivendo em um contexto social. Os tópicos dão oportunidade de compreensão dessa relação. É possível concluir que Educar a Pessoa é o meio de professores e todos os profissionais que trabalham com crianças e adolescentes demonstrarem respeito ao ser humano.

Palavras-chave: Pessoa; Educação; Filosofia; Ser Humano.

Abstract

Educators need to think about the meaning of philosophy as the basis of their daily praxis. It is here considered that Education must have the Person as center of the process. The main problem in Education is understanding the Person. Theoretical foundation of this article are Dietrich von Hildebrand, Jacques Maritain, and Alasdair MacIntyre ideas. Hypothesis is the necessity to education to be organized according to the nature of the Person. The objective of this article is to develop argumentation to show how important it is to pay attention to the Person if there is the desire to educate human beings. Six topics were discussed: Love, Ethics/Values; Character; Consciousness; Will and Freedom. Methodological approach is Paul Ricoeur’s hermeneutics because this allows the author to explore different perspectives and to understand what the philosophers and others wanted to express. Philosophers and educators ask about the Education concerning the Person as a real and concrete human being living in a social context. The topics give opportunity to understand this relation. It is possible to conclude that Educating the Person is the way for teachers and all professionals working with children and adolescent to demonstrate respect for the human being.

Key words: Person; Education; Philosophy; Human Being

Resumen

Los educadores deben pensar en el significado de la filosofía como la base de su praxis diaria. Aquí se considera que la Educación debe tener a la Persona como centro del proceso. El principal problema en Educación es entender a la Persona. La base teórica de este artículo son Dietrich von Hildebrand, Jacques Maritain y Alasdair MacIntyre ideas. La hipótesis es la necesidad de organizar la educación según la naturaleza de la Persona. El objetivo de este artículo es desarrollar argumentos para mostrar lo importante que es prestar atención a la Persona si existe el deseo de educar a los seres humanos. Se discutieron seis temas: Amor, Ética/Valores; Persona; Conciencia; Voluntad y Libertad. El enfoque metodológico es la hermenéutica de Paul Ricoeur porque esto le permite al autor explorar diferentes perspectivas y comprender lo que los filósofos y otros querían expresar. Los filósofos y educadores preguntan acerca de la educación sobre la persona como un ser humano real y concreto que vive en un contexto social. Los temas dan la oportunidad de comprender esta relación. Es posible concluir que Educar a la Persona es el camino para que los maestros y todos los profesionales que trabajan con niños y adolescentes demuestren respeto por el ser humano.

Palabras clave: Persona; Educación; Filosofía; Ser Humano

Introdução

Tanto no que se refere ao Desenvolvimento da Infância e da Adolescência, em cujo final a personalidade deve estar estabelecida, quando a pessoa toma consciência maior de sua constituição, como no que concerne à Aprendizagem, é preciso que educadores e professores tenham sempre como ponto de partida a Pessoa do estudante. O tema Educar a Pessoa se justifica amplamente porque o estudante na Universidade é Pessoa e se prepara para ser educador de Pessoas. Educar a Pessoa, enfatiza Sucupira Lins (2018), é uma atitude de respeito essencial e irrevogável. A pesquisa documental levou à fundamentação teórica na filosofia de Dietrich von Hildebrand (1889-1977). Conhecido como ativista em prol do respeito à pessoa, liberdade e direitos civis, esse pensador e escritor lutou ativamente contra o nazismo. Fugiu da fúria de Hitler, como relata (2014), e se estabeleceu nos Estados Unidos, onde lecionou e escreveu até a morte. Uma só teoria filosófica não é suficiente, por isso se faz necessária a interlocução com outros pensadores. Nossas reflexões visam à prática pedagógica, tendo como centro e razão de ser o educando, amado e entendido como pessoa preciosa. A relação entre educando e educador, ressalta Sucupira Lins (2008), é o ponto crucial que não pode ser negligenciado.

Educar a Pessoa é amar cada ser humano em particular. Edith Stein (1989) ensina que a empatia permite conhecer e amar o outro. A filósofa discorre sobre a beleza da empatia e a função que ela tem nas relações interpessoais. Pela vivência da empatia, seres humanos se reconhecem na igualdade e se respeitam na diversidade. Insistimos na ideia de Educar a Pessoa porque a percepção que se tem do outro não é um traço biológico. A empatia se vive por meio de experiências sensíveis na convivência entre pessoas, na medida em que se respeita o outro como pessoa importante que se relaciona com o eu. Esse é o olhar de Buber (1974) ao chamar a atenção para o cuidado por inteiro que se deve ter com a pessoa do outro, suas qualidades únicas, individuais e aquelas de seu pertencimento à humanidade, estabelecendo o laço eu/tu. Educação não é abstração, mas concretização do aperfeiçoamento de cada pessoa na relação consigo própria e com o outro.

Educar a Pessoa ultrapassa os limites da escolarização, por mais alto que seja o nível atingido nesse processo social sistemático, de modo que alcance a plenitude de sua humanidade. É preciso, em primeiro lugar, conceituar o ente e sua existência, conforme ensina Aquino (1998), entendendo-se mais claramente o educando. O ser humano ocupa uma posição exclusiva, que muitas vezes é esquecida, até mesmo por educadores. É necessário situar a pessoa em seu lugar próprio no cosmo, explica Scheler (1962), destacando suas capacidades lógicas racionais, afetivas e criadoras. Com a mesma preocupação, outros filósofos abordaram esse tema, como Mounier (1961), estabelecendo-se assim o movimento intitulado personalismo. A pessoa como razão de ser dos estudos e pesquisas gerou o que se conhece hoje por filosofia personalista.

Educar a Pessoa é mergulhar nas questões trazidas pela Filosofia da Educação, lembra Maritain (1959), quando se pergunta sobre quem é o ser humano, respeitando-o por seu valor inquestionável. O lugar da filosofia na prática pedagógica é insubstituível, qualquer que seja a ótica. A complexidade encontrada por quem pretende Educar a Pessoa não é motivo de desistência. Há fontes na filosofia e em outras áreas do conhecimento que fornecem os instrumentos adequados. A filosofia de von Hildebrand (1991) ajuda na reflexão quanto à ciência e ao conhecimento, à objetividade do pensamento e à necessidade de discussão, elementos que são integrantes do planejamento pedagógico e da prática diária. Educar a Pessoa depende de comprometimento dos educadores, destaca Sucupira Lins (2016), incumbidos dessa tarefa por amor e que estão continuamente se renovando. Há um longo processo para o que Erikson (1976) denomina de aquisição da identidade e do autorreconhecimento, em pesquisas sobre a adolescência. Desde o nascimento, o ser humano segue construindo sua própria forma de existir, pensar e ver o mundo.

Falar em Educar a Pessoa seria pleonasmo se não houvesse desvios. Sodré (2019, p. 9), em recente artigo, diz que “Em meio à notável expansão tecnológica dos dispositivos, é crescente o déficit humano de compreensão mútua”. Essa deficiência tem base nas falhas de aproximação da pessoa. Viver eticamente é uma preocupação, e as múltiplas tentativas para que isso aconteça marcam a Educação da Pessoa.

Aristóteles (1996), no século IV antes de Cristo, mostrou as virtudes universais, que devem ser vividas pela pessoa por pertencer à humanidade, e chamou a atenção para a prática da ética como exercício necessário para a formação da cidadania. Pesquisas atuais, no campo da ética, coordenadas por Anderson (2005), relatam a inversão de valores e troca das virtudes por elementos transitórios.

A escola não é uma entidade isolada ou atemporal, descomprometida com a sociedade e com os cidadãos, que poderia se nutrir por si só, alerta Hannah Arendt (2006), em crítica à modernidade. É na cultura que se forma a pessoa, numa interação constante. Educar a Pessoa acontece necessariamente em uma cultura. Sodré (1983, p.115) aponta a dificuldade de se conceituar cultura, esse “sedutor vazio que nos indetermina”, porém a adaptação do ser humano à cultura é uma necessidade. Educar a pessoa é proporcionar condições para que isso aconteça, e a escola como instância da cultura tem esse papel. Bruner (1996) destaca a intercomunicação cultura e educação, refletindo sobre as implicações para educadores.

Há uma riqueza de avanços na educação e quem não a observa, ou tem pouca memória ou não conhece do mundo a história, dizia o filósofo Newton Sucupira em rodas de conversa e aulas, empenhado em respeitar os valores da pessoa. Refletir para educar a pessoa é a busca incessante de equilíbrio entre a pluralidade e a unicidade do ser humano. Ao mesmo tempo em que é preciso respeitar a pessoa como única, seria um equívoco esquecer sua inserção sociocultural e relacionamentos com os demais seres humanos, proporcionando trocas e experiências de mútuo enriquecimento.

A Filosofia da Pessoa surge como alternativa expressiva e confiável, caminho a ser seguido por se destacar pelo respeito ao ser humano. Bruner (1960), em relatório, que gerou uma revolução pedagógica, inicialmente nos Estados Unidos e depois se expandindo pelo mundo, destaca a centralidade do educando. A educação é para o aperfeiçoamento da pessoa e, de modo algum, sua concepção pode ser distanciada da pessoa ou encaminhada para um fim que não seja a pessoa. A pessoa educada não aceita injustiças, ama e luta pela promoção de cada ser humano e por um mundo melhor para todos, sem exceção. A admiração que o educador tem pela pessoa e a reverência diante de cada educando são posturas fundamentais para que a ação pedagógica possa acontecer. Reverência (WOODRUFF, 2001) é uma virtude esquecida que precisa ser resgatada. Educar não decepciona quando se tem consciência da preciosidade do educando e quando todo o esforço for direcionado para as mais altas finalidades de seu aperfeiçoamento. Nesse sentido, Crosby (2009) enfatiza que a educação é um bem objetivo para a própria pessoa e toda a humanidade. Educar a pessoa não se restringe a um indivíduo, mas à sociedade inteira.

A educação é o caminho que conduz à prática dos valores fundamentais que marcam o ser humano. É preciso traçar as linhas do projeto de educação em consonância com as qualidades e virtudes fundamentais para a pessoa. Reinventar a educação, mantendo o núcleo de fundamental importância dos valores moralmente relevantes, é tarefa urgente. Essa é a educação para a qual damos esse título, a educação exigente, plena, que traz resultados na formação da pessoa, que não é vista como um produto de uma máquina ou da indústria de repetição. O respeito à pessoa nos leva a constantes estudos e análises das conquistas do passado, da revisão da história da educação e da reflexão sobre a tradição acumulada pela sabedoria da humanidade, para então nos lançarmos no futuro. É sinal de sapiência a capacidade de harmonizar o antigo com o novo, de olhar para o que foi construído pela humanidade sabendo estipular novas metas. Ninguém, ao nascer, é uma tabula rasa. Cada ser humano traz em si peculiaridades e ao mesmo tempo se identifica como pertencente à humanidade. A educação é a ação conjunta, de quem se educa e do educador que o acompanha, para que seja possível a passagem da potência ao ato das características de cada ser humano.

Educadores fazem a mediação entre a pessoa, sua preciosidade, subjetividade, potencialidades e características, com o conhecimento, a informação, a ética e a cultura, para que venha a tomar o comando de sua própria vida. Sem a vivência de um processo de educação, ressalta Maritain (1945), a pessoa pode parecer que está indo bem, quando na realidade está perdida e sem conseguir passar de suas potencialidades ao ato. Educar é transmitir a coragem autêntica, é entrega plena, é a visão das virtudes no ser humano e por isso tem que ser bem sedimentada. Enfatizar as características da pessoa humana, visando sua educação, é o propósito que nos leva a escrever sobre esse tema, com intenção de ampliar o debate.

É possível se destacar seis pontos básicos para a Educação da Pessoa

  1. Amor; 2. Ética/Valores; 3. Caráter; 4. Consciência; 5. Vontade; 6. Liberdade.

Amor

Conhecer a pessoa por meio de estudos científicos é indispensável, mas ainda não é suficiente, é preciso, antes de tudo amá-la. Todas as estratégias educativas se resumem no amor, que é o centro vital da educação integralizadora, e por meio do qual a pessoa em si mesma resplandece. Devido às dificuldades e deficiências da natureza humana, sem o auxílio de educadores, formais ou informais, esse acontecimento do resplendor da pessoa se torna quase inalcançável. É conhecida a expressão de Agostinho de Hipona relacionando amor e conhecimento, ao dizer que amar é conhecer e conhecer é amar. Von Hildebrand (2009, p.17) diz que “é essencial para qualquer tipo de amor que eu considere a pessoa amada enquanto preciosa, bela e louvável. Na medida em que alguém é apenas útil para mim, ou eu possa usá-lo, a base do amor está faltando”. Há um abismo entre amor e utilidade. Se alguém pensar que está amando uma pessoa e quer tirar proveito dessa, na realidade está muito longe do amor. Duas características irrevogáveis nos permitem identificar o amor. São autodoação e comprometimento. Estas palavras ensinam que amar é se doar a todo instante, procurando o bem da pessoa amada em um comprometimento total. A pessoa merece ser amada por seu valor ontológico.

Há uma sensibilidade especial no amor que ultrapassa categorias e se aproxima da compaixão. Amor não é um estado de loucura nem algo inebriante, mas pensar e raciocinar, para descobrir o que melhor fazer pela pessoa amada, segundo uma escala de diferentes tipos em hierarquia. Esse é o amor na Educação. Amor concerne sempre a pessoas reais; é a consequência de uma tomada de decisão completa. É inegável o seu poder na medida em que as pessoas foram criadas para amar e para serem amadas. Nele o que realmente tem significado é a confiança, da qual se seguem o respeito e o cuidado desinteressado pelas pessoas. São essas as características do agir do Educador em relação ao Educando.

O que o amor promete? Amor gera esperança. Esperança de que? Há uma intenção na relação de amor que supera os desafios do mundo. Há no amor uma necessária renúncia pelo fato de se ter como prioridade a pessoa amada. A constância é a marca do amor, sem a qual esse não existe. A integridade do amor está em ser fiel.

Na primeira infância não há, um assim chamado, domínio pessoal, por isso é impossível à criança demonstrar o amor verdadeiro, fato esse que não impede o encaminhamento visando essa finalidade. Por não ser capaz ainda de amar, isso não significa que não possa aprender, conforme relatam as pesquisas de Piaget (1952, 1973, 1977) sobre a construção das estruturas mentais, morais, afetivas e sociais da criança. Sem se deter propriamente no tema do amor, o epistemólogo descreve as etapas das crescentes capacidades que permitem o amor. Piaget (1954) realça a importância da esfera afetiva e analisa suas relações com a inteligência no desenvolvimento mental. Há uma intuição típica da estrutura mental, prévia ao raciocínio, que permite à criança se lançar no projeto de organização do eu rumo à autonomia e ao amor.

A aprendizagem do amor precede a construção social e moral e as altas habilidades cognitivas. Uma vez dotada das condições provenientes das estruturas, a pessoa demonstra seu amor. Wojtyla (1982) associa amor à consciência, ratificando o princípio da razão. É preciso fazer um esforço, baseado nas virtudes praticadas desde a infância, para descobrir a gratuidade do amor que leva a uma das virtudes básicas que é a gratidão. Digo sempre que sem gratidão não é possível nenhuma virtude. Educar a Pessoa é permitir que ela ame e seja grata.

Ética/Valores

As palavras ética e valor estão ligadas, porque ética se expressa nos valores. Ética na educação é uma relação necessária. Aristóteles (1996), no século IV a. C., propõe a vida em harmonia na polis como o encaminhamento para se alcançar a felicidade que está no bem comum. É atual e necessária essa objetividade do conceito de felicidade, que o desloca do subjetivismo e o direciona para a humanidade, pelo enfoque dos valores. No contexto da ética e dos valores surge a virtude, que é a palavra derivada do latim, que por sua vez traduziu o termo grego areté, cuja significação é excelência. As virtudes, tais como justiça, generosidade, amizade, prudência, perseverança e temperança, são formas de excelência na vida e não são inatas.

Von Hildebrand (1972) diz que ética é um conjunto de práticas superiores na vida da pessoa, que as aprende em sociedade. Para explicar ética, Vasquez (1987) debate sobre as virtudes e traz essa questão para o problema dos valores da atualidade. Coordena a ideia de ética em função do estabelecimento de valores indispensáveis para que a pessoa possa encontrar uma vida equilibrada. Ética e moral se encontram nos valores mais relevantes que precisam constar do planejamento educacional. Ética deixou de ser um estudo rigoroso, pautado por critérios científicos, para se apresentar hoje sob a forma de relativismo, que impede o curso racional das ideias. Contra essa direção, Ricoeur (2017) lembra ser preciso ver a ética munindo-se do instrumental da hermenêutica racional. Acrescente a esses procedimentos desviantes do foco da ética a força do Emotivismo, criticado por MacIntyre (1984), presente nas sociedades e que impede o uso da razão. A profusão de conceitos de ética traz dificuldades não só filosóficas mas também na prática educativa. Questões conceituais de ética, segundo Sucupira Lins (2013), precisam ser solidamente esclarecidas para que se pense no processo educacional que visa formar a pessoa. A realidade da vida tem que ser entendida pelos valores.

Há iniciativas educacionais meritórias, como o uso de fábulas e contos, incentivadas por Bennett (1998), que expressam a vida virtuosa. É nesse contexto que se enfatiza a força da exemplaridade. Crianças mais velhas, jovens e adultos que praticam virtudes servem de modelo. O exemplo continua como viga mestra das atitudes, principalmente pelo peso que a imitação tem no processo de desenvolvimento de crianças e adolescentes. Scheler (1941) discute os pressupostos do significado vital dos valores na vida do ser humano em análise de diferentes contribuições sobre o que é a ética, e, a partir de seus escritos, pode-se entender que Educar a Pessoa depende do que se considera em termos de valores. Ética é o eixo da vida e desta partem os indicadores para as tomadas de decisão. Devido à prioridade da ética na Educação da Pessoa, ressalta-se que as questões educacionais devem ser derivadas de uma clarificação do seu significado.

Aprender virtudes é uma transformação da própria pessoa, que passa a considerar seus atos segundo a possibilidade da excelência das decisões. Desde a infância, a criança começa a construir sua personalidade moral, segundo pesquisas de Sucupira Lins e Sousa (2018), e, para que seja bem-sucedida, deve vivenciar os valores. Na vida diária, a criança se depara com situações nas quais pode agir correta ou erroneamente. A educação tem essa função, conforme diz Piaget (1973), de ser o elemento heterônomo que aponta, como uma bússola, para o norte ético, enquanto a pessoa se prepara para a autonomia. Virtudes são adquiridas e se manifestam na pessoa depois de um processo educativo. Hare (1992), ao analisar o papel das virtudes, reflete sobre como o ser humano passa a ser ético. A respeito desse problema, que é tanto da filosofia como da educação, concluiu que o papel da prescrição ética é essencial na prática educativa. Se existe concordância de que a ética é um conjunto de costumes voltados para o bem da pessoa e da sociedade, é preciso que alguém os prescreva para serem vivenciados. Essa é a base fundamental quando se tem em mira educar a pessoa, e dela decorre que a intervenção educativa faz crescer a pessoa espiritual, moral, afetiva, social e cognitivamente. Os valores culturais são roupagens particulares para valores universais. Há exemplos de valores culturais determinados por uma época e que depois perderam o significado. Os verdadeiros valores, aqueles que dignificam o ser humano, permanecem; embora com novas colorações que os adaptam ao tempo e ao local.

Caráter

Na linguagem coloquial, diz-se que alguém tem bom ou mau caráter, porém se deve dizer que alguém tem ou não tem o caráter formado. Como saber o que é caráter? O que pode ser entendido com esse termo?

Caráter não é genético. É construído pela pessoa por meio de intervenções de outros que estão ao lado da criança e do adolescente. É definido incluindo pensamento, sentimentos, virtudes e comportamentos do ser humano, sendo mais amplo que identidade. A constituição do caráter, segundo Mounier (1947), é indissociável do processo de educação pelo qual todo ser humano deve passar. Pode-se pensar que Educar a Pessoa é lhe proporcionar a autodescoberta como alguém com caráter, o que a torna um ser humano confiável diante da sociedade. É preciso que a educação em geral abrace diversos focos sobre a educação do caráter, enfatizando a aprendizagem social e emocional, a ética e a cidadania.

Realçamos as influências, tanto psicológicas como ambientais, que incidem sobre a construção do caráter. A emoção está na raiz do caráter, lembrando que a afetividade é uma fonte de forças que serão disciplinadas pela pessoa e direcionadas para os fins de sua vida. Não há uma fórmula nem um programa educacional único a serem aplicados para que crianças e jovens se tornem pessoas de caráter. No entanto, a Ética e a Psicologia da Educação fornecem muitas teorias para que atividades sejam propostas pedagogicamente visando esse fim. As pesquisas atuais, prioritariamente de Lickona (2015) e as de Berkowitz (2016), sugerem que desde a primeira infância é preciso trabalhar os elementos que constituirão o caráter da pessoa. Os citados autores, considerados expoentes nessa área, concentram seus trabalhos na valorização da pessoa por meio da educação do caráter. Seus resultados mostram que a cooperação entre as crianças vem, cada vez mais, mostrando-se como um dos pontos relevantes para o caráter. O foco é o desenvolvimento da pessoa quanto à aprendizagem do caráter; como instrumento central da sua formação, o exercício das virtudes de forma lúdica é iniciado ainda antes da escolarização. Além disso, atuação dos adultos em volta das crianças é crucial para que o caráter seja construído; corrigindo erros e apontando a prática das virtudes, haverá a ajuda da sociedade na formação do caráter dos novos cidadãos. Desse modo, o diálogo e o exemplo levam essa interação ao sucesso, já que virtudes são constituintes típicas do caráter e, por isso, precisam ser aprendidas e vivenciadas.

É preciso entender a formação do caráter de maneira abrangente e completa. Von Hildebrand e von Hildebrand (2017) lembram que o caráter é o conjunto das virtudes e assim constituído é que nos ensina a arte de viver. O caráter da pessoa lhe possibilita o perdão, a humildade, o cuidado, a solidariedade e a vida em comum na felicidade. Educadores têm diante de si a questão: Como educar o caráter de uma criança para que se torne um adulto de caráter? Cuidam da pessoa e vão além da tarefa de lhes ensinar geografia, matemática e outras disciplinas.

Toda criança tem direito de ser educada com vistas à formação do caráter, desde os primeiros meses de vida, os quais são qualificados por Bloom (2014) como insubstituíveis. Na primeira infância são formadas as camadas estruturais da personalidade, ainda que a memória não seja capaz de recordá-las, por pertencerem ao inconsciente afetivo e cognitivo. Têm, no entanto, papel fundamental, e por isso não podem ser negligenciadas. A pessoa adulta, se não teve a oportunidade de elaborar as categorias de sustentação de seu caráter, pode ser esclarecida quanto a erros e acertos de modo que tome a liderança de seu próprio processo de formação do caráter. A criança é mais flexível, porém em qualquer idade, é possível que sejam produzidas transformações que resultem no caráter. Os estudos da neurociência ligados à ética, tal como apresenta LaFlamme (2016), assinalam a permanente capacidade de aprender do ser humano trazendo respostas concernentes ao desenvolvimento do caráter.

Ser pessoa é ser um caráter firme. Constatando a multiplicidade de fatores que atuam na evolução do caráter, é possível a pais e professores entenderem a necessidade de explorá-los desde a primeira infância. Cada novidade da criança tem um papel e não pode ser desperdiçada. São virtudes como fé, reverência, generosidade, humildade, bondade, aliadas ao amor, que dão a subsistência ao caráter.

Consciência

A fenomenologia realista, desenvolvida por von Hildebrand (1991) é voltada para a descoberta e contínuo uso da consciência, por ser o que há de mais profundo e verdadeiro na pessoa, dentro de seu contexto real. É o que confere a identidade precisa, mais do que elementos psicológicos e físicos. Há quem viva inconsciente de sua natureza preciosa de pessoa e os que sufocam a consciência, esquecendo que é a força interior particular de cada pessoa. Maritain (1938) considera que a pessoa se volta para o interior de si mesma, tenta se perceber como uma consciência bem formada, para então deliberar e agir. É o que há de mais íntimo na pessoa e indevassável, ao qual ninguém tem acesso. Constitui a privacidade da pessoa, o que põe um carimbo único em suas decisões, erros e acertos. No segredo da pessoa se encontra, quando bem estruturada, dando significado à vida e orientação em momentos de deliberação. É impensável considerar uma pessoa, sem entender que a consciência de si mesma é que a sustenta.

É preciso ver a natureza do amor para se alcançar na íntegra o valor da reta consciência. Qual é a relação entre esta e o amor? O que é reta consciência? É a consciência que hierarquiza os valores. É pela consciência que a pessoa consegue avaliar as situações, seus desejos, atos e projetos. Filósofos contemporâneos seguem essa linha de interesse pela pessoa e seu autoconhecimento, inclusive os brasileiros Padilha (1995) e Sucupira (1980). Ambos procuraram a compreensão do significado da pessoa, vendo-a amorosamente e insistindo em revelar sua consciência como o ponto fundamental de seu ser capaz de amar.

A consciência tem como tarefa primordial dar à pessoa seu próprio sentido. Não é possível à pessoa alcançar sua finalidade de vida se não se der conta de si mesma e do que pode imaginar e verificar. Por isso, também é com esse instrumento particular que se levantam questões sobre a condição humana, direitos e deveres, injustiças, desrespeito, perseguições, com o intuito de se alcançar soluções. A ignorância é incompatível com a experiência de vida atuante da pessoa. Em educação, às vezes, se fala em conscientizar crianças e adolescentes, até com boas intenções, com o intuito de lhes mostrar os caminhos da vida. Essa é uma frase de significado muito deturpado. Na verdade, não há como conscientizar o ser humano. A pessoa se conscientiza por si mesma, a partir de um projeto pessoal.

Trata-se, como se pode notar, de um verbo reflexivo, que mostra a ação própria do sujeito que a recebe, o que é assinalado por Almeida Prado (1991) para que seja possível se distinguir da doutrinação que existe escondida por detrás do verbo conscientizar. A pessoa se conscientiza não como algo que surge do nada nem de maneira intuitiva, mas porque passa por experiências que evidenciam resultados de suas iniciativas. Continuando por essa vertente, Piaget (1977) investigou o papel das interações sociais, analisando a função das regras e normas da sociedade e mostrando que cada pessoa constrói a consciência pela interação com as outras pessoas. Os confrontos existenciais permitem que sejam vencidas as diferenças e as relações se fortaleçam de modo consciente.

O ser humano deve chegar a um estágio de desenvolvimento no qual há uma consciência sobre si como pessoa, de modo que seja capaz de organizar seu próprio eu. Ao agir de forma consciente, a pessoa recolhe suas experiências, memórias, aprendizagens em geral e as põe juntas de modo que lhe sejam transparentes. Diante dos problemas da vida de qualquer um, uma pessoa consciente consegue enxergar a evidência do fato, e não se deixa abalar por fatores, sem antes inquirir sobre seus significados. O papel da consciência é insubstituível porque, além de permitir o conhecimento da própria identidade, serve de parâmetro para as decisões. A consciência retamente construída mostra à pessoa, por meio das diretrizes e até legislações, o que é o certo e o errado, de modo que possa exercer a objeção de consciência. A consciência é o que lhe permite encarar, dentro de si mesma, os elementos que a atraem para o mal ou para o bem e possa escolher esses últimos.

Ao nascer, nenhuma criança tem consciência de seu próprio corpo, não tem consciência de si mesma, nem dos outros e do mundo. A interação social e a estruturação da inteligência, explicadas por Piaget (1977), fortalecem a consciência da pessoa. É no meio social que a pessoa se vê como única, e paradoxalmente, por essas interrelações terá cada vez mais consciência de quem é. Responsabilidade é um traço forte na pessoa consciente. Tornar-se responsável é uma das premissas básicas da educação da pessoa. Ninguém alcança a própria plenitude se não vive na responsabilidade, lembra Wojtyla (1982), acrescentando que essa se pratica com amor. Responsabilidade e amor são congruentes no exercício da dignidade da pessoa que assume sua vida e a conduz dentro da ética.

Vontade

Compreender o que leva um ser humano a uma escolha independente ou a deliberar e tomar decisões, o que é a expressão de sua vontade, tem sido uma busca de filósofos, educadores e psicólogos. O comportamento humano pode ser duplamente classificado, quanto à origem. De um lado, aparece como reação inconsciente, seja de ordem física ou psíquica e, por outro, como derivado da intencionalidade proveniente de sua racionalidade e liberdade.

A essa segunda modalidade é dado o nome de vontade. Von Hildebrand (1972) diz que toda resposta da vontade acontece por meio da ação consciente. Não há vontade sem que seja possível se detectar que houve uma ação consciente. Desse modo, é preciso entender que a vontade é concreta e se manifesta em fatos visíveis que podem ser avaliados. Vontade é a capacidade da pessoa, que acontece porque o ser humano chegou a ter pleno sentido de si próprio pela consciência e compreensão de objetivos que a levam a uma escolha consciente. Nem sempre no meio social essa concepção está presente, havendo uma confusão de conceitos que leva ao afastamento dos verdadeiros conteúdo e significado dessa palavra. Ao contrário do que é utilizado pelo senso comum, a vontade não é um dom nem característica inata à pessoa, como se fosse instintiva, mas um construto fundamental que está na raiz dos atos morais e, segundo Seifert (1980), na própria manifestação da bondade. É por meio de sua expressão que a pessoa escolhe ser boa ou má, fazer isto ou aquilo.

É frequente escutar que tal aluno tem a vontade definida, isso ainda em turmas infantis! É impossível a manifestação da vontade em tão pouca idade pela ausência da racionalidade, conforme explica Piaget (1952), e isso pode ser conferido por todos que lidam com crianças. Não há condições que possam sustentar o seu aparecimento tão precoce. Depois do processo de socialização, explica Piaget (1977), a criança pode reconhecer elementos e fatores que participam da elaboração da vontade, a qual apenas será possível, de modo integral, no final da adolescência.

Não é difícil notar como crianças, e até mesmo adolescentes, mudam de ideia ou trocam de objetivo sem justificativa. Em algumas ocasiões, estão fortemente fixadas no objetivo pretendido, embora não consigam explicar, nem para si próprias, qual é a motivação inicial que as impulsiona, e logo a abandonando. Ninguém nasce equipado com vontade nem tampouco a família; os professores ou a sociedade podem transmiti-la a alguém. Ainda que sejam coadjuvantes, pais, professores e outros são indispensáveis nesse processo devido à orientação que dão a crianças e adolescentes, sem, contudo, substituí-los como os próprios construtores.

É por tudo isso que se precisa aprender que as crianças não dispõem ainda de vontade, por mais que os adultos se deixem enganar supondo sua existência. Elas somente expressam necessidades, todas como reações a estímulos internos ou externos, e sempre com urgência de atendimento. Também manifestam, não raramente de forma incisiva, e por isso de forma voluntária, os seus variados desejos. O impacto da ação volitiva, com a antecipação do que pode acontecer, é nessa faixa etária forte para a estrutura cognitiva e afetiva. Somente quando o ser humano começa a prever qual será o resultado da livre tomada de decisões é que entra no exercício consciente da vontade. A antecipação das consequências das atitudes é condição que não pode ser desprezada, embora von Hildebrand (1972) explique que os resultados não são os motores da vontade, mas sim o significado que têm em si mesmo, ausente da subjetividade da pessoa. O adolescente não é ainda um sujeito de vontade plenamente construída. Apresenta altos e baixos que revelam o processo de aquisição dessa capacidade. Além do raciocínio, é preciso ser capaz de elaborar um projeto, ser firme na proposta e suportar as consequências de seu ato volitivo. Somente a pessoa bem formada encontra em si mesma o exercício racional e livre da vontade e a partir dessa consciência poderá agir coerentemente e com perseverança.

O termo vontade é de difícil compreensão, na medida em que a palavra é usada com outros significados e confundida com gosto, preferência. A diferença entre ter vontade e gostar é imensa. A pessoa pensa, reflete, vê alternativas e decide, enquanto ao expressar um gosto, refere-se a um prazer ou ao que lhe traz subjetivamente uma satisfação. Um exemplo, bastante conhecido na vida diária, é o emprego da expressão ‘estou com vontade de ir ao banheiro’ que talvez seja o oposto do ato volitivo. Absolutamente ninguém está com vontade de ir ao banheiro. Trata-se de uma necessidade imperiosa causada pelo organismo que está em um momento de pressão para ser aliviado. Vontade não é sinônimo de necessidade, se bem que essa forma de falar seja corriqueira. É devido a essa confusão linguística, provavelmente, que o conceito se perdeu e raramente as pessoas param para pensar no que vontade significa.

Vontade é ligada ao raciocínio e à liberdade. Em média, as crianças começam a raciocinar por volta dos oito anos, conforme pesquisas de Piaget (1952) e outras, consolidando essa faixa etária em populações de variadas culturas e níveis socioeconômicos. Raciocinar é usar mecanismos próprios do pensamento lógico. É a capacidade construída durante mais ou menos os 8 primeiros anos de vida, ainda de modo precário, somente concreto. Depois dos 14 anos, se houver um trabalho bem feito, o adolescente começa a raciocinar de modo lógico dedutivo e abstrato.

A colaboração da família é indispensável para o estabelecimento da vontade. Como não é intuitiva, a educação encontra nessa construção uma de suas finalidades. Von Hildebrand (1972) trabalha o conceito de vontade como um dos esteios fundamentais da ética. A firme vontade é um dos pressupostos para a vivência dos valores moralmente relevantes. É por meio dessa que a pessoa consegue se equilibrar diante dos conflitos inevitáveis da vida.

O desempenho autônomo é consequência do exercício do ato volitivo na medida em que a pessoa consegue fazer escolhas, relacionando essa forma de agir com a vivência do amor verdadeiro. É relevante insistir que a prática da vontade edifica a independência da pessoa, ou seja, fornece condições para a autonomia, de modo que seja possível escolher caminhos diferentes. Educar a pessoa para a plenitude da vontade, sempre aliada à liberdade e à razão, nas palavras de Seifert (1980), leva à superação de seu próprio drama, que consiste em obedecer ao que é relevante moralmente ou não. A pessoa analisa por meio de critérios racionais o que é propagado como verdade e, em seguida, é capaz de livremente tomar decisões que se originam na vontade firmemente construída.

Liberdade

Liberdade não é concedida à pessoa nem lhe é tomada, no sentido filosófico, porque a liberdade existe pela própria natureza ontológica da pessoa enquanto intrínseca ao ser humano. Liberdade é um privilégio do ser humano, é característica que lhe é exclusiva e que o define como pessoa. Os outros animais são geneticamente programados e têm comportamentos antecipados pelo que é típico da espécie à qual pertencem. Com exceção do ser humano, todos os animais são determinados e não agem livremente.

Por mais impressionante que seja a habilidade de um animal, ele não é livre. Tem origem no instinto ou no treinamento forçado. Por sua natureza, leões fogem do fogo, no entanto parece que livremente pulam no aro de fogo no circo. O leão foi treinado para proveito do dono do circo, e, se arremessar-se para o fogo não lhe acrescenta nada, não o faz um leão melhor em sua natureza. Com a pessoa é diferente, pois não se restringe à imitação ou a condicionamentos, é sempre capaz de se abrir livremente ao novo.

A liberdade é interior e faz do ser humano senhor de si mesmo. Não se conceitua como o ato de se deslocar nem significa ausência de impedimentos e proibições, mas a possibilidade de pôr em dúvida e questionar, a ponto de ser o fator instigante na caminhada da vida do ser humano. A pessoa é livre, ainda que haja elementos temporários impeditivos da manifestação de sua liberdade. Maritain (1944) explica a liberdade não como atividade cognitiva de arbítrio, mas reconhecendo que é a característica fundamental da pessoa que a distingue, mais do que a razão, dos outros animais. A liberdade não se equipara a não existência de controles dos impulsos e tendências. Ceder a essas forças é chegar a um estado de escravidão, é perder a própria liberdade. Marcel (1975) considera a liberdade como a capacidade de criar a vida. Reflete sobre os meios que ameaçam a liberdade do ser humano, capazes de subjugá-lo, sem uma reflexão. Não pode o ser humano esquecer que é livre para se criar a si próprio como pessoa reta, livre para criar cultura e transformar a sociedade.

Qual liberdade? A da escolha, pelo discernimento racional, do belo, do bem e do verdadeiro, como elementos fundamentais e recentemente trazidas por Gardner (2011) em complementação à sua teoria das inteligências múltiplas. Educar a pessoa para a liberdade é uma tarefa do magistério em qualquer grau de ensino. Von Hildebrand & von Hildebrand (2017) ressaltam que virtudes só encontram espaço para florescer porque existe a liberdade da pessoa. Desse modo, verdade, fé, fidelidade e amor se ligam à certeza da liberdade do ser humano. Liberdade é um bem tão sublime do ser humano que para essa consciência é que precisamos educar a pessoa. Porque é livre, a pessoa cria e se revela nos relacionamentos, no serviço ao outro, nas artes, na tecnologia, em todos os momentos da vida. Criatividade é prerrogativa da liberdade e acontece em todos os seres humanos, permitindo-lhe conhecer seus sentimentos. Na medida em que se maravilha com suas próprias descobertas, a criança começa a ver o potencial de sua liberdade, estando ainda longe do que é realmente ser livre. Na educação da pessoa, a união entre a utilidade e a fruição leva em consideração que o aluno é livre. Para exercer essa liberdade, é preciso conhecer, para então soltar a imaginação e a intuição.

A liberdade permite que a pessoa chegue a juízos racionais e de valor, por meio de reflexão e análise, aliadas às experiências e à afetividade. Von Hildebrand (2006) associa a liberdade da pessoa à sua capacidade de amar. Quanto mais uma pessoa verdadeiramente ama, maior é sua liberdade. Nesse sentido está a plenitude da expressão liberdade. Essa é a verdadeira liberdade, que é produção do espírito e não uma simples resposta ou reação a estímulos e intuições. A liberdade se manifesta plenamente na interação de cada pessoa com o meio social, pelo respeito a si própria e ao outro. Contrapõe-se à vaidade e ao orgulho. É impossível conceber a liberdade sem a conexão com o intelecto e a vontade. O abandono desse triângulo traz prejuízos para a pessoa, que ficará à deriva por ter perdido os três vértices. Somente organizando essas três capacidades é que a pessoa se realiza.

Não há educação a menos que se considere o ser humano como a pessoa de liberdade que é em si mesma. Deixar brilhar a liberdade própria da pessoa é uma das mais sublimes tarefas do educador.

Reflexões finais

Algumas inquietações sobre a pessoa, a educação e os processos de formação plena do ser humano foram aqui lançadas. Os seis pontos destacados serviram de referências sobre o que é Educar a Pessoa, incluindo o próprio conceito de educação. São temas primordiais que exigem posicionamentos para o bem da pessoa e da sociedade e se complementam.

Essa é a missão do educador, os quais fazem a mediação entre a pessoa, sua preciosidade, subjetividade, potencialidades e características próprias com o conhecimento, a informação, a ética e o mundo, para que venha a tomar o comando de sua própria vida. Educar é uma incrível audácia da qual não se pode fugir. Não é algo marcado pela imprudência ou impetuosidade. Pelo contrário, educar é entrega plena, é a visão mais perfeita da finalidade das virtudes no ser humano.

Conhecer a pessoa por meio de estudos científicos é indispensável, mas não é suficiente, é preciso, antes de tudo amá-la, repetimos. Todas as estratégias educativas se resumem no amor, que é o centro vital da educação integralizadora. A dimensão superior da educação, principalmente por ser uma tarefa no plano espiritual da pessoa, envolvendo necessariamente todas as suas características, não pode passar despercebida. Educar a Pessoa é a função mais nobre porque estamos a serviço do ser humano.

No mundo interdependente em que se vive hoje em dia, a escola não pode se omitir deixando de lado a educação da pessoa capaz de pensamento crítico, afetividade e comprometimento social. Melhorias materiais têm seu lugar como produto do processo de aprendizagem, da escolaridade do sujeito, mas não podem ser a meta, porque a finalidade máxima da educação é a formação da pessoa. Há que se ter esperança. Toda a moralidade vivida pela pessoa tem base em sua liberdade. O choque das transformações, em todos os setores no mundo, traz também consequências sobre o conceito e o planejamento da educação. A dimensão superior da educação deriva do valor da pessoa. Produtividade é importante e faz parte da realização da pessoa. As condições materiais devem ser levadas em conta, mas isso somente porque devem estar a serviço da pessoa, que é o centro.

Essa é a ideia que apresentamos, lembrando que é na escola e na família que a pessoa chega a se forjar como cidadão ético e se reconhece em sua dignidade, ao mesmo tempo que respeita o outro como pessoa semelhante. Educar é, não somente hoje, mas como sempre, uma ousadia. Pela educação, pretende-se oferecer a cada pessoa condições para que se desenvolva, conheça-se a si mesma e aos outros. Essa realização permite que se volte criticamente para a sociedade, sabendo como é e qual sua organização, para transformá-la, criar algo novo, sem perder o que a tradição construiu de valor. Foi enfatizado que nunca é demais lembrar que cada pessoa é única, irrepetível, valiosa em si mesma. Nenhuma adversidade é maior que o amor, por isso Educar a Pessoa é viável, como tarefa que será bem-sucedida quando o educando é amado.

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Recebido: 07 de Abril de 2020; Aceito: 11 de Julho de 2022

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