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Revista Diálogo Educacional

versão impressa ISSN 1518-3483versão On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.23 no.77 Curitiba abr./jun 2023  Epub 15-Ago-2023

https://doi.org/10.7213/1981-416x.23.077.ao06 

Artigos

Artes visuais e educação Ambiental: uma experiência de formação docente em Campo Magro/PR

Visual arts and environmental education: a teacher training experience in Campo Magro/PR

Artes visuales y educación ambiental: una experiencia de formación docente em Campo Magro/PR

Sonia Mara Samsel Geraldo[a] 
http://orcid.org/0000-0002-7857-6064

Valeria Ghisloti Iared[b] 
http://orcid.org/0000-0002-1082-9870

[a]Universidade Federal do Paraná (UFPR). Curitiba, PR, Brasil, e-mail: artemara.49@gmail.com

[b]Universidade Federal do Paraná (UFPR). Palotina, PR, Brasil, e-mail: valeria.iared@ufpr.br


Resumo

Diante da perspectiva de que a educação ambiental é um importante campo de pesquisa e prática pedagógica e que, apesar dos documentos oficiais e da vasta literatura acadêmica, entendemos que ainda é silenciada em vários espaços. Partindo deste contexto, o presente artigo apresenta pesquisa que objetivou evidenciar as potencialidades das artes visuais para a educação ambiental sob o viés da ecofenomenologia. Caracterizando-se como qualitativa, a investigação foi realizada com nove profissionais da educação do município de Campo Magro/PR. Por meio de um curso de extensão com trinta horas de duração, buscou-se a formação desses profissionais, sensibilizando para as maneiras de ser e se relacionar no e com o mundo humano e mais que humano. Os procedimentos para a produção de dados foram a observação participante, que consistiu no envolvimento intenso com os/as participantes, diários de bordo elaborados pelos/as cursistas no decorrer da formação e mapa artístico realizado após uma caminhada pela região. As contribuições das artes visuais para a educação ambiental se evidenciaram pelos três aspectos que emergiram: imagens, múltiplas camadas; sensibilização; emaranhados do mundo mais que humano. São elementos que permitiram demonstrar que as artes visuais contribuíram para a educação ambiental, sensibilizando para as formas de atuação no mundo, entendendo as relações de horizontalidade nesse espaço de vida compartilhado.

Palavras-chave: Ecofenomenologia; Experiência estética; Pós-humano

Abstract

From the perspective that environmental education is an important field of research and educational practice and that, despite the official documents and the vast academic literature, we understand that it is still silenced in several spaces. Based on this context, the present article presents research that aimed to highlight the potential of visual arts for environmental education from the viewpoint of ecophenomenology. Characterized as qualitative, the research was carried out with nine education professionals from the city of Campo Magro/PR. Through a thirty-hour extension course, we sought to train these professionals, sensitizing them to the ways of being and relating to and in the human world, and more than human. The procedures for the production of data were participant observation, which consisted of an intense involvement with the participants, logbooks written by the students during the course, and an art map made after a walk around the region. The contributions of visual arts to environmental education were evidenced by the three aspects that emerged: images, multiple layers; sensitization; entanglements of the more than human world. These are elements that allowed us to demonstrate that the visual arts contributed to environmental education, raising awareness about the ways of acting in the world, understanding the horizontal relations in this shared living space.

Keywords: Ecophenomenology; Aesthetic experience; Post-human

Resumen

Dada la perspectiva de que la educación ambiental es un importante campo de investigación y práctica pedagógica y que, a pesar de los documentos oficiales y la vasta literatura académica, entendemos que aún se encuentra silenciada en varios espacios. Con base en este contexto, este artículo presenta una investigación que tuvo como objetivo resaltar el potencial de las artes visuales para la educación ambiental desde la perspectiva de la ecofenomenología. Caracterizándose como cualitativa, la investigación fue realizada con nueve profesionales de la educación del municipio de Campo Magro/PR. A través de un curso de extensión de treinta horas, buscamos formar estos profesionales, sensibilizándolos sobre las formas de ser y relacionarse en y con el mundo humano y más que humano. Los procedimientos para la producción de datos fueron la observación participante, que consistió en un intenso envolvimiento con los participantes, bitácoras elaboradas por los participantes del curso durante la capacitación y un mapa artístico elaborado luego de una caminata por la región. Los aportes de las artes visuales a la educación ambiental se evidenciaron en los tres aspectos que emergieron: imágenes, capas múltiples; conciencia; enredos del mundo más que humano. Estos son elementos que nos permitieron evidenciar que las artes visuales contribuyeron a la educación ambiental, sensibilizando sobre las formas de actuar en el mundo, comprendiendo las relaciones de horizontalidad en este espacio de vida compartida.

Palabras clave: Ecofenomenología; Experiencia estética; Posthumano

Introdução

Neste artigo caminhamos por reflexões e aprendizados desvelados por meio de pesquisa sobre educação ambiental pelos trilhos das artes visuais, numa experiência de formação com profissionais da educação do município de Campo Magro/PR. Entendendo a importância das temáticas ambientais e as possibilidades de articulação com o ensino das artes visuais, vislumbramos revelar os caminhos da pesquisa, seus emaranhados, potencialidades, contribuições e considerações.

Os problemas ambientais como a crise climática, o envenenamento do solo e rios, desmatamento, extinção de animais e plantas, entre muitas outras, são preocupações mundiais e permeiam encontros, discursos e documentos há bastante tempo. Em 1972, a Organização das Nações Unidas convocou a Primeira Conferência Mundial de Meio Ambiente Humano em Estocolmo, na Suécia. Considerado marco internacional histórico, este encontro aponta a educação ambiental como esteio para reflexões e ações transformadoras para os problemas ambientais, que são pensados conjuntamente com questões sociais e econômicas (REIGOTA, 2014). A inserção dessa temática na agenda internacional abriu um caminho significativo para o surgimento de políticas públicas. No Brasil, a Constituição Federal, promulgada em 1988, em seu Art. 225, capítulo VI, inciso IV, destaca a necessidade em promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino (BRASIL, 2020). Com a Lei Federal nº 9795 de 27 de abril de 1999 (BRASIL, 1999), a educação ambiental foi inserida no campo da educação formal e não formal de forma transversal, em todos os níveis e modalidades de ensino. O Paraná, com a lei nº 17505 de 11 de janeiro de 2013 (PARANÁ, 2013), instituiu sua Política Estadual de Educação Ambiental e o município de Campo Magro possui desde 2018 uma Política Municipal de Educação Ambiental, instituída pela lei nº 1018 de 09 de março de 2018 (CAMPO MAGRO, 2018), ambas pautadas em conformidade com a Política Nacional de Educação Ambiental (BRASIL, 1999).

O interesse em realizar esta pesquisa surgiu ao se detectar que tais políticas públicas, embora consistentes, não se efetivam assiduamente nas escolas. Vieira (2021) realizou pesquisa em escolas da Rede Municipal de Curitiba e apresenta indicadores que desvelam as dificuldades de inserção da educação ambiental nas dimensões relativas à gestão, currículo, espaço físico e comunidade. Tais indicadores sinalizam para as potencialidades (protagonismo estudantil e formação de professores, entre outras) e limitações, como a falta de recursos financeiros, para a implementação da educação ambiental. Lima e Pato (2021), em pesquisa com professores de escolas públicas do Distrito Federal que objetivou compreender as dificuldades de engajamento em projetos de educação ambiental, encontraram na transversalidade, nas relações de poder e conflito nas escolas e na formação docente aspectos desfavoráveis a esse comprometimento. Um estudo a nível nacional intitulado O que fazem as escolas que dizem que fazem educação ambiental (TRAJBER; MENDONÇA, 2007) foi significativo para entender como as escolas desenvolvem a educação ambiental. Os dados obtidos “ajudaram a firmar parcerias com universidades públicas, com o objetivo de ampliar o conhecimento sobre as práticas de Educação Ambiental realizadas pelas escolas brasileiras” (VIEIRA, 2021, p. 91). As escolas têm um papel significativo na construção de valores, incluindo novas relações com o meio ambiente. Nessa perspectiva, surgiram inquietações que esta pesquisa pretendeu investigar, indagando se um diálogo ecofenomenológico, criativo, integrador e problematizador entre as artes visuais e a educação ambiental, possibilita a sensibilização para as formas de atuação no mundo. E ainda, se essa articulação promove experiências que favoreçam a potencialização de valores e afetividades com e na natureza. Sob esse viés, buscou-se a formação de profissionais da educação do município de Campo Magro/PR por meio de um curso de extensão com 30 horas de duração intitulado “um novo olhar sobre as relações artes visuais e educação ambiental”. O interesse foi evidenciar o potencial das artes visuais para a educação ambiental sob a premissa de que os/as professores/as, participando de uma formação abrangente entre a temática ambiental e artes visuais sob o viés da ecofenomenologia, pudessem incorporar valores estéticos~éticos~políticos1 em sua práxis educativa, como também no seu cotidiano.

Campo Teórico

Ao abordar a educação ambiental sob a perspectiva ecofenomenológica, entendemos que o olhar lançado para o mundo não se resume em apenas ver, mas sentir o outro e o entorno e não ter o ser humano como centro nesse emaranhado de experiências no ambiente vivido. A fenomenologia preocupa-se em descrever o fenômeno e se pauta na experiência. Na concepção ecofenomenológica, as coisas, os seres vivos e não vivos se articulam e se relacionam num ambiente partilhado. O mundo é lugar familiar de nossas vivências e, segundo Iared e Oliveira (2017), a abordagem ecofenomenológica inclui o mundo mais que humano nas pesquisas que envolvem as experiências humanas. Assim, a ecofenomenologia abarca a postura de questionar o antropocentrismo. Nessa maneira de perceber o mundo, Brown e Toadvine (2003) afirmam que

a ecofenomenologia é baseada em uma dupla afirmação: primeiro, que um relato adequado de nossa situação ecológica requer os métodos e percepções da fenomenologia; e, em segundo lugar, que a fenomenologia conduzida por seu próprio impulso, torna-se uma ecologia filosófica, isto é, um estudo da interação entre organismo e mundo em suas dimensões metafísicas e axiológicas (BROWN; TOADVINE, 2003, p. xii-xiii, tradução nossa).

Essa perspectiva que entende as relações pós-humanas de forma horizontal, considera viver a vida junto com os outros, num fluxo de valores e significados, entre os vários aconteceres que se cruzam numa “malha de linhas entrelaçadas de crescimento e movimento” (INGOLD, 2012, p. 27). O pós-humanismo problematiza a sociedade antropocêntrica (IARED; OLIVEIRA, 2017) descentralizando o ser humano como único detentor de agenciamentos. Barad (2017, p. 31) argumenta que “a natureza não é nem uma superfície passiva esperando a marca da cultura, nem o produto final de performances culturais”. Entende-se que os seres vivos e não vivos possuem materialidade ativa. Nessa perspectiva, o pós-humano concebe que as tecnologias, humanos e outros seres vivos e não vivos não são postos em confronto, mas em correspondência, desdobrando-se em novas existências no mundo compartilhado que está sempre em movimento e transformação (INGOLD, 2021). Assim, o olhar centrado no humano é deslocado e as relações mais que humanas são consideradas de forma horizontal, lançando novos olhares sobre com quem partilhamos o mundo. Todas as relações percebidas, vivenciadas e assimiladas estão em sintonia com o que Ingold (2010) chama de educação da atenção, ou seja, viver sensivelmente no ambiente. Um corpo engajado e em permanente fluidez num vasto mundo de sentidos que importa ser ponderado. Merleau-Ponty (2018) afirma que não estamos no espaço e no tempo, mas somos o espaço e o tempo e a experiência motora nos fornece o acesso ao mundo. Então, viver no e com o mundo é inserir-se afetivamente nesse ambiente, superando as dicotomias sujeito-objeto, ser humano-natureza, pensar-sentir.

A partir dessa perspectiva, as artes visuais possibilitam adentrar um espaço onde a separação corpo/mente/cultura pode ser rompida. Merleau-Ponty (2013) afirma que o mundo e a arte estão entrelaçados, pois o artista não muda de mundo para realizar suas obras, ele se reporta sempre ao mundo e não se pode escolher entre um e outro. Dewey (2010) argumenta que as diversas atividades artísticas faziam parte do cotidiano das pessoas. O autor afirma que com o advento do capitalismo, o entendimento de que a arte carecia de um lugar especial para ‘habitar’, promoveu a ideia de que esta é separada da vida, das inúmeras formas de experienciar. A arte passou à condição de distinção, afastando-se dos processos cotidianos. Nessa concepção, Dewey (2010) entende que a vida, no seu dia a dia, proporciona experiências preciosas para o desenvolvimento da imaginação, criatividade e sensibilidade estética2. Ostrower (2007) afirma que o nascimento da imaginação criativa está vinculado aos interesses individuais. Segundo a autora, isso ocorre pelas inúmeras possibilidades que certas realidades despertam, surgindo um relacionamento afetivo com os fenômenos e essa afetividade amplia a visão sobre o mundo. As atividades artísticas visuais não se valem de palavras e essa característica possibilita unir objetividade e subjetividade (RIBON, 1991), tornando-se via de acesso ou origem de percepções peculiares.

Ao alegar que a imaginação e a arte são capazes de nos desvencilhar de hábitos consolidados, Eisner (2008) apresenta o potencial do ensino da arte que, quando repleto de vitalidade e emoção se torna uma “forma especial de experiência” (EISNER, 2008, p. 15). Larrosa (2002) argumenta que a experiência é uma relação com alguma coisa que se vivencia e que o sujeito da experiência se abre ao acontecimento e se transforma. Carvalho (2006) entende a arte como um meio de simbolização das subjetividades. O autor considera que essa simbolização é capaz de proporcionar novos entendimentos sobre a natureza e a vida e entrelaçar atividades artísticas com o conhecimento científico na temática ambiental pode despertar caminhos de criatividade. Outrossim, a arte tem potencial para provocar inquietações e lançar um olhar diferenciado para os fenômenos (CARVALHO, 2006). Segundo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), “a aprendizagem de Arte precisa alcançar a experiência e a vivência artísticas como prática social, permitindo que os alunos sejam protagonistas e criadores” (BRASIL, 2017, p. 193). São aprendizados que se voltam para situações de transformação pessoal e, por conseguinte, do mundo, configurando-se num importante espaço de discussões e reflexões capaz de instigar para ações. Reigota (2014) argumenta que a perspectiva inovadora da educação ambiental solicita processos artísticos e criativos.

Dentro desse contexto, Payne (2005) realizou um estudo de caso que buscou entender as diferenças entre o conhecer científico e o conhecer artístico na educação ambiental. O local escolhido - uma praia - foi palco para reflexões sobre as duas formas de conhecer. As distintas experiências no local pesquisado proporcionaram um aprendizado por meio de paradigmas científicos e experiências artísticas subjetivas. Embora sejam formas separadas de conhecer os fenômenos, a integralidade das percepções promoveu a totalidade da experiência. Marin e Kasper (2009, p. 269) afirmam que “o lugar vivido é a dimensão mais reveladora da existência humana” e a percepção desse espaço leva o ser humano a ressignificar suas relações. As vivências sensíveis e aprendizados entrelaçados com as realidades, possibilitam ser presença não como alguém adaptado, mas inserido no mundo (FREIRE, 2016).

Para a educação ambiental, esse pensamento estético~ético~político é potente para ressignificar as experiências vividas e promover relações de compromisso e reverência com todos os organismos vivos e não vivos. As questões ambientais são indissociáveis dos indivíduos e o desafio de sensibilizar para as relações pós-humanas exige um olhar atento para as práticas de uma sociedade pautada na concepção antropocêntrica.

Caminhos da Pesquisa

A presente pesquisa qualitativa buscou evidenciar o potencial do ensino das artes visuais para a educação ambiental, entendendo a importância do estudo para reflexões sobre as formas de atuação pós-humanista. Iared e Oliveira (2017) argumentam sobre como oportunizar novos posicionamentos com relação aos outros seres vivos e não vivos da Terra é desafiador.

O Curso

A investigação aconteceu por meio de um curso de extensão com 09 profissionais da educação do município de Campo Magro, estado do Paraná. Intitulado “um novo olhar para as relações Artes Visuais e Educação Ambiental”, o projeto foi apresentado junto à Secretaria de Educação, Cultura, Esporte e Lazer (SEMEC), que se responsabilizou em indicar todos/as os/as participantes do projeto. Assim sendo, os/as participantes atuavam em diversas áreas da SEMEC, incluindo sala de aula, mas nenhum ocupava-se especificamente com as artes visuais. A proposta inicial era de cinco encontros distribuídos em cinco meses (fevereiro a junho de 2020) que aconteceriam presencialmente. Porém, num contexto de excepcionalidade por ocasião da pandemia da Covid-19, o curso precisou ser adaptado, se adequando a uma nova rotina. A proposta inicial envolvia muitos procedimentos práticos individuais e coletivos como performances, sensibilizações e manipulação de materiais diversos, articulando educação ambiental com a arte e alguns de seus diversos movimentos artísticos, artistas e obras. No formato remoto, os encontros online foram de natureza expositiva e as práticas foram orientadas para acontecerem individualmente, com data para envio de fotografias das atividades solicitadas por e-mail ou whatsapp, que foram criados especificamente para o curso. O Quadro 1 apresenta um apanhado dos formatos e conteúdos para o desenvolvimento do curso, mostra o distanciamento entre os encontros presenciais e remotos e as temáticas abordadas em cada encontro. Trata-se de uma síntese do desenvolvimento do curso, com as datas, os temas ponderados e refletidos e suas respectivas configurações antes da pandemia e imersos/as nela.

Quadro 1 Estrutura do Curso 

Data Conteúdo Formato
20/fevereiro/2020 ▪ Apresentação
▪ Roda de Bordado
▪ Atividades em grupo
▪ Discussões sobre questões ambientais e as contribuições da arte para a temática
Presencial
16/março/2020 ▪ Caminhada pela região
▪ Roda de Conversa
Presencial
23/setembro/2020 ▪ Caminhos possíveis para a educação ambiental
▪ Pré-História
▪ Romantismo
▪ Arte e Pandemia
Remoto
21/outubro/2020 ▪ Legislação nacional, estadual e municipal sobre educação ambiental
▪ A arte contemporânea e suas relações com a educação ambiental
Remoto
12/novembro/2020 ▪ Arte Marginal
▪ Poéticas contemporâneas em arte
▪ Experiência e sensibilidade
Remoto

Fonte: As Autoras (2021).

Como já mencionado, as atribuições funcionais de cada participante eram diversificadas em conformidade com o cargo ocupado naquela ocasião. Os/as profissionais envolvidos/as na pesquisa foram professores/as e pedagogos/as da rede municipal de ensino, atuando em diversas escolas do município e na SEMEC. Todos/as os/as envolvidos no projeto foram informados/as sobre se tratar de pesquisa de mestrado e o compromisso de sua condução sob os princípios éticos, com responsabilidade e transparência e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

A Metodologia para Produção de Dados

Os procedimentos utilizados na pesquisa foram a observação participante e análise interpretativa de diários de bordo, solicitados para serem elaborados durante o andamento do curso, e mapa artístico, requisitado após uma caminhada pela região, ambos com entrega marcada para após o término do curso. Essa metodologia foi selecionada por entendermos estar em conformidade com o percurso da pesquisa.

A observação participante foi pensada nos termos que Ingold (2016) afirma sobre estar atento às pessoas e às coisas, aprendendo com elas e acompanhando-as nas percepções e ações, cuidando, servindo e envolvendo-se no íntimo dos acontecimentos. Os conceitos de correspondência (INGOLD, 2016), que é a faculdade de respondermos uns aos outros, seja por sentimentos e/ou ações e de itineração (INGOLD, 2012) que consiste em seguir em frente e responder improvisadamente no decorrer dos acontecimentos, foram fundamentais para esta investigação. Nessa perspectiva, observadora e observados/as foram mutuamente afetados/as numa reverência aos saberes em formação coletiva.

O diário de bordo se caracterizou no registro individual de entendimentos e percepções provocados pelas reflexões e práticas do curso. Apesar de ser chamado de diário, houve a solicitação de que fizessem anotações, desenhos, colagens e tudo que julgassem relevante, de maneira livre, sem a obrigação de anotações diárias ou formalidades. O diário de bordo é uma estratégia pedagógica importante para os objetivos intencionados pela investigação, pois é capaz de produzir afetos na sua elaboração, assim como se configura num elo entre o/a autor/a e sua produção. Muitos/as autores/as (ALVES, 2004; SOUSA e TESSLER, 2012; SILVA e LAMPERT, 2015; OLIVEIRA; GEREVINE; STROHSCHOEN, 2017) vêm discutindo a importância dos diários de bordo como um importante caminho para registro de percepções, reflexões e vivências e como instrumento de investigação. Esses/as autores/as supracitados enfatizam o quanto os diários de bordo são significativos, potentes e capazes de promover a autoconsciência sobre os fenômenos.

O mapa artístico, para essa investigação, não foi tomado como cartografia, como reprodução objetiva de uma região, mas, sim como registro visual das percepções e experiências do trajeto. Não se trata de uma representação estática ou uma verificação neutra do espaço, mas uma alegoria carregada de valores, num diálogo com o mundo (HARLEY, 2009). Esse entendimento afastou a rigidez na elaboração do mesmo, dando liberdade aos/às participantes de individualizar o lugar visitado. Oliveira (2012) fala sobre a potência da produção artística contemporânea em diluir fronteiras, aproximando arte e geografia e abrindo espaço para produções simbólicas.

A análise interpretativa dos materiais produzidos caminhou em consonância com a proposta da pesquisa, ponderando sobre as mensagens apresentadas e diligenciando em refletir sobre a fecundidade das experiências. Foram proposições educativas relacionadas à educação ambiental que buscaram instigar a produção artística articulada ao pensamento científico (CARVALHO, 2006). Houve também o entendimento de que não existiu uma demarcação estática e linear nessas produções, que se configuraram num contínuo movimento de vivências e afecções.

Os Encontros

Conforme já mencionado, os dois primeiros encontros aconteceram presencialmente e os três últimos, remotamente. Os encontros presenciais tiveram quatro horas de duração e os remotos, 1h e 30 minutos de duração, sempre no período matutino. A complementação de carga horária se deu pela elaboração do diário de bordo, mapa artístico e atividades práticas fora dos horários dos encontros. As estratégias para a realização do curso foram sempre pensadas conjuntamente com a SEMEC, de maneira a atender o projeto e seus objetivos, assim como as exigências legalmente estabelecidas pelos governos em função da pandemia.

O primeiro encontro iniciou com uma roda de bordado, que consistiu em cada participante bordar algo que o representasse para uma apresentação ao grupo. Todo o material foi disponibilizado e os/as participantes circundaram um tecido único. O bordado é uma atividade significativa, pois as marcas, produções e até o desmanchar de pontos impactam no tecido e as conversas durante a realização da atividade são fios condutores para muitas reflexões. Após as apresentações individuais, as marcas no tecido encaminharam diálogos e entendimentos sobre marcas e rupturas nas vivências cotidianas e como esses entrelaçamentos sofrem afecções mútuas. Sato e Passos (2009) argumentam sobre a importância em aprender a usar diferentes linguagens para enfrentar os desafios pedagógicos e investigativos e Marin (2006) reflete sobre ser significativo dar liberdade à imaginação para entender os fluxos e dinâmicas do mundo. Após essas discussões, foram abordados o funcionamento do curso, objetivos, estruturação e esclarecimentos sobre o mesmo ser aberto a sugestões e proposições, e também fazer parte de uma pesquisa de mestrado. Assinalo novamente que os/as participantes foram comunicados sobre o compromisso ético da pesquisa e assinaram o TCLE.

Dando seguimento ao encontro, foi apresentado o histórico da educação ambiental e a legislação que a insere nos processos formais e não formais de ensino. Houve solicitação, por parte do grupo, para aprofundar mais esse tema futuramente, em outro encontro. Em seguimento foram formados três grupos e distribuídos temas para discussão e, na sequência, apresentação dos mesmos, que foram: a) a quantidade de água consumida para cada quilo de carne; b) 15 anos de falecimento da irmã Dorothy Stang e ações do município de Campo Magro no combate à dengue e febre amarela; c) projeto alternativo à nova rodovia de Pontal do Paraná. Foram entregues textos com os temas para cada grupo e disponibilizadas diversas e variadas imagens, desde figuras de obras famosas de artistas até recortes de propagandas de revistas, para que a apresentação articulasse o conteúdo do texto com as imagens. O segundo grupo ficou com dois temas por se tratar de textos mais curtos. A escolha dos temas aconteceu por ocasião de estarem em pauta nas mídias, naquele momento e a ideia de articular com imagens não era ilustrar os textos, mas construir um diálogo entre o assunto e as figuras. Sato e Passos (2009) afirmam que as particularidades que instigam uma leitura de imagem, ou seja, memórias, sentidos, maneiras de se expressar, criar e recriar, transcendem a estabilidade do texto e estimulam novas linguagens pedagógicas. As discussões e apresentações aconteceram e na sequência o primeiro encontro foi encerrado com a solicitação ao grupo de que, ao retornarem para suas atividades cotidianas, lançassem um olhar mais atento aos espaços naturais de frequência rotineira, na tentativa de superar o automatismo costumeiro nesses espaços.

No segundo encontro aconteceu uma caminhada de aproximadamente 2,5 km, intercalando lugares com residências, plantações e vegetação nativa. Estava um lindo dia de sol e foi solicitado antecipadamente ao grupo que não fizesse uso de celulares e câmeras. Os aparatos tecnológicos podem interferir na integração com a natureza (IARED, 2017). A pesquisadora, por ocasião da investigação, fez os registros fotográficos e depois disponibilizou para o grupo. Foi solicitado também que evitassem conversas, para que a caminhada proporcionasse uma experiência de percepção sobre as relações no e com o mundo e de imersão sensorial. Iared (2017) argumenta sobre como essas percepções propiciam o fluxo do mundo humano com o mais-que-humano.

Após mais da metade do trajeto percorrido, houve uma pausa para descansar. Nesse intervalo foi realizada uma atividade de frottage, que deriva da brincadeira de esfregar um lápis num papel sobre uma superfície. Segundo Argan (2016), a atividade é mecânica, mas capaz de ativar a imaginação, pois na impressão se vê muito mais que um simples decalque. Cada participante recebeu os materiais e fez sua atividade individualmente. A responsabilidade pelos materiais e seu transporte ficou por conta da pesquisadora, que os entregou ao final da caminhada, evitando que os/as caminhantes tivessem essa preocupação.

O percurso foi encerrado no local de partida, onde, após um período de descanso e lanche, ocorreu uma reunião para dialogar e refletir sobre a caminhada, as experiências individuais e as diversas perspectivas e sentidos que a deambulação proporcionou. Foi um momento enriquecedor de trocas de experiências e de percepções. Duarte, Sato, Pazos (2018) argumentam sobre a importância das caminhadas como alternativas pedagógicas e sua contribuição para a educação ambiental e transformação dos/as caminhantes. Hotton (2015) afirma que as caminhadas proporcionam uma ética ambiental de curiosidade e cuidado com o lugar. São reflexões que reforçam a importância do caminhar para a percepção do lugar e para a educação ambiental.

O terceiro encontro aconteceu de forma remota após uma parada de 5 meses. Durante esse intervalo, o grupo do whatsapp foi importante para manter o diálogo, envio de alguns materiais sobre arte, educação ambiental e mensagens para preservar a interação. Nesse primeiro encontro remoto foram abordadas as possibilidades de uma educação ambiental pelas artes da Pré-História, Romantismo e Arte Contemporânea. Essa última com o olhar voltado para a pandemia, pois muitos artistas realizaram trabalhos sob a temática e permeavam o cotidiano e o noticiário com suas produções artísticas. A escolha desses períodos artísticos se deu pela possibilidade de articulação e entrelaçamentos sobre valores e meio ambiente. São períodos distintos historicamente, porém, com relação a comportamentos, emoções e fragilidades foi possível refletir e delinear similaridades.

Como atividade foi sugerida a realização de algo diferente com a máscara (acessório indispensável para aquele momento), não como banalização, mas como esperança criativa de tempos mais saudáveis e reflexões sobre interações e o ser~estar nos lugares. A segunda atividade foi uma releitura da obra do artista romântico Caspar David Friedrich “Caminhante sobre o mar de névoa” (1818)3, e uma terceira atividade foi fotografar uma araucária (viva ou morta), árvore símbolo do Paraná e ameaçada de extinção e colocar uma legenda. As três atividades se vincularam às discussões do encontro e propiciaram um olhar atento ao entorno, reflexões sobre questões ambientais, relações pós-humanas, suas correspondências e fragilidades.

Para o quarto encontro (segundo remoto) houve um aprofundamento da legislação sobre educação ambiental nas esferas nacional, estadual e municipal, conforme solicitado pelo grupo, fortalecendo seu entendimento nos espaços formais e não formais de ensino. A arte contemporânea também foi abordada sob seus aspectos de constante originalidade e unidade com a realidade e a vida. Alguns trabalhos artísticos de artistas contemporâneos foram apresentados e também arte na natureza, que tem a própria natureza como matéria-prima, suporte e perecimento. A atividade solicitada foi a realização de arte na natureza baseada no encontro expositivo, pensando questões ambientais de Campo Magro. Foram atividades que se entrelaçaram com o experimentar, tocar, descobrir, sentir os materiais naturais e a si mesmo/a. Segundo Marin (2006) a expressão artística pode revelar um entendimento sobre o ambiente e sensibilizar para a educação ambiental pela experiência poética com o lugar.

O terceiro encontro remoto, quinto e último encontro do curso, refletiu sobre poéticas contemporâneas em arte, arte marginal, arte-educação ambiental dialogando com a literatura. O texto de Larrosa (2002) sobre a experiência foi o eixo norteador juntamente com o clássico de Saint-Exupéry (2009), O Pequeno Príncipe, fazendo uma articulação sobre maneiras de vivenciar a natureza e o entorno, discutindo também problemas sociais e ambientais. Nenhuma atividade específica foi solicitada nesse encontro, mas que os/as cursistas se abrissem aos sentidos, percebendo de maneira mais atenta o entorno, as vivências cotidianas, correrias e calmarias, refletindo sobre as sensibilidades, o afetar e ser afetado/a pelos fenômenos e experiências. Larrosa (2002) afirma que a experiência é irrepetível, mesmo no experimento repetido, pois o saber da experiência é particular e subjetivo e acontece conforme se responde aos acontecimentos. Sempre há algo novo a perceber, abrindo a experiência ao desconhecido. Essas escolhas foram feitas por se associarem ao entendimento da pesquisa que pondera sobre a não separação da experiência estética dos processos rotineiros da vida (DEWEY, 2010).

Embora os processos presenciais e remotos tenham se mostrado muito distintos, as atividades enviadas pelos/as cursistas revelaram entendimentos singulares, significativos e criativos. Nessa ordenação integral - entre abraços e distanciamentos - presencial e remoto se entrelaçaram como os fios da malha que Ingold (2012) apresenta. Estávamos todos/as transitando em correspondência por meio de um ponto - o curso - que nos movimentou, emaranhando nossas vivências e transformações.

O que emergiu nesse percurso

Após essa bela jornada percorrida, tendo o curso como elo entre saberes, práticas, encontros, movimentos e itinerações (INGOLD, 2012), os materiais recolhidos - diários de bordo e mapas artísticos - foram analisados. O primeiro contato evidenciou a identidade docente com crianças pelas maneiras lúdicas na apresentação dos materiais. Todas as produções foram analisadas individualmente, mas os dados receberam um tratamento amplo, articulados e refletidos com os temas abordados no curso. Como resultados dessa investigação, emergiram três aspectos - imagens, múltiplas camadas; sensibilização; emaranhados do mundo mais que humano - que são abordados separadamente na sequência.

Imagens, múltiplas camadas

Todos os diários de bordo apresentaram muitas imagens impressas (fotografias particulares, retiradas da internet, recortes), evidenciando a sua importância. Rancière (2012) argumenta sobre a imagem não ser uma realidade despretensiosa por apresentar relações entre o que se vê e o que se diz, mobilizando diversos sentidos. As imagens comunicam rapidamente processos complexos (BURKE, 2004) e essa característica foi cuidadosamente ponderada, pois “nenhuma narrativa suscitada por uma imagem é definitiva ou exclusiva” (MANGUEL, 2001, p. 28).

A prática de frottage num momento de descanso durante a caminhada se mostrou atividade singular. Capturar imagens da natureza pela textura conduziu o olhar dos/as cursistas para o entorno e o resultado, que saiu como esperado ou não, provocou interações dinâmicas com o lugar e com a arte. A realização de uma atividade artística isenta de rigor e a autonomia das imagens resultantes, além do ambiente distinto da sala de aula, foi significativa para a expressividade e percepções estéticas e artísticas. Dewey (2010) afirma que a arte comunica, instrui e aproxima imaginação e emoção, se tornando “o órgão incomparável da instrução” (DEWEY, 2010, p. 581).

Como resultado das atividades artísticas solicitadas durante os encontros, a releitura da obra Romântica de Caspar David Friedrich - Caminhante sobre o mar de névoa (1818) ganhou destaque. As vinculações dos movimentos artísticos com a vida social, política e econômica da época, contextualizando a arte, trouxeram para as releituras encontros sensíveis, oportunizando a concepção de relações afetivas com o ambiente natural, articulados com o social e o político. Argan (2016) afirma que a arte não é representação, mas comunicação vital e Dewey (2010) argumenta que a arte, ao perpassar o aprendizado, apresenta um mundo além deste mundo. Ostrower (2007) argumenta que as experiências afetivas e as indagações intelectuais dos indivíduos estão encadeadas pelos processos intuitivos que mobilizam a integralidade do ser sensível, pensante e atuante de forma significativa e relacionada à realidade. Foi um caminho que aproximou arte e educação ambiental expressivamente.

Sensibilização

Os apontamentos nos diários de bordo mostraram que a sensibilização presente em todos os encontros foi importante. Os relatos de que, mesmo morando em lugares com muita vegetação as correrias do cotidiano impediam a observação atenta do espaço, foram frequentes. Segundo Larrosa (2002, p. 23), “tudo o que se passa passa demasiadamente depressa, cada vez mais depressa” impedindo a experiência. Com as atividades de sensibilização, oportunidades valorosas para percepções ambientais e possibilidades de ações foram descerradas.

A educação da atenção de Ingold (2016), a vivência incorporada (IARED e OLIVEIRA, 2017) e as experiências de atividades artísticas não restritas às belas artes (EISNER, 2008) proporcionam formas diferenciadas de conceber o mundo e de se relacionar com ele. Nessa perspectiva, a atividade de arte na natureza aproximou os/as cursistas de materiais naturais, texturas e formas, proporcionando experiências capazes de lançar o olhar para os detalhes, para o mundo e para si mesmos/as. Iared e Oliveira (2017) afirmam que cada um aprende a partir das próprias experiências e Dewey (2010, p. 74) argumenta que “a natureza da experiência é determinada pelas condições essenciais da vida”. Esses entendimentos potencializaram as atividades de experimentação e exploração de espaços e materiais.

Emaranhados do mundo mais que humano

As atividades de sensibilização e experiências com~na~da natureza se mostraram potentes para a percepção de si mesmo/a, do/a outro/a e do entorno. Marin e Kasper (2009, p. 268) afirmam que o modo como o ser humano se relaciona com o mundo é “um campo de experiências possíveis, de encontro com as coisas e com os outros e de possibilidade de criação de novos modos de viver e novas subjetividades”. Esse entendimento foi percebido pelos relatos nas caminhadas sobre conhecer novos lugares ou ter um novo relacionamento com o lugar de vivência. Os problemas com lixo, esgoto a céu aberto, queimadas e plantas exóticas foram abordados com frequência nos mapas artísticos, que também apresentaram percepções estéticas e memórias, lançando um olhar para si mesmo/a e para o entorno de forma integral. São apreensões que emergiram e/ou foram ampliadas após o contato íntimo com a natureza, atividades artísticas significativas e reflexões estéticas~éticas~políticas sobre questões ambientais.

Foram abundantes as narrativas sobre os entrelaçamentos do mundo humano e mais que humano. A abordagem ecofenomenológica acionou caminhos de criatividade e curiosidade para com a natureza, deslocando o olhar apenas contemplativo da natureza para a percepção de valores e afecções. No quadro a seguir apresentamos falas de alguns/mas participantes do curso que ratificam os resultados verificados. Os códigos substituem os nomes dos/as participantes, mantendo o anonimato.

Quadro 2 Narrativas dos/as participantes 

Código Narrativas
E 609 “o que me marcou foi a questão de a partir de hoje olharmos para o meio ambiente de uma forma mais profunda e isso foi ótimo. Comecei a observar muito mais o caminho por onde passo e vi que sou privilegiada em trabalhar num lugar com tanta natureza”.
E 607 “Que possamos não finalizar este curso, mas darmos continuidade até o fim de nossas vidas lutando e cuidando desse planeta maravilhoso.”
E 603 “Muitas vezes estamos focados em outras coisas e não se damos conta em um novo olhar a natureza e a arte, faz você abrir os olhos e imaginar que tudo pode ser de outra forma.”
E 605 “[...] somos responsáveis sim e que podemos fazer a diferença, com atitudes conscientes voltadas para o bem comum.”
E 608 “[...] tantos momentos de aprendizagem nesse período tão desafiador, e também por me despertar um novo olhar para os modos de ser e estar no, e com o mundo.”
E 604 “Eu estou fazendo a minha parte com responsabilidade?” “encontramos pelo caminho paisagens onde as cores brincavam de colorir.”

Fonte: As Autoras (2021).

Os entendimentos observados evidenciaram que a educação ambiental pelas artes visuais possui a potencialidade de instigar a percepção de si mesmo/a, do ambiente, do cotidiano, encadeando arte~vida~mundo. A externalidade dos acontecimentos e as reflexões pessoais que essa jornada desencadeou demonstraram o despertar e a valorização da indissociabilidade ser humano~natureza.

Considerações finais

O caminho investigativo apresentado reconhece a potência do entrelaçamento das artes visuais com a educação ambiental. A oportunidade de experienciar, refletir e discutir o tema trouxe à tona considerações significativas. O diálogo ecofenomenológico, criativo, integrador e problematizador entre as artes visuais e a educação ambiental, possibilitou a sensibilização para as formas de atuação no mundo e essa articulação promoveu experiências que favoreceram a potencialização de valores e afetividades com e na natureza. As atividades, vivências e narrativas evidenciaram a incorporação do mundo humano e mais que humano. Essas inferências demonstraram a importância da articulação das artes visuais com a educação ambiental pelo viés ecofenomenológico.

A elaboração do diário de bordo e do mapa artístico foram basilares para reflexões sobre conceitos, ideias, atitudes cotidianas e estímulo à criatividade para produções individuais. Esses materiais se mostraram profícuos ao apresentarem as narrativas dos/as participantes nas diversas simbologias. Os entendimentos sobre afetar e ser afetado constantemente pelos fenômenos foram aludidos e a dicotomia pessoal-profissional se mostrou ausente. As emoções e vivências pessoais foram compartilhadas, evidenciando que o ser humano não é fragmentado e nem se encontra num espaço isolado do ambiente, mas num emaranhado de emoções e ações em constante movimento de afecção, corroborando a perspectiva da investigação.

Sem a pretensão de resultados definitivos, pensamos com esta pesquisa, abrir espaço para novas indagações e estudos. Entendemos seu potencial para explorações e descobertas singulares pela temática e para a riqueza de saberes a serem construídos e trocados mutuamente. Acreditamos ser importante salientar a relevância dos processos formativos dos/as educadores/as para a educação ambiental. Uma atuação independente, reflexiva, criativa e significativa para uma educação transformadora, perpassa pela construção coletiva de saberes.

Referências

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1O uso do til indica a indissociabilidade das dimensões.

2Estética, entendida para este estudo, na sua origem grega aisthesis como atividade das sensações, compreender o mundo pelos sentidos.

3Imagem disponível em: https://www.wikiart.org/pt/caspar-david-friedrich/caminhante-sobre-o-mar-de-nevoa-1818. Acesso em: 12 out. 2022.

Recebido: 14 de Outubro de 2022; Aceito: 28 de Março de 2023

[a]

Doutoranda em Educação, e-mail: artemara.49@gmail.com

[b]

Doutor em Ciências, e-mail: valeria.iared@ufpr.br

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