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Revista Diálogo Educacional

versão impressa ISSN 1518-3483versão On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.23 no.77 Curitiba abr./jun 2023  Epub 15-Ago-2023

https://doi.org/10.7213/1981-416x.23.077.ao10 

Artigos

Avaliação do desempenho docente: uma análise crítica das orientações e regulações nacionais e da rede estadual de educação do Tocantins

Teacher performance assessment: a critical analysis of national guidelines and regulations and the state education network in Tocantins

Evaluación del desempeño docente: un análisis crítico de las directrices y normas nacionales y de la red estatal de educación en Tocantins

[a]Universidade Federal do Tocantins (UFT). Tocantinópolis, TO, Brasil, e-mail: locatelli@uft.edu.br


Resumo

O artigo trata da avaliação do desempenho docente, pela sua abordagem no planejamento educacional e na regulação que recebe no estado do Tocantins. O objetivo é analisar concepções e iniciativas que orientaram e/ou regulamentaram a avaliação do trabalho dos (as) professores (as) em nível nacional e regional, tendo em vista suas perspectivas no sentido de favorecer processos de desenvolvimento profissional permanente. Trata-se de um estudo com base em discussão teórica e pesquisa documental, consultando, sobretudo, o planejamento educacional (nacional e regional) e a Instrução Normativa (IN-TO 002/2017) que regulamenta a avaliação no âmbito do estado do Tocantins. Constata-se que as ações institucionais em curso não são orientadas para a profissionalização e autonomia docente. Nos planejamentos analisados há um conjunto de indicações que priorizam os resultados dos testes de aprendizado e a participação da família na avaliação do desempenho docente. A regulação no estado do Tocantins institui um processo de avaliação pela gestão, pelos pares e de autoavaliação, sem especificar o foco das avaliações, o envolvimento docente na construção dos instrumentos e os fluxos com repercussões dos resultados.

Palavras-chave: Desempenho; Avaliação; Docente; Tocantins

Abstract

The article deals with the evaluation of teaching performance, through its approach in educational planning and in the regulation, it receives in the state of Tocantins. The objective is to analyze conceptions and initiatives that guided and/or regulated the evaluation of the work of teachers at national and regional level, considering their perspectives in the sense of favoring processes of permanent professional development. This is a study based on a literature review and documentary research, consulting, above all, the educational planning (national and regional) and the Normative Instruction (IN-TO 002/2017) that regulates the evaluation within the scope of the state of Tocantins. The ongoing institutional actions are not oriented towards professionalization and teaching autonomy. In the plans analyzed, there is a set of indications that prioritize the results of the learning tests and the participation of the family in the evaluation of the teaching performance. The regulation in the state of Tocantins institutes an assessment process by management, peers and self-assessment, without specifying the focus of the assessments, the teacher's involvement in the construction of the instruments and the flows with repercussions of the results.

Keywords: Performance; Evaluation; Teacher; Tocantins

Resumen

El artículo trata de la evaluación del desempeño docente, a través de su abordaje en la planificación educativa y en la regulación que recibe en el estado de Tocantins. El objetivo es analizar las concepciones e iniciativas que orientaron y/o regularon la evaluación del trabajo docente a nivel nacional y regional, considerando sus perspectivas en el sentido de favorecer procesos de desarrollo profesional permanente. Se trata de un estudio basado en una revisión bibliográfica e investigación documental, consultando, sobre todo, la planificación educativa (nacional y regional) y la Instrucción Normativa (IN-TO 002/2017) que regula la evaluación en el ámbito del estado de Tocantins. Parece que las acciones institucionales en curso no están orientadas a la profesionalización y autonomía docente. En los planes analizados hay un conjunto de indicaciones que priorizan los resultados de las pruebas de aprendizaje y la participación de la familia en la evaluación del desempeño docente. La normativa en el estado de Tocantins instituye un proceso de evaluación por gestión, pares y autoevaluación, sin precisar el foco de las evaluaciones, la participación del docente en la construcción de los instrumentos y los flujos con repercusiones en los resultados.

Palabras clave: Desempeño; Evaluación; Profesor; Tocantins

Introdução

A avaliação do desempenho docente é uma temática que perpassa de maneira direta e indireta diversos debates sobre a produtividade da escola, qualidade do ensino ou política de qualificação e progressão dos profissionais do magistério. No entanto, embora bastante presente nas explicações relacionadas aos problemas do ensino escolar, o debate sobre sua necessidade, efetividade ou modo de realização não tem encontrado um campo de orientação minimamente pacificado. A sua viabilidade como uma prática institucionalizada no interior das redes de ensino levanta uma série de interrogações inerentes aos seus objetivos e resultados. Do mesmo modo, a compreensão docente do tema, ainda que de abordagem frequente, fica longe de qualquer consenso sobre resultados ou modo de efetivação no interior das instituições de ensino.

Percebe-se, na revisão da literatura, que a avaliação do trabalho dos (as) professores (as) é compreendida com uma ação que pode favorecer ao desenvolvimento profissional e a revisão das práticas pedagógicas ao mesmo tempo que pode ser negativa aos objetivos da valorização da profissão docente. Neste último caso, ao em vez de corroborar para motivar a um necessário aprofundamento teórico e para a produção de caminhos criativos para os problemas da sala de aula, serve ao controle, a responsabilização e a depreciação do trabalho docente. Portanto, estamos nos referindo a uma temática de interesse não somente ao processo de gestão, acompanhamento pedagógico e formação docente, mas a algo que tem interessado também aos processos de planejamento da educação e às políticas públicas que revelam os projetos de educação em disputa na sociedade.

Importante considerar que a definição de desempenho docente se constitui em estreita relação com a questão da qualidade de ensino. Qualidade esta que precisa ser observada a partir de diversos indicadores, entre os quais, a realidade socioeconômica dos estudantes, a estrutura escolar, o material didático, a gestão da escola e as condições de trabalho dos professores e professoras. Contudo, do ponto de vista das concepções que prevaleceram nas políticas de educação dos últimos tempos, no Brasil e na América Latina, os dados produzidos em testes padronizados e a verificação de fluxos escolares tornaram-se “suficientes” para estabelecer classificações relativas à qualidade de ensino. A simplificação dos dados, traduzidos em números de fácil comparação, passa a impor o que seria uma verdade incontestável, de valor absoluto. Ou seja, uma realidade extremamente complexa, de múltiplos determinantes, agora é apresentada numa escala, resumida a um índice, inferindo sobre a “qualidade” da escola e do trabalho docente.

É a partir desse alinhamento que as principais políticas educacionais brasileiras, orientadas no conjunto de reformas implementadas nas últimas décadas, foram se constituindo. A avaliação em grande escala, com foco nos resultados do aprendizado, junto com a determinação curricular, reduz o espaço de ação e a autonomia docente e aumenta o controle externo sobre a escola. O conjunto docente e as unidades escolares são responsabilizados por resultados não estabelecidos por eles, nem sempre aferidos adequadamente ou nem sempre passíveis de serem alcançados diante da adversidade.

No presente artigo buscamos investigar o que foi assumido institucionalmente sobre a avaliação do desempenho docente, no planejamento educacional do Brasil e no estado do Tocantins. Verificamos ainda o que tem se efetivado, concretamente, como iniciativa local, observando, especialmente, o estabelecido pela Instrução Normativa- TO N.002 de 26 de setembro de 2017, que dispõe sobre a Avaliação do Desempenho dos Servidores públicos da Secretaria de Estado de Educação, Juventude e Esporte. O objetivo é analisar como a temática é abordada nesses documentos, avaliando, até que ponto, o desempenho docente tem sido orientado numa perspectiva de desenvolvimento profissional permanente.

Compreende-se também que, em grande medida, a avaliação do desempenho docente se faz de forma indireta ou não sistematizada, sendo realizada, portanto, no conjunto das múltiplas relações presentes no ato educativo escolar. Esse processo, quando observado e compreendido no interior da instituição de ensino, nas interações com os estudantes, no contato com familiares ou mesmo nas ações e reflexões coletivas entre pares, revela que as reações ao trabalho educativo, como ato julgador/avaliador, é algo inerente à docência. Embora nos ocupemos aqui apenas de ações intencionais, não ignoramos que, por vezes, o que não é sistematizado, o que não é explicitado, pode revelar-se muito mais efetivo para determinar o cotidiano da vida escolar.

A seguir, na primeira parte do trabalho, recorremos a uma rápida abordagem histórica sobre a avaliação do desempenho docente, considerando algumas fases que marcam a motivação da escolarização em massa no Brasil e, consequentemente, a orientadores e ao controle do trabalho docente.

Na sequência apresentamos uma breve discussão teórica do tema evidenciando algumas particularidades e controvérsias que circundou o debate: a localização do debate na relação com o conceito de qualidade e de desenvolvimento profissional (GATT, 2014); a revisão crítica do tema na sua vinculação com a denominada Nova Gestão Pública na América Latina e com a gerência de performance (NORMAND, 2018) e (MALDONADO; CHAVES, 2020); e a perspectiva de uma avaliação de caráter mais qualitativa a ser enfrentada pela gestão escolar com ampla participação docente (LIBÂNEO, 2015).

Na segunda parte recorremos ao estudo da legislação educacional, sobretudo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9394/96 e o Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), destacando como a matéria é orientada em nível nacional e, por fim, apresentamos as iniciativas do estado do Tocantins, considerando, particularmente, dois documentos: o Plano Estadual de Educação (PEE) e a legislação local compreendida pela Instrução Normativa, TO-N. 002 de 26 de setembro de 2017. Verificamos aqui as ações institucionais voltadas para a avaliação do trabalho dos (as) professores (as) que, em grande medida, estão relacionadas ao controle e ao acompanhamento dos resultados escolares, com implicações importantes para as perspectivas do desenvolvimento profissional docente.

Recortes históricos das orientações que indicam o controle sobre a docência

A análise da avaliação do desempenho docente permite inferir que, historicamente, as ações nessa direção têm sido orientadas no sentido dos interesses dominantes. Guardadas as devidas proporções podemos entender que, no Brasil, interesses religiosos e ligados ao mundo do trabalho caracterizaram (e caracterizam), majoritariamente, as orientações e o controle do exercício do magistério. A autonomia, a valorização da liberdade de expressão e a defesa do (a) professor (a) intelectual, em nenhum momento se tornam condições prioritárias para definir seu desempenho. Portanto, visto de uma perspectiva institucional, não tem sido colocado a serviço de um desenvolvimento profissional permanente.

Quando consideramos a herança jesuítica e o tardio interesse estatal pela instrução popular no Brasil, percebemos, inicialmente, a forte ligação das nossas práticas escolares com o interesse de doutrinação religiosa e/ou dos grandes grupos econômicos.

Sendo uma escola para poucos, frequentada por uma elite intelectual ou religiosa, é certo que o ensino da Companhia de Jesus não buscava uma educação para o trabalho ou para o exercício da cidadania. Caracterizado por pouco ou nenhum interesse público estatal, nas escolas jesuítas, o controle do exercício da docência procurava garantir que os interesses e valores da doutrina cristã católica da época fossem difundidos. O esperado do trabalho docente, realizado num ambiente de estruturas educacionais hierárquicas, visando preparar o bom cristão, nunca foi compatível com a expressão livre das ideias.

Segundo Paiva (2015, p. 112) “[..] o ofício de professor era um exercício constante das letras, da memorização e da arguição retórica, no nível da mediania, no qual não havia muito espaço para o livre pensamento e a exploração das ideias divergentes.” A autoridade docente em sala de aula era exercida, não apenas por reunir na mesma pessoa o professor e o condutor espiritual (professor e padre), mas por ter, também, o poder do castigo. Isso lhe garantia algum status diante dos alunos e da sociedade.

O interesse do Estado na educação, percebido como uma forma de difusão da ciência e dos valores da modernidade, se tornaria mais acentuado diante da expansão e da importância do processo industrial. A influência do mundo do trabalho na educação, se sobrepondo ao predomínio religioso, não se limitou às mudanças curriculares no sentido de preparar a mão de obra requerida pelas fábricas; a própria escola também foi pressionada a se tornar uma organização nos moldes das indústrias. Ao (a) professor (a), como um trabalhador de fábrica, foram lhes atribuídas tarefas específicas, funções especializadas e métodos específicos a serem utilizados. Da escola, como uma organização empresarial, composta de setores, departamentos, disciplinas, burocraticamente organizada, se espera a aplicação da ação técnica “adequada”, que transforma a matéria-prima (aluno) no produto final padronizado (aluno treinado), tal qual requer o mercado.

A caracterização da escola e do trabalho docente no marco da industrialização, agora com maior presença estatal, nos leva a observar duas fases distintas de exigências referentes ao desempenho docente. No final do século XIX e início do século XX, tendo em vista as necessidades do processo de industrialização, com a urgência de expandir o ensino básico para o conjunto da população, entra em cena uma visão predominantemente tecnicista de educação. Nesse caso, se instaura a busca de uma instrução programada e, no rastro das linhas de produção, com base no modelo taylorista, a escola precisava funcionar como uma máquina, ajustada na sua “graduação correta”. O trabalho docente se reconfigura no sentido de se tornar parte de uma engrenagem burocrática, em que escolas ou redes de ensino se estruturam, administrativamente, respondendo a uma hierarquia.

Nesta primeira fase, com ênfase muito mais no processo do que no produto, a avaliação/controle do desempenho docente vai fazer parte da estrutura administrativa. A ênfase, em maior medida, está na rigidez dos procedimentos, no domínio do que deve ser ensinado, na aplicação do método “correto” de ensinar, na estruturação do plano de ensino e na execução dos passos estabelecidos.

No entanto, mais próximo do final do último século, e no caso do Brasil basicamente a partir dos anos 90, vamos observar mudanças importantes no mundo do trabalho e nas orientações e regulações do trabalho docente. Agora a perspectiva de controle vai se relacionar a uma ênfase nos resultados, já não importando mais as condições objetivas do trabalho. Essa nova configuração, que se impõe por um forte movimento regulador, como analisa Ball (2003), não modifica apenas as políticas e as estruturas administrativas das escolas, ela tem o poder de modificar também aos (às) professores (as).

Assim, a avaliação/controle do desempenho docente, nessa última configuração, tem o foco nos resultados finais. Professores (as) e escolas são classificados, divulgados e, em alguns casos, bonificados em função do desempenho dos seus alunos nas avaliações externas. Trata-se de um sistema de avaliação que retorna ao (a) professor (a) a responsabilidade, no sentido de revisão de práticas, com foco em conhecimentos avaliados e na vinculação dos resultados das provas externa à qualidade de ensino. Segundo Feldfeber (2007, p. 457) “En la región, Chile es presentado como el paradigma en matéria de la evaluación de los docentes, a partir de la implementación del Sistema Nacional de Evaluación del Desempeño Docente (SNED) en1996.”

Esse modelo aproxima mais uma vez a avaliação do desempenho docente à denominada reestruturação produtiva, aos modelos de gestão e produtividade que interessam ao mercado. Trata-se do enquadramento das ações docentes aos novos modelos de gestão, próprios das tendências atuais da subsunção do trabalho ao capital. Esse processo de regulação dos sistemas de ensino e das atividades educativas impõe para as escolas medidas amplamente reverenciadas no mercado, como a ampliação do controle do cliente, os contínuos processos de autoavaliação, a instituição de remuneração por resultados, a ampliação da competição entre pares e a flexibilização ao máximo possível das relações de trabalho.

Como se vê, a partir destes marcos da história da educação brasileira, em nenhuma das fases abordadas há, de fato, interesse que relacione a verificação do desempenho docente ao seu preparo para fazer as melhores escolhas. Em momento algum esteve presente o interesse na valorização da autonomia intelectual docente e na construção de sua profissionalidade1.

Compreensões críticas e possibilidades da avaliação do desempenho docente

Na literatura analisada, registramos que não só a avaliação docente é uma matéria com grande evidência nos diversos espaços relativos à educação formal, como também é constatada sua realização por diversas instituições escolares, revelando variados modelos e expectativas sobre sua aplicação. Seus aspectos negativos e as perspectivas, no sentido de compreendê-la num sentido mais qualitativo, também são observados na literatura estudada.

No que se refere às modalidades, como adiantamos anteriormente, principalmente junto às instituições privadas de ensino, tem avançado o desenvolvimento de modelos que reúnem a autoavaliação, a avaliação pelos gestores, a avaliação pelos pares e a participação de pais e estudantes nos processos avaliativos do trabalho docente. Em suas pesquisas, Gatti (2014) relata ter constatado o emprego de diversas formas de avaliação. Estas passam por medições dos conhecimentos pedagógicos ou específicos dos (as) professores (as), avaliação por experts, avaliação por chefias, por pares e autoavaliação. No que se refere ao objeto dessa avaliação, segundo a autora, são diversos os fatores incorporados. Eles passam por questões como “[...] assiduidade, comprometimento, capacidade de iniciativa e inovação, aperfeiçoamento constante em conhecimentos, ação didática consistente, aperfeiçoamento nos conhecimentos da área e afins, entre outros.” (GATTI, 2014, p. 379) A autora observa também que a mensuração do desempenho dos alunos tem sido uma modalidade de avaliação do trabalho docente bastante usual.

Neste sentido, a autora chama atenção para a compreensão que se tem de “qualidade docente”, que não deve ser definida por critérios abstratos “[...] descolados do agir educativo em dadas condições, nem reducionistas, que se exprimam somente por categorias estreitas, uma nota ou uma pontuação em uma escala sem conotações significantes para os participantes do processo avaliativo” (GATTI, 2014, p. 377), sendo necessário que essa compreensão de qualidade esteja alinhada ao entendimento que se tem do ensino, do papel da escola, entre outros, compartilhados em uma dada realidade.

Há também um movimento que busca relacionar os processos de formação à denominada gerência de performance. Em outras palavras, o denominado desenvolvimento profissional contínuo vai se confundindo com a criação de práticas de avaliação e autoavaliação. Como descreve Normand (2018, p. 21), “Enquanto os professores são convidados a se engajar em um desenvolvimento profissional contínuo, as medidas de auditoria recolocam a abordagem tradicional de inspeção e a metodologia de autoavaliação se instala nos estabelecimentos.” (NORMAND, 2018, p. 21).

A nova gestão pública, no âmbito da educação, segundo Normand (2018), vincula a avaliação do trabalho docente a uma necessidade de prestação de contas, algo que deve servir como uma justificativa para as despesas públicas e para a racionalização da utilização dos recursos. A responsabilização preconizada no modelo inclui também um sistema de recompensas que visa garantir a aceitação do processo. No entanto, fazendo referência ao estudo de Ball (2003), o autor lembra que

A sociologia analisa os processos de “fabricação” pelos quais os profissionais da educação utilizam os resultados, as inspeções e as avaliações para “jogar o jogo” do profissionalismo e o engajamento para a gestão, mantendo à distância seus próprios valores para melhor se submeterem às exigências dos objetivos que são impostos interna e externamente. (NORMAND, 2018, p. 22)

No conjunto da literatura analisada visualizamos um significativo volume de abordagens que ressaltam os aspectos negativos das ações avaliativas implementadas. São questões referentes aos efeitos da avaliação no resultado final do ensino, na autonomia docente, na atratividade do trabalho docente entre diversos outros que nos levam a compreender que estamos diante de um fenômeno eivado de contradições. O levantamento realizado por Maldonado e Chaves (2020) sintetiza diversos resultados negativos das políticas gerenciais aplicadas ao trabalho docente. Vejamos os principais:

Processos de desprofissionalização e perda de autonomia derivados das fortes prescrições desse tipo de política [...]; empobrecimento do ensino devido à preocupação exacerbada com os resultados de avaliações padronizadas com consequências de alto impacto [...]; utilização de modelos de empreendedorismo individual baseados em incentivos econômicos que estimulam a competição e inibem a colaboração [...]; altos níveis de exaustão emocional [...] e sentimento de culpa, ansiedade e perda de sentido associados à intensificação do trabalho [...]; os professores desenvolvem perspectivas críticas sobre os dispositivos de avaliação, uma vez que não incluem conhecimentos e habilidades que os professores consideram relevantes para o seu trabalho [...]. (MALDONADO E CHAVES, 2020, p. 6 - tradução nossa)

Os autores relatam ainda que a denominada nova gestão pública, com sua tecnologia, dispositivos gerenciais ou sistemas de avaliação, não tem apresentado resultados de melhorias ao processo educativo; ao contrário, tende a ser questionada, sofrer resistência e apresentar baixa legitimidade. Além do que, contribui para enfraquecer o capital social docente junto à sociedade (MALDONADO; CHAVES, 2020).

No entanto, de outro lado, percebe-se também que há a busca de uma posição intermediária para a avaliação do trabalho docente. Nesse caso, tem ficado evidente a admissão de um processo que não se confunda com as políticas de controle e regulação do trabalho docente que, em grande parte, deve se distanciar do modelo predominante de avaliação que tem sido adotado no Brasil e em alguns países da América Latina, qual seja, aquele que adota como elemento central os resultados do desempenho dos estudantes. Segundo Gatti (2014), assim como em diversos outros campos profissionais, a avaliação dos (as) professores (as) vem sendo assumida como necessária por vários autores, mas devendo ser pensada numa perspectiva “[...]mais qualitativa, menos numérica, e que deve se iniciar na situação efetiva de trabalho [...]” (p. 376).

Nessa linha de pensamento, Gatti (2014) destaca condições relacionadas às exigências formativas e de posturas para avaliadores e avaliados. Chama atenção também para a formação ou preparação dos avaliadores, para a relação intrínseca que se deve ter com o contexto do trabalho na escola e, principalmente, para a relação entre avaliação e valorização profissional.

Também Libâneo (2015) reconhece o crescente interesse por ações que avaliam o trabalho docente, compreendendo que a denominada produtividade da escola, indubitavelmente, tem na ação do (a) professor (a) um dos seus aspectos mais importantes. No entanto, para o autor, a avaliação do seu desempenho deve ser enfrentada com cautela. Nas suas palavras,

O trabalho de professor não se presta a análises meramente quantitativas. Não é uma profissão na qual basta seguir uma sequência de atos automatizados. Boa parte das ações docentes não está constantemente sob o controle da consciência porque resultam de modos de agir e hábitos já consolidados. Além disso, há uma boa dose de imprevisibilidade e improvisações. (LIBÂNEO, 2015, p. 212)

Para este autor, tais constatações não devem ser motivo para negar a importância da avaliação do trabalho docente.

Por outro lado, isso não pode levar a descartar a avaliação das características, da qualidade e da eficácia do trabalho do professor, porque em boa parte, é dele que depende o êxito escolar dos alunos e a realização dos objetivos essenciais da escola. Há muito pouco progresso concreto na investigação dos instrumentos de avaliação do professor (ainda que se reconheça avanços na concepção de professor crítico-reflexivo). Os diretores de escola e os coordenadores pedagógicos precisam, todavia, enfrentar o desafio de avaliação qualitativa da atividade docente através da observação sistemática de aulas e do diálogo e da reflexão conjunta com os professores, como uma das condições do desenvolvimento profissional. (LIBÂNEO, 2015, p. 212)

A seguir, apresentaremos o que se encontra posto nos documentos legais: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB - 9394/96), Plano Nacional de Educação (PNE-2014-24), Plano Estadual de Educação do Tocantins (PEE/TO-2015-25) e Instrução Normativa/TO nº 002, de 26 de setembro de 2017, que busca disciplinar o processo de avaliação dos servidores da educação no estado do Tocantins.

Legislação nacional: LDB 9394/96 e PNE 2014-2024

Quando tratamos da avaliação do desempenho docente na educação básica considerando a legislação nacional, não encontraremos muitas referências diretas, visto que remete a uma matéria a ser regulamentada pelos entes federados, principalmente no âmbito estadual. Contudo, ao tratar da avaliação docente, visando ao ingresso na carreira do magistério, constatamos um conjunto maior de referências de iniciativa da União. Para Gonçalves e Oliveira (2016, p. 312),

No Brasil fala-se de avaliação da docência desde a Constituição de 1934, quando estabelecia que o ingresso no magistério dar-se-ia através de concurso público, minimizando o clientelismo que existia na ocupação desses cargos, porém, apenas com propósitos somativos, medindo apenas o conhecimento e não as aptidões necessárias para um bom professor.

Verifica-se também que as referências diretas sobre a avaliação docente na educação básica, como uma iniciativa do governo federal, além de focalizarem mais claramente o ingresso na carreira docente, se constituíram, via de regra, numa orientação ou num programa de adesão voluntária por parte dos entes federados. Esse foi o caso da Portaria Normativa nº 14/2010 de 21 de maio, instituindo o Exame Nacional de Ingresso à Carreira Docente, no âmbito do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) que não foi levado adiante.

No âmbito do Congresso Nacional, outras iniciativas visando à avaliação docente na educação básica surgiram e tiveram importantes repercussões. Este foi o caso da tentativa de se criar o Exame Nacional de Avaliação do Magistério da Educação Básica (ENAMEB), que teve início no Senado Federal e tramita na Câmara dos Deputados por meio do PL nº 6114/2009. Este projeto visa não só a seleção para o ingresso no magistério, mas também o seu emprego, junto às redes estaduais e municipais para progressão e diagnóstico do quadro docente.

Com longa tramitação e forte oposição das instituições de representação docente e de grupos de pesquisas em educação, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), a Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPEd) e o Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES), entre outras, a proposta tem encontrado dificuldades em avançar. Em 2019 o PL nº 6114/2009 teve relator designado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, abriu-se o período para apresentação de emendas, mas não consta, ainda, ter sido aprovado na referida comissão.

Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96) estão as coordenadas para a definição do que se espera da ação docente ou sobre as suas atribuições. No art. 13, encontramos as seguintes incumbências:

I - participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;

II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;

III - zelar pela aprendizagem dos alunos;

IV - estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento;V - ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional;

VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade. (BRASIL, 1966)

Compreende-se que, do ponto de vista legal, essas incumbências constituem o que é central no fazer docente. Não é colocado aqui nenhuma menção no sentido de pautar as ações docentes pelos resultados alcançados, também não há qualquer referência direta a algum parâmetro de produtividade a ser observado, embora se estabeleça como uma obrigação ministrar os dias letivos estabelecidos.

O Plano Nacional de Educação (PNE 2014-24), embora não apresente uma meta específica no sentido de instituir um processo de avaliação do desempenho docente, em linhas gerais, orienta para um processo de avaliação focado na produção de dados sobre a “qualidade da educação básica”. No conjunto das proposições, os denominados dados de qualidade devem ser produzidos e divulgados a cada dois anos, incluindo “indicadores de rendimento escolar, referentes ao desempenho dos (as) estudantes apurado em exames nacionais de avaliação [...]” (Inciso I, § 1º, Art. 11 Lei 13.004 de 25 de junho de 2014).

A relação entre indicadores de rendimento escolar e a avaliação do desempenho docente fica mais evidente na meta 7. Neste caso, há uma orientação no sentido de “induzir processo contínuo de autoavaliação das escolas de educação básica [...]” como se vê na estratégia 7.4, e “[...] apoiar o uso dos resultados das avaliações nacionais pelas escolas e redes de ensino para a melhoria de seus processos e práticas pedagógicas;” como se vê na estratégia 7.7. Há ainda previsão de “estabelecer políticas de estímulo às escolas que melhorarem o desempenho no Ideb, de modo a valorizar o mérito do corpo docente” como se vê na estratégia 7.36. (BRASIL, 2014)

Essas três referências apresentam um alinhamento importante das proposições do PNE com o estabelecimento de um vínculo entre os resultados de avaliações externas na educação básica e a avaliação do trabalho docente. Chegando ao ponto de propor a “valorização do mérito do corpo docente”, em caso de elevação dos índices conferidos através do IDEB.

Ainda em relação ao PNE, podemos ressaltar dois outros destaques que nos remetem ao processo de avaliação do desempenho docente. O primeiro se refere ao acompanhamento dos profissionais iniciantes, que deveriam contar com supervisão por equipe de profissionais experientes que fundamentariam “[...] com base em avaliação documentada, a decisão pela efetivação após o estágio probatório [...]” (grifo nosso -META 18.2). O segundo visa “estimular a participação e a consulta de profissionais da educação, alunos (as) e seus familiares [...]” na gestão escolar, “[...] assegurando a participação dos pais na avaliação de docentes e gestores escolares.” (grifo nosso -META 19.6) (BRASIL, 2014)

A seguir, trataremos da realidade da avaliação do desempenho docente em nível regional, considerando dois documentos relacionados à política educacional no estado do Tocantins: o Plano Estadual de Educação (PEE 2015-2025) e a Instrução Normativa/TO nº 002, de 26 de setembro de 2017, que institui a avaliação dos servidores públicos da Secretaria de Educação, Juventude e Esporte.

A avaliação do desempenho docente no estado do Tocantins: PEE 2015-2025 e normatização específica

Adentrando na legislação estadual, o Plano Estadual de Educação (PEE 2015-25) do Tocantins2, trata indiretamente da avaliação do desempenho docente fazendo referência a três focos que podem ser encontrados ao longo da descrição das metas e estratégias: a) com a participação da família na tarefa de avaliar; b) com a autoavaliação contínua das escolas e; c) com o uso de avaliações externas e internas de aprendizado relacionadas às mudanças no processo pedagógico.

O primeiro foco inicia chamando atenção para uma ação importante do processo de democratização da gestão escolar que é a construção coletiva do Projeto Político-Pedagógico, do currículo escolar, do plano de gestão e regimento escolar das escolas e conclui com a determinação de “assegurar” que pais e mães participem da avaliação docente.

Estimular a participação e a consulta de profissionais da educação, alunos(as) e seus familiares na formulação dos Projetos Político Pedagógicos, currículos escolares, planos de gestão escolar e regimentos escolares, assegurando a participação de pais/mães na avaliação de docentes e equipe diretiva escolar. (TOCANTINS, 2015, META 22.6)

O segundo foco, percebido na estratégia 22.9, trata da autoavaliação das escolas de educação básica, como um processo contínuo, com instrumentos de avaliação e monitoramento orientados, inicialmente, para os seguintes aspectos: planejamento estratégico, qualidade educacional, formação continuada e gestão democrática. (TOCANTIS, 2015). Compreende-se que o desempenho docente deverá constituir-se elemento central a ser contemplado no referido instrumento de avaliação, visto que a qualidade do ensino e a formação continuada se relacionam diretamente com a ação docente.

O terceiro foco que relaciona resultados de avaliações internas e externas para a melhoria dos processos e práticas pedagógicas é encontrado na estratégia 23.6.

Implementar, até o quarto ano de vigência deste PEE/TO, política de avaliação da aprendizagem para a reformulação dos processos contínuos da escola, a fim de equalizar a metodologia utilizada nas avaliações internas em consonância com as avaliações externas, e o uso dos seus resultados para a melhoria dos processos e práticas pedagógicas. (TOCANTINS, 2015, META 23.6)

Com exceção da proposta de autoavaliação das escolas, que pode desencadear uma construção coletiva no interior das instituições de ensino, que favorece a autonomia e o desenvolvimento profissional premente, as demais proposições do PEE do Tocantins alimentam uma tendência já incorporada pelo PNE. A primeira tende a estimular o denominado “poder do cliente” que, a exemplo das relações mercantis, incentiva pais e mães a exercerem papel diretivo, por meio da avaliação, sobre o trabalho docente. Compreendemos que um modelo de relação que venha desconsiderar a intelectualidade, a autonomia e a autoridade docente não deve ser confundido com a necessária convivência, harmoniosa e colaborativa entre família e escola, quando mães e pais podem e devem ser ouvidos nos processos avaliativos.

A segunda proposição, a exemplo do que tratamos anteriormente, com base nas referências apresentadas, busca relacionar o desempenho docente ao que seria definido como resultado final, o desempenho dos alunos em exames especiais, com focos específicos, cujos conteúdos normalmente são definidos fora da escola e sem nenhuma participação de professores (as) e demais integrantes da comunidade escolar.

Sendo necessário ressaltar ainda que o PEE (2015-25) do Tocantins trata de maneira mais direta a avaliação de gestores e servidores. Na estratégia 22.1, referente à gestão democrática das escolas públicas, há previsão de “formação, acompanhamento e avaliação de desempenho dos(as) gestores(as).” Também no item III da estratégia 20.21, tratando das parcerias para formação específica aos profissionais da educação que atuam nas escolas indígenas, quilombolas, do campo e educação especial, é prevista a avaliação de desempenho do(a) servidor(a) para fins de progressão funcional.

Dois anos após entrar em vigor o Plano Estadual de Educação, é publicada a Instrução Normativa/TO nº 002, de 26 de setembro de 2017, com a finalidade de levar a cabo a avaliação dos servidores públicos da Secretaria de Educação, Juventude e Esporte. É esta normativa local que vai disciplinar, de maneira mais específica e sistematizada, a avaliação do desempenho docente no interior das escolas pertencentes à rede estadual de ensino no Tocantins.

Os objetivos da avaliação do desempenho, segundo art. 3º da IN-TO nº 002/2017, são os seguintes:

I - diagnosticar e analisar o desempenho individual e coletivo dos servidores no desenvolvimento de suas atividades/atribuições; II - Envolver os profissionais da Educação para adesão ao processo avaliativo; III - aprimorar o senso de responsabilidade de todo profissional ao aplicar a Avaliação de Desempenho; IV- verificar, de forma sistemática, o desempenho de cada servidor, na função e seu potencial de desenvolvimento futuro; V - proporcionar condições adequadas de trabalho aos servidores para o bom desempenho de suas funções; VI - possibilitar aos profissionais do magistério, estáveis ou estabilizados, a valorização profissional por meio da evolução funcional; VII - possibilitar maior estreitamento das relações interpessoais e a cooperação entre todos os profissionais e suas chefias; VIII - direcionar políticas e programas de capacitação e aperfeiçoamento profissional dos servidores; IX - identificar ações para o desenvolvimento profissional dos servidores; X - ser instrumento de alinhamento das metas individuais com as institucionais. (TOCANTINS, 2017, art. 3º)

Perpassam esses dez objetivos um conjunto significativo de expectativas agregadas ao processo de avaliação do desempenho dos servidores. Vislumbra-se por meio de avaliação individual e coletiva, entre outros elementos, o aprimoramento do senso de responsabilidade, a melhoria das condições de trabalho, a orientação do processo de capacitação e, no caso específico dos docentes efetivos, a progressão na carreira.

Ainda sobre os docentes, segundo a IN-TO nº 002/2017, como outros servidores, aqueles devem ser avaliados anualmente, desde que tenha, no mínimo, quatro meses (120 dias) de efetivo exercício. Segundo o art. 8º “O servidor fará a autoavaliação e será avaliado por três avaliadores [...]”, os avaliadores designados para avaliar o professor ou professora no âmbito da unidade escolar são o coordenador pedagógico, o diretor da unidade escolar e um docente sorteado dentro da área de atuação/turno. Segue-se que os demais integrantes da unidade escolar também participarão do processo avaliativo por comissões previamente definidas.

O instrumento de avaliação leva os avaliadores a atribuírem uma classificação com conceitos que podem variar entre insuficiente, regular, bom ou excelente. Conforme o art. 14º “Serão considerados aprovados no Sistema Anual de Avaliação de Desempenho os servidores que obtiverem conceito entre Bom e Excelente, em conformidade com as instruções contidas no Instrumento de Avaliação do Desempenho.” Entende-se que o conceito final anual de cada servidor avaliado resulta da combinação de quatro manifestações com pesos iguais: a autoavaliação, a avaliação de duas chefias estabelecidas na normativa (coordenador e gestor) e a avaliação de um dos pares escolhidos por sorteio. Conforme o art. 24 “Cada uma das avaliações feitas pelos avaliadores terá peso único e o resultado final será o conceito da média aritmética das quatro avaliações.”

A IN-TO nº 002/2017 estabelece ainda, além das possibilidades de recurso ao processo avaliativo, o procedimento a ser adotado em caso de recusa do servidor avaliado em assinar qualquer uma das avaliações. Nesse caso deverá ser elaborado o Relatório de Recusa a partir de um modelo pré-estabelecido, que deverá ser assinado por duas testemunhas devidamente identificadas.

Não consta na IN-TO 002/2017 nenhum mecanismo que relacione o conceito final com parâmetros de desempenho ou produtividade. Bem como não há referências sobre a participação docente na elaboração dos instrumentos de avaliação e nem sobre as formas de devolução e/ou repercussão dos resultados. Também não faz referência à “punição” ou “premiação” derivada do processo avaliativo.

Como destacamos anteriormente, com base em Libâneo (2015), diretores e coordenadores pedagógicos devem enfrentar a avaliação do desempenho docente, do mesmo modo, pois considera-se necessário valorizar os dados qualitativos para o desenvolvimento do processo avaliativo, no entanto é preciso colocar a “[...] reflexão conjunta com os professores, como uma das condições do desenvolvimento profissional.” (LIBÂNEO, 2015, p. 212).

A ausência da reflexão e do diálogo como um aspecto fundante dos processos de avaliação denuncia uma realidade em que o parâmetro da ação docente é estabelecido de fora. Embora responsabilizado pelos resultados, a definição do que seriam as “boas práticas” e os “resultados satisfatórios” não tem origem na racionalidade do (a) professor (a). Como espectadores, segundo Ball (2003, p. 89), “o professor é responsável pelo seu desempenho, mas não pelo ‘correto’ ou ‘adequado’ do mesmo; apenas atendimento aos requisitos exigidos pela auditoria. (tradução nossa)”

Esta realidade, que segundo Ball (2003) revela o fim da profissionalidade e condiciona a formação da identidade profissional docente, tem contribuído para a perda do respeito, de forma a não poderem mais “[...] falar por si mesmos [ou] participar do debate público sobre sua prática.” (p. 89, tradução nossa). É essa a tendência que identificamos anteriormente e que se associa às determinações da reestruturação produtiva, ela produz uma realidade de várias exigências, de muitos indicadores e um ambiente de grandes incertezas para o trabalho docente.

Considerações finais

As discussões e os procedimentos relacionados à avaliação do desempenho docente, conexos à qualidade do ensino ou não, assumem uma variedade significativa de práticas e compreensões distantes de um consenso. Em princípio, tratando-se da finalidade ou dos interesses (econômicos ou religiosos) que permeiam as políticas de instrução, podemos constatar vieses ou aspectos especiais que pautaram o interesse e o controle do trabalho docente, por meio do qual foi ou será avaliado. Também não devemos desconhecer que se trata de um tema inteiramente relacionado à própria compreensão do que se entende por trabalho docente. E, neste sentido, a avaliação pode ser orientada ou até negada, tendo em vista a projeção ideal que se tem do (as) professor(as).

Na discussão teórica, buscando uma perspectiva crítica do tema, não faz sentido uma avaliação que não tenha como objetivo e centralidade o desenvolvimento profissional permanente. Esta perspectiva compreende o trabalho docente a partir de uma maior complexidade, atribuindo ao (a) professor (a) uma tarefa intelectual e reflexiva, algo indissociável da autonomia e capacidade (individual e coletiva) para compreender o sentido e os objetivos da escola e da ação educativa. Por isso, a avaliação do desempenho docente que se faz, centrada em resultados finais, que não envolva os próprios docentes, e que estabelece uma relação mercantilizada (com bonificação por resultados), ou que institui unilateralmente pais, mães e alunos como avaliadores, é descrita como uma construção negativa para a profissionalidade docente e também para o ato educativo em si.

Percebe-se que a dinâmica própria da escola pode apresentar possibilidades mais favoráveis para uma avaliação centrada do desenvolvimento profissional, visto que é um espaço de construções cotidianas, altamente referenciada nos problemas e soluções da vida escolar e que, sendo fortalecida na sua autonomia, encontra no trabalho da gestão, nas práticas de reflexão coletiva e na interação com as famílias, os elementos mais relevantes para avaliar o desempenho docente.

Quando analisamos a legislação nacional e as políticas educacionais, sobretudo as mais recentes, percebemos duas indicações que se tornam mais evidentes: a primeira trata de uma indução da avaliação no sentido de averiguar os denominados “resultados esperados”. Sendo que esses resultados, embora condensados em um índice, tendem a reforçar objetivos e conteúdos não necessariamente compreendidos e defendidos pela escola. Compreende-se que este é o caso quando se orientam os conteúdos, os processos pedagógicos e a própria rotina escolar em função das avaliações externas, inclusive com bonificação docente pelos resultados. A segunda indicação nos remete à participação dos alunos e familiares no processo avaliativo. Uma política com pouca ou nenhuma nitidez em relação ao que se está indicando, podendo ser algo mais próximo de uma estrutura orgânica de participação da comunidade junto a escola ou, o que é mais provável, trata-se de uma situação em que se concebe a educação como um produto, ofertado e vendido por escolas e seu corpo docente, enquanto estudantes e pais, como consumidores, procedem na escolha e no controle da qualidade do produto recebido.

No caso da proposta do Tocantins, embora o Plano Estadual de Educação tenha indicado para a participação da família, da autoavaliação no interior da escola e para a incorporação dos resultados de avaliações internas e externas, o que tem sido implementado, por meio da regulação local, vai na direção de uma avaliação de controle funcional de caráter subjetivo, que não necessariamente implica em repercussões no interior da escola. A IN-T0 002/2017 resume todo o processo a quatro manifestações (sendo uma a autoavaliação). Nada trata sobre a participação dos próprios docentes na construção do instrumento, do envolvimento dos demais integrantes da comunidade escolar no processo avaliativo e nem das reflexões que possam emanar dos resultados.

O que se observa, por fim, é que fica por ser construída uma proposta de avaliação docente que tenha como referência principal o processo de desenvolvimento profissional permanente, que contribua com a valorização do processo educativo escolar, que não atente contra a autonomia docente e que amplie a capacidade reflexiva dos diversos atores que constituem a escola, principalmente a escola pública. Esta compreendida como um espaço de diálogo permanente, de produção e difusão de conhecimentos, que está para além de uma relação mercantilizada que busque meramente satisfazer interesses individuais de pais e mães.

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1Profissionalidade é aqui entendida como a condição que revela a construção de uma base sólida de conhecimentos e formas de ação em dada área de trabalho. (GATTI, 2014, p. 378)

2O Plano Estadual de Educação (PEE) do estado do Tocantins foi sancionado e publicado pelo governo do estado por meio da lei nº 2.977, de 08 de julho de 2015. Em conformidade com a lei 13.005, de 25 de junho de 2014, que institui o Plano Nacional de Educação (PNE), apresenta diretrizes e metas para um período de dez anos. Inovando em relação ao PNE, o PEE do Tocantins apresenta 12 diretrizes e 24 metas.

Recebido: 20 de Dezembro de 2022; Aceito: 17 de Abril de 2023

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Doutor em Políticas Públicas, e-mail: locatelli@uft.edu.br

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