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Educação: Teoria e Prática

versão On-line ISSN 1981-8106

Educ. Teoria Prática vol.28 no.59 Rio Claro set./dez 2018  Epub 01-Jan-2019

https://doi.org/10.18675/1981-8106.vol28.n59.p566-582 

Artigos

A EDUCAÇÃO PÚBLICA BÁSICA NO PARÁ NA ÓTICA DO SISTEMA PARAENSE DE AVALIAÇÃO EDUCACIONAL - SISPAE

BASIC PUBLIC EDUCATION IN PARÁ OF EDUCATIONAL EVALUATION PARAENSE SYSTEM - SISPAE

LA EDUCACIÓN PÚBLICA BÁSICA EN PARA EN LA ÓPTICA DEL SISTEMA PARAENSE DE EVALUACIÓN EDUCACIONAL - SISPAE

Luiz Miguel Galvão QueirozI 

Cassio ValeII 

Terezinha Fátima Andrade Monteiro dos SantosIII 

I Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil; mscluiz59@hotmail.com

II Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil; cassiovale07@yahoo.com.br

III Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil; tefam@ufpa.br


Resumo

O presente artigo trata da análise do desempenho escolar na rede pública estadual de ensino do Pará delimitado na análise das informações contidas no Sistema Paraense de Avaliação Educacional - SISPAE. Objetiva descrever as limitações contidas na concepção de avaliação prescrita no SISPAE para validar o desempenho escolar dos alunos da rede pública paraense. Trata-se de um estudo histórico educativo, obtido a partir de fontes documentais institucionais, complementado por entrevista semi-estruturada realizada com docentes da rede estadual de ensino paraense. Verificou-se que os valores quantitativos descritos nos resultados do SISPAE apenas revelam as disparidades do fosso de desigualdade social no Estado do Pará, descrito por meio da educação básica.

Palavras-chave: Educação Básica; Gestão; Avaliação.

Abstract

This article deals with the analysis of the school performance in the state public network of education in Pará delimited in the analysis of the information contained in the Paraense System of Educational Evaluation - SISPAE. It aims to describe the limitations contained in the evaluation conception prescribed in the SISPAE to validate the school performance of students from the public network of Para. This is a historical educational study, obtained from institutional documentary sources, complemented by a semi-structured interview conducted with teachers from the Paraense state education network. It was verified that the quantitative values described in the SISPAE results only reveal the disparities in the social inequality gap in the State of Pará, described through basic education.

Keywords: Basic Education; Management; Evaluation.

Resumen

En este artículo se aborda el análisis del desempeño escolar en la red pública estadual de enseñanza del Pará delimitado en el análisis de las informaciones contenidas en el Sistema paraense de Evaluación Educativa - SISPAE. Objetivo describir las limitaciones contenidas en la concepción de evaluación prescrita en el SISPAE para validar el desempeño escolar de los alumnos de la red pública paraense. Se trata de un estudio histórico educativo, obtenido a partir de fuentes documentales institucionales, complementado por entrevista semiestructurada realizada con docentes de la red estadual de enseñanza paraense. Se verificó que los valores cuantitativos descritos en los resultados del SISPAE sólo revelan las disparidades de la brecha de desigualdad social en el Estado de Pará, descrito por medio de la educación básica.

Palabras clave: Educación Básica; Gestión; Evaluación.

Delimitando a discussão

O presente artigo é resultante de pesquisa bibliográfica e documental, cujo objeto prioritário de investigação centra-se na atual política educacional do Estado lançada em março de 2013 pelo governo estadual que é o "Pacto Pela Educação do Pará", focalizando principalmente na relação público-privado na educação. De acordo com site oficial do Pacto1, este inclui um conjunto de ações integradas do Estado e da sociedade civil, constante de programas e projetos destinados à melhoria do desempenho escolar na educação básica paraense.

Dentre as ações contidas no Pacto, insere-se o Sistema Paraense de Avaliação Educacional - SISPAE, cujo objetivo é consolidar um mecanismo de análise para subsidiar ações da Secretaria Estadual de Educação (SEDUC) e Secretarias municipais como política pública de Estado, de natureza sistêmica e fortalecer o processo de ensino e aprendizagem no sistema público de educação básica, como forma de contribuir para o cumprimento da meta de ampliar em 30% o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) paraense até 2017, estabelecida pelo "Pacto pela Educação do Pará".

O percurso metodológico da pesquisa constou da seleção do documento intitulado “Matriz de Referência do SISPAE”, capturado no site oficial da Secretaria de Estado de Educação do Pará, complementado por entrevista semi-estruturada realizada com cinco docentes e cinco diretores escolares vinculados a rede pública estadual paraense.

Priorizamos na análise a conectividade apresentada entre os documentos que circulam no cotidiano institucional buscando extrair a subjetividade posta nas determinações normativas destinadas a operacionalidade das atividades. Le Goof (2002) apreende o documento carregado de ideologias e manifestações do pensar e do sentir de quem o produz, portanto, cabe ao pesquisador desconfiar e inquirir o teor da informação abrigada no suporte da documentação examinada.

Adotou-se a técnica da análise do conteúdo dos documentos e dos depoimentos, descrita por Bardin (2011), como um conjunto de técnicas de análise das comunicações com a utilização de procedimentos sistemáticos e objetivos, visando inferir conhecimentos sobre o pensar expresso pelos sujeitos produtores do documento, tendo como base concepções de mundo, interesses de classes, motivações e expectativas, relativo ao projeto de sociedade em defesa.

O "Pacto Pela Educação do Pará" materializa no âmbito das políticas educacionais a relação público-privada na educação básica, por meio de parceiras estabelecidas com organizações representativas do terceiro setor via programas, projetos e ações realizadas na rede pública estadual de ensino e nas redes municipais, mediante a adesão de prefeituras ao Pacto.

O Pacto prevê ações estratégicas em sete resultados: 1) melhorar o desempenho dos alunos; 2) diminuir o abandono, a evasão e a defasagem idade-série; 3) capacitar profissionais da educação; 4) melhorar a infraestrutura; 5) melhorar a gestão (Sistemas Estadual, Municipal e escolas); 6) mobilizar a sociedade; e 7) utilizar tecnologia da informação.

A parceria público-privada no "Pacto Pela Educação do Pará" inaugura uma nova fase na gestão pública educacional no Estado, por meio de ações de parcerias e/ou contratação de instituições para realização de atividades educacionais, e dentre essas, a implantação do SISPAE, financiado por meio de empréstimo obtido junto ao Banco Mundial.

As informações contidas no SISPAE, ainda que limitadas à perspectiva quantitativa e mensurativa do desempenho escolar dos alunos, traduz um recorte da realidade da educação básica pública do Estado do Pará e projeta um cenário pouco favorável para as próximas décadas quanto à transformação da situação dos filhos da classe trabalhadora, que dependem unicamente da escola pública para construção do processo de escolarização.

A gestão descrita por dentro da escola

A educação escolar tornou-se o centro do debate político resultante da necessidade de resposta à sociedade quanto à qualidade (pelo menos em índices) do ensino ofertado principalmente na rede pública, mantida com recursos públicos oriundos dos impostos pagos pela população ao Estado. A análise da gestão escolar é considerável, para busca de possíveis explicações para o caos em que se encontra o ensino brasileiro, referenciado a partir dos indicadores de desempenho escolar.

Analisar o papel da gestão escolar a partir dos resultados contidos nos indicadores de desempenho, ainda que se apresentem elementos quantitativos que expressam os níveis de habilidade no desenvolvimento cognitivo dos alunos, não conseguem descrever a totalidade do processo educacional e, portanto, há necessidade de apontar outros fatores que se constroem no cotidiano da escola, os quais merecem ser destacados para sabermos se os indicadores traduzem a realidade e qualidade da escola pública. Nesse sentido,

Uma educação de qualidade persegue o desenvolvimento das potencialidades de cada pessoa, respeitando suas características e necessidades e vislumbra a formação de pessoas capazes de atuar de forma ética, crítica, participativa e responsável no contexto em que vivem, pautando seus modos de ser e agir pelo bem estar comum (SARMENTO; MENEGAT; RAMIREZ, 2015, p.317)

Assim, a reflexão sobre a avaliação no contexto da gestão escolar possibilita vislumbrar o processo educativo para além da determinação dos organismos internacionais, cujo objetivo macro é alcançar as metas quantitativas definidas por esses organismos e, especialmente pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), visando justificar o desenvolvimento econômico articulado ao desenvolvimento social e deixando pouco espaço para o desenvolvimento das qualidades individuais defendidas neste texto.

A gestão escolar “aqui entendida como mediação para a formação de sujeitos, considerando meios e fins como um todo indivisível” (SANTOS, 2012, p.11-12) inclui a dimensão administrativa, pedagógica e política, que se interligam no processo educacional e com reflexos nos resultados da escola. A dimensão administrativa exige do diretor o exercício do controle das atividades operacionais, com a devida competência técnica, tornando possível o funcionamento adequado e otimizado de todos os espaços, conjugado à liderança sobre todo o grupo de profissionais da educação que atuam na escola.

A participação da gestão das escolas no planejamento das atividades do SISPAE na rede estadual de ensino do Pará ainda não é realidade, ocasionando entraves na efetivação das ações, em especial, quanto à definição de estratégias que visem fortalecer a prática avaliativa no cotidiano da ação educativa.

A direção da escola não é chamada para discutir sobre as estratégias e a mobilização a ser realizada para tornar a avaliação do SISPAE algo importante no processo ensino-aprendizagem. Em geral, as escolas são apenas informadas quando serão aplicadas as provas. Mas não há um momento em a SEDUC chama as escolas para planejar e definir estratégias da ação do SISPAE (PARÁ/SEDUC, 2015, sp).

Nesse sentido, percebemos que há uma fragmentação no planejamento estratégico com participação efetiva das escolas estaduais do Pará, visto que, tal planejamento é feito de forma verticalizada no SISPAE e traz implicações no percurso da aplicação da avaliação do desempenho escolar dos alunos, e fragiliza o papel da gestão das escolas pelo fato das mesmas tornarem-se meras executoras do processo. A falta de participação da gestão das escolas durante o planejamento da ação de avaliação nas redes de ensino limita a consolidação do SISPAE, enquanto instrumento orientador da gestão.

A gestão pedagógica e financeira do processo educativo deveria ser compartilhada entre a direção, especialistas em educação, professores e demais trabalhadores que atuam na escola, com a finalidade de atender a atividade fim que a escola se destina a atender à sociedade: o ensino de qualidade. Bem sabemos que a gestão desempenha papel importante na consolidação do SISPAE, inserida no ato de planejar, executar, monitorar e avaliar o processo educacional.

Entretanto, tudo deve ser precedido mediante diagnóstico do desempenho escolar, identificando-se quais são as disciplinas mais críticas; conteúdos/unidades de conhecimento que os alunos nos respectivos anos escolares apresentam mais dificuldades de aprendizagem, e a definição/elaboração de estratégias didáticas/metodológicas destinadas à referenciar os professores.

A discussão dos níveis de proficiência, delimitado nos descritores, envolvendo a equipe técnica-pedagógica e professores das escolas é fundamental para a construção de referenciais didáticos, os quais podem contribuir na construção do planejamento didático, com a inclusão de atividades visando o desenvolvimento das habilidades.

A formação prevista no SISPAE não consegue atingir todos os docentes e especialistas em educação que atuam nas escolas, e culmina para a produção de um quadro compreensivo fragmentado entre os profissionais da educação sobre a concepção de avaliação contida no instrumento de avaliação.

Os níveis de proficiência contido no SISPAE não é suficiente para descrever a abrangência do desempenho escolar dos alunos. A formação humana não se resume unicamente no que ela é capaz de expressar cognitivamente a partir de uma matriz de referência. O aluno expressa diversas dimensões em sua formação que não são mensuradas na escola, mas que são relevantes na constituição do sujeito (PARÁ/SEDUC, 2014, sp).

A reflexão sobre os níveis de proficiência contidos nos modelos de exames de avaliação em larga escala, alcança relevo na discussão pedagógica, considerando que o sujeito não pode ser avaliado unicamente na dimensão cognitiva, descrita a partir de habilidades que necessita alcançar, ou naquilo que seja capaz de fazer (competências). O SISPAE restringe a avaliação do desempenho escolar à perspectiva cognitiva, e reforça a visão fragmentada de sujeito.

A perspectiva política da gestão escolar engloba um processo de construção e articulação da comunidade escolar, com o intuito de comprometer a todos com os resultados do processo educacional, inclusive a população que vive no entorno territorial abrangente na ação educativa. A dimensão política na gestão alcança relevo no cotidiano escolar, a partir do exercício da autonomia no processo de construção e efetivação do Projeto Político Pedagógico.

Em sua dimensão política, o SISPAE limita o debate sobre a avaliação educacional na rede pública de ensino do Pará, e esse fato, impede que a comunidade escolar se envolva e assuma o compromisso ético e político com a melhoria da qualidade do ensino. É possível identificar tal fragilidade por meio do contingente de alunos que participam das avaliações, que em níveis percentuais, não alcança nem 60% dos estudantes da rede pública paraense.

A fragilidade na articulação com os atores sociais que vivenciam a escola pública impede que a prática avaliativa se estabeleça no cotidiano escolar, como também, a utilização das informações produzidas pelo SISPAE no planejamento de ensino das escolas. Apesar da impossibilidade de consenso entre os educadores quanto as concepções de avaliação, no entanto, a temática é relevante ser discutida visando contribuir para o aperfeiçoamento da prática nas escolas.

Qualidade na educação é um fenômeno complexo que possui determinações intraescolares e extraescolares [...] podemos destacar como fatores intraescolares que se relacionam com a qualidade: currículo, formação docente, gestão escolar, avaliação da aprendizagem, condições de trabalho, infraestrutura das escolas, dentre outros; como fatores extraescolares é possível citar: condições de vida da população, capital econômico, cultural e social das famílias dos alunos, entorno social da escola, distribuição de renda, violência, entre outros (MACHADO;ALAVARSE; OLIVEIRA, 2015, p.339).

A melhoria da qualidade do ensino não pode ser pensada unicamente por investimentos em infraestrutura e/ou qualificação permanente de profissionais da educação, mas também, na operacionalidade da gestão escolar. É fundamental que se resgate e fortaleça a gestão pedagógica do ensino nas escolas, por meio de um planejamento com foco nos resultados de desempenho alcançados; o acompanhamento sistemático da execução das ações/estratégias; a avaliação periódica dos resultados alcançados durante o ano letivo, e tal ciclo é permanente na prática da gestão.

De acordo com as informações socioeconômicas contidas no SISPAE-2014, as condições objetivas das unidades de ensino visando à promoção da escolarização pública no Estado do Pará são insatisfatórias para assegurar a qualidade na aprendizagem dos alunos, considerando que as condições ambientais das escolas refletem fragilidade relativa à higiene, segurança, conforto, acessibilidade, etc.

Fonte: SEDUC/SISPAE/2014

Quadro 1 Condições Situacionais das Instalações Existentes nas Escolas 

As condições de infraestrutura da rede estadual do Pará revelam o quadro indigente da educação ofertada pelo Estado à população que depende unicamente da escola pública para atender as necessidades de escolarização. A inadequação da arquitetura reflete de forma direta no desenvolvimento das atividades educacionais. As condições climáticas na região amazônica, com índices pluviométricos elevados impossibilita a comunidade escolar conviver com dignidade no espaço com telhado adequado em apenas 39,7% das unidades de ensino, sem contar com outras condições físicas incipientes.

O estado de precariedade de outros espaços existentes nas escolas também incide de forma direta no desenvolvimento das atividades educativas, portanto, é impossível analisar apenas os aspectos cognitivos e o fluxo escolar para compor os indicadores de desempenho escolar, resultando na imputação de identidades aos alunos tais como: insuficiente, suficiente, avançado, previstas no sistema de avaliação adotado no Estado do Pará.

A promoção da melhoria da qualidade do ensino inclui condições satisfatórias da infraestrutura escolar, visando proporcionar aos alunos um ambiente favorável à aprendizagem. Essas dimensões não são contempladas nos programas e projetos abrangidos nas políticas educacionais, resultando nos baixos níveis de desempenho escolar na rede pública paraense.

O desempenho escolar da rede pública no Pará

O desempenho escolar na educação básica no Estado do Pará suscita reflexões, fundamentado nos resultados descritos no Sistema Paraense de Avaliação Educacional - SISPAE, instrumento componente do Pacto Pela Educação do Pará, voltado ao monitoramento do aprendizado dos alunos além de propiciar subsídios para definição do planejamento educacional nas redes estadual e municipal.

Fonte: SISPAE/SEDUC-2015

Quadro 2 Desempenho dos alunos no SISPAE-2015 

De acordo com as informações quantitativas divulgadas no SISPAE-versão 2015, o desempenho dos alunos do 4º ano do ensino fundamental em Língua Portuguesa da rede pública paraense encontra-se no nível básico, cuja proficiência é descrita mediante o domínio dos conhecimentos, habilidades e competências desejáveis para o ano escolar em que se encontram. Na disciplina Matemática, os alunos encontram-se no nível de proficiência abaixo do básico, ou seja, os alunos demonstram domínio insuficiente dos conhecimentos, habilidades e competências desejáveis para o ano escolar em que se encontram.

O quadro descrito revela a fragilidade do percurso inicial de escolarização do aluno vinculado à rede pública paraense, descrito em primeiro plano pela precariedade da política educacional de atendimento da educação infantil no Estado do Pará, admitida como o ponto de partida no processo de alfabetização da criança.

Segundo os dados do Censo Escolar 2015, o atendimento da pré-escola no Estado do Pará reserva-se a um contingente de aproximadamente 230.000 crianças, portanto, nem todas as crianças que ingressam no ensino fundamental aos seis anos de idadeexperienciam a pré-escola no percurso de escolarização, e logicamente, carregam consigo as limitações no campo do desenvolvimento da oralidade, das noções espaciais, e outros conhecimentos pertinentes a faixa etária em que se encontram.

A fragilidade das políticas para a educação básica pode ser explicada no âmbito da execução e do monitoramento do processo em si. De acordo com o artigo 29 da LDB 9394/96, cabe aos municípios o atendimento da educação infantil, e conforme previsto no Plano Nacional de Educação, desdobrado também no Plano Estadual de Educação, cabe aos municípios universalizar o atendimento a pré-escola até 2016.

A esfera estadual, por meio da Secretaria de Estado de Educação, cabe o monitoramento e o assessoramento aos municípios quanto o atendimento da pré-escola, visando assegurar as crianças o atendimento do direito à educação na faixa etária de quatro a cinco anos. No Plano Plurianual de 2016, não há indícios da participação do Estado do Pará em ações destinadas à gestão da educação infantil no território paraense.

Nos demais anos avaliados, (abrangendo do quinto ano do ensino fundamental à terceira série do ensino médio), é possível constatar que na Língua Portuguesa os alunos conseguem alcançar apenas o nível de proficiência considerado básico, salvo na terceira série do ensino, que o nível de proficiência alcança abaixo do básico. Na Matemática, os alunos a partir do quinto ano do ensino fundamental, encontram-se em todos os anos de escolarização no nível de proficiência abaixo do básico, ou seja, domínio insuficiente dos conhecimentos, habilidades e competências desejáveis para o ano escolar em que se encontram (SISPAE, 2015).

O desempenho escolar dos alunos na educação básica paraense reproduz a condição indigente da educação básica, considerando o percursode aprendizagem descrito num exame delineado por uma matriz de referência reproduzida das avaliações de larga escala implantadas no sistema de ensino brasileiro.

É importante apontar que unicamente o olhar quantitativo do desempenho escolar dos alunos da rede pública paraense, traduzido numa matriz numérica, é insuficiente para construir um mosaico mais próximo da realidade, e de acordo com Machado, Alavarse e Oliveira (2015), o alcance da qualidade na educação abrange perspectivas para além da representatividade numérica descrita no ensino.

Além da Prova Brasil e do IDEB, que cumprem o intento de implementação de uma política de accountability educacional e, portanto, corroboram o fortalecimento desse primeiro estágio, outras formas de avaliação seguem sendo adotadas na educação brasileira, promovendo novas e mais sofisticadas estratégias de regulação da educação pública em âmbito nacional e internacional (SCHNEIDER; ROSTIROLA, 2015, p. 506)

A visão desenvolvimentista que orienta o projeto de poder vigente no Estado do Pará desloca a função social da educação como um dos elementos transformadores da realidade social, para a formação do capital humano voltado ao exercício de ocupações subalternas no processo produtivo, além de reproduzir as condições de pobreza e miséria, historicamente prevalecentes no contexto amazônico.

O comprometimento do desempenho escolar dos alunos vinculados à rede pública paraense realça a fragilidade das políticas sociais no âmbito do Estado, visando assegurar condições dignas de qualidade de vida à população, dentre estes, moradia digna, segurança pública, esgoto sanitário, água tratada, iluminação pública, asfaltamento de vias públicas, espaços e equipamentos públicos, os quais não são objeto de consideração na avaliação escolar.

A projeção do cenário social do Estado do Pará para as próximas décadas é possível ser construído com base nos valores quantitativos expressos no desempenho escolar descrito pelo SISPAE-versão 2015, considerando os demais anos de escolarização dos alunos na rede pública paraense, delimitado nos níveis de proficiência em língua portuguesa e matemática.

Fonte: SISPAE/SEDUC-2015

Quadro 3 Níveis de proficiência de Língua Portuguesa - SISPAE % 

O nível de proficiência denominado abaixo do básico agrega um contingente de 43,6% dos alunos do 4º ano do ensino fundamental, ou seja, quase a metade. No 8º ano do ensino fundamental, o percentual de 42,6% apenas reproduz o percurso de desempenho dos alunos nos anos anteriores de escolarização.

A limitação do desempenho escolar dos alunos mantém-se no percurso de escolarização até o ensino médio, em que os percentuais de 45,3% no 1º ano, 50% no 2º ano e 64,9%no 3º ano, com proficiência Abaixo do básico, vislumbra a reprodução de um cenário social desigual no Estado do Pará.

Em contraste a esse quadro, apenas 6% de alunos no 5º ano do ensino fundamental e 0,7% de alunos da 1ª série, 0,5% de alunos da 2ª série, e 0,1% de alunos da 3º série do ensino médio, conseguem alcançar o nível Avançado.

A rede estadual de ensino através do Pacto Pela Educação do Pará fortaleceu a parceria público-privada, por meio da integração de programas e projetos vinculados à iniciativa privada no currículo, com a finalidade de melhorar o desempenho dos alunos, seja no ensino fundamental ou no ensino médio. Tal política desfocada da realidade social do Estado, não consegue responder de forma objetiva para a transformação do cenário da educação básica paraense.

A presença de programas e projetos oriundos da iniciativa privada na rede estadual de ensino do Pará integra o discurso do Estado de que a parceria público-privada é a saída para a melhoria da qualidade da educação, ao mesmo tempo em que desvia o compromisso estatal quanto ao investimento público na educação básica.

O desempenho escolar dos alunos relaciona-se de forma direta com as condições objetivas de existência, as quais devem ser consideradas no planejamento educacional articulado as demais políticas sociais, visando contribuir para a transformação da realidade historicamente prescrita na sociedade paraense, pautada na disparidade da concentração de renda.

Ao considerar as informações do SISPAE-2015 relativa ao desempenho dos alunos na disciplina Matemática, é possível constatar a permanência da limitação quanto à apreensão dos conteúdos prescritos na matriz de referência.

Fonte: SISPAE/SEDUC-2015

Quadro 4 Níveis de Proficiência em Matemática - SISPAE % 

O desempenho dos alunos no ensino fundamental e médio na disciplina Matemática reproduz o mesmo quadro da disciplina Língua Portuguesa. A precariedade do aprendizado dos alunos da rede pública do Pará expressa o contexto global das condições objetivas da oferta da educação básica, descrita a partir das condições socioeconômicas e da fragilidade da articulação entre as políticas sociais, visando o atendimento da população.

No contexto pedagógico, o "Pacto Pela Educação do Pará" de acordo com informações de seu site, desenvolve atividades de complementação curricular, por meio dos projetos "Aprender Mais", "Jovem de Futuro", "Ensino Médio Inovador", no ensino fundamental e no ensino médio, financiados pela relação público-privada e com recursos provenientes de empréstimo realizado pelo governo do Estado do Pará junto ao Banco Mundial, no entanto, o foco centrado unicamente nas duas disciplinas, não consegue avançar na qualidade da aprendizagem.

O desempenho dos alunos apresenta extremos significativos. Há um enorme percentual de alunos situados no nível de proficiência abaixo do básico, e um mínimo de alunos no nível de proficiência avançado, tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio.

Considerações finais

A reflexão acerca da política de avaliação por meio do Sistema Paraense de Avaliação Educacional - SISPAE experimentado na rede pública estadual de ensino do Pará reproduz a metodologia descrita nas propostas de avaliação de larga escala, com foco na proficiência e no fluxo escolar, os quais são insuficientes para descrever a realidade concreta dos aspectos circundantes da aprendizagem dos sujeitos.

Apesar de intencionar a sistematização de informações relativas ao desempenho escolar dos alunos da rede pública estadual de ensino paraense, visando auxiliar no planejamento educacional, com a finalidade de elevar o nível de aprendizagem para atender as metas nacionais, percebe-se limitações quanto à abrangência do processo educativo.

Em primeiro lugar, as condições objetivas de existência dos sujeitos que frequentam a escola pública paraense, não conseguem ser contempladas nas políticas sociais, visto que o acesso à escola é limitado pela precariedade de infraestrutura habitacional, as quais podem resultar na evasão.

Em segundo lugar, a descrição dos níveis de proficiência não relaciona as dimensões cognitivas com as condições sociais objetivas de existência dos sujeitos.

Finalmente, as condições de infraestrutura das escolas, componente das informações socioeconômicas do SISPAE não são levadas em consideração no planejamento das políticas educacionais, as quais influenciam nos resultados do desempenho escolar dos alunos que refletem a qualidade da educação que na perspectiva do SISPAE está pautada em índices e não é esta qualidade que defendemos e desejamos para a educação brasileira e, particularmente, a paraense que precisa levar em consideração as peculiaridades dos alunos numa região amazônica marcada pela pluralidade de povos indígenas, ribeirinhos, extrativistas, quilombolas, entre outras e esta qualidade precisa levar em consideração uma série de fatores como infraestrutura que influenciam diretamente nos índices.

Muito mais do isso essas avaliações como a do SISPAE devem ser levadas em consideração já que o Estado precisa realizar um diagnóstico para apresentar à sociedade, mas os números por si só nem sempre representam a realidade e a qualidade educacional deveria ser resultado de um processo qualitativo e não somente baseada na realização de provas das disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática e deixando de lado outras disciplinas como Filosofia, Artes e Sociologia que também são essenciais para ajudar a formar cidadãos emancipados e pessoas com sensibilidade para conviver em sociedade.

Prova de que a qualidade educacional pela ótica do SISPAE é questionável é a intensa relação público-privada, por meio de projetos e programas voltados a complementação curricular, onde as ações são financiadas com recursos oriundos de empréstimo adquirido junto ao Banco Mundial e esse recurso poderia ser facilmente empregado na melhoria de infraestrutura das escolas, por exemplo, que certamente teriam reflexo nos índices dos SISPAE e, no entanto, o foco centrado nas matrizes de referência dos exames de larga escala, visando elevar quantitativamente o desempenho dos alunos, é insuficiente para mudar a realidade da aprendizagem dos alunos e transfere dinheiro público para a iniciativa privada cujos interesses nessa relação incógnitas até aqui.

Portanto, a experimentação do sistema de avaliação da aprendizagem na rede estadual de ensino do Pará, reproduz nos aspectos metodológicos a lógica das propostas existentes em nível nacional, além de restringir as expectativas de melhoria da qualidade da educação, por não articular uma ação interssetorial do Estado no atendimento das demandas sociais da população que tradicionalmente frequenta a escola pública.

Referências

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1www.pactopelaeducacao.pa.gov.br

Recebido: 07 de Março de 2017; Revisado: 19 de Maio de 2018; Aceito: 19 de Junho de 2018

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