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Revista Teias

versão impressa ISSN 1518-5370versão On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.24 no.73 Rio de Janeiro abr./jun 2023  Epub 24-Ago-2023

https://doi.org/10.12957/teias.2023.69877 

Artigos de Demanda Contínua

AS CONCEPÇÕES DE JOSÉ VERÍSSIMO SOBRE A FORMAÇÃO DO CORPO PELA EDUCAÇÃO FÍSICA NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO NACIONAL DO SÉCULO XIX

JOSÉ VERÍSSIMO'S CONCEPTIONS ABOUT THE FORMATION OF THE BODY BY PHYSICAL EDUCATION IN THE 19TH CENTURY NATIONAL EDUCATION SCENARIO

LAS CONCEPCIONES DE JOSÉ VERÍSSIMO SOBRE LA FORMACIÓN DEL CUERPO POR LA EDUCACIÓN FÍSICA EN EL ESCENARIO EDUCATIVO NACIONAL DEL SIGLO XIX

1Prefeitura Municipal de São Gonçalo/RJ E-mail: millissousa@yahoo.com.br

2Universidade Federal Fluminense (UFF) E-mail: valdeluciaalvescosta@id.uff.br


Resumo

Este artigo deriva-se de uma tese de doutorado tendo por objeto de estudo a formação de professores na sociedade de classes com ênfase na educação física, analisando a proposta educacional de José Veríssimo Dias de Mattos, em sua obra ‘A Educação Nacional (1906)’, tendo como centralidade a discussão da função da educação física no processo de modernização do Brasil. As concepções de José Veríssimo, quanto à formação de nação no Brasil recém-república, referem-se à necessidade da elaboração de uma proposta de educação nacional que considerasse a educação física como disciplina curricular obrigatória na escola. O referencial teórico adotado na problematização e análise do tema estudado é a teoria crítica da sociedade. Conclui-se que a educação física, pensada por Veríssimo (1906), seria um meio para se alcançar a civilidade e a disciplina do povo, buscando promover mudanças nos costumes e hábitos brasileiros do século XIX. No entanto, atribui-se reconhecimento ao esforço de Veríssimo em tornar a educação física uma realidade no Brasil em desenvolvimento, no qual segundo seu pensamento, ainda não havia uma educação digna de ser chamada de ‘Nacional’. Consequentemente, a proposta de educação física de Veríssimo (1906) vai ao encontro do sonho de um projeto de educação nacional e, para sua realização, se fazia necessário refletir sobre a grandiosidade da almejada Pátria brasileira.

Palavras-chave: José Veríssimo; educação física; formação do corpo; Brasil República; educação nacional

Abstract

This article derives from a doctoral thesis whose object of study is the formation of teachers in class society with an emphasis on physical education, analyzing the educational proposal of José Veríssimo Dias de Mattos, in his work ‘A Educação Nacional (1906)’, focusing on the discussion of the role of physical education in the process of modernization in Brazil. José Veríssimo's conceptions regarding the formation of a nation in newly republican Brazil refer to the need to develop a proposal for national education that considers physical education as a mandatory curricular subject at school. The theoretical framework adopted in the problematization and analysis of the subject studied is the critical theory of society. It is concluded that physical education, thought by Veríssimo (1906), would be a means to achieve civility and discipline of the people, seeking to promote changes in Brazilian customs and habits of the 19th century. However, recognition is attributed to Veríssimo's effort to make physical education a reality in developing Brazil, in which, according to his thinking, there was still no education worthy of being called ‘National’. Consequently, Veríssimo's proposal for physical education (1906) meets the dream of a national education project and, for its realization, it was necessary to reflect on the grandeur of the desired Brazilian homeland.

Keywords: José Veríssimo; Physical Education; Body Formation; Brazil Republic; National Education

Resumen

Este artículo deriva de una tesis doctoral cuyo objeto de estudio es la formación de profesores en la sociedad de clases con énfasis en la educación física, analizando la propuesta educativa de José Veríssimo Dias de Mattos, en su obra ‘A Educação Nacional (1906)’, centrándose sobre la discusión del papel de la educación física en el proceso de modernización de Brasil. Las concepciones de José Veríssimo sobre la formación de una nación en el Brasil recién republicano se refieren a la necesidad de desarrollar una propuesta de educación nacional que considere la educación física como materia curricular obligatoria en la escuela. El marco teórico adoptado en la problematización y análisis del tema estudiado es la teoría crítica de la sociedad. Se concluye que la educación física, pensada por Veríssimo (1906), sería un medio para lograr la civilidad y la disciplina de las personas, buscando promover cambios en las costumbres y hábitos brasileños del siglo XIX. Sin embargo, se atribuye un reconocimiento al esfuerzo de Veríssimo por hacer de la educación física una realidad en el Brasil en desarrollo, en el que, según su pensamiento, aún no existía una educación digna de llamarse ‘Nacional’. En consecuencia, la propuesta de Veríssimo para la educación física (1906) responde al sueño de un proyecto nacional de educación y, para su realización, fue necesario reflexionar sobre la grandeza de la deseada patria brasileña.

Palabras clave José Veríssimo; educación física; formación del cuerpo; república de Brasil; educación nacional

INTRODUÇÃO

Ao retomar a história da educação física é possível afirmar ser fortemente marcada pelas tendências higienista e militarista. No século XX, na década de 1930, esses modelos ainda estavam em vigência e influenciavam a prática pedagógica dos professores na escola, sobretudo por ter sido a formação que havia sido possibilitada nos cursos superiores.

Para melhor compreender o trajeto histórico da educação física no Brasil, o século XIX é emblemático. Pois, segundo Darido (2003, p. 1) marca “A inclusão da Educação Física oficialmente na escola em 1851, com a reforma Couto Ferraz, embora a preocupação com a inclusão de exercícios físicos na Europa remonte ao século XVIII”:

É nessa fase da história que o rendimento, a seleção dos mais habilidosos, o fim justificando os meios está mais presente no contexto da Educação Física na escola. Os procedimentos empregados são extremamente diretivos, o papel do professor é bastante centralizador e a prática uma repetição mecânica dos movimentos esportivos. (DARIDO, 2003, p. 3).

Nesse sentido, a educação física se consolidou no espaço escolar como uma prática excludente e reduzida aos aspectos competitivos. Quando a isso, vale considerar Adorno (2011), quanto à necessidade de elaborar o passado e, assim, não permitir sua reprodução no que nele há de pior: a exclusão dos indivíduos considerados inaptos à prática da educação física na escola.

Atualmente, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), nº 9.394 (BRASIL, 1996), a educação física é uma disciplina obrigatória do currículo escolar, na qual a expressão por intermédio do corpo é central não como um mecanismo de exclusão, mas como uma possibilidade efetiva da prática da educação física como espaço de formação e desenvolvimento social e humano de professores e alunos em um ambiente colaborativo, provocativo e estimulante com vistas à socialização e à solidariedade, em consonância com a Base Nacional Comum Curricular/BNCC (BRASIL, 2017, p. 213):

A Educação Física é o componente curricular que tematiza as práticas corporais em suas diversas formas de codificação e significação social, entendidas como manifestações das possibilidades expressivas dos sujeitos, produzidas por diversos grupos sociais no decorrer da história.

Posto isso, a importância da educação física como componente curricular obrigatório em pleno século XXI, encontra-se frente à urgência de superação da barbárie na escola, sendo um caminho profícuo também para problematização da sociedade administrada pelo capital que, a todo tempo, busca preservar o status quo em detrimento de uma sociedade justa e humana.

O referencial teórico adotado neste estudo é a teoria crítica da sociedade, tendo por objetivo analisar a proposta educacional de José Veríssimo Dias de Mattos, publicada no livro A Educação Nacional (1906), no que se refere ao seu entendimento quanto à inclusão da educação física como disciplina obrigatória no currículo escolar e nos costumes sociais e culturais do século XIX. Para isso, faz-se necessário contextualizar o lugar ocupado pela educação geral no cenário no Brasil no século XIX, como também disponibilizar informações biográficas:

José Veríssimo nasceu em Óbidos, no Pará, em 1857, e faleceu no Rio de Janeiro, em 1916, passando parte de sua vida intelectual no Pará e parte na capital da República, onde fundou e participou ativamente da Academia Brasileira de Letras (ABL) e da Revista Brasileira. O autor foi estudioso importante nas discussões sobre as consequências do colonialismo português e as tentativas frustradas de uma política republicana de educação no Brasil. Para José Veríssimo, a educação pública deveria estrategicamente superar as degenerescências raciais, especialmente localizadas nos sertões do Brasil, promovidas pela colonização. (ARAÚJO, 2010, p. 303).

Vale ressaltar que no livro ‘A Educação Nacional’, escrito em 1890, após a Proclamação da República do Brasil, há elementos que contribuem para a elaboração do passado, com o intuito de que as causas que promoveram (e seguem promovendo) o retrocesso da consciência esclarecida, possam ser enfrentadas, elaboradas e superadas. Essa possibilidade encontra-se em consonância com a urgência de se voltar ao passado buscando entender os limites sociais e suas contradições. Pois, como analisado por Adorno (2011, p. 29):

O desejo de libertar-se do passado justifica-se: não é possível viver à sua sombra e o terror não tem fim quando culpa e violência precisam ser pagas com culpa e violência; e não se justifica porque o passado de que se quer escapar ainda permanece muito vivo.

Isso contribui com a compreensão dos aspectos históricos do contexto educacional, relativos à época na qual a obra de Veríssimo foi elaborada, na qual as lutas do século XIX foram pela modernização do Brasil recém-república e a educação passou a ser considerada a força propulsora na organização da sociedade civilizada. Nesse período, segundo Silva e Martins (2006, p. 150) “Democracia, federação e educação se constituíam em categorias inseparáveis, de uma vigorosa discussão no início da República, que apontavam para a redenção do País”, que para Araújo (2010, p. 305):

Os ‘Brasis’ que sociologicamente constituíam o território nacional àquela época são pensados por Veríssimo como um entrave a ser superado pela República para a inserção do País na ordem moderna que, para ele, significava civilização, isto é: alta cultura, fundamentada nas Artes, Literatura e Ciência. Mas esta civilização almejada se efetivaria, na sua perspectiva, à medida que todos os brasileiros fossem incluídos em um projeto de unidade nacional.

Nesse sentido, para que se concretizasse a civilização pretendida, seria necessário antes constituir uma unidade nacional entre os brasileiros. Assim, a educação teria, segundo Veríssimo (1906), um papel fundamental na afirmação de sentimento pela nação. No bojo das discussões, quanto ao ensino a ser oferecido e as reformas no âmbito educacional, encontrava-se a disciplina de educação física que ainda não tinha visibilidade no Brasil e se confundia com a prática da ginástica, que foi introduzida no Brasil primordialmente com intuito de preparar fisicamente os soldados da corte, a qual era praticada em alguns estabelecimentos não formais.

A análise aqui desenvolvida tem por base a pesquisa bibliográfica, com ênfase na obra ‘A Educação Nacional’ (1906), na qual encontra-se documentado o esforço de Veríssimo pela criação da proposta de educação que atendesse à expectativa da Nação em organização e a defesa da inclusão da educação física como disciplina no currículo escolar. Para isso, consideramos outros autores contemporâneos que discutem o estado da arte da educação e da educação física no século XIX, os quais, por vezes, se utilizam também da obra de Veríssimo como referência, possibilitando pensar sobre sua importância como intelectual brasileiro, sobretudo, no constructo teórico que fundamentou a educação republicana no Brasil, em sua dimensão educativa na formação de um povo que atendesse às necessidades de modernização da época, com o objetivo de incluir os brasileiros em um projeto nacional de educação.

Na análise da obra de Veríssimo foi adotado como referencial teórico-metodológico a teoria crítica da sociedade, com ênfase na investigação social empírica, descrita por Theodor Adorno (ADORNO, 2001, p. 106), da seguinte maneira:

[…] en sus indagaciones de orientación subjetiva, se ocupará tanto de potencialidades (por ejemplo, la predisposición a ciertos tipos de propaganda) como de actualidades (por ejemplo, la opinión política manifiesta de los encuestados). Los problemas de la investigación social empírica resultan mayoritariamente del hecho de que cuanto más trasciende la simple constatación de hechos brutos, tanto más debe perfeccionar sus métodos. Pero esto no siempre es fácilmente compatible con la exigencia de objetividad. Por lo general, la investigación social empírica está dominada por una tensión, la que existe entre la relevancia, la riqueza y la sutilidad de los resultados, por una parte, y la drástica exigencia de mensurabilidad, repetibilidad y controlabilidad, por otra. El progreso científico de la investigación social empírica tiene lugar fundamentalmente a través de esta tensión.

Nos debruçamos sobre a obra de Veríssimo à luz do pensamento de Adorno (2001), com ênfase em seu estudo sobre ‘Investigación Social Empírica’, no qual destacamos que a “Análisis empírico-sociológico de productos intelectuales (content analysis) relaciona estos productos con el ámbito de la communication research: los considera desde punto de vista de la transmisión de determinados contenidos a los grupos sociales”. (p. 124). Por intermédio dessa metodologia procuramos compreender o conteúdo da obra de Veríssimo ao situá-la historicamente e, assim, tornando relevante a consciência do autor em relação a quem e a qual tempo se destina. Pois, como afirmado por Adorno (2001, p. 125) “[...] a partir de los datos se deduce la forma de conciencia de aquéllos a los que se dirige esta comunicación y a los que suele estar adaptada, o las características de los grupos responsables de la misma, su ideología y sus objetivos reales o imaginarios.”.

Ainda considerando Adorno (2001, p. 125), ao analizar um objeto de estudo por intermédio da metodología de Investigación Social Empírica “[...] ha de ser casi siempre «sistemático», «objetivo» y cuantitativo; así, por ejemplo, hay que calcular la frecuencia con la que determinadas ideas ocurren en un texto. Las características formales de tipo sintáctico y semántico también se abordan de este modo”. Consequentemente, Adorno nos apoia com seus estudos sobre Investigação Social Empírica na compreensão dos fatos históricos, das relações sociais, das consciências e ideologias, tornando relevante e necessária uma análise qualitativa como a realizada em nosso estudo sobre a obra de José Veríssimo ‘A Educação Nacional’ (1906).

A CONTEXTUALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO NACIONAL DE JOSÉ VERÍSSIMO NO BRASIL RECÉM-REPÚBLICA

Segundo Alves (2011, p. 27) é nas duas últimas décadas do século XIX que a educação assume proporção no Ocidente, no viés de desenvolver uma nação civilizada, base para uma vida em sociedade. O fundamento de uma nação bem-organizada e forte perpassava pela educação. As mudanças eram profundas em todos os âmbitos da vida social:

O avanço tecnológico proporcionado pela forma fabril de produção de mercadorias havia modificado profundamente a face do trabalho e a feição da vida urbana, com o aumento estupendo da concentração populacional, da pobreza e da exploração do trabalho.

O cenário é de mudança, a tecnologia chega e há que se criar uma nova maneira de educar e se formar como nação. A discussão do livro ‘A Educação Nacional’ se baseia na constituição de uma educação que pudesse potencializar a importância que os brasileiros deveriam atribuir ao projeto de nação que se pretendia formar. A insistência era para estimular o amor à nação, não existente antes na Monarquia, segundo Veríssimo (1906). Para Araújo (2010, p. 311):

Essa ideia de nação, e por extensão de nacionalismo moderno, tão fortemente presente em Veríssimo, tem suas raízes no romantismo de Rousseau para quem o amor à pátria é o meio mais seguro de se tornar cidadão, e a constituição do Estado moderno a via necessária para a garantia da felicidade e liberdade de todos. É por isso que Veríssimo insistirá tanto na ideia de que as raças miscigenadas são apátridas. Ele via nos grupos humanos miscigenados do Pará, por exemplo, a total ausência de sentimento pátrio ao tempo em que constatava, por parte do governo republicano, um absoluto descaso para com as condições de existência dessas populações. Como a constituição do Estado-nação era fato, portanto irremediável e por isso necessário, ele, estrategicamente, investirá em um discurso fortemente político ao colocar a educação escolar pública como a medida mais imediata e necessária do governo republicano. Mas a estratégia de Veríssimo vai mais além quando, baseado em Herder – filósofo e historiador do romantismo alemão, para quem a história constitui o homem e que, portanto, não há uma natureza que nos torne humanos –, coloca em pauta a ideia de que a nação brasileira só se constituiria como tal na medida em que produzisse uma cultura também brasileira. Por isso, ele será um árduo defensor de uma literatura brasileira. (grifo nosso).

É importante perceber algumas bases de pensamento que constituíam a reflexão de Veríssimo em torno de alguns temas centrais na sua obra, tais como o ‘amor à pátria’, a ‘nação’, a ‘educação nacional’, a ‘educação escolar pública’ e a ‘cultura brasileira’ que o permitiram pensar sobre a necessidade de criar-se uma nação brasileira, por intermédio da educação, no mais amplo sentido possível para a época.

Nesse sentido, Veríssimo relata as condições miseráveis sob as quais viviam os mestiços da Amazônia. Sobretudo, pelo processo de colonização que gerou ainda mais desigualdade social, sendo os seus contos considerados uma referência crítica nos primeiros anos de república. É nesse bojo que Veríssimo apresenta soluções e caminhos possíveis para um Brasil digno para a totalidade dos brasileiros. (ARAÚJO, 2010).

Em consonância com Araújo (2010), Alves (2011, p. 28), reafirma “O paraense José Veríssimo notabilizou-se no panorama intelectual brasileiro por seu importante trabalho de crítica literária, que repercutiu, sobretudo, nas primeiras décadas do século XX”. Assim, foi se firmando José Veríssimo como um intelectual brasileiro ainda pouco estudado na atualidade.

Para Herold Júnior (2005, p. 242), Veríssimo considerava uma grande perda de tempo o ensinamento de conteúdos desvinculados da necessidade de promover o ideal de nação brasileira. Para tal, o conhecimento teria uma finalidade:

O que se deve buscar com esses conhecimentos é o que eles têm de ‘educativo’, a capacidade de incutir em cada indivíduo o sentimento de que ele faz parte de uma ‘nação gigante’, para que a realização da riqueza social e econômica, na mesma escala da riqueza natural, seja imensa. Para isso, era preciso, urgentemente, criar a ‘educação nacional’.

A preocupação estava na formação do novo cidadão nacional e a exigência era que se organizasse uma nova maneira de viver em sociedade, à luz da educação nacional. Quanto a isso, segundo Alves (2011, p. 28):

Eram incontestáveis os benefícios provenientes das novas invenções: as locomotivas poupavam tempo de viagem; a iluminação a gás e, depois, a elétrica, aumentavam a extensão do dia; o telégrafo e o telefone encurtavam distâncias; a fotografia eternizava momentos. Os novos conhecimentos médicos descortinavam as forças invisíveis que atuavam sobre o corpo e avançavam em direção à compreensão da mente. Tudo parecia passível de se tornar objeto do conhecimento científico.

Com os avanços tecnológicos e científicos, os intelectuais se veem com um compromisso/papel na sociedade de resolver os conflitos sociais na direção de propor uma nova história para o Brasil. Civilizar o povo brasileiro era inevitável. Para Herold Júnior (2005, p. 240), a onda de civilização que se concentrava inicialmente na Europa se espalha por todo o mundo e “[...] isso resultou na pressão pela transformação das relações de trabalho que substituíram o trabalho escravo, sobre o qual a sociedade estava assentada, pelo trabalho assalariado, tal como existia nas sociedades mais avançadas”. O conhecimento se torna, assim, um importante recurso ao possibilitar interpretar o estágio que o Brasil se encontrava em termos de educação:

No Brasil será reproduzida, também, a grande discussão realizada no século XIX para diferenciar instrução de educação. Discussão essa de extrema importância para a história da pedagogia por constituir-se em um divisor de águas entre a pedagogia tradicional e a pedagogia nova. Essa questão de natureza aparentemente epistêmica encontra-se, no entanto, intimamente relacionada com a ameaça de desintegração social e com a necessidade de manter a ordem exigida para o desenvolvimento do capital. (HEROLD JÚNIOR, 2005, p. 241).

De acordo com Silva e Martins (2006, p. 151), a educação do século XIX consistia em uma proposta liberal-nacionalista-republicana-civilizatória e o livro A Educação Nacional encontra-se fundamentado em uma proposta de pensamento ideológico liberal-positivista, visto que “[...] parte do pressuposto de que a civilização e o progresso são determinados por um povo moralmente regenerado”. Nesse sentido, Veríssimo (1906, p. IX) 1 pensa que o atraso histórico é devido ao atraso moral do povo:

A história é feita com um elemento, o povo; é, pois, o povo, e não o governo quem em definitivo pode radicalmente mudar as condições de uma nação, cujos vícios e defeitos - cumpre insistir - são antes seus que dos que administram e dirigem. Sobrou, por isso, razão a quem disse, cada povo tem o governo que merece.

Sendo assim, para corrigir o atraso moral do povo, a educação torna-se relevante. No entanto, para Alves (2011, p. 43), Veríssimo (1906) não deposita toda sua esperança na escola como formadora do caráter moral. O seu projeto se pauta também em uma sociedade que educa, por isso analisa “[...] a família brasileira e as relações no interior das casas”.

Em relação ao relacionamento das crianças com as escravas é interessante notar em Veríssimo (1906, p. 74) a afirmação quanto ao carinho e a afeição que as crianças criavam ao receberem os cuidados das mucamas: “Não era raro ver meninos de oito e mais anos dormindo na mesma rede que a mucama”. Veríssimo (1906) não negava essa identificação do senhor (criança) pelo escravo, por intermédio do convívio familiar. Mas, ao mesmo tempo não se esquivava de apontar para a importância da presença da mãe tanto na alimentação, quanto nas correções de atitudes diárias para que a criança se tornasse um cidadão com retidão nas ações.

Não é a intenção de Veríssimo (1906) refletir sobre a escravidão, a família do escravo e a relação de dominação entre o escravo e o senhor. Nesse sentido, Alves (2011) atenta para a consideração de que Veríssimo (1906) é um homem do século XIX e exigir dele uma visão particular da família escrava é anacrônico:

Na sua abordagem, a população negra integrava as relações construídas no interior das casas senhoriais e ele tinha consciência de que a extinção recente do trabalho escravo não eliminaria de imediato todo um conjunto de traços culturais que tinham sido constituídos em séculos. (ALVES, 2011, p. 43).

Porém, a referida autora não desconsidera a visão evolucionista de Veríssimo (1906), a qual concordaria com o pensamento de que as ‘culturas com características tribais’ estariam atrasadas. Antes, afirma que Veríssimo “[...] valorizava o negro como guardião da cultura popular e dos valores autenticamente nacionais que ela comportava”. (ALVES, 2011, p. 43). Sendo assim, segundo Araújo (2010, p. 311):

A crítica promovida por Veríssimo era, assim, muito mais conservadora que radical; suas propostas muito mais renovadoras que revolucionárias, o que não lhe tira o mérito de ter denunciado, com conhecimento de causa, os problemas políticos dos primeiros anos de república; de ter – como nenhum outro pensador da geração da qual fez parte – descrito a dura realidade educacional do País, denunciando os equívocos das políticas de instrução pública propostas e apresentado alternativas viáveis e exequíveis de implementação para o sistema educacional à época.

É nessa concepção que encontramos em Veríssimo, uma sólida fonte de conhecimento para entender de um intelectual que viveu e refletiu sobre a instrução dada outrora e a educação nacional almejada no século XIX, o estado da arte da educação, sem perder de vista que nem o tempo e nem a história acontece de forma linear. Posto que a educação no Brasil é palco de lutas, avanços e retrocessos.

Vale ressaltar ainda a percepção de Veríssimo sobre os modelos externos. Pois, tanto Alves (2011) quanto Silva e Martins (2006) consideram como relevante característica no livro de Veríssimo (1906) para entender a sua ideia de educação nacional, embora ele se inspirasse em algumas nações constituídas, prezava pela brasilidade do povo:

O Brazil, graças à unidade de raça formada pelo franco cruzamento das três que aqui concorreram no início da nossa constituição nacional, graças a não perturbação desse primeiro resultado pela concorrência de elementos estrangeiros, assim como á unidade da língua, da religião, e, em summa, das tradições que mais puderam influir naquelle facto, isto é, as portuguezas, tem incontestavelmente mais accentuado caracter nacional que os Estados-Unidos. E semelhante facto, escrevi eu algures, nos assegura um movimento social mais lento, é verdade, porém mais firme. (VERÍSSIMO, 1906, p. XII).

Segundo Alves (2011, p. 37), “Naquele momento, algumas nações eram representadas como espécies de vitrines, onde se poderiam buscar modelos”. Entretanto, Veríssimo (1906) não buscava modelos, ele avaliava as experiências externas no que poderiam ser úteis para a realidade brasileira. Certamente, Veríssimo (1906) tem algumas nações de sua preferência: “Alguns países da Europa ocidental, assim como os Estados Unidos da América, são eleitos como campo de observação. A vizinha Argentina, que se adiantara na conformação de uma educação massiva em relação ao Brasil”. (ALVES, 2011, p. 38).

Dessa maneira, Veríssimo (1906) demonstra empenho em se voltar ao exterior na tentativa de alcançar o desenvolvimento dos países ricos: “Assim, para completar a ‘obra da revolução’, ou para alcançar os países cultos, portanto ricos, não bastava reformar o governo, mas reformar os hábitos do povo através da educação”. (SILVA e MARTINS, 2006, p. 152). O progresso e a sonhada civilização se dariam por intermédio da ação do povo com base na educação ofertada; o governo tem uma participação relativa nesse aspecto para Veríssimo (1906, p. VII):

As fórmas de governo têm um valor relativo, mesmo porque, consoante o demonstra a história e o ensinam os mais allumiados pensadores, a força progressiva das nações actúa de baixo para cima e não de cima para baixo. É no povo que reside, e é a somma de seus esforços, em qualquer ordem de phenomenos, que produz a Civilização e o Progresso.

A educação nacional seria a chave para o progresso e o desenvolvimento civilizatório, segundo Veríssimo (1906, p. X): “Para reformar e restaurar um povo, um só meio se conhece, quando não infallivel, certo e seguro, é a educação, no mais largo sentido, na mais alevantada accepção d'esta palavra”.

Com isso, não se tem por objetivo exaurir todas as contribuições que Veríssimo (1906) oferece à história da educação e nem julgar o seu empenho intelectual como politicamente correto ou não para a visão da atualidade. Fazer isso seria retrógrado. Ao contextualizar historicamente e devidamente o momento que se encontrava esse intelectual é possível perceber a sua coragem em elaborar um projeto de educação que viabilizasse a constituição de um Estado Nacional.

A EDUCAÇÃO FÍSICA E JOSÉ VERÍSSIMO

A educação física corrobora com o empreendimento de Veríssimo (1906) em organizar uma educação nacional diferente da instrução dada até o momento. Para Herold Júnior (2005, p. 244), a educação física na época era:

Dirigida pelo e para o interesse público, a educação física no Brasil, assim como em outros países, deveria unir o povo brasileiro em torno da ideia de pátria para que todos se dispusessem a trabalhar com energia para o progresso do país, integrando-o no cenário mundial.

Não é à toa que em um livro composto por oito capítulos, Veríssimo dedica o capítulo IV para discutir a educação física e o seu papel transformador na sociedade vigente. José Veríssimo, segundo Alves (2011, p. 28):

[...] desde muito cedo, e até os seus últimos dias de vida, envolveu-se com a educação de diferentes maneiras. Aos vinte e seis anos de idade, em 1883, fundou a Sociedade Paraense Promotora da Instrução e, em 1884, criou o Colégio Americano, onde introduziu os métodos de Pestalozzi, no ensino primário e de Fröebel, no Jardim de Infância, além de aulas de educação física, que eram uma inovação para a época. (grifo nosso).

Para Veríssimo (1906), a função da educação física não se basearia tão somente em exercícios ginásticos ou acrobáticos. O referido o autor enfatiza a atenção dada à educação física na Inglaterra, refletindo no sentido de tentar entender o motivo da educação física no Brasil ser tão pouco ou nada conhecida. Segundo Veríssimo (1906, p. 72), a educação física apresentava importância frente à nação que queria formar:

Como a educação espiritual (intellectual e moral) tem por fim preparar um espírito culto e bom, assim a educação physica compete formar um corpo robusto e são, completando ambas o fim superior da educação, que é tornar o homem bom, instruído e forte. A educação physica, pois, deve tomar o homem criança ainda, no berço e, através da primeira e da segunda infância, da adolescência e da mocidade, levá-lo à virilidade, que lhe cabe fazer rija e valente.

Nesse contexto, a educação física surge como relevante desde a primeira infância. Veríssimo (1906) confere atenção especial, até mesmo à fase intrauterina, sobretudo, associada à questão da higiene, inicialmente da mãe e depois para com o bebê. Por isso, segundo Veríssimo é de responsabilidade da mãe oferecer ao bebê o máximo de estímulos sensoriais e motores, o que pode ser ensinado em uma educação física que seja extremamente dirigida e ‘inteligente’.

Assim, a disciplina educação física, no bojo do processo que levaria à educação nacional, seria a responsável por aprimorar os hábitos brasileiros por intermédio de mudanças nos comportamentos físicos. Consequentemente, o que estava em debate era o modo brasileiro de viver a vida, desde a maneira que a criança recebia estímulos no ventre da mãe até a vida adulta. Portanto, a cultura brasileira, por ser considerada inferior perante à cultura estrangeira, demandava ser regenerada. Quanto a isso, Silva e Martins (2006, p. 154) afirmam ao analisar a obra de Veríssimo (1906):

Como a educação nacional era essencialmente uma ‘reeducação’ dos costumes, e isso implicava em redefinir os desejos da corporeidade brasileira através de seus hábitos motores, Veríssimo sinalizava a necessidade premente de introduzir a educação física nas escolas e principalmente nos costumes populares, não para valorizá-los, mas para corrigi-los. A Educação Física precisava corrigir o que “[...] enfraquece a nossa raça”, diz Veríssimo, tais como: o erotismo prematuro, a falta de higiene, a privação de atividade e preguiça para o trabalho. Uma Educação Física capaz de ser remédio para todas essas doenças que enfraquecem o povo brasileiro não poderia ser qualquer Educação Física, mas uma que abrangesse a Higiene.

Vale ressaltar que a postura de Veríssimo (1906), no que se refere ao modo de considerar a educação física, como apta a tornar o corpo higiênico, não deve ser compreendido como algo isolado e descontextualizado. Segundo Castellani Filho (1988), a ideia de uma educação física que se voltava para educar o físico associada à saúde do corpo é marcante no século XIX, não seria de responsabilidade de Veríssimo (1906) ir contra uma corrente positivista que assolava essa época.

De todo modo, o próprio fato de Veríssimo (1906) trazer à tona uma discussão em prol de uma educação nacional que não se desvinculasse da educação física, ainda que fosse para corrigir ‘maus hábitos’ higiênicos e morais naquele momento, não lhe tira a importância como um dos precursores da área no Brasil, ao se dedicar à criação de hábitos físicos saudáveis e, sobretudo, no esforço para a introdução dessa área de conhecimento como componente curricular nas escolas.

Segundo Veríssimo (1906, p. 75), a educação física, ao ser bem compreendida, poderia ‘preparar gerações sãs e fortes’: “É desde a primeira infância que a educação physica bem comprehendida deve começar a sua obra de preparar gerações sãs e fortes”. Nesse período, a educação física era influenciada pelos princípios militares e médicos, como afirmado por Castellani Filho (1988, p. 39):

[...] a Educação Física no Brasil, desde o século XIX, foi entendida como um elemento de extrema importância para o forjar daquele indivíduo ‘forte’, ‘saudável’, indispensável à implementação do processo de desenvolvimento do país que saindo de sua condição de colônia portuguesa, no início da segunda década daquele século, buscava construir seu próprio modo de vida. Contudo, esse entendimento, que levou por associar a Educação Física à Educação do Físico, à Saúde Corporal, não se deve exclusivamente e nem tampouco prioritariamente, aos militares. A eles, nessa compreensão, juntam-se os médicos.

Quanto à influência dos médicos na atuação da educação física, caracterizando-a como higienista, há que se contextualizar a forte interferência da Europa, que se apresenta, nesse período, como modelo culto e de referência para o desenvolvimento do povo, não exclusivamente para Veríssimo (1906). Mas, para toda uma geração de intelectuais desse período. É possível afirmar isso a partir da compreensão de que a produção acadêmica do período, elaborada em sua maioria como tese “[...] apresentada ao Colégio do Rio de Janeiro, denominação de então, da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, reflete a relevância dada à educação física pelos médicos”. (CASTELLANI FILHO, 1988, p. 39).

Segundo Castellani Filho (1988) o prestígio dos médicos ganha contornos próprios no Brasil do século XIX. Porém, é na Europa do século XVIII que essa ascensão do corpo médico assume importância, primeiramente na função higienista, ao assegurar o prestígio político no século XVIII e, posteriormente, o prestígio econômico e social no século XIX. Os médicos no Brasil começam denunciando os malefícios existentes na estrutura familiar da colônia e se autointitulavam como a categoria profissional competente para redirecionar os padrões até então vividos desde o modo de agir físico, moral e intelectual da renovada família brasileira. Com isso, há um controle da família pelos higienistas, mudando desde os seus hábitos sanitários até o comportamento social. Para dar conta disso: “[...] os higienistas lançaram mão da Educação Física, lhe definindo um papel de substancial importância, qual seja, o de criar o corpo saudável, robusto e harmonioso organicamente”. (CASTELLANI FILHO, 1988, p. 42).

Considerando Adorno (2011) e Crochík (2012), a ordenação da vida por meio da hierarquização cria estereótipos gerando dominação e violência, o que abrange também a hierarquização dos corpos no que se refere a privilegiar um corpo-modelo em detrimento de outro que seria o corpo-submisso. Dessa maneira “(...) na base de qualquer hierarquia, a ideia da dominação estaria presente”. (CROCHÍK, 2012, p. 220). Mas, exigir essa compreensão ainda não era possível à época, tal como ter o entendimento de que “(...) no estereótipo da visão de mundo oficialista delineia-se uma conformação dotada de afinidades totalitárias”. (ADORNO, 2011, p. 62).

Nesse contexto, a comparação de um corpo em relação a outro ou uma cultura em relação à outra expressa hierarquização, e, por conseguinte, uma relação de dominação e poder. A educação física, conforme a abordagem higienista, teria a função de tornar o corpo do brasileiro mundialmente aceito tendo por referência o padrão europeu que estava em pleno desenvolvimento. Assim, percebe-se em Veríssimo (1906) que a educação física com o viés higienista passa a ser discutida em vários âmbitos sociais, até mesmo em aspectos quanto à mortalidade infantil. De modo que a higiene ensinada na educação física poderia influenciar a vida em sua totalidade e, inclusive, nos índices estatísticos da mortalidade infantil no Brasil.

Consequentemente, a educação física é demonstrada na obra de Veríssimo (1906) como importante na preservação e na qualidade da vida. Assim, os hábitos necessitavam ser corrigidos e modificados respeitando os ensinamentos da higiene e da pedagogia infantil. Salienta o quão necessário é uma sociedade civilizada e, para que seja possível essa condição no Brasil, há que se preocupar com as gerações que irão ‘preparar o futuro da Pátria’. Consequentemente, a educação física tem grande influência nesse processo.

Outro importante aspecto na obra de Veríssimo (1906) é quando o autor expressa insatisfação ao ter que obter conhecimento sobre a psicologia infantil e os processos fisiológicos que alicerçam a educação física, em países estrangeiros, onde os hábitos de habitação, de vestimenta, de alimentação e de comportamento se diferenciam dos hábitos brasileiros. Ao identificar a carência no Brasil de intelectuais que estudem tal processo, se propôs a fazê-lo por intermédio da observação da realidade brasileira.

Com isso, faz um apelo aos médicos, visto que a educação física se fundamentava nos conhecimentos da medicina, para que não desconsiderassem a importância da educação física na formação da nação almejada. Veríssimo (1906, p. 80) atribui a virilidade, a força e a energia do povo inglês à prática de exercícios físicos e o fato da educação física assumir centralidade na educação do País: “Na Inglaterra, cujo povo é, incontestavelmente, o mais forte, o mais enérgico, o mais viril dos d'este fim de século, os exercícios physicos são, digamos assim, uma instituição nacional”.

Em contrapartida, expõe a importância de se aprender com os ingleses, em uma tentativa de mudar os maus hábitos do povo brasileiro próprio da ‘moleza e indolência’ brasileira. Para Silva e Martins (2006, p.152):

A educação nacional deveria despertar o sentimento de amor e obediência à pátria através da exaltação dos símbolos de poder do Estado: a bandeira nacional, o hino, o palácio do governo, o clube republicano; bem como, valorizar o ser brasileiro.

O ser brasileiro era valorizado por Veríssimo (1906), na medida em que, ele ressalta a importância de não copiar ninguém, mas da necessidade de se estudar tudo e todos em busca do conhecimento que levaria à grandeza do país.

Outra nação que toma como referência é a Suíça. Pois, se tornava relevante lembrar que a constituição do Estado Nacional perpassava pela criação e aprimoramento de bons soldados. Para isso, a vontade também deveria ser disciplinada desde a escola até a universidade: “A Suissa tem a gymnastica e os exercícios militares que ali, desde a escola até a universidade, fazem de todo o cidadão um bom soldado”. (VERÍSSIMO, 1906, p. 81). Quanto a isso, ressaltava ainda:

Em todas as demais nações onde o espírito público não dorme, senão que vela continuamente pelos interesses da pátria, tem a educação physica merecido particular interesse. Na Suécia, na Bélgica, na Hollanda, na Áustria e na Itália faz parte dos programmas escolares. (VERÍSSIMO, 1906, p. 84).

Ainda que não se possa olvidar de que Veríssimo (1906) privilegiava uma educação física higienista, que se pauta no ideário de modernização do Brasil à luz de uma complexa mistura entre positivismo, cientificismo, nacionalismo e republicanismo, é perceptível a importância que o autor confere à educação física, como necessário componente curricular da escola, apontando as necessidades da época dessa prática não somente como ginástica em locais não oficiais. Mas, também na introdução da educação física nos programas escolares.

Veríssimo (1906, p. 85) defende uma educação física que faça parte da educação nacional e dos costumes brasileiros. Salienta a importância de se continuar estudando para entender a educação física cientificamente e largamente nos seus benefícios. Assim, não abandona a ideia de ginástica. Porém, não limita a educação física à mesma:

Cuidemos da hygiene particular e individual, apenas entre nós conhecida, mas de nenhuma forma praticada. Introduzamos nas nossas escolas, nos nossos collegios e outros estabelecimentos de instrução primaria e secundaria, a gymnastica, principalmete aquella que dispensa apparelhos, os exercícios callisthenicos, as corridas, as marchas, os saltos e os jogos estrangeiros, pois não temos próprios, que melhor se adaptem ao nosso clima, ao nosso meio.

Apesar de a ginástica ser citada, o autor fala de uma ginástica que dispensa os aparelhos, “[...] numa tentativa de superar seja a ginástica de aparelhos (alemã), incentivada pelo Império, seja a ginástica dos teatros de rua, o republicanista ‘deslegitimou’ tais exercícios considerando-os antipedagógicos”. (SILVA e MARTINS, 2006, p. 155). Segundo Veríssimo (1906), a ginástica que se adequa à realidade brasileira é a sueca. Este posicionamento surge do entendimento de que a ginástica sueca tem um caráter mais corretivo de posturas e em sua idealização visa acabar com alguns vícios/hábitos sociais, objetivo naquele momento. Essa ginástica teria um cunho mais abrangente, podendo ser praticada, independente do sexo ou idade, se direcionando a todas as pessoas, adquirindo um cunho mais educativo e social, diferente da ginástica alemã, que tinha por objetivo primeiro preparar os corpos para guerra.

Veríssimo (1906, p. 90) caracteriza a educação física como poderosa influência sobre a inteligência, sobre o caráter e sobre a moral do povo:

[...] urge cuidarmos seriamente de introduzir no nosso systema geral de educação, a educação physica, e nas nossas escolas, nos nossos collegios, nas nossas academias, nos nossos costumes enfim, os exercícios de corpo, todos esses exercícios que os inglezes conhecem sob o nome colletivo de sport. A educação physica no Brazil é, em todo o rigor da expressão, um problema nacional.

Veríssimo (1906) considera a educação física um problema nacional, sobretudo, ao perceber como o filósofo inglês Herbert Spencer pensa a educação física, no livro que trata ‘sobre a educação intelectual, moral e física’. De acordo com Veríssimo (1906), o povo inglês confere centralidade aos exercícios corporais, se igualando nas escolas secundárias e superiores ao horário destinado aos trabalhos intelectuais. O que se destaca nesse contexto é a forte cisão importada entre corpo e mente que marca também a educação física no Brasil. No entanto, é interessante observar a insatisfação de Veríssimo ao sinalizar que enquanto na Europa, a educação física possui lugar de destaque, no Brasil a educação física é superficialmente conhecida. Por esse motivo, adverte que seria na segunda infância o melhor momento de começar os exercícios de corpo propriamente, salientando o “[...] máximo fautor da indisciplina moral que tanto está prejudicando o paiz”. (VERÍSSIMO, 1906, p. 78).

Nesse aspecto, é notório que Veríssimo (1906) se utiliza da educação física, como instrumento para civilizar o povo, higienizar os corpos, criar um sentimento de nação (se utilizando aqui também do esporte inglês como referência) e enfrentar a questão da indisciplina moral, inspirado na Europa. Sem negar toda e qualquer crítica que a complexidade do constructo teórico da época possa ter gerado para a disciplina da educação física, é relevante ressaltar a importância desta obra que inaugura a República no Brasil, além do esforço do intelectual brasileiro em defender a educação física, como central na elaboração e implementação de um projeto de educação nacional.

Sendo a educação física, no contexto da educação geral, um palco à parte de luta no Brasil, ela surgirá como componente curricular obrigatório em 1928, em uma proposta de Fernando de Azevedo, que previa aulas diárias para a totalidade dos alunos. E somente, em 1937, a educação física estará prevista na Lei Constitucional nº 01 da Constituição dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 10 de novembro de 1937. (CASTELLANI FILHO, 1988). E, assim, certamente, José Veríssimo faz parte dessa história que não deveria ser negada e, sim, problematizada para ser compreendida à luz das condições sociais e políticas da época.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste texto foi, com base em uma pesquisa bibliográfica, tendo como referência principal ‘A Educação Nacional’ de José Veríssimo, juntamente com outros autores contemporâneos, analisar o posicionamento de Veríssimo (1906) quanto à necessidade da introdução da educação física nas escolas e nos costumes da época, assim como formar uma ideia de educação nacional. Sendo assim, contextualizou-se a educação geral, com o intuito de refletir sobre o momento histórico no qual se encontrava o Brasil, como também as influências estrangeiras.

O contexto histórico perpassa pela saída do Brasil Monarquia para o Brasil República e o esforço se dá no sentido de elaborar um Projeto de Educação Nacional que atenda às expectativas de um Brasil Moderno. Posto que à época, a educação física foi considerada como instrumento de regeneração do povo brasileiro, ao torná-lo civilizado e moralmente aceito na esfera social mundial, por intermédio de uma educação física com caráter, prioritariamente, higienista e disciplinadora de corpos. José Veríssimo, ainda que com a devida crítica, defendeu a educação física como importante e potente no contexto da educação geral para formar uma nação e seus cidadãos.

Concluindo, a educação física pensada e proposta por Veríssimo (1906) seria um meio para se alcançar a civilidade e a disciplina do povo. No entanto, não é demais reconhecer seu esforço em torná-la uma realidade no Brasil. Para Veríssimo não havia ainda uma educação digna de ser chamada de ‘Nacional’. Sua proposta de educação física vai ao encontro de um sonho de ‘Projeto de Educação Nacional’ e, como tal, transparecer a grandeza da Pátria por ele almejada.

1Optou-se por deixar as citações de Veríssimo, conforme o original na obra de 1906, ou seja, sem fazer as correções ortográficas pertinentes ao ano de 2023.

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Recebido: Agosto de 2022; Aceito: Fevereiro de 2023

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