SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.26 número3Programa São Paulo Faz Escola: notas sobre el plan de estudios y la acción docenteO preconceito econômico-social na percepção de estudantes de odontologia: uma perspectiva crítica índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Ensino em Re-Vista

versión On-line ISSN 1983-1730

Ensino em Re-Vista vol.26 no.3 Uberlândia set./dic 2019  Epub 15-Ago-2023

https://doi.org/10.14393/er-v26n3a2019-12 

Artigos

A neurociência na formação inicial de professores: uma investigação científica

Neuroscience in initial teacher education: continuation of a scientific research

Márcia Gorett Ribeiro Grossi1 
http://orcid.org/0000-0002-3550-6680

Eliane Silvestre Oliveira2 
http://orcid.org/0000-0002-6711-485X

Fabiane Angélica de Aguiar3 
http://orcid.org/0000-0001-5458-9998

1 Doutora em Ciências da Informação. Professora do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. marciagrossi01@gmail.com.

2 Mestre em Educação Profissional e Tecnológica. Secretaria Estadual de Educação - MG, Belo Horizonte, MG, Brasil. silvestreeliane@yahoo.com.br.

3 Mestranda em Educação Tecnológica. Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. biany2005@gmail.com.


Resumo

Este artigo objetivou verificar se os cursos de Pedagogia no Brasil têm preparado os professores para o uso da neurociência nas suas práticas escolares. Assim, foi repetida a pesquisa Neurociência na formação de professores: um estudo da realidade brasileira, desenvolvida por Grossi et al. em 2013, para identificar o que mudou, passados seis anos. A metodologia empregada foi a análise de conteúdo com abordagem qualitativa. Os resultados encontrados mostram que no Brasil ainda é pequena a influência da neurociência na sala de aula, pois dos 1.317 cursos de Pedagogia e do Programa especial de formação pedagógica de docentes pesquisados, apenas 7,97% possuem disciplinas de neurociência e correlatas. Então, a realidade percebida há seis anos é a mesma e, continua a necessidade de mudança nas matrizes curriculares destes cursos, incluindo disciplinas que preparem os professores para aplicarem os conhecimentos da neurociência em suas salas de aula, norteando suas condutas pedagógicas.

Palavras-chave: Neurociências; Curso de Pedagogia; Formação de professores; Processo ensino e aprendizagem; Matrizes curriculares

Abstract

This article aimed at verifying if Pedagogy courses in Brazil have prepared teachers to use neuroscience in their school practices. Thus, the research Neuroscience in teacher training: a study of the Brazilian reality, developed by Grossi et al. in 2013, has been reapplied to identify what has changed after six years. The methodology used was content analysis with a qualitative approach. According to the results found, in Brazil, the influence of neuroscience in the classroom has been ignored still, since among the 1,317 Pedagogy courses and the Special pedagogical training teaching programs assessed, only 7.97% of them included neuroscience and related subjects. So the reality perceived six years ago is still the same and, the need for change in the curricula of these courses remains, including subjects that prepare teachers to apply neuroscience-related knowledge in their classrooms, guiding their pedagogical behaviours.

Keywords: Neuroscience; Pedagogy courses; Teaching courses; Teaching and learning processes; Curriculum

Introdução

Uma pergunta que todo professor faz, ou deveria fazer a si mesmo é: Como melhorar o aprendizado do aluno? Porém, antes de responder a essa pergunta é fundamental responder outra: Como aprendemos alguma coisa? Se conseguirmos responder a 2ª pergunta, a chance de encontrar a resposta para a 1ª será maior.

Os conhecimentos sobre a neurociência têm permitido encontrar caminhos para estas respostas. Atualmente já se sabe que “a aprendizagem e a mudança comportamental têm um correlato biológico, que é a formação e consolidação das ligações sinápticas entre as células nervosas” (CONSEZA; GUERRA, 2014, p. 39); ou seja, existe uma relação forte entre o cérebro e a educação. Além disso, sabe-se que não existem dois cérebros iguais, cada indivíduo possui um cérebro único e singular.

De acordo com Valizadeh et al. (2018) o cérebro humano possui uma arquitetura individual dirigida por genes, ambiente e experiências específicas, bem como a combinação desses três fatores. Portanto, a anatomia do cérebro depende de diversos fatores, tais como, experiência, aprendizagem, gênero, etnia, idade, inteligência, traços de personalidade, doenças psiquiátricas e status social. Assim, os autores apontam que cada indivíduo possui uma assinatura cerebral.

Concluise-se, então, que a maneira como as informações chegam ao cérebro, como são identificadas, processadas e organizadas é diferente para cada pessoa. Consequentemente, a forma como as pessoas pensam e aprendem também é diferente, estando de acordo com suas aptidões, habilidades e deficiências próprias. Logo, o ato de aprender está relacionado diretamente com o cérebro e seus estímulos. Esta ideia fica evidenciada em Tabaquim (2003):

O cérebro é o órgão privilegiado da aprendizagem. Conhecer sua estrutura e funcionamento é fundamental na compreensão das relações dinâmicas e complexas da aprendizagem. Na busca pela compreensão dos processos de aprendizagem e seus distúrbios, é necessário considerar os aspectos neuropsicológicos, pois as manifestações são, em sua maioria, reflexo de funções alteradas. (TABAQUIM, 2003, p. 91).

É neste sentido que Amaral (2016) apresenta a expressão século do cérebro para explicar a aproximação da educação com a neurociência:

É no século do cérebro que está emergindo uma nova interpretação do sujeito que aprende - dotado de um sistema nervoso que se modifica a partir de suas aprendizagens; marcado por emoções que possibilitam que ele aprenda certos conteúdos, em detrimento de outros; constituído por limitações e por possibilidades de ordem biológica. (AMARAL, 2016, p.102).

Portanto, pode-se dizer que a biologia pode moldar o comportamento de um indivíduo, mas este comportamento também pode transformar o cérebro, provocando uma reorganização nas redes neurais, porque o cérebro se modifica através da formação de novas sinapses de acordo com suas aprendizagens. Desta forma, é inquestionável a importância da aplicação dos conhecimentos da neurociência nos processos de ensino e aprendizagem.

A partir destas compreensões, em 2014 foi publicada uma pesquisa de Grossi et al., a qual foi desenvolvida em 2013, cujo objetivo foi verificar se os cursos de Pedagogia e dos Programas Especiais de Formação Pedagógica de docentes no Brasil tinham em suas grades curriculares disciplinas sobre os conhecimentos da neurociência, bem como identificar as publicações acadêmicas sobre o tema pesquisado. Dentre as principais conclusões desta pesquisa destaca-se:

A neurociência ainda não está presente oficialmente na formação dos pedagogos. De acordo com os resultados desta pesquisa, constatou-se que dos 352 cursos de Pedagogia pesquisados, apenas 6,25% contemplavam as disciplinas de neurociência e correlatas. Além disso, verificou-se que de todas as instituições brasileiras pesquisadas que oferecem o Programa Especial de Formação Pedagógica para Docentes, nenhuma possui disciplina relacionada com a neurociência, o que permite concluir que o estudo da neurociência na educação ainda não é uma realidade nos cursos de Pedagogia nem nos cursos de formação especial de professores. (GROSSI et al., 2014, p.38).

Grossi et al. (2014) consideraram este resultado preocupante e indicaram no final da pesquisa a necessidade de rever as matrizes curriculares dos cursos da área da educação, uma vez que o conhecimento sobre como funciona o cérebro humano é fundamental para proporcionar aos professores uma abordagem mais científica do processo de ensino e aprendizagem, como aponta Guerra (2010).

A fim de verificar se esta realidade ainda persiste, o objetivo deste estudo foi repetir a pesquisa Neurociência na formação de professores: um estudo da realidade brasileira, desenvolvida por Grossi et al. em 2013, após passados seis anos e verificar o que mudou desde então.

Acredita-se que para responder as duas perguntas apresentadas no início deste artigo é crucial que os professores tenham em sua formação conteúdos sobre o funcionamento do cérebro, uma vez que os educadores são “como psicólogos, neurologistas ou psiquiatras são, de certa maneira, aqueles profissionais que mais trabalham com o cérebro” (CONSEZA; GUERRA, 2014, p. 07).

Referencial Teórico

Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação curricular do professor

Em tempos de discussões sobre a implantação da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada e implantada pelo Ministério da Educação (MEC) por meio da Resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) / Conselho Pleno (CP) nº 2, de 22 de dezembro de 2017, a formação de professores no Brasil tem sido pauta de discussões focadas em debater que tipo de formação deverá ser oferecida aos professores. Sob esta perspectiva, Gatti (2014) afirma:

A formação dos professores tem sido um grande desafio para as políticas educacionais. Inúmeros países vêm desenvolvendo políticas e ações agressivas na área educacional cuidando, sobretudo, dos formadores, ou seja, dos professores, que são os personagens centrais e mais importantes na disseminação do conhecimento e de elementos substanciais da cultura. (GATTI, 2014, p.35).

Assim, uma das ações que já está em andamento é a execução de diretrizes, metas e estratégias previstas a partir do lançamento das 20 metas do Plano Nacional da Educação (PNE), através da Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, que deverá ser cumprida no decênio 2014-2024. Dentre tais metas previstas, a qualidade da formação de professores, bem como a capacitação desses profissionais fazem parte das metas contidas no documento (BRASIL, 2014).

Até meados do ano de 2018 os cursos de formação de professores seguem se orientando na publicação do ano de 2006, feita através da Resolução do CNE /CP nº 1, de 15 de maio de 2006, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura, com objetivo primordial, segundo o Art. 1º, de definir princípios, condições de ensino e de aprendizagem, bem como procedimentos a serem observados no planejamento e avaliação, efetuados pelos órgãos dos sistemas de ensino e pelas instituições de educação superior do país, segundo os termos explicitados nos Pareceres CNE/CP nº 5, de 13 de dezembro de 2005 e nº 3, de 21 de fevereiro de 2006 (BRASIL, 2006).

Desde então, conforme Art. 2º das DCN, tais diretrizes aplicam-se à formação inicial para o exercício da docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal e, em cursos de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos (BRASIL, 2006).

Quanto à carga horária dos cursos, estes terão carga horária mínima prevista de 3.200 horas organizadas em uma estrutura curricular que deverá respeitar a diversidade nacional e a autonomia pedagógica de cada instituição, prevendo três núcleos de estudos: I - um núcleo de estudos básicos que priorizará o estudo da literatura relativo às demandas sociais bem como suas realidades, respeitando a diversidade e a multiculturalidade do Brasil; II - um núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos voltado a atuação profissional; III - um núcleo de estudos integradores que tem como objetivo o enriquecimento curricular (BRASIL, 2006).

Portanto, a partir desses núcleos o egresso deverá segundo o parágrafo dois do Art. 2º das DCN, a partir de estudos teóricos e práticos, investigação e postura crítica estar apto ao planejamento, execução e avaliação do processo educativo. E ainda, ser capaz da [...]- a aplicação ao campo da educação, de contribuições, entre outras, de conhecimentos como o filosófico, o histórico, o antropológico, o ambiental-ecológico, o psicológico, o linguístico, o sociológico, o político, o econômico, o cultural (BRASIL, 2006).

No que se refere especificamente às disciplinas que envolvem os conhecimentos da neurociência, as diretrizes não tratam o assunto de forma direta. Porém, alguns apontamentos merecem destaque, como em um dos itens contidos nas atribuições do profissional da educação, Art. 5º das DCN, no qual o egresso do curso deverá dentre outras atribuições, demonstrar aptidão para:

II - compreender, cuidar e educar crianças de zero a cinco anos, de forma a contribuir, para o seu desenvolvimento nas dimensões, entre outras, física, psicológica, intelectual, social;

V - reconhecer e respeitar as manifestações e necessidades físicas, cognitivas, emocionais, afetivas dos educandos nas suas relações individuais e coletivas;

X - demonstrar consciência da diversidade, respeitando as diferenças de natureza ambiental-ecológica, étnico-racial, de gêneros, faixas geracionais, classes sociais, religiões, necessidades especiais, escolhas sexuais, entre outras; [...] (BRASIL, 2006, online).

Nesta linha de pesnamento, Oliveira (2011) comenta que sabendo que o cérebro é uma estrutura moldável pelos estímulos ambientais e, onde funções cognitivas tais como percepção, atenção, memória e linguagem ocorrem, “é essencial conhecer seu funcionamento para ajudar o aluno a aprender” (OLIVEIRA, 2011, p.18). Não possuir tal conhecimento científico “afeta diretamente a maneira como o ensino é dirigido dentro das salas de aula”, sendo essa falta de conhecimento “altamente prejudicial aos professores”, visto que se trata de um desconhecimento acerca do objeto de trabalho desses educadores: o cérebro (CARVALHO; BOAS, 2018, p. 237).

No caso de alunos com necessidades especiais, a falta de conhecimento acerca da neurociência aplicada à educação pode até mesmo dificultar a criação de um projeto pedagógico que institucionalize o atendimento educacional especializado á esses alunos.

Outro ponto importante das DCN quanto à estrutura dos cursos, se refere ao 1º núcleo (de estudos básicos), o qual deverá haver [...] d) utilização de conhecimento multidimensional sobre o ser humano, em situações de aprendizagem; e ainda, [...] e) aplicação, em práticas educativas, de conhecimentos de processos de desenvolvimento de crianças, adolescentes, jovens e adultos, nas dimensões física, cognitiva, afetiva, estética, cultural, lúdica, artística, ética e biossocial;[...] (BRASIL, 2006).

Todas estas ponderações vão ao encontro das teorias do desenvoilvimento da aprendizagem. Pereira, Amparo e Almeida (2006) lembram que autores clássicos dentro da Pedagogia trataram desta questão: Jean Piaget, com a perspectiva cognitivista e a ideia de que a inteligência se desenvolve em uma sequência de estágios ou períodos relacionados com a idade e, que marcarão o surgimento de formas de organização da atividade cognitiva. Já Henri Wallon integra afetividade e cognição, demonstrando que não só a afetividade, mas também as atividades motoras, são decisivas no desenvolvimento e, Lev Vygostky com a teoria sobre as estruturas mentais e sociais do indivíduo, apontam que estas estruturas interferem em seu desenvolvimento, havendo transições entre os diferentes estágios do desenvolvimento mental, como a zona de desenvolvimento proximal.

Outro autor que se preocupou em compreender o processo de desenvolvimento e aprendizagem foi David Ausubel, para ele a concepção de ensino e aprendizagem segue na linha oposta à dos behavioristas e, a aprendizagem deve ser significativa e reconfigurar as ideias já existentes na estrutura mental dos alunos, os quais devem ser capazes de relacionar os novos e velhos conteúdos.

Os conceitos de David Ausubel são compatíveis com a teoria do desenvolvimento cognitivo de Jean Piaget, pois para ambos o aluno é o sujeito de sua aprendizagem e depende de seus conhecimentos prévios. David Ausuble também dialoga com as ideias de sociointeracionista de Lev Vygostky, pois para os dois autores o precisa também da interatividade com o meio para que a aprendizagem seja significativa.

Em consonância com as teorias mencionadas, Cosenza e Bezerra (2014) afirmam que o desenvolvimento de certas áreas do cérebro se dá a partir da interação com o mundo exterior, podendo a falta de estimulação ser prejudicial ao desenvolvimento cerebral, tanto em suas dimensões psicológicas como cognitivas. A junção desses saberes permite a aquisição do conhecimento multidimensional a que se refere o 1º núcleo das DCN.

No que tange ao 2º núcleo (de aprofundamento e diversificação de estudos), está previsto que deverá ser oportunizado [...] c) estudo, análise e avaliação de teorias da educação, a fim de elaborar propostas educacionais consistentes e inovadoras. [...] (BRASIL,2006). Carvalho e Boas (2018) atentam para o fato de que os professores de hoje são os alunos de outrora, formados dentro de um modelo educacional tradicional e credencialista que precisa ser revisto. Da mesma forma, os alunos de hoje, que se encontram inseridos em um modelo ainda muito semelhante aos já citados, “serão futuramente os professores, formados dentro desse modelo” (CARVALHO; BOAS, 2018, p. 236).

Estes autores defendem que, para resolver tal questão, dentre outras coisas, a educação deve ser entendida como uma ciência cognitiva e, para tal, “faz sentido que, durante o processo de formação dos professores, bases biológicas do aprendizado sejam debatidas” (CARVALHO; BOAS, 2018, p. 238). Portanto, é determinante educar os professores nesta área do conhecimento e, não apenas em suas disciplinas especificas. Morin (2017) reforça essa ideia afirmando que os professores precisam sair de suas disciplinas para dialogar com outros campos do conhecimento. É preciso que a organização dos conteúdos presentes nas matrizes curriculares dos cursos da área da educação proporcione um saber pedagógico ancorado no entendimento cognitivo dos alunos.

Aliando a essa visão, recorre-se mais uma vez a BNCC, que definiu um conjunto de 10 competências que devem ser desenvolvidas ao longo da educação básica. Estas foram elaboradas a partir dos direitos éticos, estéticos e políticos assegurados pelas DCN e de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores essenciais para a vida no século XXI. As 10 competências são: 1ª Conhecimento; 2ª Pensamento científico, crítico e criativo; 3ª Repertório cultural; 4ª Comunicação; 5ª Cultura digital; 6ª Trabalho e Projeto de Vida; 7ª Argumentação; 8ª Autoconhecimento e autocuidado; 9ª Empatia e cooperação e 10ª Responsabilidade e cidadania.

Dentre estas competências, chama-se atenção neste estudo, para duas: a 8ª e 9ª que estão relacionadas ao Cuidar de sua saúde física e emocional, reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas e; Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, respectivamente. Estas são capacidades mentais, que como a memória, concentração e raciocínio fazem parte do campo de estudo da neurociência. No caso da empatia, sabe-se que a área cerebral chamada córtex insular anterior está diretamente relacionada à capacidade de perceber o que os outros estão sentindo.

Portanto, a BNCC ao colocar duas competências para a formação dos alunos, que estão relacionadas diretamente com o funcionamento do cérebro, está sinalizando a importância do dialogo da neurociência com a educação.

Neurociência e aprendizagem

Apesar da neurociência ser um campo vasto de pesquisa que existe desde o século III a.c., quando os primeiros estudos anatômicos do cérebro foram inaugurados por Herophilus (335-280 a.C.) e Erasistratus (310-250 a.C.) (HERCULANO-HOUZEL in LENT, 2016, p.4), esse campo de estudos só se popularizou mais a partir da chamada Década do Cérebro (anos 90). Logo, o interesse de diversas áreas de conhecimento pelos estudos neurocientíficos ainda é bem recente, sendo que a neurociência pode ser definida como “o conjunto das disciplinas estudadas pelos mais variados métodos, o sistema nervoso e a relação entre as funções cerebrais e mentais” (HERCULANO-HOUZEL in LENT, 2016, p.3).

Cabe destacar que, nesta pesquisa o foco de investigação foi a abrangência da neurociência cognitiva, que está relacionada com as capacidades mentais mais complexas como a linguagem, a autoconsciência, a memória, entre outras. Ressalta-se que o objetivo da neurociência na educação não é propor uma nova pedagogia, mas apontar caminhos e metodologias mais adequadas no desenvolvimento da educação (GROSSI et al., 2014).

Aliado a essa visão, Kandel et al. (2014) afirmam que a aprendizagem decorre de várias alterações que acontecem nos neurônios, sendo essa, um dos domínios da neurociência cognitiva, assim como a percepção, ação, motivação, atenção e memória. Para o autor “o principal objetivo da neurociência cognitiva é compreender as representações neurais dos processos mentais”, e que em sua abordagem, deve ser utilizada “uma combinação de métodos de várias disciplinas”, envolvendo todas as grandes áreas mencioandas anteriormente (KANDEL et al., 2014, p. 327-328). Percebe-se aqui a estreita relação entre educação e neurociência. Tal vínculo fica evidenciado em Relvas (2016):

(...) entende-se que o ato de aprender é uma modificação de comportamento que envolve a mente e o cérebro, sendo, dessa forma, a Neurociência fundamentada como a ciência do cérebro e a educação como a ciência do ensino e da aprendizagem. Assim, as duas se relacionam por proximidade devido à importância que o cérebro tem no processo de aprendizagem do indivíduo. (RELVAS, 2016, p. 199).

Não obstante, cabe dizer que conhecer o funcionamento do cérebro humano é salutar no contexto escolar, visto que “a aprendizagem resulta de um processo integrado que provoca uma transformação na estrutura mental daquele que aprende” (MIGLIORI, 2013, p. 77). No entanto, Cosenza e Bezerra (2014) alertam para o fato de que, no Brasil, a maior parte dos educadores não aprendem sobre o funcionamento do cérebro (COSENZA; BEZERRA, 2014).

Migliori (2013) complementa que “os modelos de educação que temos praticado não estão orientados para conhecermos nosso cérebro, nossa mente e compreender como a aprendizagem os transforma” (MIGLIORI, 2013, p. 37) e, Relvas (2016) faz menção a uma anatomia da aprendizagem, cujas principais áreas e estruturas estão sintetizadas no Quadro 1.

Quadro 1: Principais áreas e estruturas anatômicas da aprendizagem. 

Áreas e estruturas Funções
Lobos corticais Lobo Frontal Responsável pelo planejamento e pela execução dos atos motores voluntários. Nele está incluído o córtex pré-frontal.
Lobo Parietal Envolvido na recepção, interpretação e processamento das informações sensoriais.
Lobo Temporal Relacionado à memória, audição, processamento e percepção de informações sonoras, e capacidade de entender a linguagem.
Lobo Occipital Especializado no processamento e na percepção visual.
Àreas funcionais Área motora Comportamento motor voluntário.
Área somestésica Base do esquema corporal, recebe informações sensitvias do corpo.
Área auditiva Detecta estímulos auditivos.
Área visual Detecta estímulos visuais.
Área olfatória Detecta estímulos olfativos.
Área de Broca Responsável pelo planejamento e formação das palavras.
Área de Wernicke Área de compreensão da linguagem.
Estruturas límbicas Amígdala Regula os processos emocionais.
Hipocampo Envolvido com os fenômenos da memória de longo prazo.
Tálamo Tem como função a reatividade emocional do homem.
Hipotálamo Controla o comportamento emocional e condições internas do corpo.
Núcleo acumbente Centro do circuito de recompensa do cérebro, responsável pela motivação.
Córtex Pré-Frontal Envolvido na organização do comportamento e das funções cognitivas (atenção, memória etc) e executivas.

Fonte: Própria, com base em Relvas (2015); Cosenza e Bezerra (2014); Migliori (2013).

A despeito dessa relação entre neurociências e educação, Bartoszeck (2006, p.3) afirma que “a neurociência investiga o processo de como o cérebro aprende e lembra, desde o nível molecular e celular até as áreas corticais”. Assim, toda esta compreensão reforça que os saberes das neurociências são imprescindíveis para a prática pedagógica.

Metodologia

Neste estudo teve-se como base o mesmo caminho metodológico da pesquisa realizada sobre a Neurociência na formação de professores: um estudo da realidade brasileira, desenvolvida por Grossi et al. em 2013, a fim de repeti-la após seis anos. Assim, a metodologia empregada foi a análise de conteúdo com uma abordagem qualitativa com enfoque descritivo. A pesquisa foi produzida em quatro etapas:

1ª etapa: Nesta etapa, realizada em 2018, foi feito o levantamento das matrizes curriculares de todos os cursos de Pedagogia de instituições públicas e privadas das cinco regiões brasileiras, bem como dos cursos do programa especial de formação pedagógica de docentes. Para este levantamento foram considerados os cursos nas modalidades presencial e a distância, desde que atendessem aos seguintes critérios:

• Fossem cursos credenciamento no MEC, com dados disponíveis na plataforma e-MEC do mesmo órgão.

• Houvesse um site que disponibilizasse o acesso às matrizes curriculares dos cursos.

2ª etapa: Foi feita a análise, em 2018, nas 1.317 matrizes curriculares encontradas na 1ª etapa desta pesquisa, procurando verificar se nestas haviam disciplinas relacionadas com o tema neurociência. Para tal, foram utilizados os seguintes descritores: neurociência; neuroeducação; neurocognição; neuropsicologia; neurológicos; neurolingúistica; neurobiologia; neuropsicopedagogia; neuroalfabetização; neuro; mente; cérebro, biologia educacional; e saúde mental e educação.

3ª etapa: Foi realizada, no 1º semestre de 2019, uma análise documental a partir do acesso ao portal do MEC, com o intuito de verificar se de 2014 até 2019 (a escolha deste período de tempo é para dar continuidade na pesquisa de Grossi et al. 2013) houve novas legislações que dispusessem sobre as DCN dos cursos de formação de professores bem como de graduação em Pedagogia, que abordassem o tema neurociências.

4ª etapa: Foi realizada no 1º semestre de 2019 uma investigação no banco de dados do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) para identificar o que tem sido produzido sobre a presença da neurociência na formação dos educadores, entre os anos de 2012 e 2018 nas universidades públicas e particulares brasileiras. Os descritores adotados para a busca foram: formação de docentes e a neurociência; neurociência e educação; neuroeducação; neurociência e processos educativos; e neurociências e cursos de Pedagogia.

Resultados e análise dos dados

A apresentação dos resultados, bem como suas análises, foi agrupada em quatro itens, de acordo com as etapas da metodologia.

1ª etapa: Foram consultados 1.815 sites de instituições de ensino, cujo foco foi as matrizes curriculares dos cursos Pedagogia, mas a pesquisa ocorreu em 1.317 matrizes curriculares, pois apenas estas atendiam aos critérios estabelecidos na metodologia deste artigo.

Quando se compara o número de matrizes curriculares selecionadas em 2017 com o das matrizes da pesquisa de cinco anos atrás (que foi 352), percebe-se que houve um aumento de 274,2%. Este resultado indica um crescimento no número de cursos de Pedagogia e do Programa especial de formação pedagógica de docentes. Porém, é importante chamar a atenção para o fato de que ainda existem muitos cursos que não foram computados nesta pesquisa, nem na de Grossi et al. (2014) realizada em 2013, por não serem credenciados pelo MEC e/ou por não disponibilizarem, em seus sites, suas matrizes curriculares.

Das 1.317 matrizes curriculares selecionadas, 10,94% pertenciam às instituições da Região Norte; 20,19% Nordeste; 12,22% da Centro-Oeste; 40,69% da Sudeste e 15,96% da Região Sul. Ressalta-se que a quantidade de instituições em cada região foi condizente com o número de instituições credenciadas pelo MEC em cada uma dessas regiões, exatamente como ocorreu na pesquisa realizada por Grossi et al. (2014) em 2013.

2ª etapa: As 1.317 matrizes curriculares selecionadas na 1ª etapa foram analisadas com o objetivo de verificar a existência de disciplinas relacionadas com a neurociência e áreas correlatas. No Quadro 2 tem-se o resultado encontrado.

Quadro 2: Disciplinas relacionadas com a neurociência e as matrizes curriculares dos cursos de Pedagogia 

Região Nº de instituições pesquisadas Nº de instituições que contemplam a neurociência nas matrizes curriculares Disciplinas
Norte 144 3 Biologia da Educação / Fundamentos Biológicos / Fundamentos Biológicos da Educação
Nordeste 266 14 Aprendizagem: Aspectos Psiconeurológicos, Afetivos e Cognitivo / Biologia Educacional / Conscienciologia, Inteligenciologia/ Fundamentos Biológicos da Educação / Fundamentos da Neurofisiologia e Neuropsicologia / Fundamentos Transtornos do Neurodesenvolvimento / Neurociências Aplicadas à Educação / Neurociências e Aprendizagem / Neurociência e Desenvolvimento do Cérebro / Neurociência e Educação Transtornos do Neurodesenvolvimento
Centro - Oeste 161 13 Biologia Educacional / Dimensão Biológica e Psicomotora da Aprendizagem / Distinções da Aprendizagem e Neuropsicologia / Fundamentos Biológicos / Fundamentos da Neurofisiologia e Neuropsicologia / Neurociência e Aprendizagem / Seminário Integrador: Neurociência e Aprendizagem./ Transtornos do Neurodesenvolvimento.
Sul 210 35 Andragogia e Neurociência / Bases Biológicas da Aprendizagem / Bases Neuropsicológicas do Desenvolvimento Humano / Biologia e Aprendizagem Humana / Biologia da Educação / Biologia educacional / Desenvolvimento Neuropsicomotor / Fundamentos Biológicos e Psicopedagógicos da Aprendizagem / Fundamentos Bio-psicológicos da Educação / Fundamentos das Neurociências / Fundamentos da eurofisiologia e Neuropsicologia / Fundamentos Neurobiológicos da Aprendizagem / Fundamentos Neuropsicológicos e Déficit Cognitivo / Fundamentos Psicopedagógicos e / Psiconeurológicos da Aprendizagem / Implicações da Biologia no Processo Educativo / Neurociências e Aprendizagem. /Neurociência / Neurolinguística e Aprendizagem / Neuropsicologia / Psicologia da Educação - Aspectos neuropsicológicos e afetivos / Transtornos do Neurodesenvolvimento.
Sudeste 536 40 Biologia Aplicada a Educação / Biologia Básica. Biologia da Educação / Biologia da Educacional / Biologia do Desenvolvimento / Cérebro, Mente e Sociedade / Ciências Biológicas e Evolução / Comunicação com Ênfase em Neurolinguística. /Desenvolvimento Biológico da Criança e Prevenção / Educação e Neurociência / Fundamentos Biológicos da Educação / Fundamentos Biológicos do Desenvolvimento Infantil / Fundamentos da Biologia e Saúde / Fundamentos Biológicos de Desenvolvimento Humano / Neurociência / Neurociência e Aprendizagem / Neurociência e Educação / Neurodesenvolvimento Infantil Neuroeducação / Neurofisiologia / Neurolinguística / Neuropsicologia do Desenvolvimento e Educação / Neuro-aprendizagem / Problemas de Aprendizagem e Neurociência / Tópicos Especiais em Biologia e Educação.

Fonte: Dados da pesquisa (2019).

Na 1ª pesquisa em 2013, apenas 6,25% das instituições pesquisadas contemplavam as disciplinas de neurociência e correlatas nas suas matrizes curriculares, considerado na época pouco expressivo. Na pesquisa atual, cinco anos após a 1ª pesquisa, este número foi de 7,9%, ou seja, a presença de disciplinas sobre o tema neurociências nos cursos que formam os professores apresentou um tímido avanço. O resultado fica mais preocupante quando se compara com o aumento de cursos de Pedagogia e dos Programas especial de formação pedagógica de docentes, que no mesmo período entre as duas pesquisas teve um aumento de 274%. Com este número a mais de cursos, esperava-se que o número de disciplinas em suas matrizes curriculares sobre o tema neurociências, fosse mais satisfatório do que os 7,9% encontrados.

Portanto, esta realidade mostra que estamos longe do que prega Bartoszeck (2006) ao sustentar que os conhecimentos da neurociência oferecem um grande potencial a ser aplicado nas salas de aula. Como apresentado no Quadro 1, entender as estruturas anatômicas do cérebro e suas funções relacionadas à aprendizagem são quesitos importantes, se não urgentes, para uma prática pedagógica mais eficaz e inclusiva. A compreensão de que processos emocionais, estímulos diversos, atos motores, processamento de informações e formação de memórias, bem como a atenção e a motivação, por exemplo, partem de um aparato biológico sustentado por várias estruturas cerebrais, é crucial inclusive para auxiliar na identificação de casos de transtornos de aprendizagem.

Além disso, o achado da atual pesquisa mostra que Cosenza e Bezerra já falavam em 2014 que no Brasil, a maior parte dos educadores não aprendeu sobre o funcionamento do cérebro. Assim, como esperar que as escolas não fiquem na contramão da biologia? Como esperar que as estratégias utilizadas para ensinar respeitem a individualidade de cada cérebro? Como não desprezar os ensinamentos da neurociência? Pois, inegavelmente, existe um diálogo entre as teorias da aprendizagem e a neurociência.

3ª etapa: A pesquisa realizada no site do MEC resultou na identificação das seguintes legislações aprovada após o ano de 2013, legislações essas relativas à organização da estrutura curricular dos cursos de formação de docentes para a educação básica (Quadro 3).

Quadro 3: Legislação sobre a formação de professores para a Educação Básica 

Legislação Data Descrição
Parecer CNE/CP nº 6/2014 2 de abril de 2014 Dispõe sobre as DCN para a Formação de Professores Indígenas.
Resolução CNE/CP nº 1/2015 7 de janeiro de 2015 Institui DCN para a Formação de Professores Indígenas em cursos de Educação Superior e de Ensino Médio e dá outras providências.
Parecer CNE/CP nº 2/2015 9 de junho de 2015 Dispõe sobre as DCN para a Formação Inicial e Continuada dos Profissionais do Magistério da Educação Básica.
Resolução CNE/CP nº 2/2015 1º de julho de 2015 Define as DCN para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada.
Parecer CNE/CP nº 10/2017 10 de maio de 2017 Proposta de alteração do Art. 22, da Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de julho de 2015, que trata das DCN para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada.
Resolução CNE/CP nº 1/2017 9 de agosto de 2017 Altera o Art. 22 da Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de 2015, que define as DCN para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada.
Resolução CNE/CP no 3/2018 3 de outubro de 2018 Altera o Art. 22 da Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de 2015, que define as DCN para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada.

Fonte: Dados da pesquisa (2019).

Ao analisar as informações do Quadro 3, concluiu-se que o Parecer CNE/CP nº 6/2014 e a Resolução CNE/CP nº 1/2015 referem-se especificamente à organização da formação docente para professores indígenas, com vistas a suas atuações nas etapas e modalidades da Educação Escolar Indígena. Dessa forma não mencionam mudanças nos currículos para formação de professores.

Quanto ao Parecer CNE/CP nº 2/2015 bem como a Resolução CNE/CP nº 1/2015 definem as DCN para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada, sendo que os cursos de formação de professores que se encontram em funcionamento deverão se adaptar conforme o Art. 22º do documento das DCN/2015, a esta Resolução no prazo de dois anos, a contar da data de sua publicação, ou seja, até o mês de julho do ano de 2017.

No entanto, segundo o Parecer CNE/CP nº 10/2017, bem como a Resolução CNE/CP nº 1/2017 publicada em 9 de agosto de 2017, houve uma aprovação de alteração no Art. 22 da Resolução CNE/CP nº 2/2015, definindo novo prazo para adaptação dos cursos: [...] Art. 22. Os cursos de formação de professores, que se encontram em funcionamento, deverão se adaptar a esta Resolução no prazo de três anos, a contar da data de sua publicação (BRASIL, 2017). Dessa forma o prazo estendeu-se até o mês de julho de 2018. Porém, este prazo foi alterado pela Resolução CNE/CP no3/2018.

Contudo ao analisar a nova Resolução que define as DCN para a formação de professores, ressalta-se que um dos grandes objetivos do documento é a necessidade de articular as DCN para a Formação Inicial e Continuada, em Nível Superior e as DCN para a Educação Básica, tendo como foco manter os princípios que norteiam a base comum nacional para a formação inicial e continuada (BRASIL, 2015).

Ainda ao comparar o documento das DCN para o curso de Pedagogia, instituído pela Resolução CNE/CP nº1/2006, com a Resolução CNE/CP nº 2/2015 que institui as novas diretrizes para a formação inicial e continuada de professores, nota-se que não há nenhuma alteração quanto a inserção de conteúdos específicos relativos à área da neurociência. Apenas um acréscimo no que diz respeito ao Art. 12º do referido documento quanto ao segundo núcleo de estudos previsto para o curso. No item II - núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos das áreas de atuação profissional prevê-se entre uma das possibilidades a: [...]d) Aplicação ao campo da educação de contribuições e conhecimentos, como o pedagógico, o filosófico, o histórico, o antropológico, o ambiental-ecológico, o psicológico, o linguístico, o sociológico, o político, o econômico, o cultural (BRASIL, 2015).

Portanto, em linhas gerais a formação de professores seja ela inicial ou continuada, continua prevendo a inserção de outras áreas de conhecimento para um aprofundamento e diversificação dos estudos dos professores. Quanto a formação de pedagogos, cabe ressaltar aqui que, após o ano de 2013 não houve nenhuma alteração em específico na legislação, no que diz respeito às Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia. Desta forma, ainda aplica-se a Resolução CNE/CP nº 1 do ano de 2006.

4ª etapa: O resultado da pesquisa foi a identificação de 1.169 trabalhos, sendo 801 dissertações de mestrado acadêmico e 368 teses de doutorado, desenvolvidos em universidade públicas e particulares nas cinco regiões brasileiras. Após a leitura destes trabalhos verificou-se que apenas 71 trabalhos (48 dissertações de Mestrado Acadêmico e 23 teses de doutorado) tinham relação com o tema pesquisado. Vale ressaltar a não ocorrência de trabalhos, quando o nível de pesquisa foi o Mestrado Profissional, revelando que o interesse por esta temática tem prevalecido no Mestrado Acadêmico e no Doutorado.

Quando se compara este resultado com os da 1ª pesquisa, cujo número total de trabalhos (dissertações e teses) foram 38 em 12 anos (de 2000 a 2011), percebe-se um aumento no interesse sobre o tema, uma vez que nos últimos seis anos (de 2012 a 2018) o número de trabalhos foi para 71. Vale observar que mesmo com este aumento, o número de pesquisas acerca do tema, ainda não é expressivo. Talvez, devido ao fato de que as “interlocuções entre educação e neurociências é algo novo”, como constou Amaral (2016, p.17) em sua pesquisa de doutorado.

Conclusão

As perguntas apresentadas no início deste artigo: Como melhorar o aprendizado do aluno? Como aprendemos alguma coisa? Podem ser respondidas de maneira mais contundente: os caminhos para melhor o aprendizado dos alunos podem ser mais esclarecedores se os docentes comprrenderem os princípios da neurociência e de sua aplicação nas salas de aula, norteando as procedimentos pedagógicas escolares.

Entretanto, de acordo com os resultados encontrados nesta atual pesquisa, no Brasil continua-se ignorando a influência da neurociência no processo de ensino e aprendizagem, uma vez que dos 1.317 cursos de Pedagogia e do Programa especial de formação pedagógica de docentes pesquisados, apenas 7,97% tinham disciplinas de neurociência e correlatas.

Este resultado pode estar relacionado ao fato da carência de dispositivos legais que oriente as instituições de ensino no sentido de organizarem suas matrizes curriculares para inserirem conteúdos específicos relativos à área da neurociência nos cursos de formação de professores.

Desta forma, esta nova pesquisa reforça o que foi concluído na primeira pesquisa de Grossi et al. realizada em 2013: a necessidade de uma mudança nas matrizes curriculares dos futuros professores, pois é pelos ensinamentos da neurociência que será possível propiciar um melhor entendimento sobre o funcionamento do cérebro e, assim, contribuir para a melhoria na educação.

Porém, ainda existe a esperança que este panorama venha melhorar. Em 2017 o MEC sinaliza preocupação com essa questão quando a BNCC, ao apresentar as competências necessárias para a formação dos alunos da educação básica, inclui duas que estão diretamente relacionadas com a neurociência. Assim, para que o professor possa estar capacitado para trabalhar estas competências em sala de aula, é preciso que o currículo do curso de sua formação inicial contemple disciplinas sobre o funcionamento do cérebro humano.

No que diz respeito à produção nacional que envolve a neurociência na educação, esta ainda se encontra tímida, pois apenas 71 pesquisas foram desenvolvidas em seis anos (de 2012 a 2018) nos mestrados e doutorados. Este número é pequeno frente à importância que as pesquisas têm no sentido de que estas visam a melhoria e a evolução das áreas do conhecimento, fortalecendo-as, conseguem resolver questões da sociedade através de novas descobertas e, proporcionando uma movimentação acadêmica em torno de um tema quando divulgam seus resultados. Por isso, quanto mais pesquisas sobre a neurociência na sala de aula forem desenvolvidas, mais pessoas poderão ser despertadas para a importância desta causa.

Neste sentido, alguns autores acreditam que a tendência é o crescimento de pesquisas sobre este tema, como Amaral (2016, p. 24) ao afirmar que “esforços em estabelecer interlocuções entre a Educação e as Neurociências começam a ganhar fôlego efetivamente a partir dos primeiros anos do século do cérebro.”

Referências

AMARAL, Jonathan Henriques do. Educação no século do cérebro: análise de interlocuções entre Neurociências e Educação a partir dos Estudos da Ciência. 2016. 127 f. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016. [ Links ]

BRASIL. Casa Civil. Lei nº13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o plano nacional de educação - PNE e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm . Acesso em: 31 mai. 2019. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Parecer CNE/CP nº 5, de 13 de dezembro de 2005. Aprova as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia. Brasília. 2005. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pcp05_05.pdf . Acesso em: 24 mar. 2019. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Resolução CNE/CP nº 1, de 15 de maio de 2006. Institui diretrizes curriculares nacionais para o curso de graduação em Pedagogia. Brasília, DF, 2001. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf . Acesso em: 24 mar. 2019. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Resolução CNE/CP nº 1, de 9 de agosto de 2017. Altera o Art. 22 da Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de 2015, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/agosto-2017-pdf/70141-rcp001-17-pdf/file . Acesso em: 24 mar. 2019. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Parecer CNE/CP nº 10 de 2017. Altera o Art. 22, da Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de julho de 2015, que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/publicacoes-para-professores/30000-uncategorised/45901-2017-pareceres-do-conselho-pleno . Acesso em: 31 mai. 2019. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Resolução CNE/CP nº 3, de 03 de outubro de 2018. Altera o Art. 22 da Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de 2015, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/outubro-2018-pdf-1/98131-rcp003-18/file . Acesso em: 30 jun. 2019. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Fundamentos pedagógicos e estrutura geral da BNCC. Brasília, DF, 2017. Disponível em: https://curtlink.com/QyL647f . Acesso em: mai. 2019. [ Links ]

BARTOSZECK, A. B. Neurociência na educação. Revista Eletrônica Faculdades Integradas Espírita, v. 1, p. 1-6, 2006. [ Links ]

CARVALHO, D.; BOAS, C. A. V. Neurociências e formação de professores: reflexos na educação e economia. Ensaio: aval.pol.públ.Educ ., Rio de Janeiro, v. 26, n.98, p. 231-247, 2018. [ Links ]

COSENZA, R.M.; BEZERRA, L. G. Neurociência e educação: como o cérebro aprende. Porto Alegre: Artmed, 2014. [ Links ]

GROSSI, M.G.R; LOPES, A.M.; COUTO, P.A. Neurociência na formação de Professores: Um estudo da realidade brasileira. Revista da FAEEBA - Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 41, p. 27-40, 2014. [ Links ]

GUERRA, L. B. Como as neurociências contribuem para e educação escolar? FGR em revista, Belo Horizonte, ano 4, n. 5, p. 6-9,. 2010. [ Links ]

HERCULANO-HOUZEL, S. Uma breve história da relação entre o cérebro e a mente. In: LENT, R. (Coord.). Neurociência da Mente e do Comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. [ Links ]

INSTITUTO BRASILEIRO DE INFORMAÇÃO EM CIÊNCIA E TECNOLOGIA - IBICT. Biblioteca Digital de Teses e Dissertações. 2019. Disponível em: http://bdtd.ibict.br/vufind /. Acesso em: 12 mai. 2019. [ Links ]

KANDEL, E. R. et al. Princípios de neurociências. Porto Alegre: AMGH, 2014. [ Links ]

LENT, R. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais de neurociência. São Paulo: Editora Atheneu, 2010. [ Links ]

MARKOVA, Dawna. O natural é ser inteligente: padrões básicos de aprendizagem a serviço da criatividade e educação. São Paulo: Summus, 2000. [ Links ]

MIGLIORI, R. Neurociências e educação. São Paulo: Brasil Sustentável Editora, 2013. [ Links ]

MORIN, Edgar. É preciso educar os educadores. Revista Fronteiras do pensamento, online, 2017. Disponível em: https://www.fronteiras.com/entrevistas/entrevista-edgar-morin-e-preciso-educar-os-educadores . Acesso em: 31 mai. 2019. [ Links ]

OLIVEIRA, G. G. Neurociências e os processos educativos: um saber necessário na formação de professores. Uberaba, 2011. Disponível em: https://www.uniube.br/biblioteca/novo/base/teses/BU000205300.pdf . Acesso em: 31 mai. 2018. [ Links ]

PEREIRA, M. A. C. M.; AMPARO, D. M.; ALMEIDA, S. F. C. O brincar e suas relações com o desenvolvimento. Psicologia Argumento, v. 24, n. 45, p. 15-24, 2006. [ Links ]

RELVAS, M. Neurociência do aprendizado e a sala de aula. In: METRING, R.; SAMPAIO, S. (Org.). Neuropsicopedagogia e aprendizagem. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2016. [ Links ]

TABAQUIM, Maria L. M. Avaliação Neuropsicológica nos Distúrbios de Aprendizagem. In: CIASCA, Sylvia Maria (Org.). Distúrbio de aprendizagem: proposta de avaliação interdisciplinar. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. [ Links ]

VALIZADEH, S. A. et al. Identification of individual subjects on the basis of their brain anatomical features. Scientific Reports, v.8, n.5611, 2018. [ Links ]

Recebido: 1 de Janeiro de 2019; Aceito: 1 de Agosto de 2019

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons