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Ensino em Re-Vista

versão On-line ISSN 1983-1730

Ensino em Re-Vista vol.29  Uberlândia  2022  Epub 08-Jun-2023

https://doi.org/10.14393/er-v29a2022-28 

DOSSIÊ 2: ENSINAR E APRENDER GEOGRAFIA EM TEMPOS DE HIPERCONECTIVIDADE E POLARIZAÇÃO DE IDEIAS

Educação geográfica e ensino remoto: a relação dos jovens escolares com a escola na atualidade

Educación geográfica y teleeducación: la relación de los jóvenes escolares con la escuela en la actualidad

Carolina Machado Rocha Busch Pereira1 
http://orcid.org/0000-0002-6296-0096

Helder Gomes Costa2 
http://orcid.org/0000-0002-6007-6053

Ana Andreza Araújo Serpa3 
http://orcid.org/0000-0002-1976-0128

1Doutora em Geografia. Universidade Federal do Tocantins, Porto Nacional, TO, Brasil. E-mail: carolinamachado@uft.edu.br.

2Mestrando em Geografia. Universidade Federal do Tocantins, Porto Nacional, TO, Brasil. E-mail: helder.costageo@hotmail.com.

3Mestranda em Geografia. Universidade Federal do Tocantins, Porto Nacional, TO, Brasil. E-mail: anaandreza13@gmail.com.


RESUMO

Impulsionados por conhecer como os estudantes estão lidando e enfrentando as questões escolares no contexto da pandemia, este artigo apresenta reflexão acerca da educação geográfica em ensino remoto e a relação dos jovens escolares com a escola na atualidade. Os dados coletados em 2021 e analisados neste artigo contemplam 301 estudantes do 6º ao 9º ano e da 1ª a 3ª série do ensino médio de 7 escolas nos municípios tocantinenses de Almas, Gurupi, Porto Nacional e Palmas. A pesquisa revelou que 71% dos estudantes consideraram proveitosas as atividades realizadas durante a pandemia, mas apenas 20% consideram que o ensino remoto foi importante para o aprendizado. A pesquisa refutou a hipótese de que os estudantes não queriam retornar ao ambiente escolar, posto que 81% dos estudantes desejam retornar às atividades escolares de forma presencial.

PALAVRAS-CHAVE: Educação geográfica; Ensino Remoto; Jovens escolares

RESUMEN

Impulsado por conocer cómo los estudiantes están lidiando y enfrentando los problemas escolares en el contexto de la pandemia, este artículo presenta una reflexión sobre la educación geográfica en la educación remota y la relación de los jóvenes estudiantes con la escuela en la actualidad. Los datos recogidos en 2021 y analizados en este artículo incluyen a 301 alumnos de 6º a 9º grado y de 1º a 3º de bachillerato de 7 colegios de los municipios de Almas, Gurupi, Porto Nacional y Palmas. La encuesta reveló que el 71% de los estudiantes consideró fructíferas las actividades realizadas durante la pandemia, pero solo el 20% consideró que el aprendizaje a distancia es importante para el aprendizaje. La encuesta refutó la hipótesis de que los estudiantes no quieren regresar ya que el 81% de los estudiantes quieren regresar a las actividades escolares en persona.

PALABRAS CLAVE: Educación geográfica; Enseñanza remota; Escolares jóvenes

ABSTRACT

Motivated by knowing how students are dealing with and facing school issues in the context of the pandemic, this article presents reflection on geographic education in remote education and the relationship of young students with school today. The data collected in 2021 and analyzed in this article include 301 students from 6th to 9th grade and from 1st to 3rd grade of high school from 7 schools in the municipalities Almas, Gurupi, Porto Nacional and Palmas. The research revealed that 71% of the students considered the activities performed during the pandemic to be useful, but only 20% considered that remote education was important for learning. The research refuted the hypothesis that students do not want to return to the school environment, since 81% of students wish to return to school activities in person.

KEYWORDS: Geographical education; Remote Teaching; Young students

Introdução

A pandemia que se impôs ao mundo em 2020 fez com que milhões de brasileiros adotassem um padrão de comportamento confinado, isolado e com atividades virtuais. A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou em 11 de março de 2020 a pandemia de Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2).

A pandemia revelou a precariedade das estruturas do sistema de saúde brasileiro, a falta de diretrizes para lidar com as novas necessidades da população, e a falta de empatia do governo federal em lidar com o cenário desolador de hospitais lotados e sem equipamentos para atender a população. Para além de questões de saúde, a pandemia do novo coronavírus tornou ainda mais evidente o abismo entre os sistemas de educação dos países ricos, e países em desenvolvimento. As disparidades que separam ricos de pobres e negros de brancos ficaram mais evidentes no ensino brasileiro. Um dos problemas mais sérios e estruturais identificados neste período foi a falta de acesso à internet para assistir às aulas on-line.

A ausência de um projeto de nação pelo Governo Federal foi revelada em meio a pandemia. O Brasil, diferente de muitos outros países, não foi conduzido por um projeto de contenção do contágio orientado pelo governo federal, muito menos presenciamos a apresentação de um projeto econômico para o Brasil em tempos de pandemia. Os primeiros meses foram marcados por ações governamentais silenciosas, no sentido de apagar a crise política causada pelas questões de saúde pública.

Testemunhamos a produção de uma nova história no mundo, nos países e nos lugares. Um evento que é uma expressão do atual período da globalização, caracterizado pela influência acelerada de fatores originados supra Estados nacionais.

Diante do cenário imposto pela pandemia, algumas questões nos inquietaram e nos motivaram para a realização da pesquisa que, no presente texto, apresentamos os resultados. Qual a avaliação dos estudantes sobre as aulas de Geografia, realizadas em ensino remoto em razão da pandemia? Como os estudantes lidaram e enfrentaram a pandemia e o ensino remoto? Quais foram as dificuldades e as facilidades encontradas pelos estudantes para estudar durante a pandemia?

Impulsionados pelas questões norteadoras, este artigo apresenta reflexão acerca da educação geográfica em ensino remoto e a relação dos jovens escolares com a escola na atualidade.

Percursos e trajetórias metodológicas

Considerando que atuamos profissionalmente nos municípios tocantinense de Almas, Gurupi, Porto Nacional e Palmas e temos relações acadêmicas com escolas públicas e privadas nesses lugares, realizamos a pesquisa com os estudantes do 6º ao 9º ano e do 1º ao 3º ano do ensino médio em 7 escolas de 4 municípios do Estado do Tocantins/BR, conforme pode ser observado na Figura 1.

Fonte: SERPA, A. A. A. & COPETTI, W. L. F. (organizadores), SEPLAN, Secretaria de Planejamento e Orçamento do Estado do Tocantins. 2021.

FIGURA 1: Localização da área de pesquisa 

A coleta de dados foi realizada por meio de um formulário elaborado em aplicativo gratuito de gerenciamento de pesquisas, que permite a coleta de informações sem a necessidade de encontro presencial com os estudantes. Foi incluído no questionário o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido, que consiste em um documento elaborado em linguagem acessível, buscando orientar o estudante participante da pesquisa com uma descrição sucinta e objetiva da pesquisa, além das justificativas, objetivos esperados, vantagens, desvantagens e riscos sobre as questões da pesquisa em foco. O questionário foi elaborado sem identificação individual, evitando assim a necessidade de aprovação no Comitê de Ética de Pesquisa (CEP), conforme previsto no Parágrafo Único do Art. 1º da Resolução CNS nº 510/16, que dispensa de avaliação de pesquisas que “cujas informações são agregadas, sem possibilidade de identificação individual” (inciso V do Art. 1º da Resolução CNS nº 510/16).

A coleta de dados ficou disponível por quinze dias consecutivos no mês de agosto de 2021 e a divulgação da pesquisa foi realizada junto aos professores das escolas participantes. Os estudantes que participaram da pesquisa eram em sua grande maioria oriundos de escolas públicas, conforme mostra a Figura 2.

Fonte: Elaborado pelos autores.

FIGURA 2: Distribuição de estudantes pelo perfil das escolas. 

Entre as 7 escolas participantes dos 4 municípios, temos em torno de um mil estudantes e obtivemos retorno de 301 respostas, conforme a Figura 3 em que apresenta a distribuição dos estudantes que responderam à pesquisa pelas cidades participantes.

Fonte: Elaborado pelos autores.

FIGURA 3: Origem dos participantes da pesquisa. 

A idade dos 301 estudantes que participaram da pesquisa varia de 10 a 20 anos, sendo que a maioria está concentrada entre 15 a 18 anos (Figura 4), que se caracteriza como alunos do ensino médio (Figura 5).

Fonte: Elaborado pelos autores

FIGURA 4: Idade dos participantes 

Fonte: Elaborado pelos autores.

FIGURA 5: Distribuição dos participantes pelas séries estudadas 

Consideramos que um estudo adquire maior credibilidade quando consegue combinar as abordagens quantitativas e qualitativas, isto porque amplia horizontes e permite reflexões com maior lastro acadêmico. A modalidade de pesquisa quali-quantitativa segundo Knechtel (2014, p. 106) “interpreta as informações quantitativas por meio de símbolos numéricos e os dados qualitativos mediante a observação, a interação participativa e a interpretação do discurso dos sujeitos”, em outras palavras a pesquisa teórico-metodológica baseada em dados e análises permite ênfase na abordagem dialógica como pressuposto da aprendizagem.

Nesse sentido, a pesquisa quantitativa está ligada ao dado imediato, que nesta pesquisa procura refletir sobre as questões norteadoras iniciais buscando as respostas da pesquisa empírica somadas a reflexão qualitativa que procura compreender quem são os estudantes, o que pensam, como estão convivendo com o ensino remoto e como estão lidando com a pandemia.

Jovens escolares, ensino remoto e educação geográfica

Compreender a relação entre os estudantes e o ensino de Geografia não é uma tarefa fácil. Compreender esta relação no atual momento, configura-se como um enorme desafio posto que não possível aos pesquisadores estarem no lócus da investigação, presentes, juntos e acompanhando as reações dos estudantes diante das aulas, das atividades, das leituras e das situações geográficas colocadas no âmbito da sala de aula. Ainda que o desafio seja hercúleo, acreditamos que é fundamental acompanhar as mudanças que estão em curso e observar e acompanhar o mais próximo os estudantes para compreender a questão central da pesquisa. Qual a avaliação dos estudantes para as aulas de Geografia realizadas em ensino remoto, em razão da pandemia? Essa foi a questão essencial que guiou o caminho da pesquisa.

Ensino remoto

É fato que com a pandemia ocasionada pela Covid-19, a educação foi fortemente afetada, principalmente pela instabilidade das relações sociais e a necessidade de manter as atividades em ensino remoto. As escolas foram compelidas a adaptar seu cotidiano de acordo com a realidade local, na qual muitas unidades não contam com uma rede de acesso à internet e nem tampouco são dotadas de equipamentos e aparatos tecnológicos necessários para se manterem diante das necessidades de comunicação remota.

Moreira, Henriques e Barros (2020), afirmam que a suspensão das atividades letivas e a necessidade de garantir a continuidade de estudos, obrigou professores e estudantes a migrarem, inesperadamente, para a realidade de atividades online, transferindo e transpondo metodologias e práticas pedagógicas típicas dos territórios físicos de aprendizagem, para o que tem sido denominado de ensino remoto de emergência.

A suspensão das atividades letivas presenciais por quase todo o mundo impôs aos gestores educacionais em geral e aos professores e estudantes em particular, o desafio de uma adaptação e transformação, até então, inimagináveis obrigando-os a um novo modelo educacional, sustentado pelas tecnologias digitais e pautado nas metodologias da educação online. (VIEIRA; SILVA, 2020, p. 1014)

Para Santos e Zaboroski (2020, p. 43) “a pandemia COVID-19 trouxe para alunos e professores um sentido de urgência e adaptação (...) e frente aos novos desafios, a necessidade maior é de estabelecer um elo entre a rotina de isolamento e a continuidade do ensino”.

Nesse cenário surge um questionamento: como os estudantes e professores conseguiram se adaptar à nova realidade frente ao despreparo e a não habilidade tecnológica essencial para validar a prática de ambos? A resposta inicial para este questionamento está estabelecida na prática do improviso, em vista a tão imediata transição do modelo presencial para o modelo remoto.

Nossa hipótese, quando indagamos o acesso dos estudantes a rede mundial de internet, era a de que os mesmos não possuíam acesso regular. Para nossa surpresa os alunos responderam, conforme pode ser observado na figura 6, que a grande maioria, o equivalente a 60% dos entrevistados, possuem acesso à internet com fibra óptica.

Fonte: Elaborado pelos autores.

FIGURA 6: Acesso a rede de internet. 

Mas este dado coletado e apresentado na figura 6 sobre o acesso a rede de internet é em parte invalidada, ou no mínimo questionada, diante do retorno dos estudantes à questão sobre os dispositivos utilizados pelas escolas e professores. O retorno massivo de uso do telefone celular (Figura 7) nos colocou uma dúvida de pesquisa que somente poderia ser solucionado com o contato presencial, mas como isso não foi possível, queremos apenas ponderar que talvez os estudantes não tenham tanta clareza do que representa acesso por fibra óptica. Mas independente do equívoco no retorno ao acesso, fato é que os alunos revelam que o dispositivo mais usado é o celular com 65%.

Fonte: Elaborado pelos autores.

FIGURA 7: Dispositivos usados pelos estudantes. 

É fato que neste período de ensino remoto os professores se reinventaram todos os dias, ultrapassando as paredes da sala de aula para uma câmera de vídeo, e muitos, transformaram-se em verdadeiros Youtubers4, produzindo videoaula e utilizando sistemas de videoconferência e plataformas que não foram desenvolvidas para a sala de aula mas, foram rapidamente adaptadas para os encontros síncronos de aula, como: Google Meet, Zoom, Skype, Hangout, Microsoft Teams entre outros. A Figura 8 apresenta a realidade dos encontros entre estudantes e professores que foram realizados de forma virtual para a grande maioria neste período.

Fonte: Elaborado pelos autores.

FIGURA 8: Formas de encontro das turmas com os professores 

Em relação aos meios de comunicação utilizados pelos estudantes, a Figura 9 apresenta que grande parte desses contatos entre professores e alunos foram realizados por meio do aplicativo WhatsApp.

Fonte: Elaborado pelos autores.

FIGURA 9: Meios de comunicação utilizado entre professores e alunos. 

Na Figura 10 podemos conhecer as formas de atividades realizadas pelos estudantes durante o distanciamento social e com isso é possível identificar que grande parte dos estudantes recebiam roteiros de estudos, principalmente voltados para leitura de textos e resoluções de questões impressas.

Fonte: Elaborado pelos autores.

FIGURA 10: Atividades de Geografia realizadas durante a pandemia 

A pesquisa permitiu identificar o comprometimento dos estudantes quanto à entrega das atividades. A Figura 11 revela que a maioria dos estudantes entregaram todas as atividades sem atraso.

Fonte: Elaborado pelos autores.

FIGURA 11: Entrega de atividades.  

O livro didático que é muitas das vezes o único recurso didático utilizado pelo professor em sala de aula, durante a pandemia, perdeu o protagonismo, e foi pouco utilizado (Figura 12), e esse fato se justifica em razão das escolas terem recolhido os livros dos alunos e armazenado os mesmos nas escolas.

Fonte: Elaborado pelos autores.

FIGURA 12: Utilização do livro didático 

O questionário online procurou relacionar o ensino de Geografia com a pandemia da Covid-19. Na Figura 13 é possível observar que os alunos reconhecem que por meio da Geografia é possível entender a realidade que assolou todo o mundo em relação ao enfrentamento dos desafios da pandemia.

Fonte: Elaborado pelos autores.

FIGURA 13: É possível compreender a pandemia por meio da Geografia? 

Quando questionados sobre a importância da Geografia no ensino remoto, podemos observar que a Figura 14 revela que ampla maioria concorda que as atividades de Geografia realizadas durante a pandemia foram proveitosas.

Fonte: Elaborado pelos autores.

FIGURA 14: Importância das aulas de Geografia durante a pandemia 

Ao tratar sobre as experiências das atividades remotas, durante a pandemia, cerca de 51% afirmaram não ter gostado da experiência (Figura 15).

Fonte: Elaborado pelos autores.

FIGURA 15: Experiências de atividades remotas durante a pandemia 

Na Figura 16 podemos observar que muitos alunos afirmaram que as atividades realizadas durante a pandemia ajudaram a manter contato com o professor, porém grande parcela desses estudantes também afirmou que as atividades foram cansativas. Vale ressaltar também que 20% dos alunos disseram que o ensino remoto foi importante para o aprendizado e nos surpreendeu o retorno de 31% dos estudantes que reconhecem a relevância das atividades para manter o contato com a escola.

Fonte: Elaborado pelos autores.

FIGURA 16: Atividades realizadas durante a pandemia 

Sobre o interesse dos alunos em retornar às aulas presenciais, na Figura 17 podemos observar que 81% demonstraram o desejo de retornar às atividades escolares de forma presencial, o que contribui para desmistificar que os estudantes não gostam da escola. A pesquisa confirma que eles gostam da escola e sentem falta das atividades presenciais.

Fonte: Elaborado pelos autores.

FIGURA 17: Retorno das atividades presenciais na escola. 

Silva (2020) reflete que além de tentarem transformar professores em Youtubers em tão pouco tempo, a pandemia também impôs uma carga de trabalho mais elevada e sem a devida infraestrutura, isto porque muitos professores e também estudantes tiveram dificuldades em disputar em seus próprios lares um lugar reservado para o trabalho e que pudesse ser utilizado para aulas, reuniões, encontros e ensino síncrono.

Em síntese, a situação impôs aos professores e estudantes condições que em muitos casos não foram superadas para poder acompanhar as atividades escolares e para outros tantos foram dificuldades que apesar de terem sido contornadas, dificultaram o processo de ensino e aprendizagem das crianças e adolescentes na educação básica.

Professores que não foram preparados para um ensino remoto e nem tampouco apresentados aos aparatos tecnológicos em suas formações docentes iniciais tiveram dificuldades na estruturação das atividades online. Associado a isso, Modelski et. Al. (2019, p. 06), lembra que em “uma sociedade na qual a informação e a comunicação são as principais engrenagens que movem as relações no mundo, o desenvolvimento de competências na formação docente merece um olhar especial.” Sobre as dificuldades enfrentadas perante os recursos tecnológicos, Miranda et al (2020), aponta que:

É necessário considerar que a utilização de ferramentas tecnológicas é um mecanismo que permite a ampliação das atividades humanas em todas as esferas sociais, sobretudo na educação. Por essa razão, a opção de mais relevância nessa situação de pandemia, é a utilização de mecanismos presentes na Educação à Distância (EaD), como a utilização das TDIC, para atuar como meio de comunicação entre estudantes e docentes, possibilitando com que não exista interrupção nos estudos, permitindo a realização de um Ensino Remoto emergencial. (MIRANDA et al, 2020, apud MÉDICI; TATTO; LEAO 2020)

Por sua vez, Manfio (2020) mostra que a educação no quadro de isolamento social e suspensão das atividades presenciais ainda que a passo lentos, foi superando desafios, como “as desigualdades digitais, a falta de domínio tecnológico de alguns docentes, a dificuldade de avaliação escolar, a rotina escolar em casa, entre outros.” De fato, o evento representou um desafio ao sistema de ensino em geral.

A educação geográfica e os sentidos da aprendizagem

Na última década houve um acelerado crescimento de pesquisas sobre o ensino de Geografia. Esse movimento revela o interesse de diversos pesquisadores sobre a afirmação da Geografia como componente curricular (CAVALCANTI, 2016; PINHEIRO, 2005). Ao mesmo tempo, esse período é marcado pela ampliação de discussões teóricas e metodológicas que corroboram na construção de uma educação geográfica pautada na alfabetização científica, na investigação, problematização e argumentação.

A educação geográfica objetiva a construção do raciocínio geográfico pelo estudante (ROQUE ASCENÇÃO, 2020). Esse raciocínio deve promover aos alunos a compreensão do mundo do presente. Estamos falando de um mundo dinâmico, plural, desigual e complexo. Um mundo que necessita ser entendido pelos jovens. Por essa razão, a Geografia tem muito o que ensinar sobre este mundo que está em movimento e com tantas contradições.

Conforme aponta Castellar (2017) é na escola que os alunos têm a oportunidade de desenvolver conhecimento historicamente construídos pela ciência, ou seja, a escola é um lugar de construção do conhecimento científico e aprendizado. Na escola e por meio da Geografia o estudante pode aprender a ler, entender e viver neste novo mundo, que é cada vez mais dinâmico e diverso. Essa compreensão é marcada pela realidade global, que infelizmente é cada vez mais perversa para grande parte da população mundial. Segundo Callai (2005) a tarefa da Geografia na escola é oportunizar ao estudante conhecer o mundo do presente.

A sociedade atual vem passando por diversas transformações, sobretudo porque as pessoas estão diante de uma infinidade de novos objetos técnicos. Por esse motivo, estamos vivendo em um mundo com novas relações sociais, novas formas de lidar com os objetos e novas maneiras de acessar as informações disponíveis.

O mundo globalizado atual é complexo e acumula e expõe desigualdades de toda ordem, especialmente no que tange aos aspectos da educação no Brasil. Diante de tantos desafios, a educação básica na atualidade deve buscar a formação integral, ou seja, formar cidadãos prontos para viver no mundo do presente. Essa formação só será possível se conseguirmos formar um cidadão autônomo, com consciência ética, política, ambiental e humana, e nisto a Geografia tem uma contribuição relevante no processo de aprendizagem.

Diversos autores discutem o papel da Geografia na educação básica e para Castellar e Moraes (2011)

(...) o fundamental para a Geografia escolar é possibilitar ao aluno uma aprendizagem no sentido da consciência geográfica, entendendo a localização dos lugares e fenômenos e, a partir disso, podendo raciocinar geograficamente, compreendendo a ordenação territorial, a espacialidade e/ou a territorialidade dos fenômenos, a escala social de análise. Os conceitos geográficos devem ser considerados permeados pela dinâmica da sociedade, porque quaisquer que sejam as ações metodológicas, elas devem proporcionar ao aluno condições para ler o mundo (CASTELLAR & MORAES, 2011, p. 134).

Nesse sentido, o fazer da Geografia na escola pelos professores está diretamente relacionado ao estudo das categorias e conceitos e a utilização de metodologias de ensino capazes de ajudar o aluno a compreender o mundo do presente.

É essencial que esta leitura de mundo seja feita a partir dos aportes teóricos desta disciplina, com a utilização de categorias, conceitos e princípios do raciocínio geográfico.

Conforme assinalam Castellar e De Paula (2020, p. 317), “a Geografia é, em primeiro lugar, um conhecimento poderoso”. O sentido da Geografia nas escolas é justamente esse, fazer com que o aluno compreenda a Geografia como significativa e essencial para sua formação.

Considerações finais

Considerando que o cenário das escolas foi interpelado pela migração do ambiente educativo presencial para o virtual, sem que tivesse tempo de se adaptar as estruturas técnicas necessárias, fato importante é que os estudantes tiveram que assumir a corresponsabilidade por sua aprendizagem.

E por isso a pesquisa procurou investigar como os estudantes lidaram e enfrentaram o ensino remoto. Apesar das escolas terem promovido contato durante a pandemia, as atividades deste período não foram suficientes para assegurar e garantir aprendizagem, foi o que revelou a pesquisa com os estudantes. Portanto é importante que no cenário de planejamento do retorno das atividades as escolas considerem a necessidade de rever e avaliar as condições dos estudantes.

Um fato que nos surpreendeu com a pesquisa realizada foi constatar que, apesar de todos os percalços vividos durante o ensino remoto, a escola ainda é o lugar da aprendizagem, e este fato é reconhecido pelos estudantes que desejam, em sua grande maioria - 71% - retornar tão logo seja possível, aos bancos escolares.

Os estudantes apontaram algumas facilidades oferecidas pelo formato remoto, como a redução de locomoção, mas também destacaram a dificuldade de adaptar ao ambiente em especial pela restrita interação entre professor e estudante e principalmente a ausência da convivência coletiva, que é algo tão próprio das crianças e jovens e tão característicos dos ambientes escolares.

A experiência vivenciada durante a pandemia com o ensino remoto revelou que o ensino híbrido permitiu que as escolas promovessem (ainda que em alguns lugares de maneira muito precária) a continuidade das atividades e do contato com os estudantes.

Esse modelo de ensino que já vinha sendo aplicado em muitas escolas, e certamente vai fazer parte de muitas instituições. E o ensino híbrido com atividades remotas assíncronas e atividades presenciais síncronas mediadas e facilitadas pelo uso das tecnologias na educação e pela internet é uma forma complementar para oferecer experiências e dinâmicas para a aprendizagem. Isso traz mais autonomia, mas é fato que as escolas precisam de um suporte de tecnologia para que o ensino híbrido funcione de modo satisfatório. É fundamental que existam computadores disponíveis para estudantes e professores utilizarem e conseguirem realizar as atividades da forma adequada.

Pensar a aprendizagem constitui um desafio atual e urgente principalmente após as experiências vivenciadas no processo de pandemia provocada pela Covid-19. Muitas são as vozes de pesquisadores que apontam a necessidade de refletir sobre a escola, o sentido da educação na atualidade e a necessidade de consolidação da sociedade do conhecimento. Num mundo em transformação acelerada, onde a tecnologia impõe ritmos, regras, novos fluxos e processos, pensar sobre o papel da escola é uma necessidade não apenas para a comunidade escolar, mas para a sociedade. E a aprendizagem é a primeira pauta dessa agenda. Ensinar é inseparável do aprender, por essa razão a reflexão sobre as relações tangenciam a escola e permitem consolidar os caminhos da aprendizagem, que emerge do sentido da escola.

A pesquisa permitiu conhecer a situação de alguns estudantes nas escolas do Tocantins e revelou a necessidade de pensar a retomada do ensino, das atividades, da escola e da aprendizagem pós-pandemia. Algumas questões que surgiram ao final da análise dos resultados e que em certa medida nos impulsionam para outra investigação são: Qual o impacto da sociedade do conhecimento na escola pós-pandemia? Qual o papel do professor na retomada do ensino? Como organizar a escola enquanto espaço que oportuniza o aprender?

O que aprendemos com o ensino remoto e como vamos modificar nossos espaços de atuação, só uma nova investigação poderá mostrar.

Para finalizar deixamos nosso desejo que o futuro seja melhor, que nossas lutas sejam mais justas e que nossas escolas possam efetivar o sentido de aprendizagem que tanto desejamos e pelo qual lutamos, afinal a escola é o lugar da formação, da aprendizagem, da consolidação de uma sociedade plural, justa, democrática, inclusiva e solidária.

Referências

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4A expressão Youtubers remete a um sujeito criador de conteúdo para a plataforma de compartilhamento de vídeos norte-americana YouTube. O primeiro youtuber foi Jawed Karim, co-criador do site, que publicou em 2005 um vídeo de 19 segundos com o título "Eu no zoológico" (Me at the Zoo), no qual caminhava observando animais. Naquele período, ser "youtuber" significava somente ter uma conta no site e fazer upload de vídeos simples. (FONTE: https://www.infoescola.com/internet/youtuber/).

Recebido: 01 de Outubro de 2021; Aceito: 01 de Janeiro de 2022

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