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Motrivivência

versão On-line ISSN 2175-8042

Rev. Motriviv. vol.33 no.64 Florianópolis  2021  Epub 10-Jul-2021

https://doi.org/10.5007/2175-8041.2021.e79886 

Artigo Original

A prática pedagógica dos professores de Educação Física: desafios para formação continuada

The pedagogical practice of Physical Education teachers: challenges for continuing formation

La práctica pedagógica de los profesores de Educación Física: desafíos para la formación continua

1Universidade Comunitária da Região de Chapecó (UNOCHAPECÓ), Chapecó, SC, Brasil.

2Universidade Federal de Pelotas (ESEF/UFPel), Pelotas, RS, Brasil.


RESUMO

O objetivo desta investigação foi compreender como os desafios da prática pedagógica de professores de Educação Física (EF) podem se constituir em subsídios para ações de formação continuada. A pesquisa se caracterizou como sendo de natureza descritiva, realizada com uma abordagem qualitativa. A investigação contou com a participação de oito professores de EF vinculados à Secretaria de Estado da Educação (SED) do Estado de Santa Catarina. O instrumento utilizado foi a entrevista semiestruturada e utilizamos a análise temática para o trato com as informações obtidas. Concluímos que a prática pedagógica é terreno fecundo para subsidiar ações de formação continuada, destacando-se a necessidade em considerar as condições de trabalho, as especificidades da EF escolar, a fundamentação e discussão em torno dos objetivos, do planejamento e das metodologias para a intervenção pedagógica, processo a ser potencializado por ações de formação colaborativa entre pares, considerando e ouvindo as necessidades dos professores (sem absolutizá-las).

PALAVRAS-CHAVE: Prática pedagógica; Formação continuada; Educação física; Docência

ABSTRACT

The main goal of this investigation was to understand that the challenges of the pedagogical practice of physical education teachers can be constituted in continuing formation proposals and actions starting from the analysis of considerations about the reality emerged from school context. A semi-structured interview was used for data collection and thematic analysis for interpretation. This action unfolds considerations pointing out that PP is a fertile ground to subsidize continuing education actions, highlighting the need to consider working conditions, the specificities of school physical education, the reasoning and discussion around the objectives, planning and methodologies for pedagogical interventions, a process to be enhanced by collaborative formation actions among peers, observing the periodicity and articulation, considering and listening to the needs of teachers (without absolutizing them).

KEYWORDS: Pedagogical practice; Continuing formation; Physical education; Teaching

RESUMEN

El propósito de esta investigación fue comprender que los desafíos de la práctica pedagógica (PP) de los docentes de educación física podrían constituirse en propuestas y acciones de formación continua a partir del análisis de las consideraciones sobre la realidad que emerge del contexto escolar. Utilizamos la entrevista semiestructurada para compilar datos y análisis temáticos para su interpretación. Esta acción despliega consideraciones que consideran que el PP es un terreno fértil para apoyar las acciones de educación continua, destacando la necesidad de considerar las condiciones de trabajo, los detalles de la Educación Física escolar, el razonamiento y la discusión sobre objetivos, planificación y metodologías para intervenciones pedagógicas, un proceso que se mejorará mediante acciones de formación colaborativa entre pares, observando la periodicidad y la articulación, considerando y escuchando las necesidades de los docentes (sin absolutizarlas).

PALABRAS-CLAVE: Práctica pedagógica; Formación continua; Educación física; Enseñanza

INTRODUÇÃO

A prática pedagógica (PP) de professores de Educação Física (EF) apresenta-se como uma ação nevrálgica do processo ensino-aprendizagem e se constitui a partir de diversos elementos, caracterizando-se como uma ação complexa, que necessita ser revisitada e ressignificada constantemente, procurando evidenciar as tensões inerentes às relações entre teoria e prática no enfrentamento aos desafios que emergem da docência.

Compreendemos que a PP deve ser uma ação alicerçada por objetivos, finalidades, conhecimentos e intencionalidades, bem como, que se estabelece como uma prática social que se modifica face às conjunturas sociais, culturais e econômicas, reorganizações curriculares e sistema de ensino em diferentes espaços e tempos históricos, sendo influenciada por diversos fatores. Assim, a consideramos como uma ação flexível que se reinventa, se modifica, no decorrer da vida profissional apresentando avanços e recuos, necessitando de possibilidades de manter-se em constante interação crítica com as mudanças e transformações que abarcam o fazer pedagógico.

Neste sentindo, nossa investigação teve como objetivo compreender como os desafios da PP de professores de EF podem se constituir em subsídios para ações de formação continuada (FC). Este movimento se coloca na contramão de uma lógica onde a FC apresenta subsídios para a PP, por vezes, sem reconhecer os problemas específicos de cada contexto. Nesta lógica, trabalhamos com a ideia de que o reconhecimento e a construção dos problemas do mundo representam pontos de partida para seu enfrentamento.

Partindo dessas considerações iniciais, apresentaremos a seguir, os caminhos metodológicos da investigação, adentrando em seguida na compreensão das percepções dos professores sobre PP e em questões subjacentes a esta ação, em acordo com os desafios que emergem da docência. Ao descortinar estes cenários, procuramos explorar subsídios que se apresentem como possibilidades para a produção de propostas de FC. Por fim, apresentamos as discussões em torno do tema investigado e as considerações finais, derivadas da reflexão de nossa caminhada.

CAMINHOS METODOLÓGICOS

A pesquisa se caracterizou como sendo de natureza descritiva, realizada com uma abordagem qualitativa. A investigação contou com a participação de oito professores de EF (nomeadamente: EF1, EF2, EF3, EF4, EF5, EF6, EF7, EF8), vinculados à Secretaria de Estado da Educação (SED) do Estado de Santa Catarina (SC), que foram convidados a participar da pesquisa, a partir dos seguintes critérios de inclusão: a) ser professor de EF efetivo na rede estadual de ensino, atuando como professor em 2019, b) ter participado de cursos de FC disponibilizados pela SED e/ou CRE, c) com formação superior completa em EF, d) aceitar participar da pesquisa. Optamos por dialogar com os professores efetivos no magistério público estadual por considerarmos a priori que a estabilidade e o vínculo com a escola favorecessem a participação em processos de FC, bem como, por entendermos que a compreensão do entorno da PP e os desafios que emergem da docência pode fornecer subsídios e percepções mais próximas de nossos objetivos.

Todos os professores convidados aceitaram em participar (seis colaboradores do sexo feminino e oito do sexo masculino). Com relação à idade, 62,5% têm idade entre 30 e 39 anos e 37,5% a partir de 40 anos. Com relação ao tempo de atuação como professor de EF, podemos inferir que os colaboradores têm entre oito e 21 anos de atuação, com atuação mínima de seis anos na atual escola em que está trabalhando - o pouco tempo como efetivo foi uma característica apresentada pela maioria dos professores colaboradores.

Para a coleta de dados, utilizamos entrevistas semiestruturadas, que combina perguntas abertas e fechadas, o que possibilita explorar questões relevantes que aparecem durante o diálogo, possibilitando abordar com maior profundidade os temas elencados previamente.

Para as entrevistas, foi realizado o contato com os professores via telefone, com objetivo de identificar aqueles que tinham interesse em participar. Após o contato inicial e com a manifestação positiva de todos os oito colaboradores, encaminhamos por e-mail uma cópia do parecer de aprovação do CEP, contendo os objetivos e a descrição da metodologia da investigação, para que todos tivessem conhecimento do processo. As entrevistas foram realizadas na escola em que o professor atuava, a partir de agendamento prévio, no segundo semestre de 2019. Para a análise e interpretação dos dados coletados, utilizamos a análise temática proposta por Minayo (2013).

Após a realização da entrevista, procedemos com a devida transcrição. Após a revisão de cada transcrição, procedemos com a devolutiva da entrevista para cada colaborador, a fim de obter sua validação (todos os colaboradores validaram suas entrevistas sem alterações). A seguir, iremos discorrer acerca dos principais “achados” da investigação.

DIÁLOGOS COM PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA: a prática pedagógica e a formação continuada em foco

A partir de um levantamento de produções acadêmicas finalizadas entre 2013 e 2018 estabelecendo as discussões sobre a relação entre FC e PP no campo da EF escolar, disponíveis no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), observamos que a intencionalidade das pesquisas vem evidenciando olhares que partem das contribuições da FC para PP, bem como, da análise de políticas públicas e processos de formação, praticamente excluindo do debate a PP como ponto de partida para pensar os processos de FC a partir das emergências da docência.

Os temas específicos das teses e dissertações identificadas se apresentam agrupadas em torno de abordagens e temáticas que exploram vários outros temas: saberes docentes, contexto escolar e prática pedagógica, conhecimentos pedagógicos, construção e identidade profissional, formação continuada, trabalho docente, e políticas de formação continuada.

As lacunas identificadas na análise das investigações já realizadas, corroboram com nossa percepção de que a PP de professores de EF pode favorecer o debate em torno das emergências e insurgências que se estabelecem no contexto escolar, apresentando-se desta forma como agente potencializador das discussões e proposições, qualificando desta forma, a construção de novas possibilidades e processos de FC.

Nesta esteira, convém destacar que PP e FC apresentam sentidos e significados distintos, mas, com elementos convergentes no sentido de maximizar as relações que se estabelecem entre elas, num processo dialético, reflexivo que se retroalimentam, tornando-se assim, interdependentes de um processo que se constitui através da discussão em torno das tensões entre teoria e prática.

Concordando com Cunha (2012), PP pode ser compreendida como uma articulação entre o Ser, o Saber e o Fazer:

As relações que o professor estabelece com o ‘ser’ e o ‘sentir’ (prazer, entusiasmo, exigência, princípios e valores); as relações que estabelece com o ‘saber’ (matéria de ensino, relação teoria e prática, a linguagem e a produção do conhecimento); as relações que estabelece com o ‘fazer’ (planejamento, métodos objetivos, motivação do aluno e avaliação) (FRANCO, 2012, p. 195-106).

Nesta lógica, em diálogo com Cunha (2012), a PP se coloca como uma confluência de elementos que representam o professor em sua integralidade, por mais que por vezes, não consigamos reconhecer isso. Ou seja, experiências pedagógicas intensas se edificam a partir da inserção do professor com tudo que ele “é”, didaticamente estruturado por Cunha como o Ser, o Saber e o Fazer.

Franco (2016), a seu modo, apresenta argumentos que se aproximam de Cunha (2012), destacando que,

Quando se fala em prática pedagógica, refere-se a algo além da prática didática, envolvendo: as circunstâncias da formação, os espaços-tempos escolares, as opções da organização do trabalho docente, as parcerias e expectativas do docente. Ou seja, na prática docente estão presentes não só as técnicas didáticas utilizadas, mas, também, as perspectivas e expectativas profissionais, além dos processos de formação e dos impactos sociais e culturais do espaço ensinante, entre outros aspectos que conferem uma enorme complexidade a este momento da docência (FRANCO, 2016 1016, p. 542).

Desta forma, as aproximações estabelecidas em torno da concepção de PP apontam, considerando a busca realizada, que esta ação se torna processual, propositiva, com intencionalidades e objetivos que se estabelecem e modificam de acordo com o compromisso que o professor assume diante da educação, bem como, das condições objetivas de trabalho que possui. O processo de desconstrução e reconstrução que se constitui durante a trajetória profissional e se alicerça a partir dos saberes docentes (TARDIF, 2014), pode ser potencializado por processos de FC. Para Imbernón (2010),

A formação continuada de professores passa pela condição de que estes vão assumindo uma identidade docente, o que supõe a assunção do fato de serem sujeitos da formação, e não objetos dela, como meros instrumentos maleáveis e manipuláveis nas mãos de outros (IMBERNÓN, 2010, p. 11).

A FC no campo da EF é tema profícuo para estudos investigativos sob diferentes temáticas e abordagens, por apresentar um distanciamento em relação entre o que é oferecido nos cursos de FC (FREITAS et al., 2016) e as necessidades percebidas pelos professores de EF (FERREIRA; SANTOS; COSTA, 2015), apontando para necessidade de perceber e considerar as demandas que emergem do contexto escolar (BAGATINI; SOUZA, 2019), perspectivando descortinar cenários, apresentando as nuances e expectativas que apontem para possibilidade de novas compreensões sobre as proposições de FC no campo da EF escolar, a partir da percepção de seus atores principais: os professores (ROSSI; HUNGER, 2012a, ROSSI; HUNGER, 2012b, ROSSI, 2010).

O que propomos não se trata de uma submissão acrítica das propostas de FC às perspectivas e necessidades percebidas pelos professores, tal como se o papel da FC fosse meramente “atender desejos” (inclusive, a FC tem por prerrogativa qualificar a leitura de professores na direção de que suas necessidades também se qualifiquem ao longo do tempo). O que propomos ao longo deste texto, se refere a possibilidade de tomar o diálogo como referência para a produção de propostas de FC, bem como, levar a sério os desafios da PP dos docentes, independentemente do contexto e da escala (nacional, regional, local). A seguir, iremos discorrer mais e melhor sobre a percepção dos professores sobre os desafios da PP, considerando os nexos desta discussão com a FC no campo da EF.

SENTIDOS PARA A PRÁTICA PEDAGÓGICA...

A partir da análise das entrevistas, emergiram duas grandes categorias de significados atribuídos à PP. A primeira categoria refere-se à compreensão da PP como uma atividade que envolve todo o processo que acontece no contexto escolar, envolvendo diferentes elementos para determinar como o professor irá desenvolver as atividades de aula. Como afirma EF2, “[...] a prática pedagógica é todo o processo que acontece e envolve desde a organização dos conteúdos, o planejamento, a forma como trabalhar, até a aula propriamente dita, é um processo que se constitui no dia a dia”.

A concepção de EF2 apresenta elementos que caracterizam a PP como uma ação macro no processo ensino-aprendizagem, ou seja, não se limita ao campo de como fazer, mas considera todos os pormenores que alicerçam esta ação, e conforme corrobora EF8, “[...] a prática pedagógica [...] não é só o ato de você ensinar, [...] repassar um conteúdo, [...] é você mediar um conhecimento, fazer com que o aluno se aproprie daquilo e aprenda junto com ele. [...] É um ato de ensinar e aprender constante”.

Nestes dois breves recortes, percebemos que, do ponto de vista conceitual, as percepções dos professores abrem um leque de possibilidades interpretativas que podem contribuir com as discussões em tela. Isso representa considerar sobre a importância do conceito no trabalho docente, com potência de ampliar olhares e por consequência, ampliar as possibilidades de intervenção.

Na direção de contribuir com estas assertivas, cabe recuperar três concepções clássicas de PP citadas por Rezer (2020), expressas a seguir, de forma muito breve: representa a ação do professor em uma aula no contexto escolar (Gimeno Sacristán); se trata de uma intervenção articulada a uma pedagogia, que é uma concepção filosófica de educação (Cipriano Luckesi); é entendida como uma produção, percebida como um processo (pedagógico, portanto político) realizado dialogicamente em contextos educativos (Paulo Freire).

Nos recortes de fala dos colaboradores, fica clara a ideia de complexidade presente na PP, o que representa uma janela de oportunidade significativa para que processos de FC que possam contribuir teoricamente com tal compreensão. Por outro lado, nas análises que realizamos, entendemos que as questões teóricas ficam subjacentes a uma ideia instrumental de PP, representando uma invisibilidade latente da ideia de PP como fruto (também) do estudo constante (da ação teórica de estudar), algo necessário de ser incorporado na vida de professor, tal como sinalizado por Nóvoa (1997).

Desta forma, as contribuições de Sacristán, Luckesi e Freire se colocam de forma distante dos pressupostos mencionados pelos professores. Sem dúvidas, há outros bons referenciais a respeito do tema, porém, o que nos preocupa é a ausência de referenciais teóricos que possibilitem uma leitura mais ampla acerca da PP, para além das experiências do cotidiano.

A segunda categoria abrange a compreensão da PP como atividade intencional e finalística, mais objetiva, centrando sua percepção na forma como o professor vai desenvolver suas atividades, concepção intimamente ligada a didática e a metodologia. Segundo EF3, PP é “[...] o que você vai trabalhar naquele dia, levar tudo organizado, ter planejamento”. Conforme EF7, PP é como “as ferramentas [...] que eu utilizo para repassar o conteúdo para os alunos”. Nesta mesma direção, EF4 compreende a PP como “[...] a didática no dia a dia, como a gente realiza a nossa forma de dar aula, como [...] organizamos as aulas, selecionamos os conteúdos, esportes, atividades”.

Nestes recortes, fica mais evidente a ideia instrumental de PP presente em muitas contribuições dos colaboradores, por exemplo, na medida em que é comparada a ideia de “ferramenta” ou mencionada como “forma de dar aula”. Via de regra, a ideia do conhecimento como ferramenta representa um discurso muito propagado em diversos espaços, algo que vem colonizando a ideia de PP. Um dos problemas derivados disso é reduzir a complexidade da cultura produzida ao longo da história da humanidade à condição de instrumento, de meio, de ferramenta, tal como uma escada, que simplesmente leva a algum lugar, mas não se coloca neste lugar de maneira orgânica, como “parte do ser”. Trabalhos como os de Santos, Costa e Martins (2015), Oliveira e Silva (2018), entre outros, evidencia bem a ideia de que a PP seria o espaço/tempo no qual o professor utiliza “ferramentas” (recursos) para resolução de problemas e para a aprendizagem de estudantes - no caso da EF, especificamente, os conteúdos, ou ainda, fenômenos humanos como o lúdico, passariam a ser ferramentas para desenvolver habilidades e competências.

Concordando com Rezer (2020a), nesta lógica, o patrimônio cultural da humanidade, bem como, fenômenos humanos da mais alta complexidade, representam apenas um meio para alcançar fins previamente determinados. Diferente disso, entendemos que o conhecimento representa uma forma de acessar o legado cultural da humanidade, uma forma de qualificar nossa própria existência, considerando o conhecimento como base necessária para a formação escolar, bem com, para o trabalho docente, algo bem mais complexo do que a ideia de “meio” ou “ferramenta”.

Avançando nas análises, foi possível perceber no contexto analisado, que os colaboradores evocam em suas considerações a ideia de que a PP está diretamente ligada com a prática e com os aspectos pedagógicos como planejamento, didática, avaliação e elementos do dia a dia do contexto escolar, aparentemente desconsiderando as conexões entre teoria e prática. É como se expressões como conteúdo, aula, didática, entre outros, já fossem conceitos “dados”, que não exigem mais a tarefa do pensamento. Ou seja, é “daí em diante” que os problemas começariam.

Nessa lógica, a PP é concebida pelos professores como as ações desenvolvidas cotidianamente, organizadas a partir de intencionalidades no processo ensino-aprendizagem, envolvendo desde a seleção dos conteúdos, planejamento, estratégias/metodologias de ensino e avaliação, e que se constitui ao longo da vida profissional numa constante relação de saber e de fazer através da interação com o contexto escolar (aspectos importantes, porém, mencionados de forma instrumental, quase burocrática). Percebe-se assim a transposição da compreensão da PP como a didática e os recursos utilizados nas intervenções durante as aulas, indicando que os interlocutores dialogam com diferentes elementos que alicerçam sua ação no contexto escolar.

Por outro lado, importante destacar que, em alguns recortes, os colaboradores destacam a compreensão da PP como uma atividade reflexiva que deve ser revisitada e reinventada. Neste aspecto, consideramos estes elementos como janelas de oportunidade significativas para investir nestes elementos como pautas para processos de FC (neste caso, podemos considerar o empoderamento teórico como uma necessidade latente na fala dos colaboradores, mesmo que em muitos momentos, evidenciem a prática como motor decisivo de processos de FC).

Desta forma, um aspecto pouco evidenciado nas entrevistas, se refere a necessidade do estudo como empoderamento intelectual do professor para o exercício da docência, com prováveis desdobramentos significativos para a PP, considerando os elementos mencionados ao longo deste tópico - aqui, um problema grave de nosso tempo, tal como iremos abordar mais à frente. A seguir, iremos discorrer sobre os desafios mencionados pelos professores para a PP no campo da EF.

DESAFIOS E DIFICULDADES QUE EMERGEM DA PRÁTICA PEDAGÓGICA NO CAMPO DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

A realidade com a qual o professor de EF opera no contexto escolar apresenta demandas, necessidades, implicações e desafios que não são comuns às demais áreas do conhecimento, necessitando de um olhar diferente às particularidades encontradas na ação destes profissionais, como desafios a serem enfrentados. Considerando tais singularidades, elencamos algumas categorias importantes, tal como a seguir.

A primeira categoria se refere aos desafios de ordem estrutural: os materiais e a estrutura física da escola representam uma realidade que não pode ser desconsiderada, pois é aspecto importante para definir como o professor poderá desenvolver e encaminhar as aulas. A estrutura e os materiais que cada contexto apresenta representa um aspecto que deve ser tratado pedagógica e politicamente pelo professor e pela escola. Quais alternativas seriam possíveis de desenvolver em contextos específicos? O que os docentes poderiam construir? Que materiais seriam necessários para que as aulas fossem qualificadas? São perguntas necessárias de serem retomadas, mesmo que a EF escolar venha discutindo isso a muitos anos. Inclusive, estrutura e materiais qualificados não são garantias de práticas pedagógicas qualificadas. Por isso, aspectos dessa ordem devem ser colocados em seu devido lugar. A dignidade da PP exige materiais e estruturas adequadas para as aulas. Porém, o que mais se torna necessário considerando estes aspectos? Aqui, temos bons pontos de partida para processos de FC abordarem.

A segunda categoria se refere as de ordem organizacional das turmas, o que se desdobra em elementos que podem contribuir ou dificultar a participação dos alunos. Por exemplo, turmas com grande número de alunos e outras com pouco número de alunos devem ser consideradas de forma diferente, pois exigem posturas que se materializam na PP de diferentes formas. Nesse aspecto, há de se pensar que as propostas de FC devem projetar formas de lidar com questões desta ordem, oportunizando espaço e tempo de discussão sobre os problemas e possibilidades gerados pela forma de organização estrutural dos grupos de alunos em contextos específicos.

Na terceira categoria, identificamos nas falas dos colaboradores, os desafios inerentes a dimensão pedagógica da docência: a dificuldade em trabalhar com determinados temas/assuntos que fazem parte dos conteúdos a serem abordados nas aulas de EF. Foi perceptível que os colaboradores, inclusive, apresentaram dificuldades para avançar neste aspecto. Apesar das provocações durante as entrevistas, percebemos silenciamentos que explicitaram as dificuldades do fazer pedagógico em vários aspectos: do processo ensino-aprendizagem, do processo de avaliação, do planejamento, elementos que são fundantes da PP e fazem parte da dimensão pedagógica. Da mesma forma, percebemos ausências referentes a elementos vinculados as relações dos docentes com a gestão escolar, tomando como referência as necessidades da PP ora elencadas. Ao que parece, em muitos casos, a EF ainda se coloca (e é colocada) como “algo indeterminado” situado na periferia da escola, “algo” que se não incomodar o bom andamentos das aulas “importantes”, é tolerada sem maiores exigências, qualquer que seja a firma que se desenvolver.

Como exemplo desta condição vulnerável, o trabalho de Rufino e Darido (2013) analisa a transferência das aulas de EF no Ensino Médio em algumas escolas particulares para academias de ginástica (prática muito comum em vários contextos escolares brasileiros). Os autores concluem afirmando que o processo de transferência das aulas para contextos não escolares corrobora com a desvalorização da EF nesse nível de ensino em específico e na EF escolar de modo geral. De nossa parte, entendemos que isso evidencia ainda mais o caráter instrumental e utilitário atribuído à EF escolar, reduzindo-a a práticas de atividades físicas com finalidades restritas e individualizadas - neste caso, não caberia “perder tempo” com a EF escolar e sua diversidade de possibilidades.

Ou seja, mesmo em meio a uma crescente produção acadêmica acerca de sua relevância, a EF ainda se movimenta como componente marginal na realidade escolar. Interessante perceber, que em meio a uma pandemia sem precedentes nos últimos 100 anos causada pelo vírus Sars-Cov2, as disciplinas escolares mais importantes para suportar com dignidade e saúde situações de isolamentos social, a arte, a música, a EF, entre outras, são alçadas a um patamar de maior importância. Isso, por si só, deveria constar como tema de processos de FC, com abordagens desde questões específicas da cultura corporal de movimento, até questões amplas vinculadas ao campo político e cultural.

Mas sem dúvidas, reconhecer a EF como campo do conhecimento necessário a formação humana passa por elevar sua condição na escola. Para tal, é nevrálgico o desenvolvimento de uma cultura escolar que reconheça a importância da EF - e reconhecemos como importante aquilo que se coloca como importante em nosso horizonte. Uma boa questão, nessa direção, é pensar o que e como a EF escolar impacta na vida de seus alunos? Aspectos desta ordem representam reconhecer e trabalhar a EF a partir de suas dimensões teleológicas (finalidades), axiológicas (valores) e epistemológicas (saberes). Nestes aspectos encontram-se temas de alta complexidade e importância para a FC de professores de EF.

Sem dúvidas, além deste movimento interno, outros movimentos são necessários para enfrentar os desafios da docência no campo da EF. Por exemplo, a valorização do magistério representa uma necessidade macro, que depende de fatores externos a escola, bem verdade. Mas também, de fatores que se encontram na governabilidade do contexto escolar, o que pode representar desdobramentos significativos que impactem em uma PP de qualidade (bem verdade, algo sempre difícil de definir). O reconhecimento histórico, social e cultural da EF dentro do contexto escolar passa por elementos desta ordem, entre outros, que devem se constituir como elementos fundantes de propostas de FC. Do contrário, estes “nós” tem de ser enfrentados individualmente pelos docentes, algo quixotesco, tendo em vista a complexidade inerente as questões apresentadas.

Finalizando este tópico, os dados obtidos com a pesquisa nos permitem inferir que os interlocutores relacionam a PP às condições de trabalho e buscam nela justificar a realidade de sua prática, projetando “nos outros” a responsabilidade sobre o sentido e a percepção em torno dos desafios que emergem no cotidiano, fato que corrobora com a perspectiva de que a PP sofre influências de elementos intrínsecos e extrínsecos à escola e da ação do professor. Ao que nos parece, isso sinaliza para a necessidade de diminuir o distanciamento entre aquilo que se pretende e aquilo que se faz em razão das influências e dificuldades evidenciadas em cada contexto. Evidencia-se, desta forma, a “necessidade de dar voz aos professores” (MOLINA NETO et al, 2006), para melhor compreender as expectativas que emergem do “chão da escola” , certamente, sem assumi-las de forma acrítica.

SUBSÍDIOS PARA AÇÕES DE FORMAÇÃO CONTINUADA: a prática pedagógica de professores de educação física como ponto de partida

Considerando o percurso investigativo realizado, é possível inferir sobre a necessidade de colocar em debate a própria percepção dos professores sobre a PP, potencializando as discussões acerca de como ela se constitui na contemporaneidade. Isso implica em, por um lado, evidenciar a necessidade de colocar o professor como agente que conduz e constitui a sua identidade profissional ao longo da carreira profissional, possibilitando-lhe ampliar a compreensão sobre o seu fazer pedagógico. Por outro, reconhecer que nem todos as variáveis são de responsabilidade do professor, considerando a conjuntura ampla e específica na qual seu trabalho se funda.

Porém, mesmo com a ampliação substancial da produção acadêmica da EF acerca deste tema, a PP ainda é concebida como um saber fazer, de forma distinta do enunciado de Cunha (2012), tal como referido anteriormente. Ou seja, se a dimensão prática se constitui como central no imaginário social da ampla esfera social sobre a EF, no interior do próprio campo, esta percepção ainda se manifesta com força, especialmente em tempos de “recuo da teoria” (MORAES, 2001).

Para Moraes (2001), via de regra, a discussão teórica tem sido paulatinamente suprimida das pesquisas educacionais, com implicações políticas, éticas e epistemológicas que podem repercutir, de curto e médio prazos, na própria produção de conhecimento. Acrescentando as palavras da autora, mesmo 20 anos depois da publicação de seu artigo, podemos afirmar que os desdobramentos deste “espírito cultural” que impactam decisivamente a PP na EF escolar, em um movimento que toma como referência central o empírico, que encerraria nele mesmo seus limites e possiblidades. Por isso, chamamos a atenção de que reconhecer os desafios da PP presentes nas aulas de EF não se refere a submissão aos anseios e expectativas imediatas dos docentes. Porém, sem considerá-los, a FC pode se constituir como burocracia a cumprir.

Em relação aos desafios e dificuldades específicos encontrados pelos professores nas aulas de EF, identificamos ser relevante pensar a EF a partir do contexto em que ela está inserida e das possibilidades de intervenção que o professor dispõe, repensando assim o planejamento, as intervenções e a avaliação sob uma nova perspectiva no processo de ensino-aprendizagem, ressignificando práticas e concepções. A aproximação entre gestão escolar e professores com as instâncias superiores de administração e gestão da educação, a fim de dialogar sobre as políticas públicas de valorização do magistério e das condições de trabalho, apresenta-se como elemento necessário nas ações de FC, a fim de delinear ações que busquem diminuir o distanciamento entre distintos segmentos no enfrentamento das dificuldades encontradas.

Sobre os aspectos pedagógicos e desinteresse dos alunos pelas aulas de EF, os colaboradores sinalizam para a necessidade de revisitar o currículo da EF e as metodologias de ensino, bem como promover um ambiente de formação colaborativa envolvendo os pares, constituem-se em fatores preponderantes e potencializadores das ações de FC capazes de contribuir para rearmada pedagógica dos professores, com o objetivo de ressignificar a PP e instigar os alunos para participar nas aulas - neste caso, entendemos que a aula deve ser cultivada como espaço e tempo de aprender, algo mais complexo do que pensa-la como passatempo recreativo.

Emerge ainda, a partir da percepção dos professores, a necessidade de se promover ações de FC que contemplem a atualização em relação aos esportes e conteúdos/temas pouco trabalhados nas aulas, como lutas e ginástica, bem como a articulação com ações que envolvam o uso das tecnologias como ferramentas para a intervenção pedagógica (aqui sim, as tecnologias podem ser utilizadas como ferramentas, especialmente em tempos de pandemia e aulas no formato remoto). Nesse aspecto, ficou evidente que os colaboradores ainda manifestam uma necessidade voltada para a aprendizagem prática em processos de FC, bem como, apresentam dificuldades para se reconhecer como professores que podem/devem estudar os temas que vão desenvolver em suas aulas.

Assim, o “chão de escola” se caracteriza como um espaço de incertezas, instabilidades e fragilidades, constituindo-se como um agente potencializador para ações de FC, tornando a escola um local de formação e favorecendo, desta forma, ações que possibilitem ao professor refletir sobre seu contexto, estabelecendo relações com o conhecimento historicamente produzido, perspectivando a melhoria do processo de ensino-aprendizagem, bem como, ao longo de sua carreira, a constituição de sua identidade e desenvolvimento profissional. Os professores reconhecem a PP como uma ação complexa, oriunda de diferentes relações que se estabelecem e perpassam toda carreira profissional, contribuindo para caracterizar a identidade docente. Porém, entendemos que ela deve ser um tema de discussão no próprio espaço e tempo de trabalho dos docentes. Ou seja, o próprio trabalho cotidiano se constitui como espaço e tempo de formação. Os eventos podem ser decorrências deste processo em nível micro, que se institui a parir dos problemas do cotidiano.

Por outro lado, ao dar voz aos professores de EF para refletirem sobre a PP, identificamos que o exercício da escuta e reflexão sobre o cotidiano da escola e das relações que os professores estabelecem no fazer pedagógico e FC apresenta lacunas que se desdobram em sentidos e significados de insatisfação e fragilidades no contexto educacional. Neste sentido, observamos que os professores evocam a necessidade de serem ouvidos, de serem compreendidos em relação a suas angústias, inquietações, dificuldades e desafios da docência.

O caminho percorrido para compreender as percepções dos professores de EF sobre a PP aponta para um sentimento de esquecimento dentro da escola, pois como destaca EF3, “[...] não somos ouvidos, é difícil ver alguém vir conversar sobre nossas dificuldades, sobre o que precisamos, e isso faz diferença por que dá esperança de mudar algumas coisas, como os cursos de formação continuada serem mais próximos da nossa realidade”. O trabalho de Molina neto et al (2006) corrobora com esta assertiva, evidenciando um aspecto pouco evidenciado e de extrema importância: o diálogo como motor dos processos de FC. Ou seja, os docentes necessitam ser ouvidos e suas necessidades devem ser reconhecidas. Isso pode, inclusive, contribuir com o processo de empoderamento intelectual do professor, alargando sua leitura sobre as finalidades e conhecimentos da EF escolar, o que poderia, inclusive, ampliar o espectro no qual os docentes circunscrevem suas necessidades.

Observa-se, no contexto analisado, o distanciamento entre as ações de FC das quais os professores têm participado e as necessidades sentidas cotidianamente, apontando para o sentimento de não pertencimento nas ações propostas. EF4 pondera que “[...] não é fazer aquilo que queremos, é perceber que nós temos outras necessidades”.

Nesse caso, cabe sistematizar estas necessidades de forma coerente, como forma de materializar possibilidades que podem servir de subsídios para processos de FC. Desta forma, a participação em momentos de FC ganha novos contornos, pois permite aos professores a percepção de serem sujeitos capazes de reconhecer suas necessidades refletindo sobre elas. Na perspectiva dos colaboradores EF7 e EF2,

EF7: [...] toda formação deve partir de como está a prática. Então precisa primeiro existir uma análise, uma conversa, não só do profissional de educação física, mas acho que de toda escola de uma forma geral.

EF2: [...] é importante vir pesquisar nas escolas quais as angústias, o porquê dessa formação continuada, assim a gente consegue ser ouvido e quem sabe contribuir para que sejam oferecidos cursos mais próximos da nossa realidade, onde a gente possa discutir com os profissionais de nossa e de outras áreas temas do dia a dia e não assuntos distantes (EF7; EF2, 2019).

Nesta esteira, inferimos que os professores de EF concebem que a FC deve ser pensada e articulada a partir do contexto escolar, considerando suas expectativas e necessidades, bem como, os desafios que se apresentam no dia a dia. Os colaboradores ressaltam a importância de investigações como esta, no sentido de ampliar possibilidades sobre esta temática, qualificando a reflexão sobre a compreensão da percepção que emerge do cotidiano escolar como. De acordo com EF8, necessitam ser “[...] ouvidos e podermos falar sobre nosso dia a dia, nossas angustias, desafios, dificuldades, e isto é preciso para que se repense o dia a dia na escola e a FC”.

Porém, cabe ressaltar a ausência de uma cultura de estudo dos professores de EF sobre seu próprio trabalho. Por exemplo, EF8 afirma que “[...] nunca havia parado para pensar sobre minha prática pedagógica”. Ou seja, se as propostas de FC, via de regra, parecem “esquecer” os principais atores na “origem”, os próprios professores pouco se reconhecem como potenciais de enfrentamento aos próprios problemas do cotidiano. Nenhum colaborador mencionou espaços de discussão pedagógica findados na própria escola onde atuam, por exemplo (exceção das reuniões pedagógicas da escola).

Assim, propostas de FC deveriam ouvir os professores, sem, contudo, tornarem-se reféns de seus desejos (se não podem ser reféns do “chão da escola”, não podem desconsiderá-lo). As necessidades que percebemos no cotidiano, via de regra, são fruto de nossa leitura de mundo. Ou seja, leituras mais alargadas produzem necessidades mais alargadas, em um movimento radical que pode nos conduzir as reentrâncias do conhecimento. Assim, antes de tudo, propostas de FC só têm sentido quando contribuem para o alargamento da leitura de mundo dos envolvidos. Portanto, o diálogo reflexivo (que nos permite “parar para pensar”, tal como referido pelo EF8), bem como o estudo profundo, são fundamentais neste processo.

A pesquisa realizada evidencia ainda que a PP dos professores de EF é alicerçada a partir das percepções e compreensões que emanam das experiências enquanto profissionais, que se constituem diariamente e identificam dificuldades similares em diferentes espaços, corroborando com a assertiva de que, ao analisar o contexto escolar, a PP dos professores de EF e a necessidade em considerar as especificidades deste componente curricular como potencialidade a ser explorada na proposição de ações de FC, ampliamos as possibilidades de explorar um caminho fecundo, considerando e qualificando as demandas que emergem da prática dos professores no contexto escolar.

Inferimos desta forma que, ao tematizarmos a PP como ponto inicial para pensar a FC, percorremos o caminho oposto ao comumente vislumbrado no contexto acadêmico, tal como sinalizam os estudos de Correa (2017), Bahia (2016), Lira (2015), Bastos (2014) e Rossi (2010). Da mesma forma, observamos que, ao tematizar a PP de professores de EF, Silvano (2018), Silva (2017), Farias (2017), Maldonado (2016) e Filmiano (2015), entre outros, vislumbraram compreender como se estabelecem as relações pedagógicas, as práticas e intervenções dos professores de EF, identificando as dificuldades e desafios encontrados, apontando para as possibilidades de enfrentamento, sem articular, no entanto, estas percepções como subsídios para pensar a FC, caminho pelo qual percorremos e encontramos aproximação com os achados anteriores sobre a PP e os desafios que emergem da docência.

Em meio a estes diferentes olhares sobre PP e FC, percebemos que apesar dos esforços em promover aproximações entre estes dois temas, ainda são incipientes as contribuições a partir de estudos e reflexões vindas do “chão da escola” como potencialidade para maximizar e propor processos formativos mais próximos aos anseios e necessidades dos professores, fato que pode ser percebido quando os professores enfatizam o fato de não serem consultados sobre suas necessidades (sobre isso, ver as preocupações presentes na nota de rodapé 5 deste artigo).

Em que pese às discussões sobre a PP e seu entorno, reconhecemos que é preciso tencionar esforços no sentido de descortinar cenários, colocando os atores como protagonistas no processo de formação, inclusive, responsabilizando-os conjuntamente com a escola, por sua própria auto-formação, qualificando estas ações a partir das experiências, necessidades e expectativas que compõem o contexto escolar, potencializando desta forma, o processo de ensino-aprendizagem, pensando a FC como uma potência para o desenvolvimento profissional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreender a PP dos professores de EF identificando os desafios e dificuldades que se constituem em subsídios para pensar a FC representa um avanço na possibilidade de qualificar as ações e diminuir o distanciamento entre as necessidades que emergem da docência no contexto escolar e as propostas desenvolvidas, estruturando desta forma propostas e programas que contemplem e considerem a realidade de cada contexto, favorecendo desta forma, as ações em torno da melhoria do processo ensino-aprendizagem e das especificidades do campo da EF escolar.

Nesta esteira, entendemos que a análise da PP tem se apresentado como um caminho a ser explorado na construção de projetos de FC, permitindo maior comprometimento e subsídios teóricos e pedagógicos para o ensino da EF, promovendo a aproximação entre os pares. Ao ampliar e qualificar a percepção sobre as demandas que emergem da docência, percebemos que o processo de organização/planejamento e proposição de programas de FC representa um assunto nevrálgico para pensarmos uma EF cada vez mais significativa no contexto escolar.

Destarte, inferimos que os desafios identificados se constituem à luz da análise e do referencial teórico que discute o tema e que ambos têm se constituído em subsídios para se pensar ações de FC por emergirem da docência e indicarem elementos que fazem parte do contexto escolar influenciando na PP e, ao considerar as demandas que emergem do cotidiano escolar, estaremos aproximando os anseios dos professores com as possibilidades de intervenção que se apresentam a partir da reflexão, discussão e estudo nestes processos formativos. Por outro lado, e isso há de ficar claro, propostas de FC não podem ficar reféns da percepção de professores - inclusive, elas devem ser criticadas no processo de amadurecimento de propostas de FC pautados no diálogo e no estudo.

Reconhecemos, no entanto, que qualificar a percepção sobre a PP consiste em um movimento dialético no qual entra em debate também a relação entre a teoria e a prática, desdobrando-se em tensões que produzem novos caminhos para perceber como a FC pode contribuir e alicerçar a tomada de decisões dos professores frente aos desafios que se apresentam no fazer pedagógico, exigindo intervenções cada vez mais articuladas e contextualizadas com a realidade, elevando assim a capacidade contributiva da FC de enfrentamento aos desafios que emergem da docência.

Para tanto, é preciso reconhecer a necessidade de se ampliar a discussão e considerar as tensões entre a ampla esfera educacional e as especificidades em relação à EF, o contexto de atuação destes profissionais, os saberes pessoais e profissionais adquiridos e acumulados ao longo da vida profissional, bem como compreender que a PP é fruto de um processo contínuo que requer um constante ato de revisitar, refletir e ressignificar as formas de intervenção.

Assim, a PP representaria uma possibilidade de potencializar as propostas de FC, delineando novos caminhos e abordagens a partir das demandas que emergem de sua percepção, desdobrando-se em contribuições para qualificar o processo de ensinar EF no contexto escolar. Desta forma, ao qualificarmos nossa compreensão sobre as especificidades da PP de professores de EF, abrem-se caminhos para ampliarmos horizontes e evidenciarmos a importância da EF para a sociedade. Nesta perspectiva, estabelecer nexos entre a PP e FC se constitui como elemento importante para ressignificar compreensões, identificar contribuições, e redimensionar relações no sentido de potencializar estas práticas no campo da EF.

Para concluir, destacamos que as tensões que emergem do esforço de considerar e compreender a complexidade da PP permite colocar em debate a importância da intervenção pedagógica no contexto escolar, a qual requer estudo (com profundidade), reflexão, planejamento, sistematização, bem como, sensibilidade e diálogo, num processo continuo de construção da identidade docente. Essa é uma tarefa complexa, mas, se nos situarmos como profissionais da educação, professores de EF, protagonistas na busca de uma prática capaz de romper com o estereótipo do professor “rola bola”, contribuiríamos para a qualificação teórico-pedagógica e para com a legitimação da EF escolar.

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AGRADECIMENTOS Agradecemos aos Professores de Educação Física da Coordenadoria Regional de Educação de Seara/SC, participantes da pesquisa pelas contribuições

FINANCIAMENTONão se aplica

CONSENTIMENTO DE USO DE IMAGEM Não se aplica

APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas da Universidade Comunitária da Região de Chapecó, Número do CAAE: 18910919.0.0000.0116 e Parecer: 3.593.307 em 23 de setembro de 2019

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PUBLISHER Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação Física. LaboMídia - Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva. Publicado no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade

EDITORES Mauricio Roberto da Silva, Giovani De Lorenzi Pires, Rogério Santos Pereira

EDITOR DE SEÇÃO Juliana Silveira

REVISÃO DO MANUSCRITO E METADADOS João Caetano Prates Rocha; Keli Barreto

Recebido: 08 de Março de 2021; Aceito: 07 de Julho de 2021

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