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Revista Práxis Educacional

versão On-line ISSN 2178-2679

Práx. Educ. vol.18 no.49 Vitória da Conquista  2022  Epub 04-Jul-2023

https://doi.org/10.22481/praxisedu.v18i49.10925 

Artigos

CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO ENSINO MÉDIO NO BRASIL: UM ESTUDO HISTÓRICO

CONSTRUCTION OF HIGH SCHOOL IDENTITY IN BRAZIL: A HISTORICAL STUDY

CONSTRUCCIÓN DE LA IDENTIDAD DE LA ESCUELA SECUNDARIA EN BRASIL: UN ESTUDIO HISTÓRICO

Fabiane Habowski1 
http://orcid.org/0000-0002-6385-7445

Fabiane de Andrade Leite2 
http://orcid.org/0000-0002-4967-233X

1Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) - Cerro Largo, RS, Brasil; fabihabowski@gmail.com

2Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS)- Cerro Largo, RS, Brasil; fabianeandradeleite@gmail.com


RESUMO:

Neste artigo apresentamos um estudo historiográfico realizado com o objetivo de identificar aspectos que contribuíram para caracterizar a identidade do Ensino Médio (EM) no Brasil. A relevância da investigação encontra-se diante das novas proposições curriculares realizadas a partir da Lei 13.415/2017, denominada Novo EM. Realizamos um estudo qualitativo historiográfico analisando documentos parametrizadores do ensino brasileiro com foco no EM, em que tomamos como ponto de partida a Reforma Francisco Campos. Como resultados destacamos que a identidade do EM foi sendo alterada no decorrer dos anos a partir das novas demandas curriculares propostas. A identidade do EM no Brasil passou de uma perspectiva de ensino que se restringia a elite governante do país, seguida de uma formação profissional técnica e, por fim temos como característica marcante o desenvolvimento do protagonismo juvenil por meio da flexibilização curricular. Portanto, ressaltamos a importância em refletirmos acerca das contribuições históricas para a construção do EM no Brasil no sentido de promovermos novos entendimentos da necessidade de mudança curricular para essa etapa da Educação Básica.

Palavras-chave: educação básica; historiografia; demandas curriculares.

ABSTRACT:

In this article we present a historiographical study carried out with the objective of identifying aspects that contributed to characterize the identity of High School (EM) in Brazil. The relevance of the investigation lies in the face of new curricular propositions made from Law 13.415/2017, called New High School. We carried out a qualitative historiographical study analyzing parameterizing documents of Brazilian education with a focus on EM, in which we took the Francisco Campos Reform as a starting point. As a result, we highlight that the identity of the EM was being changed over the years from the new curricular demands proposed. The identity of the EM in Brazil went from a teaching perspective that was restricted to the country's ruling elite, followed by technical professional training and, finally, we have as a striking feature the development of youth protagonism through curricular flexibility. Therefore, we emphasize the importance of reflecting on the historical contributions to the construction of EM in Brazil in order to promote new understandings of the need for curricular change for this stage of Basic Education.

Keywords: basic education; historiography; curricular demands.

RESUMEN:

En este artículo presentamos un estudio historiográfico realizado con el objetivo de identificar aspectos que contribuyeron a caracterizar la identidad de la Escuela Secundaria (EM) en Brasil. La relevancia de la investigación radica frente a las nuevas propuestas curriculares realizadas a partir de la Ley 13.415/2017, denominada Nueva Escuela Secundaria. Realizamos un estudio historiográfico cualitativo analizando documentos parametrizadores de la educación brasileña con foco en la EM, en el que tomamos como punto de partida la Reforma Francisco Campos. Como resultado, destacamos que la identidad de la EM fue cambiando a lo largo de los años a partir de las nuevas demandas curriculares propuestas. La identidad de la EM en Brasil pasó de una perspectiva de enseñanza restringida a la élite dirigente del país, seguida de la formación técnico profesional y, finalmente, tenemos como característica destacada el desarrollo del protagonismo juvenil a través de la flexibilidad curricular. Por lo tanto, destacamos la importancia de reflexionar sobre las contribuciones históricas a la construcción de la EM en Brasil para promover nuevas comprensiones sobre la necesidad de cambios curriculares para esta etapa de la Educación Básica.

Palabras clave: educación básica; historiografía; demandas curriculares.

Introdução

Com o objetivo de identificar aspectos históricos que contribuíram para caracterizar a identidade do Ensino Médio (EM) no Brasil, realizamos o presente estudo em que apresentamos uma discussão acerca de documentos brasileiros que tratam da temática. Partimos da compreensão que o olhar histórico tem a função de construir, a partir do presente uma visão sobre o passado caracterizada como uma investigação interpretativa. Considerando a importância histórica na compreensão dos aspectos da atualidade, entendemos que a discussão proposta é necessária frente à implantação de novas perspectivas para o EM brasileiro por meio da Lei 13.415/2017, que trata do Novo EM. Com a nova realidade de EM sendo implementada no Brasil, ressaltamos que pesquisar e refletir acerca de políticas educacionais é urgente e desafiador, pois, na medida em que vivenciamos diferentes contextos escolares, suscitam inquietações acerca de compreensões subjetivas de currículo. Ainda, destacamos que os estudos são recentes e, com isso, escassos no que se refere às compreensões acerca desta nova política educacional.

No que se refere às políticas educacionais Azevedo e Aguiar (2001) afirmam que elas correspondem a um campo da educação, porém, ainda não está consolidado em termos de referências analíticas e metodológicas consistentes, acarretando indefinições epistêmicas, resultante da crise de paradigmas que afeta as ciências sociais e humanas na contemporaneidade. Tal crise é decorrente das mudanças estruturais que perpassam as sociedades, afetando assim, os próprios processos de interpretação da realidade social. Também, a política educacional é tratada na qualidade de componente do conjunto de políticas públicas e, portanto, entendida como expressão da ação do Estado, materializada em programas e projetos educacionais, “[…] que se encarrega, em última instância, de fazer emergir múltiplos objetos em que se transmuda a sua temática e dos quais vão se ocupar os pesquisadores que para esse campo de pesquisa convergem” (AZEVEDO; AGUIAR, 2001, p. 50).

Assim, embates em discussões que tratam das políticas curriculares no Brasil têm sido recorrentes no cenário educacional. Ao longo da história da educação brasileira, a temática tem gerado diferentes posicionamentos, que refletem dubiedade de compreensões, conforme afirma Krawczyk e Ferreti (2017). De acordo com os autores, “[…] há falta de consenso em torno de que ensino médio se quer para o País, o que justifica as constantes reformas na sua estrutura, passando de uma organização única a uma organização com diferentes orientações e vice-versa” (KRAWCZYK; FERRETI, 2017, p. 35).

Nas últimas décadas, as discussões sobre o EM têm se destacado, principalmente, pelo fato desta etapa de ensino apresentar os piores índices educacionais no Brasil (KUENZER, 2009). Nesse sentido, ao longo da história da Educação Básica (EB) brasileira, várias propostas de alteração curricular foram realizadas buscando, sempre, proporcionar uma formação mais qualificada para os estudantes neste nível de ensino. Dessa forma, entendemos a importância em empreender um estudo que resgate historicamente aspectos referentes às políticas públicas para o EM no Brasil.

Se por muitos anos finalizar a última etapa da EB era uma perspectiva restrita às camadas privilegiadas da população, nos últimos anos essa realidade se transformou, produzindo grandes desafios. Quando os adolescentes que agora estão ingressando no EM realmente aprenderem em sintonia com o mundo em que vivem, estaremos diante de um processo real de democratização do ensino e não simplesmente de progressiva massificação (KRAWCZYK, 2011).

Podemos destacar que, dentre os diversos desafios apontados para o EM, ganha destaque a necessária ampliação da oferta, a evasão escolar, a diminuição das taxas de abandono e reprovação, a qualidade e, com isso, a busca por uma definição de uma identidade mais clara para essa etapa de ensino. Assim, entendemos que o Brasil, como os demais países da América Latina, está empenhado em promover reformas na área educacional que permitam superar o quadro de extrema desvantagem em relação aos índices de escolarização e de nível de conhecimento que apresentam os países desenvolvidos. Em relação ao EM, as propostas de reforma se pautam nas constatações sobre as mudanças no conhecimento e seus desdobramentos, no que se refere à produção e às relações sociais de modo geral. Nesse sentido, nos propomos a realizar um estudo histórico tendo como questão norteadora: Quais características marcam a identidade do EM no Brasil a partir da Reforma Francisco Campos?

Metodologicamente, o presente estudo caracteriza-se como uma pesquisa de natureza qualitativa, segundo Lüdke e André (2001). A realização de uma abordagem histórica marca nosso interesse em analisar as formas como a questão de temporalidade/historicidade constituem a identidade do EM brasileiro hoje proposto pela legislação. Sendo que foram utilizados, para efeitos de estudo, documentos parametrizadores da EB brasileira, tais como decretos e leis referentes à temática. Assim, a discussão apresentada objetiva identificar aspectos históricos que contribuíram para caracterizar a identidade do EM no Brasil.

O processo de estudo possibilitou organizar os dados obtidos por meio do processo de análise historiográfica em três momentos históricos. O primeiro momento histórico é marcado pelo processo de organização do EM no Brasil considerando como ponto de partida a Reforma Francisco Campos, na sequência discorremos acerca dos documentos que definem nossas Leis de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e, finalizamos com uma discussão com foco na proposição do EM Integrado até o Novo EM.

Nesse sentido, partimos da compreensão de que tratar de aspectos históricos acerca de uma determinada temática, tanto em estudos acadêmicos, quanto por meio de decretos e leis, possibilita adentrar em aspectos epistemológicos relacionados a compreensões acerca das intenções que marcam a identidade do tema abordado. Assim, realizamos um levantamento histórico, buscando caracterizar o EM ao longo da história da educação brasileira.

O processo de organização do Ensino Médio Brasileiro

A Reforma Francisco Campos é um marco histórico importante para o EM no Brasil por proporcionar uma nova organização deste nível de ensino. De acordo com Dalabrida (2009, p. 188), a reforma “[...] homogeneizou, de forma inédita, a cultura escolar do ensino secundário brasileiro, pois estabeleceu oficialmente procedimentos administrativos e didático-pedagógicos para todos os ginásios do território nacional”.

Ainda, segundo Machado e Gonçalves (2020), eram as instituições de ensino que, do final do século XIX até as primeiras décadas do XX, carregavam a crença de tornar possível a produção e reprodução das formas sociais de vida requeridas para a inclusão da criança na sociedade. Tal percepção era possibilitada pelo entrelaçamento entre projetos de sociedade e de educação em que a escola pode ser encarada como uma espécie de vetor social, tornando-se responsável pela integração de múltiplos referenciais culturais e pelo estabelecimento das normas e valores determinantes da representação que a sociedade irá fazer de si mesma. Assim, há uma relação estreita entre a educação/instrução e a forma de governo.

Para tanto, tomamos como objeto de investigação documentos que regem a legislação brasileira no que se refere ao sistema de ensino voltado para a EB. O ponto de partida do estudo foi a Reforma Francisco Campos em 1931, tendo em vista que trata do primeiro documento realizado no Brasil que busca organizar o ensino secundário. Também fizeram parte do estudo as LDB- (1961, 1971, 1996), a Constituição Federal de 1988, decretos relacionados a esta etapa de ensino (Decreto nº 2. 208/1997- Educação Profissional e Decreto 5.154- EM Integrado); Programa Ensino Médio Inovador - ProEMI-2009 e a Lei 13.415/2017 que institui o Novo EM. Assim, delineamos um debate em torno da construção da identidade e função do EM, enquanto parte do sistema de ensino a partir de suas reformas e respectivas alterações.

A denominada Reforma Francisco Campos marcou a construção de uma nova estrutura no conjunto educacional brasileiro. Essa reforma teve ênfase na modernização do ensino secundário e conferiu organicidade à cultura escolar deste nível (DALLABRIDA, 2009). As principais medidas implantadas foram o aumento do número de anos do curso secundário e sua divisão em dois ciclos, a seriação do currículo, a frequência obrigatória dos alunos às aulas, a imposição de um sistema de avaliação discente, bem como a reestruturação do sistema de inspeção federal.

Com a referida reforma, o ensino secundário passa de cinco para sete anos de duração. Segundo o Decreto 19.890 de 18 de abril de 1931, citado por Dallabrida (2009, p. 186, grifos do autor), também, passa a ser organizado em dois ciclos:

O primeiro ciclo, chamado ‘fundamental’, com um período de cinco anos, era um curso comum a todos os estudantes secundaristas e conferia formação geral. A segunda fase do ensino secundário, o ‘ciclo complementar’, formado por dois anos, era propedêutico para o curso superior e apresentava um leque de três opções: ‘para os candidatos à matrícula no curso jurídico’, ‘para os candidatos nos cursos de medicina, farmácia e odontologia’ e ‘para os candidatos nos cursos de engenharia ou de arquitetura’.

Mencionamos Santos (2010), quando enfatiza que o EM se estrutura, definitivamente, como curso de estudos regulares com a Reforma Gustavo Capanema, em 1942. Nesse período surgem os cursos colegiais divididos entre científico e clássico, com duração de três anos. No caso do ensino técnico-profissionalizante, embora a demanda econômica por ele fosse maior, ainda era relativamente desprezado pelas classes média e alta, que almejavam o ensino superior. Isso também ocorria porque quem fizesse o técnico não poderia prestar exames para o superior; para isso era necessário o ensino secundário integral. Ou seja: aqueles que se voltavam para a formação técnica eram os mais carentes, que buscavam oportunidade de trabalho, e, por essa “escolha”, praticamente encerravam as possibilidades de um curso universitário posterior (SANTOS, 2010).

Como resultado de um novo panorama sócio econômico, devido ao surto industrial ocorrido no Brasil na década de 1920, o estilo de vida do brasileiro se modificou. E no que se refere à educação, verificou-se um desajuste funcional do ensino secundário em relação à realidade social apresentada. Nesse período, a evasão escolar se mostrou muito grande. Menos de 10% dos alunos que buscavam o ensino secundário em 1945 ingressavam na educação superior.

Assim, destacamos, como consequência mais direta desse período de reforma para a construção de uma identidade do EM brasileiro no período, a formalização de um ensino secundário excludente e elitizado. A ideia de educação defendida era a de um ensino para a formação de uma elite pensante, que levasse adiante o progresso econômico do país.

Ensino Médio nas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

Com o final da ditadura do Estado Novo, o Brasil teve o governo de Café Filho. Nessa época da história do Brasil a educação buscava por uma LDB, que somente foi sancionada em 1961, como Lei nº 4.024, sendo, então, a primeira LDB. No documento da LDB a educação de grau médio destinava-se à formação de adolescentes e estabelecia que o curso secundário teria o mesmo plano de igualdade dos cursos técnicos e dos pedagógicos (SANTOS, 2010).

A LDB/61 está subordinada à Constituição de 1946, a primeira a estabelecer a responsabilidade da União em legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional (art. 5º, item XV, letra d). Desta maneira, a legislação organiza os níveis educacionais em: educação pré-primária para crianças até sete anos; ensino primário, de caráter obrigatório, a partir dos sete anos, tendo duração mínima de quatro anos. E, em seguida, a educação de grau médio. O EM era subdividido em dois ciclos: o ginasial, que compreende o atual ensino fundamental; e o colegial, que corresponde ao atual EM. Os dois ciclos apresentam ainda a ramificação em três tipos de cursos: o secundário, também denominado científico; o técnico, que poderia ser desmembrado em outros três cursos: industrial, agrícola e comercial; e, ainda, os de formação do magistério para o ensino primário e médio (LARA, 2013).

Segundo Lara (2013), ficou estabelecido que o ensino de grau médio teria como período mínimo de trabalho escolar de cento e oitenta dias de ano letivo de trabalho efetivo, excetuando o período reservado para provas e exames; vinte e quatro horas semanais de aula para o ensino de disciplinas e práticas educativas. Também era obrigatório o cumprimento do programa dentro do prazo para os trabalhos escolares, bem como a educação moral e cívica do educando, e oferecimento de atividades complementares de iniciação artística e a instituição da orientação educativa e vocacional em cooperação com a família. A frequência era obrigatória, e apenas seria permitida a realização dos exames finais, em primeira época, o aluno que havia comparecido, no mínimo, a 75% das aulas dadas.

Essa legislação apresentou pequenos avanços e alguns retrocessos, segundo Romanelli (1978), o avanço mais significativo foi em relação ao currículo, pois este deixou de ser fixo e rígido, como era verificado nas determinações anteriores. O progresso aconteceu mais em relação à legislação, ou seja, na prática, as escolas continuaram fazendo o que já faziam, com os recursos materiais e humanos que já tinham, e que, em essência, não mudaram. No ensino secundário, a situação era outra, pois o quadro de variações de currículo admissíveis era mais amplo: admitiam-se quatro modelos de currículos, entre o científico e técnico, além da formação de Professores para o magistério.

Convém mencionar também, a diminuição no número de disciplinas ao longo do curso secundário, especialmente, na terceira série do ciclo colegial, pois no ciclo ginasial a lei previa nove disciplinas. Nas duas primeiras séries do ensino colegial, a previsão era de oito disciplinas, além das práticas educativas, sendo optativas apenas uma ou duas. A terceira série do ciclo colegial era o que apresentava caráter mais propedêutico com o objetivo de preparar o estudante para o curso superior (LARA, 2013).

Assim, podemos destacar a importância da LDB/61, como sendo a primeira, que posteriormente, serviu de modelo para as demais. Apesar de ter permitido a equivalência entre os ramos do ensino, manteve a problemática da dualidade quando afirma que o EM seria ministrado em dois ciclos, o ginasial e o colegial.

Com o golpe Militar em 1964, sob a justificativa de segurança nacional, tem início um período de limitação e até mesmo de exclusão do estado de direito. Há uma profunda reforma da EB promovida pela Lei nº 5.692/71- Lei da Reforma do Ensino de 1º e 2º Graus. O ensino é visto como instrumentalização para o trabalho e uma forma de controle ideológico. Criou-se a generalização do ensino profissionalizante no nível médio ou 2º grau. Era uma forma de criar mão-de-obra especializada e qualificada para atender ao chamado “milagre econômico”. Entretanto, essa organização escolar limitava-se às escolas públicas, isto que as escolas particulares continuavam com os currículos propedêuticos voltados para as ciências, letras e artes, visando o atendimento do público proveniente das elites (SANTOS, 2010).

Ainda, segundo Kuenzer (1988), além do objetivo econômico de maximização da produção e redistribuição da renda, como consequência da qualificação, a educação passou a ser considerada como fator de desenvolvimento da consciência política. “Assim concebida, a educação seria fator de crescimento econômico e de segurança, à medida que impediria a eclosão de antagonismos decorrentes do modelo adotado” (KUENZER, 1988, p. 43).

Da mesma forma, a ideia de qualificação pensada foi a de nível secundário, pois a reforma de 2º grau foi planejada para dispersar a demanda pelo ensino superior com a educação profissionalizante, e, assim, continuar selecionando apenas os mais capazes para a Universidade, enquanto dava ocupação aos menos capazes (ROMANELLI, 1978).

Conforme Lara (2013), a política educacional adotada após 1964 buscava atender quantitativamente à demanda social por educação. No entanto, a crise econômica do início da década de 60, levou a uma situação de contenção de gastos, de modo que a expansão do ensino poderia comprometer a política econômica do Governo. O crescimento na área educacional ocorreu, mas com limitações, e, ao final das contas, não atendeu às demandas, o que gerou o agravamento da crise. Foi nesta conjuntura de crise que o governo encontrou a justificativa perfeita para o estabelecimento dos acordos assinados entre o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e as Agências Internacionais. Como afirma Romanelli (1978, p. 209, grifos do autor):

O aspecto mais relevante desses acordos consiste no fato de todos eles se valerem da crise existente no sistema educacional como pretexto para ‘justificar’ a necessidade de cooperação. Na verdade, a crise, em si, não era a condição básica para esses programas de cooperação, mas sim, segundo o que podemos perceber, a necessidade de se anteciparem projetos de reformas que ‘preparassem’ o sistema educacional para contribuir ou atuar mais eficazmente, na fase de retomada da expansão, já então prevista pelo setor externo, dadas as condições de viabilidade criadas pelo setor interno […] o momento era propício para essa intervenção, porque estavam asseguradas as pré-condições políticas e econômicas da retomada da expansão e havia, para tanto, uma condição objetiva ‘justificando-a’.

Destacamos, também, Kuenzer (1988), ao indicar que, além do objetivo econômico de maximização da produção e redistribuição da renda, como consequência da qualificação, a educação passou a ser considerada como fator de desenvolvimento da consciência política. Mediante essa compreenção a educação é vista como fator para a geração de segurança e crescimento econômico, ao passo que também impediria o surgimento de antagonismos decorrentes deste modelo (KUENZER, 1988).

A Lei 5.692/71, modificou sensivelmente a estrutura do ensino, fixando, por exemplo, a obrigatoriedade escolar para oito anos, na faixa etária que vai dos 7 aos 14 anos. Este fator foi importante, pois levou o Estado a assumir a educação como sua responsabilidade. Mas como tornar obrigatório, sem antes estender o acesso a todas as camadas sociais? A mudança na estrutura ocorreu em dois planos. No plano vertical, a ampliação da obrigatoriedade do ensino acarretou a unificação entre o nível primário e o ginasial. Desta forma, eliminaram-se os exames de admissão que existiam entre esses dois níveis, e que representava o primeiro instrumento de segregação educacional do sistema de ensino. No plano horizontal, a modificação ocorreu na tentativa de eliminação do dualismo entre a escola secundária ou propedêutica e a escola técnica (LARA, 2013). Entendemos que a Lei 5.692/71 apresentou alguns avanços, como, por exemplo, teve-se a integração geral do sistema escolar desde o 1º grau até o ensino superior, como também a obrigatoriedade do EM, além da eliminação de parte do esquema seletivo das escolas.

Dando continuidade a essa perspectiva histórica, destacamos que a história do EM é marcada pelo conflito, pois na Constituinte formada para elaboração da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), as forças de coalizão interessadas nos assuntos relativos à educação também divergiam na tentativa de fazer valer interesses próprios. Com o processo de redemocratização do país, nos finais dos anos 1980 e início de 1990, ocorreu a promulgação da Constituição Federal de 1988.

Em seguida, na educação, teve-se a aprovação de uma nova LDB, a lei nº 9.394/1996, ficando organizada da seguinte forma: ensino infantil (creches e a antiga pré-escola), fundamental (antigas 1ª a 8ª séries), médio (antigo segundo grau), profissionalizante e superior. Para o EM, é dada a nova identidade de etapa final à EB e a função principal é consolidar a formação geral do educando, oferecendo-lhe uma formação ética e autonomia intelectual.

Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de 1998, o ensino deixa de ser centrado unicamente no conhecimento e passa a ser orientado pela construção de competências e habilidades articuladas nas áreas de representação e comunicação, investigação e compreensão, e contextualização sociocultural, tendo como eixos norteadores a interdisciplinaridade e a própria contextualização. Para facilitar o trabalho em uma perspectiva interdisciplinar, as disciplinas que tinham objetos de ensino comuns foram agrupadas em três áreas de conhecimento e suas respectivas tecnologias: Linguagens e Códigos, Ciências da Natureza e Matemática e Ciências Humanas (BRASIL, 2000).

Contudo, esta última etapa da EB, passou a ser obrigatória e oferecida gratuitamente pelas escolas públicas, sendo que a sua gestão ficou a cargo dos governos estaduais. Nesse período, foi proposto, segundo Nascimento (2007, p. 85),

[…] uma nova formulação curricular incluindo competência básicas, conteúdos e formas de tratamento dos conteúdos coerentes com os princípios pedagógicos de identidade, diversidade e autonomia, e também os princípios de interdisciplinaridade e contextualização, adotados como estruturadores do currículo do Ensino Médio.

Sendo assim, A LDB de 1996 veio para substituir sua versão anterior, de 1971, e ampliar os direitos educacionais, a autonomia de ação das redes públicas, das escolas e dos professores e deixar mais claras as atribuições do trabalho docente, com a inclusão de horas de estudo pedagógico.

Do Ensino Médio Integrado ao Novo Ensino Médio

Surgiu em 1997, o decreto nº 2.208 que visava estimular o EM integrado à educação profissional, enfatizando a educação científica e humanística, por meio da articulação entre formação geral e educação profissional. O EM Integrado, presente nas escolas técnicas até hoje, possibilita que o aluno frequente um curso com currículo planejado com os conhecimentos do EM básico e as competências da educação profissional.

A definição do Decreto nº 2.208/1997, conforme Santos (2007), esteve de acordo com o contexto dos anos 1990, ou seja, com a elevação da EB à condição de prioridade política para a inserção do país no mundo competitivo: globalizado e neoliberal. Assim sendo, a relação estabelecida entre educação e trabalho, no contexto da globalização neoliberal no Brasil, é de que a educação é o meio de capacitar pessoas para fortalecer o mercado de trabalho, de preferência, com uma qualificação aligeirada. A ideia de revogar o Decreto nº 2.208/1997 e substituí-lo por outro ganhou força porque, segundo Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005, p. 31), só a revogação do Decreto nº 2.208/1997 “[…] não garantiria a implementação da nova concepção de EM e educação profissional e tecnológica”.

Em 2004, a partir do decreto 5.154, surge o EM Integrado, visando uma educação humana integral, se estruturavam tendo o trabalho como princípio educativo, fundamentado no conceito de formação politécnica, vinculada a um eixo de organização curricular integrado, compreendendo o trabalho, a ciência e a cultura (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005).

Conforme Ciavatta (2005), o desafio de se construir uma proposta de formação integral, que seja congruente entre a prática pedagógica e a formação sócio-política do sujeito, requer que ele seja concebido como um ser histórico-social concreto, capaz de conhecer e reconhecer a realidade que o cerca, e ao mesmo tempo, transformá-la de acordo com as suas necessidades.

Então, surgiu uma nova possibilidade de concepção de EM, a partir da articulação entre a educação profissional técnica de nível médio e o EM propedêutico na modalidade integrada.

Em 2009 é lançado o ProEMI, programa que foi instituído pela Portaria Ministerial nº 971/2009 e, embora sem caráter obrigatório, estabeleceu a progressão da carga horária de 2400 para 3000h, fundamentada nos princípios da educação humana integral e politécnica (JAKIMIU; SILVA, 2016). O ProEMI estabeleceu princípios, onde o trabalho, as ciências, e as tecnologias são considerados princípios educativos no EM. Os novos meios de produção, os conhecimentos produzidos e sistematizados devem ser adequados ao novo contexto social. A cultura é entendida como uma criação da sociedade a partir de valores, normas de conduta, conceitos de ética e de estética da sociedade dentro de um contexto (BRASIL, 2009).

Segundo Tavares (2018), o ProEMI também propôs o estímulo às novas formas de organização das disciplinas, articulada a atividades integradoras, partindo das inter-relações existentes entre os eixos que constituem o EM que são: trabalho, ciência, tecnologia e cultura. O EM deveria oferecer base aos estudantes para aprenderem a concepção de produção, manutenção e transformação de bens e serviços, o processo histórico da produção científica e tecnológica, o desenvolvimento e a apropriação social desses conhecimentos que interferem nas condições naturais da vida, ampliando suas capacidades, potencialidades e sentidos.

Destacamos que o ProEMI foi pautado pela necessidade de proporcionar aos estudantes, situações de aprendizado significativas, com currículo mais dinâmico, aproximando a escola dos interesses e da cultura dos jovens, proporcionando uma formação integral para atender as expectativas e as demandas da sociedade contemporânea.

Assim, buscar a ressignificação da escola pública implica reconhecer a necessidade de constantes mudanças e a certeza de que as práticas pedagógicas devem ser revistas, questionadas e reajustadas sempre que necessário. Segundo Negrão (2020), o EM, inserido em um cenário de disputas no campo das políticas públicas na contemporaneidade, vem sendo constituído como um território de lutas políticas e sociais, tanto no que diz respeito a sua finalidade quanto a distintos projetos de sociedade, intensificados a partir de 2016, mediante ações de caráter autoritário, consubstanciadas em reformas educacionais, justificadas pela pretensa urgência na contenção dos gastos em áreas sociais, com particular atenção à EB.

O processo de materialização da reforma do EM no Brasil, discutido de forma mais intensa na última década, se consolidou por meio da Lei Federal 13.415/2017. Porém, conforme Gonçalves (2017, p. 134), a reforma surpreendeu a todos, pois “[…] foi por meio da Medida Provisória 746, publicada em 22 de setembro de 2016, que a sociedade brasileira tomou conhecimento das mudanças que estavam sendo pensadas para essa etapa da EB”.

Com isso, entendemos que, mesmo diante de um processo de reformulação do EM brasileiro, o caminho traçado para a construção nas escolas teve um início conturbado, pois não reconhecemos as medidas provisórias como sustentação para mudanças educacionais tão significativas no Brasil. A Lei nº 13.415 foi sancionada pelo presidente Michel Temer, tornando a Reforma do EM algo concreto. Além das aprendizagens comuns e obrigatórias, definidas pela Base Nacional Comum Curricular para o Ensino Médio (BNCCEM), os estudantes poderão escolher se aprofundar naquilo que mais se relaciona com os seus interesses e talentos, são os itinerários formativos (BRASIL, 2017).

Com a implantação de um currículo flexível, composto por uma etapa geral com carga horária de 1.800 horas, que deve responder à BNCCEM, mais 1200 horas, distribuídas nos itinerários formativos a serem implantados de acordo com a disponibilidade orçamentária das unidades escolares e de sua infraestrutura (RIO GRANDE DO SUL, 2019).

No que se refere aos Itinerários Formativos, observamos que tratam de:

[...] cada conjunto de unidades curriculares ofertadas pelas instituições e redes de ensino que possibilitam ao estudante aprofundar seus conhecimentos e se preparar para o prosseguimento de estudos ou para o mundo do trabalho de forma a contribuir para a construção de soluções de problemas específicos da sociedade (BRASIL, 2018, p. 2).

Quanto aos itinerários formativos, segundo a Lei 13.415/2017, o estudante poderá escolher qual o itinerário irá cursar, voltado as quatro áreas do conhecimento: Linguagens e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias, Ciências Humanas e Sociais Aplicadas e Formação Técnica e Profissional. Importante destacar, que as redes têm autonomia para definir a escolha dos itinerários oferecidos, considerando suas particularidades e os anseios dos professores e estudantes (RIO GRANDE DO SUL, 2019).

Convém destacarmos Santos e Pereira (2020), que se referem sobre a gama de concepções de currículo, que perpassa tensões, conflitos políticos e econômicos, diferenças culturais e a não neutralidade por parte dos docentes para efetuar suas escolhas, bem como submeter-se aos interesses hegemônicos, que sempre estão regulando o universo escolar e as diversas áreas de conhecimento.

Também, nesta nova proposta, torna-se obrigatório que o projeto de vida dos estudantes seja desenvolvido em todas as escolas. Ou seja, desenvolver habilidades de como ser cooperativo, saber defender suas ideias, entender as tecnologias, compreender, respeitar e analisar o mundo ao seu redor. Além disso, terá apoio para escolher os caminhos que irá seguir no próprio EM e em seu futuro pessoal e profissional (BRASIL, 2017). O Novo EM busca, entre os seus objetivos, promover o protagonismo do estudante, a valorização da capacidade criativa dos Professores e a permanência escolar por meio de aprendizagem com qualidade (BRASIL, 2017).

Após período de observação e ajustes, no ano de 2022, todas as escolas de EM brasileiras já deverão estar com esta nova política educacional implementada. Assim, voltamos nossos esforços às políticas para o EM no Brasil, visto que essa etapa de ensino tem passado por um processo de reestruturação curricular na EB ao longo dos últimos anos.

Na análise de Araújo (2018), à abrangência e o alcance das alterações realizadas pela reforma configuram uma profunda alteração não somente no EM, mas na EB nacional, com repercussões sobre suas finalidades, seu financiamento, sobre o trabalho pedagógico e o trabalho docente, além da organização curricular e do futuro profissional dos egressos dessa etapa de ensino.

Corroboramos Gonçalves (2005, p. 13), ao mencionar que “[…] a educação nunca é neutra nem apolítica, pois envolve interesses que extrapolam o âmbito escolar”. Ainda, segundo Moll (2017), a Lei nº 13.415/2017 reitera processos de seleção e exclusão escolar, marcas históricas do EM brasileiro. Além disso, a referida Lei favorece mudanças na racionalidade organizacional do EM, afetando a lógica da gestão do sistema de ensino e o trabalho na escola pública, uma vez que contribui para oferecer um tipo de educação integral falsa e mínima, ao se levar em consideração sua de “[…] perspectiva tecnicista, de caráter regressivo que percorre toda a Lei” (KRAWCZYK; FERRETTI, 2017, p. 38).

Contudo, identificamos, que existe uma disputa de projetos de educação e sociedade. Ao longo das décadas que se passaram, vários foram os caminhos percorridos e muitas políticas e legislações foram propostas e instituídas, porém ainda nos questionamos: teria essa etapa de ensino o papel de formar seus estudantes para o acesso ao ensino superior? Ou será que seria a formação para o mundo do trabalho? Esta indagação vem ao encontro do pensamento de Krawczyk (2011, p. 755), quando afirma: “[…] na verdade o EM nunca teve uma identidade muito clara, que não fosse o trampolim para a universidade ou a formação profissional”.

Convém destacarmos Silva e Sheiber (2017), que apresentam a reforma do EM como um retrocesso social, oriundo dos anseios empresariais e da lógica do mercado. Atrelado aos apelos dos organismos internacionais, a referida reforma desencadeia uma concepção de educação vinculada à reprodução dos paradigmas sociais, desfavorecendo a construção de um modelo de educação que possibilite equidade nas demandas dos jovens com possibilidades de continuidades aos estudos, galgando o ensino superior.

A análise de Silva e Sheiber (2017, p. 27) consiste em afirmar que as concepções postas salientam que é preciso “[…] adequar a formação dessa juventude à lógica do mercado, pois apenas uma parte muito pequena dos concluintes da EB terá acesso à educação superior; é preciso reorganizar os currículos, dar ênfase ao preparo para os exames nacionais e internacionais”. Além das questões sinalizadas, Silva e Sheiber (2017) avaliam que o retrocesso dessa reforma amplia as possibilidades de mercantilização da educação e evidencia os entraves e os interesses dos grupos políticos e empresariais conservadores.

A realização de parcerias público-privadas passa a ser possível, além das previstas para a formação técnica e profissional, também para a realização de convênios para oferta de cursos a distância. Também aqui se faz presente a mercantilização da educação básica, que passa a compor não apenas a definição das finalidades e concepções que orientam os processos formativos escolares, mas também o financiamento público para a oferta privada da educação. Configura-se, assim, a hegemonia de uma perspectiva pragmática e mercantilizada do ensino médio público (SILVA; SHEIBER, 2017, p. 27).

Para Moll (2017), não há dúvida da necessidade de mudanças na estrutura do EM brasileiro. Porém, não é a redução da carga horária de determinados componentes curriculares, justo os que podem alargar a visão de mundo dos estudantes, que resolverá o problema. É preciso pensar em “[…] novos desenhos curriculares, alicerçados em projetos de investigação e de inserção, acompanhados por professores de diferentes áreas, em diálogo, podem nos levar a outro patamar de oferta da EB, bem como a qualificação da infraestrutura e da carreira docente” (MOLL, 2017, p. 72).

Ante este quadro em que, insistimos, a palavra de ordem é flexibilização, aumenta a responsabilidade dos profissionais de educação quanto aos rumos que poderá tomar a formação de nossos jovens.

[…] ou seja, sob a falácia da livre escolha, sob a falácia de atender o interesse do aluno, implanta-se na verdade um sistema em nome do qual os estados (e em muitos casos as próprias unidades escolares) estarão submetidos a conjunto muito escasso de condições de trabalho e ao rígido controle e responsabilização através das avaliações nacionais (KRAWCZYK; FERRETTI, 2017, p. 42).

Enfim, essas dúvidas são colocadas ao longo de todas as reformas propostas pelos governantes para esta etapa de ensino. Tudo isso demonstra o quanto o EM é dotado de um conjunto de complexidades que vão da sua concepção às suas finalidades, permitindo-nos afirmar que essa etapa da EB necessita de muita atenção do poder público.

Para tanto, são necessárias medidas equalizadoras que reflitam sobre a política educacional para o EM no Brasil no que tange desde a implantação até a execução, para que a ação individual de cada sujeito possa somar, compondo um todo, em benefício dos jovens, principalmente sendo estes sujeitos de direitos de educação com qualidade.

Conclusão

No presente estudo buscamos analisar o percurso histórico da política de EM no Brasil, desde a Reforma Francisco Campos de 1931 até o Novo EM - lei 13.415/2017. Cabe destacar que durante muito tempo em nosso país a educação se apresentou como um elemento utilizado pelas classes dominantes para manter seus privilégios, conservar sua condição perante a sociedade. Com isso, destacamos que o presente estudo histórico nos permitiu compreender que muitas das reformas educacionais para o EM foram direcionadas para o atendimento às necessidades impostas pelo contexto econômico e muitas foram as discussões para a articulação da formação propedêutica com a formação profissional.

Entretanto, devido as várias reformas no EM brasileiro, podemos afirmar que esta etapa de ensino, ainda, sofre com o conjunto de problemas que foram se acumulando sem a devida resolução, a qual destacamos, preparar o jovem para o mundo do trabalho ou para o ingresso à educação superior? Hoje, com a atual reforma do EM, pode-se dizer que ela tem a difícil missão de preparar os jovens para a vida a partir do seu projeto de vida.

A nova política para o EM no Brasil tem trazido à tona aspectos pertinentes acerca da construção de currículos escolares, visto que, tal reforma demanda a reconstrução do currículo, por meio da ampliação da carga horária e, também, da proposição dos itinerários formativos. Deste modo, cabe a reflexão de que reformular o currículo do EM não é garantia de melhoria na qualidade da EB pública, pois o investimento nessas instituições, sobretudo, estaduais e municipais, não têm atendido à necessidade de ensino de qualidade, por exemplo, no que se refere à melhoria de laboratórios, salas de aula, acervo bibliográfico, infraestrutura, recursos humanos-materiais-financeiros, número de Professores, dentre outros aspectos (MOURA, 2013).

Quanto ao papel da escola, os jovens procuram conhecimento que lhes possibilitem permanência e inclusão no trabalho ou continuidade nos estudos em nível técnico ou superior. Assim, estamos diante de um cenário desafiador, principalmente quando se pensa em uma formação integral, que pode ser proporcionada aos milhões de jovens brasileiros, onde se supere a dualidade e as várias formas de desigualdades presentes no contexto escolar brasileiro.

Referências

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SOBRE O/AS AUTOR/AS

3HABOWSKI. Fabiane; LEITE, Fabiane de Andrade. Construção da Identidade do Ensino Médio no Brasil: um estudo histórico. Revista Práxis Educacional, Vitória da Conquista, v. 18, n. 49, e10925, 2022. DOI: 10.22481/praxisedu.v18i49.10925

Recebido: 03 de Junho de 2022; Aceito: 31 de Outubro de 2022

Fabiane Habowski. Mestre em Ensino de Ciências pela Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Contribuição de autoria: Autora - http://lattes.cnpq.br/8039683571390930

Fabiane de Andrade Leite. Doutora em Educação nas Ciências pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ). Docente da Universidade Federal da Fronteira Sul. Contribuição de autoria: Autora - http://lattes.cnpq.br/710996465650942

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