SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.41Leituras de 1808 - Aspectos educativos, estéticos e cognitivos da recepção da obra a partir da Didática da HistóriaEducação não formal e o município educador: algumas experiências sociocomunitárias índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Acta Scientiarum. Education

versão impressa ISSN 2178-5198versão On-line ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.41  Maringá jan. 2019  Epub 01-Mar-2019

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v40i1.34728 

História e Filosofia da Educação

Estética, ética e formação na perspectiva adorniana

Estética, ética y formación en la perspectiva adorniana

Leônidas Melo Santos1  * 

Luciane Neuvald1 

1Universidade Estadual Centro Oeste, Rua Salvatore Renna, 875, 85015-430, Guarapuava, Paraná, Brasil.


RESUMO.

O artigo discute a relação entre estética, ética e formação na perspectiva adorniana. A pesquisa, de natureza bibliográfica, compreende a algumas obras de Adorno e de seus intérpretes. Na Dialética do Esclarecimento, Adorno e Horkheimer (1985) discutem criticamente a relação entre o mito e a racionalidade instrumental, pois o progresso do esclarecimento, ao valorizar uma razão de característica abstrata e dominadora, enfraqueceu o exercício da autorreflexão crítica e promoveu a regressão da consciência, cujo processo se expressa na semicultura e na barbárie. A obra de arte e a estética se opõem a esse processo e fortalecem a consciência e a razão emancipatória, constituindo-se em referencial de liberdade e de integração entre o trabalho intelectual e o manual.

Palavras-chave: indústria cultural; arte; emancipação; educação

RESUMEN.

El artículo discute la relación entre estética, ética y formación en la perspectiva adorniana. La investigación, de naturaleza bibliográfica, comprende algunas obras de Adorno y de sus intérpretes. En la Dialéctica del esclarecimiento, Adorno y Horkheimer (1985) discuten críticamente la relación entre el mito y la racionalidad instrumental, pues el progreso del esclarecimiento, al valorar una razón de característica abstracta y dominadora, debilitó el ejercicio de la autorreflexión crítica y promovió la regresión de la conciencia, cuyo proceso se expresa en la semitería y en la barbarie. La obra de arte y la estética se oponen a ese proceso y fortalecen la conciencia y la razón emancipatoria, constituyéndose en referencial de libertad e integración entre el trabajo intelectual y el manual.

Palabras-clave: industria cultural; arte; emancipación;educación

ABSTRACT.

The article discusses the relationship between aesthetics, ethics and training in the Adornian perspective. The research, of bibliographical nature, includes some works by Adorno and his interpreters. In the Dialectics of Enlightenment, Adorno and Horkheimer (1985) critically discuss the relation between myth and instrumental rationality, for the progress of enlightenment, by valuing a reason for abstract and dominating characteristic, weakened the exercise of critical self-reflection and promoted the regression of consciousness, the process of which are expressed in half education and barbarism. The art and aesthetics oppose this process and strengthen the consciousness and the emancipatory reason, constituting a reference of freedom and integration between the intellectual and the manual work.

Keywords: cultural industry; art; emancipation; education

Introdução

A Teoria Crítica tem suas origens vinculadas à criação do Institut für Sozialforschung - Instituto de Pesquisa Social - em Frankfurt, em 1922. Suas discussões abrangem, conforme o entendimento de Freitag (2004), os seguintes eixos temáticos: a dialética da razão, a crítica à ciência, a dupla face da cultura e a questão do Estado. Theodor Adorno e Max Horkheimer integraram o referido Instituto de Pesquisa e escreveram a Dialética do esclarecimento, que consiste em uma das obras mais emblemáticas da crítica à racionalidade burguesa. Na Dialética do esclarecimento (1985), os autores criticam o aspecto instrumental assumido pela razão no processo de desenvolvimento capitalista, no qual ela se coloca a serviço da dominação e do poder econômico. Nessas condições, a cultura se submete à lógica do consumo, às finalidades exteriores e aos apelos adaptativos, o que a faz perder seu potencial formativo. Para tanto, a indústria cultural organiza a cultura, de forma que ela se oriente por um único princípio: o princípio da mercadoria. Dessa forma, a crítica à racionalidade burguesa é corolária da crítica à indústria cultural. Esse pressuposto constitui o ponto de partida da primeira seção, que discute um dos temas centrais da Teoria Crítica: a dialética da razão. Esse pressuposto constitui o ponto de partida da primeira seção, que discute um dos temas centrais da Teoria Crítica: a dialética da razão, fundamentando-se na obra Dialética do esclarecimento (1985), de Adorno e Horkheimer, para quem a cultura possui duas dimensões: a adaptativa e a emancipatória.

O processo de desenvolvimento capitalista priorizou a adaptação à realidade e a autopreservação da vida, em detrimento de seu sentido emancipatório, que se volta para a constituição de indivíduos autônomos e aptos a autorreflexão crítica. Dessa forma, a cultura está a serviço dos valores de troca, transforma-se em mercadoria e converte-se em semicultura. Sob essa constituição, os bens culturais estão a serviço da regressão. A conscientização, a emancipação e a possibilidade de uma razão acolhedora e apta à alteridade representam a possibilidade de resistência à regressão. Elas são encontradas na experiência estética e na obra de arte.

Para explicar o vínculo entre esses termos, a segunda seção discute os conceitos de estética, ética e formação, fundamentando-se nas ideias de Adorno e de autores brasileiros que enfocam esses conceitos, dentre eles, Antônio Álvaro Zuin, Barbara Freitag, Jeanne Marie Gagnebin, Rodrigo Duarte e Renato Franco. A leitura desses autores contribui para a compreensão dos referidos conceitos e para o esclarecimento da relação entre arte e formação cultural.

A dialética da razão

Na Dialética do esclarecimento (1985), escrita por Adorno e Horkheimer, o processo de desenvolvimento da razão na sociedade burguesa primou pela autopreservação da vida e pela conciliação entre pensamento e realidade e pela identificação entre o sujeito e o mundo. Dessa forma, a cultura reproduz a barbárie, ou seja, a adaptação às forças exteriores e a ausência de autorreflexão crítica e da tensão entre a ideia e a realidade, cuja existência é fundamental para a constituição de sujeitos e de uma sociedade emancipatória. A cultura, sob essa configuração, perde o seu aspecto formativo, sucumbe aos valores de troca, modela-se pela lógica do consumo e se converte em semicultura. A expressão máxima desse fato se encontra na indústria cultural.

A compreensão (do processo de desenvolvimento) da gênese do processo de ascensão da racionalidade técnica implica, necessariamente, em conhecer o modo pelo qual o saber converte-se em ‘operação’. Nesse sentido, o progresso do esclarecimento parte da razão mítica para a razão instrumental, evidenciando todo o processo de ascensão da racionalidade típica da sociedade moderna, que representa o substrato da regressão das condições subjetivas necessárias à emancipação humana.

Na busca por explicar a realidade, o homem é levado a atribuir suas necessidades racionais aos mitos. Desse modo, conforme Adorno e Horkheimer (1985, p. 22-23), o mito torna-se produto do esclarecimento, pois objetivava a explicação do mundo com o intuito de dominá-lo. O elemento básico do mito é o antropomorfismo, no qual o homem projeta sua subjetividade na natureza, reduzindo-a a um mesmo denominador: o sujeito. A expressão dessa ideia se encontra nas deidades olímpicas que passam a representar e significar os elementos da natureza. Nesses termos, o processo de abstração e de separação entre o pensamento e a realidade se intensifica, sendo que o primeiro tende a se autonomizar, na medida em que se constitui como doador de sentido para o segundo, na figura do sujeito e de sua razão.

O progresso do esclarecimento implica a negação do mito, uma vez que para colocar o homem na posição de domínio, fez-se necessário ir além da racionalidade mitológica. Para tal, foi preciso identificar, no mito, o seu aspecto supersticioso e, desse modo, acabar com o animismo e desencantar a natureza. “O casamento feliz entre o entendimento humano e a natureza das coisas que ele tem em mente é patriarcal: o entendimento que vence a superstição deve imperar sobre a natureza desencantada [...]” (Adorno & Horkheimer, 1985, p. 20). O propósito do esclarecimento, voltado para livrar os homens do medo, demanda uma forma de conhecimento diferente, algo que se distancia da concepção mitológica e aproxima-se de uma nova perspectiva de saber. Em relação a essa nova forma de saber, que substituiria as concepções mitológicas, Zuin (1999, p. 8), expressa que “[...] não seria qualquer tipo de saber, mas, sim, aquele que pudesse ser convertido em algo prático. Portanto, seguindo essa linha de raciocínio, os critérios definidores da essência do conhecimento seriam a utilidade e a calculabilidade”.

Para Zuin, o novo protagonista do esclarecimento tornou-se o número, ou seja, o calculável. O substrato do saber que superou as explicações mitológicas é a operação, que encontra na técnica, a maneira pela qual se exerce o domínio sobre a natureza interna e externa. Segundo Adorno e Horkheimer (1985, p. 20), “[…] a técnica é a essência desse saber, que não visa conceitos e imagens, nem o prazer do discernimento, mas o método, a utilização do trabalho de outros, o capital”.

Na Dialética do Esclarecimento (1985), os autores abordam alguns filósofos que propõem princípios básicos da ciência, dentre eles, Francis Bacon, para quem o saber se alicerçaria no método empírico. Sobre isso, Zuin (1999, p. 8, grifo do autor) expressa que “Adorno e Horkheimer apontam o pensador inglês como um dos primeiros grandes entusiastas e defensores da construção de um saber que se afastasse da ‘estéril’ filosofia aristotélica e se aproximasse de uma perspectiva de aplicação empírica”.

A busca do conhecimento, que outrora ocorria através das concepções engendradas em explicações do campo metafísico, passa a se orientar pelos pressupostos defendidos por Bacon. Para esse filósofo, a operação, o cálculo e o procedimento eficaz, “[...] forneceriam as condições para que tivéssemos a certeza de que caminhamos em terras bem mais firmes que o ‘pantanoso’ terreno da metafísica” (Zuin, 1999, p. 9, grifo do autor). Dessa forma, o entendimento humano desvincula-se das explicações sobrenaturais para dar relevância às compreensões baseadas numa perspectiva lógico-formal, na qual, segundo Zuin, o grande protagonista é o número.

A transformação da matéria deveria ser efetuada por um cálculo preciso e eficiente. Ficariam afastadas quaisquer justificativas sobrenaturais. Era chegado o tempo em que os deuses deveriam ser reconhecidos como embustes ou como projeções dos desejos humanos de compreensão da relação entre si mesmos e a natureza. Sonhava-se então com um sistema dedutivo único, de lógico formal, capaz de solucionar todos os problemas oriundos das relações sociais (Zuin, 1999, p. 9).

Adorno e Horkheimer (1985) enfatizam que o progresso do esclarecimento se alicerça no cálculo, prioriza a operação e desmerece o saber em si mesmo, pois a sociedade tomada pelo utilitarismo e pela hiperatividade do sujeito é avessa aos momentos contemplativos e autorreflexivos.

A racionalidade técnica encontra na razão matemática a sua expressão, pois ela é exata e adepta à distância entre o sujeito e o objeto. A indústria cultural adota esses parâmetros como forma de orientação, uma vez que, segundo Adorno e Horkheimer (1985), imobiliza o diferente e confere a tudo um ar de semelhança.

A diferença entre o campo de força geral e o particular constitui o substrato da cultura e sua redução consiste no objetivo da indústria cultural, que o atinge por meio da filtragem de conteúdos e da classificação da realidade. O uso da tecnologia permite duplicar os objetos empíricos e reproduzi-los na tela, de forma que o espectador não diferencie o real do virtual. Assim, não há espaço para a fantasia e para a imaginação, pois elas contrariam a lógica adaptativa da indústria cultural, que impossibilita o deslocamento do mundo fenomênico e incapacita o indivíduo de sair da imediaticidade e de transcender à realidade. O indivíduo, nessas condições, torna-se inapto à autodeterminação, uma vez que, segundo Adorno (2010), ele sucumbe à forma dominante da consciência atual, ou seja, à semicultura.

A semicultura consiste no sucedâneo da cultura, na sua falsificação, que se efetiva por meio da submissão da cultura à lógica econômica. A forma mais evidente desse processo se apresenta na forma da indústria cultural.

A indústria cultural também age controlando, organizando e reprimindo os impulsos dos indivíduos. Ela, conforme Adorno (1993), atualiza e reforça a tendência natural à identificação, transferindo-a para seus modelos, ídolos e heróis. Nesse sentido, é possível compreender a relação que Adorno e Horkheimer (1985) estabelecem entre a indústria cultural e o mito, pois, assim como este, a indústria cultural pretende explicar e organizar o mundo, a fim de mantê-lo sob seu controle.

Os processos irracionais encontram caminho aberto na indústria cultural, o que permite associá-la à regressão, pois, ao desempenhar o papel do sujeito na organização e compreensão do mundo, a indústria cultural não promove o exercício da consciência. Esse efeito é potencializado a partir dos recursos tecnológicos, que permitem acelerar as imagens, alterá-las e editá-las, conforme a conveniência dos interesses capitalistas.

A indústria cultural, de acordo com Duarte (2007), promove uma estetização da vida no mundo ‘globalizado’, pois o aspecto estético da mercadoria contribui para a realização do valor de troca, na medida em que convence o possível comprador de que o produto apresenta um valor de uso e, assim, constitui-se em algo necessário. Na verdade, o produto é um sucedâneo da necessidade. Esse aspecto justifica, segundo o autor, a existência de todo um aparato sensorial, que objetiva seduzir as pessoas e incitá-las ao consumo. Para Duarte, a ‘dominação pelo estético’ apresenta dois elementos fundamentais:

[...]1. a existência de meios tecnológicos que propiciem a ilusão de uma realidade ‘construída’,

2. a utilização, tanto desses meios quanto de conhecimentos psicanalíticos, no sentido de produzir a adesão ‘àquilo que parece’, o que está muito próximo de obter uma aceitação incondicional de existente, tal como ele se apresenta (Duarte, 2007, p. 35, grifo do autor).

Adorno e Horkheimer (1985) ressaltam que a indústria cultural procura conciliar a arte à diversão, configurando-a como fuga da realidade ruim. Além disso, ela amplia a lógica da exploração para o âmbito da estética e para o contexto do tempo livre, no qual o indivíduo consome os produtos culturais que foram planejados para ele.

Ao processo de trabalho na fábrica e no escritório só se pode escapar adaptando-se a ele durante o ócio. Eis aí a doença incurável de toda a diversão. O prazer acaba por se congelar no aborrecimento, porquanto, para continuar a ser um prazer, não deve mais exigir esforço e, por isso, tem de se mover rigorosamente nos trilhos das associações habituais. O espectador não deve ter necessidade de nenhum pensamento próprio, o produto prescreve toda reação [...] (Adorno & Horkheimer, 1985, p. 128).

Para os autores (Adorno & Horkheimer, 1985, p. 114), “[...] a racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação”. Nesse sentido, com progresso técnico da sociedade e a instrumentalização do saber, os aspetos subjetivos tornam-se diminutos, já que a própria neutralidade científica, que outrora aniquilou aspecto de dominação presente na linguagem, destrói o substrato presente nas obras estéticas.

O cinema e o rádio não precisam mais se apresentar como arte. A verdade de que não passam de um negócio, eles a utilizam como uma ideologia destinada a legitimar o lixo que propositalmente produzem. Eles definem a si mesmo como indústria, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus diretores gerais suprimem toda dúvida quanto à necessidade social de seus produtos (Adorno & Horkheimer, 1985, p. 144).

A indústria cultural submete a cultura aos interesses mercadológicos, sendo assim, ela pressupõe que os efeitos de produção e os detalhes técnicos se sobreponham à ideia inerente à obra, pois “A indústria cultural desenvolveu-se com o predomínio que o efeito, a ‘performance’ tangível e o detalhe técnico alcançaram sobre a obra, que era outrora o veículo da Idéia e com essa foi liquidada” (Adorno & Horkheimer, 1985, p. 118, grifo do autor).

Adorno (1993), no aforismo 22, “A criança com a água do banho”, da Minima Moralia, opõe-se à identificação da cultura unicamente com a mentira, pois essa é uma característica da semicultura, que se orienta pelo valor de troca. Para Adorno, a cultura é tudo aquilo que recusa aceitar o valor de troca. Ao se fundamentar nesse princípio, ela age em defesa da verdade.

A verdade da obra de arte provém de seu rigor, de sua fidelidade à ideia, que não a deixa sucumbir às demandas exteriores, conforme a lógica da sociedade capitalista, expressada pela indústria cultural. Dessa forma, a resistência aos fins mercadológicos e a preservação da verdade pressupõem o fortalecimento dos aspectos estéticos, éticos e formativos.

Estética, Ética e Formação na perspectiva adorniana

A Arte, segundo Adorno e Horkheimer (1985), representa o veículo da ideia; entretanto, a própria produção da cultura com finalidades mercadológicas, destrói o substrato presente na obra de arte. Desse modo, os autores afirmam que “[...] a arte da copiabilidade integral, porém, entregou-se até mesmo em suas técnicas à ciência positivista. De fato, ela retorna mais uma vez ao mundo, na duplicação ideológica, na reprodução dócil” (Adorno & Horkheimer, 1985, p. 31).

Em suma, no predomínio da reprodução técnica da obra de arte, a própria lógica de produção segue os ditames objetivos sociais e não mais os aspectos subjetivos do criador. Na sociedade regida pela indústria cultural, a arte séria é a que não se orienta pelos valores de consumo e pelas finalidades exteriores, mas conserva a tensão com a realidade, não é adaptada para se tornar acessível e próxima ao gosto familiar dos consumidores. Caso contrário, ela se transforma em arte leve, cuja produção subsiste a partir da fórmula. Nesse tipo de arte, as variações da obra, segundo Adorno e Horkheimer, são de caráter aparente e padronizado, uma vez que o todo se antepõe aos detalhes.

Em meio às condições sociais presentes, somente a obra de arte autêntica - a obra de arte séria, não vinculada à lógica da indústria cultural - consegue escapar dos ditames que a corrompem. Nesse sentido, Adorno e Horkheimer (1985, p. 31) afirmam que, “[...] com o progresso do esclarecimento, só as obras de arte autênticas conseguiram escapar à mera imitação daquilo que, de um modo qualquer, já é”.

O pensamento sobre a estética, em Adorno, tematiza todos os aspectos de sua criação, de seu valor, sobretudo, da apreciação de suas peculiaridades, as quais a tornam algo belo.

A estética de Adorno é tanto estética de produção, como estética da obra, como estética da recepção; quer dizer, ela tematiza - embora não sempre de forma explicita, nem sistemática -, todos os aspectos da criação, do valor e das qualidades da arte, e da apreciação e fruição do belo da arte e da natureza (Duarte, 2007, p. 35).

Duarte (2007), ao buscar compreender a estética em Adorno, destaca que a obra de arte por si mesma é autônoma, pois resiste aos apelos exteriores e traz consigo o aspecto enigmático. Por isso, o autor afirma que a teoria estética tem a obra de arte como seu objeto. Nas reflexões de Adorno, a arte tem uma perspectiva primaz, expressa na relação entre ser e consciência. Nesses termos, a arte representa ser sem dominação e consciência sem conceito.

Ainda para Duarte (2007), Adorno se empenha em mostrar que a indústria cultural é inimiga do que restou da arte tradicional, pois se atém a reproduzir a realidade, reconciliando-se com ela. Ao contrário da indústria cultural, a obra de arte reelabora a realidade a partir de sua forma; por meio dela é possível devolver à realidade mais do que lhe foi tirado. Essa questão é ilustrada na passagem em que Duarte (2007) se refere a Adorno e sua obra Filosofia da Nova Música, na qual destaca a diferença entre a música séria e a música de massa. Nesta última, não é possível identificar nenhuma inovação, apesar de integrar os mais modernos métodos ‘industriais’. Ela também se caracteriza pelo nivelamento ‘por baixo’, “[...] porque nela nada há para ser ‘apreciado’; a música se consome a si mesma” (Duarte, 2007, p. 107, grifo do autor). Sua baixa qualidade se relaciona com uma estética familiar que atende às necessidades do consumo.

No momento em que buscamos uma compreensão da relevância estética, vemos um modo de remar contra a degradação social, que impõe um modo danificado de viver. Desse modo, se a vida se apresenta como degradada, só resta um refúgio para preservar a beleza: a arte.

A estética desse movimento está, portanto, assentada em uma radical oposição entre a arte e a vida: se esta é degradada, não há outra maneira de preservar a beleza senão buscando refúgio em uma arte pura, que deve recusar qualquer relação com a existência ou com a linguagem dominante (Franco, 2007, p. 50).

Por meio da arte, surge a possibilidade de denunciar a sociedade danificada e de resistir às tendências sociais regressivas, pois a autonomia que lhe é característica não vincula sua existência e configuração à necessidade social ou industrial. Assim, a obra de arte possui uma finalidade em si mesma, pois, é originaria da liberdade, aspecto este que lhe confere a possibilidade de não compactuar com a realidade social degradada. A autonomia da arte representa um modo de livrar-se das amarras impostas pela típica racionalidade dominante no mundo industrial, pois, segundo as considerações realizadas por Franco (2007, p. 63), “[…] a obra autônoma é um ataque à sociedade: autonomia é não reconciliação, oposição radical, resistência à truculência do todo”. A cegueira, consequente da vida danificada, só pode ser desconstruída a partir do choque, ou melhor, do estranhamento que somente a obra autônoma tem a possibilidade de suscitar no sujeito. É a partir desse choque radical que se permite refletir a respeito da regressão da subjetividade humana, cada vez mais evidente em meio ao caos cultural predominante que caminha no sentido oposto à formação cultural.

O conceito de Educação, conforme Zuin (1999), não se restringe somente à esfera formal, mas, também, a todas as outras relações sociais que envolvam algum tipo de aprendizagem. Nesse sentido, pode-se perceber que o processo de formação vai além do ensino sistematizado pela educação formal. Desse modo, em relação às condições sociais que expressam um potencial de semiformação exacerbado, a escola pode ser uma via para caminhar na contramão das determinações da sociedade. O autor explicita o conceito adorniano de formação, cujo termo apresenta uma relação intrínseca e equivalente à cultura (kultur). No entanto, enquanto essa última tende a se aproximar das realizações humanas objetivas, a formação (bildung) vincula-se às transformações que ocorrem no plano subjetivo, ela é, de acordo com Zuin, o correlato da própria cultura. Do confronto e da tensão

[...] entre a dimensão objetiva e subjetiva da cultura se origina o conceito de formação, sendo que a subjetividade objetivada nos produtos humanos pela intervenção do agir formativo necessita tento de um momento de distanciamento quanto de aproximação da realidade que transforma o subjetivo tanto quanto é transformada pelo exercício da atividade racional (Zuin, 1999, p. 55).

No momento em que pensamos em formação, de acordo com Zuin (1999), é necessário compreender que esta é consequência da elaboração da experiência causada pela apropriação da cultura no plano subjetivo. Ao enfatizar a necessidade de um momento de distanciamento em relação às condições objetivas danificadas, posteriormente, ocorre novamente a aproximação da realidade. Entretanto, essa nova aproximação ocorre por meio de uma análise crítica e racional e não mais imerso na cegueira decorrente da apropriação do caos cultural.

Em relação a esse processo de distanciamento da realidade, Zuin (1999, p. 56) expressa que, “[…] o próprio Adorno identifica a veracidade do necessário afastamento das condições sociais, uma vez que fornece subsídios para a concepção de novas realidades”. Os termos utilizados por Zuin reportam à assertiva adorniana de que “A formação cultural requeria proteção diante das atrações do mundo exterior, certas ponderações com o sujeito singular, e até lacunas de socialização” (Adorno, 2010, p. 22).

Para Adorno (2010), a formação distingue-se dos mecanismos do domínio social da natureza, pois ela exige autorreflexão crítica e fortalecimento da consciência, da autonomia e da liberdade. Adorno (1993) encontraria esses elementos na arte, mais especificamente na música séria, na qual o sentido da totalidade da peça consistia sempre na relação entre os detalhes.

Nesse contexto, alguns pensamentos de Adorno a respeito da obra do francês Paul Valéry, no texto O artista como representante, expressam a grandiosidade da força objetiva presente na produção desse artista, na empreitada que visa combater o potencial destrutivo inerente à indústria cultural, na qual Adorno evidencia a antítese obtusa entre a arte engajada e a arte pura (Adorno, 2003). A arte pura representa a dissimilaridade em relação à arte filtrada pelas fórmulas esquemáticas do processo de produção cultural da sociedade administrada. “[...] Essa antítese é um sintoma da trágica tendência ao estereótipo, ao pensamento enrijecido em fórmulas esquemáticas, que a indústria cultural produz por toda parte e que invadiu, há muito tempo, o âmbito da reflexão estética [...]” (Adorno, 2003, p. 152).

Na obra de Valéry, Adorno (2003) ressalta alguns pensamentos que transcendem o grande pintor impressionista que ele representa, mas, no tocante às suas ideias, que denotam a proximidade em relação ao objeto artístico, algo que, para Adorno, só é capaz de ser alcançado por alguém que produz por si mesmo com extrema responsabilidade. Destarte, a experiência da consciência da arte requer algo além de uma mera dedução conceitual, pois exige uma absoluta distância em relação ao objeto artístico. Nesse sentido, conforme Adorno (2003), o mediano e empático ‘entendido em arte’, jamais pode alcançar a obra de arte, na medida em que a degrada em sua própria contingência, por não submeter à disciplina objetiva imanente a real experiência artística.

[...] De um modo geral, as grandes intuições sobre arte ocorrem ou em uma absoluta distância, por uma dedução conceitual não afetada pela chamada ‘compreensão artística’ como em Kant ou Hegel, ou nessa absoluta proximidade, a atitude de quem não se confunde com o público, pois se encontra nos bastidores, acompanhando a realização da obra sob o aspecto da fatura, da técnica (Adorno, 2003, p. 154, grifo do autor).

Adorno critica a arte engajada e a compreensão da arte através de conceitos tal como o fazem a percepção artística kantiana e a hegeliana. Ele expressa sua notória admiração pela arte de Valéry.

[...] Valéry representa o caso praticamente único do segundo tipo, alguém que conhece a obra de arte pelo seu métier, entende a precisão do trabalho artístico, mas ao mesmo tempo alguém no qual este processo se reflete de modo tão feliz, que isso se reverte em intuição teórica, naquela boa universalidade que não abandona o particular, mas sim o preserva, levando-o a adquirir um caráter obrigatório, por força de sua própria dinâmica (Adorno, 2003, p. 155).

A obra de arte, por si mesma, é autônoma, não se aplica a conceitos genéricos; traz consigo o aspecto enigmático, expressando sua autonomia frente às condições objetivas. Nesse sentido, Duarte (2007, p. 37) expressa que:

A teoria estética tem seu centro e sua base em seu objeto, a obra-de-arte. Esta ocupa na reflexão de Adorno, uma posição chave bem particular, entre ser e consciência: a obra representa, segundo sua intenção, ser sem dominação e consciência sem conceito.

A grande arte, segundo Adorno (2003), é aquela que exige, para sua compreensão, a utilização de todas as faculdades humanas. Nessa experiência, é atingido o homem em sua completude. É justamente essa condição que exige, do próprio artista, algo que Valéry encontra em Leonardo da Vinci, quando exprime a completude da obra desse artista. “[...] De qualquer modo, ele se refere aqui ao homem não dividido, aquele cujas reações e faculdades não foram dissociadas umas das outras, alienadas entre si e coaguladas em funções utilizáveis, segundo o esquema da divisão social do trabalho” (Adorno, 2003, p. 156).

Percebe-se a obra do artista francês, cujo trabalho tem por finalidade utilizar todas as faculdades humanas, que se compraz em desenvolver o indivíduo em sua integridade: um homem completo. A reflexão da experiência artística - inerente ao processo de compreensão da grande da arte - remete à formação integral do indivíduo.

Assim, esses elementos denotam a potencialidade da arte e a sua capacidade de fomentar o embate frente a regressão social, haja vista que conserva em sua essência certos aspectos cruciais da natureza humana, algo que a realidade reprime constantemente. Isto é possível, como afirma Franco (2007), pelo antagonismo radical que se encontra na relação entre a arte pura e a existência. “O esteticismo suscita uma alienação calculada: essa alienação é, no entanto, denúncia da própria sociedade enquanto vida prejudicada, uma forma desesperada de resistência contra as tendências sociais regressivas” (Franco, 2007, p. 50).

Nessa continuidade, a arte torna-se protagonista quando se considera uma maneira de denunciar e resistir à sociedade danificada. Franco (2007) explicita em seu trabalho que a autonomia da arte é fruto da sua independência em relação às demandas sociais e industriais, pois tem uma finalidade em si mesma, na medida em que é originária da liberdade, cuja característica lhe permite a possibilidade de não se vincular à realidade social danificada. É essa peculiaridade da obra que possibilita - a partir do estranhamento - refletir sobre a dominação vigente na sociedade.

A obra autônoma é aquela que, embora participe do mundo e também seja uma mercadoria, não resulta de nenhuma exigência não-estética, seja ela originária da pedagogia, da indústria cultural ou da política cultural de Estados ou partidos, quer democráticos ou não democráticos. A obra autônoma é aquela cuja existência resulta de trabalho especial não-produtivo, não-necessário, não-exigido socialmente: de trabalho livre, de natureza anacrônica, gratuito, condição que confere a ela a possibilidade de não compactuar com o mundo tal qual ele se apresenta, a não se reconciliar com a sociedade hostil (Franco, 2007, p. 63).

É nesse sentido que a arte autônoma representa um modo de livrar-se das amarras impostas pela típica racionalidade inerente ao mundo industrial, pois, como afirma Franco (2007, p. 63), “[…] a obra autônoma é um ataque à sociedade: autonomia é não reconciliação, oposição radical, resistência à truculência do todo”. Diante disso, a autonomia estética fomenta a possibilidade de rompimento com a ideologia regressiva presente na cultura banalizada.

A autonomia permite à arte configurar aquilo que a ideologia recalca: ela provoca no fruidor uma espécie de falta de ar, de perda momentânea de folego, de impossibilidade de continuar a se nutrir da matéria que a atmosfera cultural oferece a ele (Franco, 2007, p. 64).

A arte representa a possibilidade para o sujeito pensar livremente, de maneira não condicionada pelas determinações do mundo fenomênico; possibilita, também, ao contemplador, um momento de distanciamento em relação à sociedade danificada. Esse aspecto é fundamental para a elaboração de sua reflexão crítica e para o desenvolvimento do pensamento autônomo.

Gagnebin (2001), ao discorrer sobre as relações entre ética e estética em Adorno, identifica três conceitos-chave do pensamento do autor nesses dois domínios: ‘mimese’, ‘autonomia’ e ‘resistência’. Na mimese, a autora aponta o risco da assimilação mimética, pois nela há a possibilidade de o sujeito desaparecer e a possibilidade do gozo proporcionado pelo júbilo da união com o outro.

Segundo Gagnebin (2001), a estreita relação entre as duas possibilidades, torna a experiência mimética tão perigosa e ameaçadora, conforme alertam Adorno e Horkheimer. Na sociedade capitalista, o processo identificatório é organizado em função do lucro e não admite ‘nenhuma vacilação identificatória’. Assim, o indivíduo precisa recalcar a mimese originária, transformando-a na identificação com os líderes, heróis e ídolos da sociedade. A autora destaca o antissemitismo como expressão desse processo, no qual a lembrança do prazer da mimese originária remete ao sofrimento, à incapacidade de suportar o outro, porque ele evoca o júbilo dessa experiência corporal de se unir ao outro.

Mímesis e passividade são, assim, estritamente ligadas tanto no início quanto no fim de nossa vida orgânica, tanto nas expectativas de assimilação desesperada ao meio ambiente quanto na fuga caótica para sobreviver. Contra essa indiferenciação cega da tenacidade orgânica se constrói, aliás, a duras penas, o sujeito determinado e consciente da Aüfklarung (Gagnebin, 2001, p. 67, grifo do autor).

Na tentativa de se libertar do medo e do sofrimento, o indivíduo assume uma postura dominadora e onipotente sobre tudo que lhe é exterior. Ele se coloca como o grande idealizador dos sistemas perfeitos e tenta conciliar o pensamento com a realidade. Essa lógica envolve toda a organização da sociedade, pois ela só é confrontada pela experiência estética da obra de arte, que conserva traços de um conhecimento sem violência e dominação; que conserva a possibilidade de uma interação entre o sujeito e o objeto, na qual o primeiro não se sobrepõe ao segundo, mas se dispõe a acolhê-lo.

Gagnebin (2001) define a experiência estética como a

[...] experiência da distância do real em relação a nós, a experiência também da distância do real em relação a nós, a experiência também da distância entre o real tal como é e qual poderia ser, essa experiência pode configurar um caminho privilegiado da aprendizagem ética por excelência, que consiste em não recalcar o estranho e o estrangeiro, mas sim em poder acolhê-lo em sua estranheza (Gagnebin, 2001, p. 72).

Adorno destaca, segundo a autora, duas virtudes aparentemente opostas ao pensar: a paciência e a resistência (Gagnebin, 2001). No primeiro caso, o pensamento espera sem se impor e, por isso, está disposto a resistir à lógica dominadora e identificatória promovida pela sociedade administrada. Assim, a experiência estética é uma forma de conhecimento empática, aberta à alteridade e à ética, na medida em que não tenta enquadrar o outro em um modelo. Portanto, ela preserva o pensamento apto à angústia e ao estranhamento.

Considerações finais

A arte possui grande relevância no processo de formação do homem, pois ela conserva a possibilidade do fortalecimento da subjetividade dele, haja vista que o mundo fenomênico possui determinações que regridem as condições subjetivas factíveis da formação cultural. Entretanto, a arte representa a viabilidade de distanciar-se da sociedade danificada e livrar-se das amarras que dificultam o processo de emancipação humana. Os autores investigados, ao discorrerem sobre a estética e a arte em Adorno, são unânimes em apontar a autonomia e a formação como princípios característicos de ambas. A autonomia só é possível no indivíduo que não sucumbe às determinações da realidade e que age consciente e racionalmente. No entanto, conforme adverte Adorno (1993), a realidade tende para um movimento contrário, dificultando o processo emancipatório.

A emancipação, entendida enquanto conscientização, segundo Adorno, é abstrata, mas precisa se inserir no pensamento e na prática educacional, pois só assim ela pode se impor, fazendo frente a ideologia da indústria cultural. Uma educação emancipatória busca fortalecer os princípios formativos, que se distinguem do domínio social da natureza, mas buscam a tensão entre a realidade e o pensamento, num processo reflexivo em que o sujeito se deixa envolver completamente pelo objeto, da mesma forma como ocorre na experiência com a obra de arte.

Adorno (2003) encontra no artista o exemplar do homem completo, cujas faculdades não se dividem, pois congregam a razão e a sensibilidade, a capacidade de pensar, sentir e fazer. O artista não intenciona a expressão imediata de suas ideias, mas persegue a rigorosidade, que se efetiva no critério interno que orienta a construção da obra de arte, cujo processo, de acordo com Adorno (2003), pretende a superação da cegueira e do acanhamento da obra de arte.

Essas reflexões nos incitam a estabelecer uma analogia entre a experiência estética, a experiência artística e a educação. O ofício do professor, na sua analogia com o ofício do artista, pressupõe uma relação com o objeto, ou seja, com a educação; que não se oriente pelo utilitarismo, mas pela acolhida. Nessas condições, o professor deve primar pela ideia da obra, ou seja, pela essência da atividade educativa, que se constitui na busca pela emancipação e pelo fortalecimento da autorreflexão crítica. A fidelidade a essa lógica interna do processo educativo deve orientar a consecução da forma da obra, cuja realização se efetiva mediante a convergência das ações docentes em direção à sua ideia constitutiva.

Referências

Adorno, T. W. (1993). Minima moralia: reflexões a partir da vida danificada. São Paulo, SP: Ática. [ Links ]

Adorno, T. W. (2003). O artista como representante. In T. W. Adorno. Notas de literatura I (p. 151-164). São Paulo, SP: Duas Cidades; Ed. 34. [ Links ]

Adorno, T. W. (2010). Teoria da semiformação. In: B. Pucci, A. A. S. Zuin, & L. A. C. N. Lastória. Teoria crítica e inconformismo: novas perspectivas de pesquisa (p. 7-40). Campinas, SP: Autores Associados. [ Links ]

Adorno, T. W., Horkheimer, M. (1985). Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar. [ Links ]

Duarte, R. (2007). Teoria Crítica da indústria cultural. Belo Horizonte, MG: UFMG. [ Links ]

Franco, R. (2007). O artista como eremita que sabe o horário de partida do próximo trem: sobre o conceito de autonomia estética na obra de T. Adorno. In B. Pucci, P. Goergen, R. Franco (Org.). Dialética negativa, estética e educação (p. 49-65). Campinas, SP: Alínea. [ Links ]

Freitag, B. (2004). Teoria crítica: ontem e hoje. São Paulo, SP: Brasiliense. [ Links ]

Gagnebin, J. M. (2001). Sobre as relações entre ética e estética no pensamento de Adorno. In N. Ramos-de-Oliveira , A. A. Zuin, B. Pucci. (Org.). Teoria crítica, estética e educação (p. 61-74). Campinas, SP: Autores Associados . [ Links ]

Zuin, A. A. S. (1999). Indústria cultural e educação: o novo canto da sereia. Campinas, SP: Autores Associados . [ Links ]

1A transformação da matéria deveria ser efetuada por um cálculo preciso e eficiente. Ficariam afastadas quaisquer justificativas sobrenaturais. Era chegado o tempo em que os deuses deveriam ser reconhecidos como embustes ou como projeções dos desejos humanos de compreensão da relação entre si mesmos e a natureza. Sonhava-se então com um sistema dedutivo único, de lógico formal, capaz de solucionar todos os problemas oriundos das relações sociais (Zuin, 1999, p. 9).

2[...]1. a existência de meios tecnológicos que propiciem a ilusão de uma realidade ‘construída’, 2. a utilização, tanto desses meios quanto de conhecimentos psicanalíticos, no sentido de produzir a adesão ‘àquilo que parece’, o que está muito próximo de obter uma aceitação incondicional de existente, tal como ele se apresenta (Duarte, 2007, p. 35, grifo do autor).

3Ao processo de trabalho na fábrica e no escritório só se pode escapar adaptando-se a ele durante o ócio. Eis aí a doença incurável de toda a diversão. O prazer acaba por se congelar no aborrecimento, porquanto, para continuar a ser um prazer, não deve mais exigir esforço e, por isso, tem de se mover rigorosamente nos trilhos das associações habituais. O espectador não deve ter necessidade de nenhum pensamento próprio, o produto prescreve toda reação [...] (Adorno & Horkheimer, 1985, p. 128).

4O cinema e o rádio não precisam mais se apresentar como arte. A verdade de que não passam de um negócio, eles a utilizam como uma ideologia destinada a legitimar o lixo que propositalmente produzem. Eles definem a si mesmo como indústria, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus diretores gerais suprimem toda dúvida quanto à necessidade social de seus produtos (Adorno & Horkheimer, 1985, p. 144).

5A estética de Adorno é tanto estética de produção, como estética da obra, como estética da recepção; quer dizer, ela tematiza - embora não sempre de forma explicita, nem sistemática -, todos os aspectos da criação, do valor e das qualidades da arte, e da apreciação e fruição do belo da arte e da natureza (Duarte, 2007, p. 35).

6A estética desse movimento está, portanto, assentada em uma radical oposição entre a arte e a vida: se esta é degradada, não há outra maneira de preservar a beleza senão buscando refúgio em uma arte pura, que deve recusar qualquer relação com a existência ou com a linguagem dominante (Franco, 2007, p. 50).

7[...] entre a dimensão objetiva e subjetiva da cultura se origina o conceito de formação, sendo que a subjetividade objetivada nos produtos humanos pela intervenção do agir formativo necessita tento de um momento de distanciamento quanto de aproximação da realidade que transforma o subjetivo tanto quanto é transformada pelo exercício da atividade racional (Zuin, 1999, p. 55).

8[...] De um modo geral, as grandes intuições sobre arte ocorrem ou em uma absoluta distância, por uma dedução conceitual não afetada pela chamada ‘compreensão artística’ como em Kant ou Hegel, ou nessa absoluta proximidade, a atitude de quem não se confunde com o público, pois se encontra nos bastidores, acompanhando a realização da obra sob o aspecto da fatura, da técnica (Adorno, 2003, p. 154, grifo do autor).

9[...] Valéry representa o caso praticamente único do segundo tipo, alguém que conhece a obra de arte pelo seu métier, entende a precisão do trabalho artístico, mas ao mesmo tempo alguém no qual este processo se reflete de modo tão feliz, que isso se reverte em intuição teórica, naquela boa universalidade que não abandona o particular, mas sim o preserva, levando-o a adquirir um caráter obrigatório, por força de sua própria dinâmica (Adorno, 2003, p. 155).

10A teoria estética tem seu centro e sua base em seu objeto, a obra-de-arte. Esta ocupa na reflexão de Adorno, uma posição chave bem particular, entre ser e consciência: a obra representa, segundo sua intenção, ser sem dominação e consciência sem conceito.

11A obra autônoma é aquela que, embora participe do mundo e também seja uma mercadoria, não resulta de nenhuma exigência não-estética, seja ela originária da pedagogia, da indústria cultural ou da política cultural de Estados ou partidos, quer democráticos ou não democráticos. A obra autônoma é aquela cuja existência resulta de trabalho especial não-produtivo, não-necessário, não-exigido socialmente: de trabalho livre, de natureza anacrônica, gratuito, condição que confere a ela a possibilidade de não compactuar com o mundo tal qual ele se apresenta, a não se reconciliar com a sociedade hostil (Franco, 2007, p. 63).

12A autonomia permite à arte configurar aquilo que a ideologia recalca: ela provoca no fruidor uma espécie de falta de ar, de perda momentânea de folego, de impossibilidade de continuar a se nutrir da matéria que a atmosfera cultural oferece a ele (Franco, 2007, p. 64).

13Mímesis e passividade são, assim, estritamente ligadas tanto no início quanto no fim de nossa vida orgânica, tanto nas expectativas de assimilação desesperada ao meio ambiente quanto na fuga caótica para sobreviver. Contra essa indiferenciação cega da tenacidade orgânica se constrói, aliás, a duras penas, o sujeito determinado e consciente da Aüfklarung (Gagnebin, 2001, p. 67, grifo do autor).

14[...] experiência da distância do real em relação a nós, a experiência também da distância entre o real tal como é e qual poderia ser, essa experiência pode configurar um caminho privilegiado da aprendizagem ética por excelência, que consiste em não recalcar o estranho e o estrangeiro, mas sim em poder acolhê-lo em sua estranheza (Gagnebin, 2001, p. 72).

Recebido: 03 de Janeiro de 2017; Aceito: 09 de Outubro de 2017

* Autor para Correspondência: leonidas17@live.com

Leônidas Melo Santos: Graduado em Pedagogia pela Universidade Estadual do Centro-Oeste/UNICENTRO. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNICENTRO. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-0532-4333 E-mail: leonidas17@live.com

Luciane Neuvald: Formada em Pedagogia e com Mestrado em Educação Pública pela Universidade Federal do Mato Grosso - UFMT. Doutorado em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP/Araraquara. Professora do Departamento de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Centro-Oeste/UNICENTRO. Pesquisadora em Educação na perspectiva da Teoria Crítica Adorniana. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-1566-7030 E-mail: luneuvald@terra.com.br

NOTA: Os autores foram responsáveis pela concepção, delineamento, análise e interpretação dos dados, redação do manuscrito, revisão crítica do conteúdo e aprovação da versão final a ser publicada.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons