Introdução

Nos estudos de cunho historiográfico publicados na área de Educação, há um entendimento, por parte de alguns pesquisadores educacionais, de que, desde a criação dos cursos de Pedagogia no Brasil, no ano de 1939, sempre existiu a dificuldade de um consenso acerca do perfil profissional para o egresso dessas graduações (^{Brzezinski, 1996}; ^{Silva, 2006}; ^{Libâneo, 2007}; ^{Scheibe, 2007}; ^{Cruz, 2008}; ^{Fiorin & Ferreira, 2013}). Dentre os questionamentos levantados ao longo da história, conforme ^{Cruz (2008}), temos: técnico em Educação ou professor das Escolas Normais? Gestor escolar, supervisor escolar, orientador educacional, coordenador pedagógico ou professor do Ensino Normal? Professor dos anos iniciais do Ensino Fundamental, da Educação Infantil ou educador social?

A ausência de consenso sobre o perfil profissional objetivado para os cursos de Pedagogia ilustra uma série de contradições construídas em tempos históricos, ora pelo próprio sistema educacional brasileiro, em especial, pela legislação da Educação Básica e do Ensino Superior, ora por questões de disputas entre grupos políticos e sociais que, a partir de interesses divergentes associados à dinâmica de formação da sociedade brasileira, inseriram, na arena da formação de professores, impressões ideológicas que respingaram diretamente na natureza e na identidade das graduações (^{Cruz, 2008}).

Aos cursos de Pedagogia, imprimiu-se a incumbência de formar diferentes profissionais da área de Educação, dentre eles, o gestor escolar, o coordenador pedagógico, o supervisor escolar, o professor da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, o profissional para atuar no ensino e na gestão de espaços educativos não escolares (do âmbito da Educação Não Formal¹). Esse cenário, por vezes, se fez conflitante nos currículos dessas graduações, haja vista que se tornou complexo pensar em uma proposta curricular que atendesse a totalidade das funções desejadas aos profissionais formados pelos cursos de Pedagogia (^{Libâneo, 2007}; ^{Pimenta, Fusari, Pedroso, & Pinto, 2017}).

Neste sentido, o presente estudo pretende contribuir com discussões acerca da formação profissional para atuação na gestão escolar na Educação Básica. Desse modo, objetiva analisar as proposições curriculares existentes em 10 (dez) Projetos Pedagógicos de Cursos de Pedagogia de 06 (seis) universidades públicas situadas nos Estados do Ceará e do Rio Grande do Norte. Pedagogos de formação, desenvolvemos parte de nossas experiências como professores formadores, nas licenciaturas, nesses Estados, portanto, justificando o interesse local. Em pormenores, avaliamos as projeções curriculares a respeito da formação profissional para atuação na gestão escolar. Como questão norteadora desta investigação, salientamos: o que as Licenciaturas em Pedagogia de universidades públicas dos Estados do Ceará e do Rio Grande do Norte propõem, no âmbito do currículo oficial, aos licenciandos a respeito da gestão escolar?

Em termos metodológicos, a pesquisa se fundamentou na abordagem qualitativa e utilizou a análise documental dos Projetos Pedagógicos das Licenciaturas como técnica de produção de dados. Também registramos que a leitura de autores de referência acerca dos cursos de Pedagogia no Brasil, tais como ^{Brzezinski (1996}), ^{Libâneo (2007}), ^{Scheibe (2007}), ^{Pimenta et al. (2017}), entre outros, e de documentos oficiais acerca da formação de professores no Brasil nos serviram para a organização dos dados e para a análise apresentada neste texto. Mormente, a Resolução CNE/CP nº 01, de 15 de maio de 2006, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em Pedagogia, Licenciatura, e a ^{Resolução CNE/CP nº 2, de 20 de dezembro de 2019}, que definiu novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e instituiu a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação) (^{Resolução CNE/CP nº 1, 2006}; ^{Resolução CNE/CP nº 2, 2019}).

Além desta introdução, o texto se organiza em mais três seções. Na primeira, descrevemos os processos metodológicos que constituíram a presente pesquisa. Na sequência, apresentamos a análise produzida com base no que atestam os documentos curriculares (Projetos Pedagógicos de Cursos) estudados. Por último, dialogamos sobre as considerações apreendidas na pesquisa, enfatizando que é necessário o (re)pensar da formação do profissional da Educação Básica desenvolvida nos cursos de Pedagogia para atuação na gestão escolar.

Desejamos que o trabalho acrescente conhecimentos aos demais artigos que compõem o presente número da Revista Acta Scientiarum. Education. De tal forma, esperamos que este estudo some, de algum modo, com a discussão histórica produzida em diferentes pesquisas (desenvolvidas em programas stricto sensu ou não) na área de Educação acerca da formação do profissional da Educação Básica para atuação na gestão escolar.

Processo investigativo

Reiteramos que o objetivo deste estudo é analisar as proposições curriculares existentes nos Projetos Pedagógicos de Cursos de Pedagogia de universidades públicas situadas nos Estados do Ceará e do Rio Grande do Norte acerca da formação do profissional da Educação Básica para atuação na gestão escolar. Desse modo, para atingirmos o propósito da investigação, traçamos, no plano metodológico, o processo investigativo descrito na sequência.

Inicialmente, visitamos a base de dados oficial dos cursos e instituições de educação superior do Ministério da Educação, a e-MEC. Nesse momento, fizemos o levantamento do conjunto de universidades públicas dos Estados do Ceará e do Rio Grande do Norte que ofertam a licenciatura em Pedagogia como curso regular. No total, encontramos 09 (nove) instituições - 06 (seis) no Ceará e 03 (três) no Rio Grande do Norte.

Depois disso, no segundo momento, visitamos os sites institucionais de cada universidade para reunirmos informações contextuais das instituições e dos cursos. Nessa fase, apreendemos os projetos pedagógicos de 10 (dez) licenciaturas em Pedagogia disponíveis. Esclarecemos que das 09 (nove) universidades que ofertam as graduações regulares, 03 (três) não disponibilizaram os documentos curriculares (as três instituições se localizam no Estado do Ceará), nos restando para investigação os cursos de 06 (seis) universidades - 03 (três) do Ceará e 03 (três) do Rio Grande do Norte, a saber: Universidade Federal do Ceará (UFC); Universidade Federal do Cariri (UFCA); Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB); Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA); e Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Também informamos que, em algumas universidades, há cursos em mais de um campus, aspecto que justifica o número de documentos curriculares (10 Projetos Pedagógicos de Cursos) ser superior ao número de universidades (6 instituições).

Com os Projetos Pedagógicos selecionados, iniciamos a leitura dos documentos no fito de coletarmos as informações necessárias à pesquisa, organizando eixos temáticos para a coleta e análise das informações disponíveis nos Projetos Pedagógicos das Licenciaturas.

Dessa maneira, a partir da questão - ‘o que as Licenciaturas em Pedagogia de universidades públicas dos Estados do Ceará e do Rio Grande do Norte propõem, no âmbito do currículo oficial, aos licenciandos a respeito da gestão escolar?’ -, construímos os eixos temáticos: a) ‘perfil profissional projetado ao licenciado em Pedagogia para atuação na gestão escolar’; b) ‘disciplinas acerca da gestão escolar nas Licenciaturas em Pedagogia’; e c) ‘carga horária destinada ao estudo das disciplinas sobre gestão escolar nos Cursos de Pedagogia’.

No terceiro momento, com a conclusão da leitura dos 10 (dez) Projetos Pedagógicos das Licenciaturas em Pedagogia, sistematizamos as informações coletadas em 4 (quatro) tabelas e uma figura perspectivando a interpretação e a análise qualitativa.

Por fim, no quarto momento do processo investigativo, realizamos a análise qualitativa com base no conjunto de informações disponíveis nas tabelas e na figura. Registramos que no decurso do processo de investigação, especialmente na leitura dos documentos curriculares, anotamos informações acerca das licenciaturas que também se fizeram relevantes para a análise apresentada a seguir.

Formação do profissional da educação básica para atuação na gestão escolar: análise dos currículos oficiais

Antes de adentrarmos na análise acerca dos 10 (dez) projetos pedagógicos das Licenciaturas em Pedagogia situadas nas 6 (seis) universidades públicas dos Estados do Ceará e do Rio Grande do Norte, tecemos algumas considerações iniciais sobre os Cursos. A princípio, destacamos que 9 (nove) graduações possuem os documentos curriculares com pouco tempo de implementação e/ou de revisão. Esses projetos datam o período de 2016 a 2019. A exceção é o curso da UFC² que iniciou sua implementação no ano de 2013.

Além disso, a metade dos cursos funciona, exclusivamente, no turno noturno, característica que se associa aos estudos de ^{Gatti e Barretto (2009}) e ^{Medeiros e Aguiar (2018}), que auferem a predominância dos cursos de licenciatura, de maneira geral, funcionarem no turno noturno em virtude do alunado que compõe essas graduações ser, em maior parte, composto por trabalhadoras e trabalhadores diurnos. Esse fator contribui para sua permanência na universidade. Sintetizamos essas e outras informações na Tabela 1.

Outra característica que merece ser realçada corresponde ao fato de 7 (sete) licenciaturas destacarem o tempo mínimo de 8 (oito) semestres letivos para a integralização curricular. Com 9 ou 10 semestres planejados para esse fim, projetam somente os cursos da UFRN, Campi de Natal e Caicó, e da UFERSA. Merece atenção um aspecto evidente na Licenciatura em Pedagogia da UNILAB, localizada na Unidade Acadêmica dos Palmares na cidade de Acarape³, Ceará, que planeja a formação na graduação em 08 semestre letivos, porém, desse número, 02 semestres (os iniciais) são cursados no Bacharelado em Humanidades, do qual se aproveitam o total de 720 horas de estudos (600 horas de disciplinas obrigatórias e 120 horas de disciplinas optativas) (^{Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira [UNILAB], 2016}).

Ainda como informação complementar, notificamos que as 10 (dez) licenciaturas têm carga horária superior a 3.200 horas. Embora os Projetos tenham sido implementados antes da promulgação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica e à Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação), publicadas em dezembro de 2019 (^{Resolução CNE/CP nº 2, 2019}), sua carga horária está dentro do esperado pela Resolução atual⁴.

No entanto, no que diz respeito às 400 horas adicionais⁵ que possibilitam ao licenciado atuar no âmbito da gestão escolar, vimos que apenas os cursos da UFCA, da UNILAB e da UERN, Campus de Pau dos Ferros, atendem ao quesito. De toda forma, é preciso aprofundar o debate acerca desse aspecto, haja vista que as 400 horas adicionais nos currículos oficiais estipuladas para a formação na licenciatura em Pedagogia não asseguram que sejam condizentes aos estudos na graduação para a área de gestão escolar.

Adentrando na análise dos textos oficiais, reforçamos que a organizamos a partir da questão norteadora, desdobrando-a, posteriormente, em três eixos temáticos para a produção e análise dos dados. Nesse lastro, rememoramos que a partir da questão central - ‘o que as Licenciaturas em Pedagogia de universidades públicas dos Estados do Ceará e do Rio Grande do Norte propõem, no âmbito do currículo oficial, aos licenciandos a respeito da gestão escolar?’ -, desenvolvemos os eixos temáticos: a) ‘perfil profissional projetado ao licenciado em Pedagogia para atuação na gestão escolar’; b) ‘disciplinas acerca da gestão escolar nas Licenciaturas em Pedagogia’; e c) ‘carga horária destinada ao estudo das disciplinas sobre gestão escolar nos Cursos de Pedagogia’.

Em referência ao primeiro eixo temático (perfil profissional projetado ao licenciado em Pedagogia para atuação na gestão escolar), organizamos uma síntese dos dados coletados na Tabela 2.

Os Cursos de Pedagogia analisados enfatizam diferentes âmbitos para atuação do licenciado na Educação Básica, o que ilustra um perfil profissional plurivalente que poderá atuar em contextos e funções diferentes. A palavra “gestão” é citada em todos os documentos oficiais. No entanto, vemos que a ênfase dada às dimensões da gestão escolar, isto é, à direção escolar, à coordenação pedagógica, à supervisão escolar, para citar algumas, varia na realidade curricular analisada. Nas palavras de ^{Lück (2009}, p. 23):

A gestão escolar constitui uma das áreas de atuação profissional na educação destinada a realizar o planejamento, a organização, a liderança, a orientação, a mediação, a coordenação, o monitoramento e a avaliação dos processos necessários à efetividade das ações educacionais orientadas para a promoção da aprendizagem e formação dos alunos.

Nos documentos curriculares, é possível encontrar desde uma abordagem generalista, que utiliza da expressão ‘gestão educacional’ para se referir ao contexto amplo de atuação profissional na educação formal em processos de gestão, até a demarcação específica de funções profissionais que o licenciado poderá exercer na Educação Básica na gestão escolar.

Em pormenores, avaliamos que, dos 10 (dez) cursos de Licenciatura em Pedagogia, 7 (sete) destacam no perfil profissional a abordagem generalista acerca da gestão, não especificando as áreas que a constituem como possíveis para atuação do licenciado pelas graduações. Nesse contexto, se apresentam os cursos da UFC, da UNILAB, da UFRN (Campus de Caicó), e da UERN (dos quatro campi - Mossoró, Assú, Pau dos Ferros e Patu). Diferentemente, os cursos da UFRN (Campus de Natal) e da UFCA demarcam textualmente a direção escolar e a coordenação pedagógica como setores específicos de atuação para o licenciado pelos cursos. A licenciatura da UFERSA, em outra linha, além de destacar a coordenação pedagógica, faz uso do termo ‘administração escolar’, bem como nos permite a compreensão de que a orientação educacional e a supervisão escolar são funções objetivadas para o perfil do profissional formado pela graduação.

Como síntese do eixo temático que situa o perfil profissional a ser habilitado pelos Cursos de Pedagogia para atuação na gestão escolar, pensamos que não há um entendimento uniforme sobre esse aspecto nos documentos curriculares estudados. Acreditamos que isso decorre da própria indefinição nos Projetos Pedagógicos dos Cursos acerca do que seja a gestão escolar, do que a constitui, das funções profissionais que a englobam e do contexto em que ela se exerce - a escola de Educação Básica. A utilização da expressão “gestão educacional” auxilia nossa compreensão na maior parte dos documentos, já que a compreendemos como uma área que se refere à gestão da Educação, o que inclui a escola e os contextos da Educação para além dela (em setores dos sistemas educacionais municipais, estaduais e federais, como as secretarias de educação e os conselhos educacionais, entre outros) (^{Libâneo, 2013}).

Portanto, entendemos que a gestão escolar é concebida, na maioria dos currículos oficiais, como um campo/área da gestão educacional. Ou seja, a ênfase no perfil profissional não demarca foco exclusivo nas funções de gestão de processos educativos escolares (direção escolar, coordenação pedagógica, supervisão escolar, entre outras), mas na gestão da educação, situando um perfil profissional generalista para atuar em âmbitos da gestão na escola e muito além dela.

Na continuidade da análise, discutimos a respeito do segundo eixo temático construído na investigação, a saber: ‘disciplinas com ênfase na gestão escolar nas Licenciaturas em Pedagogia’. Similarmente ao que já fizemos neste texto, condensamos os registros encontrados na Tabela 3.

Antes da análise, detalhamos que o conjunto de disciplinas expostas na Tabela 3 corresponde aos componentes curriculares obrigatórios das matrizes curriculares⁶. Para incluirmos os componentes curriculares nesse eixo temático, consideramos o nome da disciplina e, principalmente, a proposta dos conhecimentos e conteúdos curriculares expressos em seus ementários. Isso explica as disciplinas com a nomenclatura ‘Gestão Educacional’ ou disciplinas com nominação que não evidenciam o termo ‘Gestão Escolar’ na análise. Nas ementas dessas disciplinas, o foco é, em maior parte, a gestão de processos educativos escolares, ou seja, a gestão na escola de Educação Básica.

Uma primeira característica a destacarmos corresponde ao dado de que a Licenciatura em Pedagogia da UFC não apresenta nenhuma disciplina obrigatória na matriz curricular com ênfase na gestão escolar. As demais graduações, apesar de fazerem uso de outros termos, como ‘Gestão Educacional’, ‘Organização e Gestão da Educação Brasileira’, entre outros, centralizam no texto oficial (em suas ementas) o estudo da gestão escolar. Vejamos, por exemplo, o que auferem as ementas das disciplinas ‘Planejamento e Organização do Trabalho Pedagógico’ e ‘Estágio Supervisionado IV - Gestão Educacional’ da Licenciatura em Pedagogia da UFERSA.

Disciplina: ‘Planejamento e Organização do Trabalho Pedagógico’ - 60 horas.

Estudo teórico-prático sobre a organização do trabalho pedagógico, sua relação com a organização do processo de trabalho em geral, sua natureza, categorias e especificidades. As diferentes dimensões da organização do trabalho pedagógico e a conjuntura socioeducativa e política atual. Organização e contextualização do trabalho pedagógico nos processos de ensino e aprendizagem. Rotinas na educação infantil, na EJA e a organização do trabalho pedagógico. O planejamento pedagógico, a diversidade cultural e as relações de poder na escola. A construção do projeto eco-político-pedagógico por meio da prática da Leitura do Mundo. O Regimento Escolar. O trabalho coletivo. Os saberes, a formação e o trabalho docente. A formação continuada. A articulação entre a avaliação e a organização do trabalho pedagógico. O papel do coordenador pedagógico. A supervisão escolar. Os ambientes educativos diferenciados (UFERSA, 2016, p. 87, grifo do autor).

Disciplina: ‘Estágio Supervisionado IV - Gestão Educacional’ - 60h

Análise da organização e funcionamento escolar, coordenação pedagógica e gestão. Participação nas atividades de planejamento, conselho de classe, reuniões pedagógicas com docentes e pais. Estudo e análise crítica da gestão escolar. Estágio Curricular Supervisionado em gestão escolar. Coordenação da elaboração, implantação, execução e avaliação do PPP (^{UFERSA, 2016}, p. 101, grifo do autor).

Independentemente de as disciplinas não expressarem o termo “Gestão Escolar” em seus títulos oficiais, a centralidade dos conhecimentos e dos conteúdos curriculares, pelo que atestam seus ementários, condizem à gestão da escola e/ou a sua organização administrativa. Assim, o trabalho promovido com esses componentes curriculares deve, segundo os currículos oficiais, se endereçar para o estudo da gestão de processos educativos escolares.

Prosseguindo com a análise, avaliamos que nas propostas curriculares a média de disciplinas obrigatórias acerca da ‘Gestão Escolar’ é de dois componentes curriculares por curso. Com ressalva nas Licenciaturas da UFRN, campus Natal, e da UFERSA, todas as graduações em Pedagogia apresentam essa característica. Também vimos que a carga horária das disciplinas varia entre 30 e 165 horas. Nos componentes curriculares de ‘Estágio Supervisionado’, há uma concentração maior de tempo para o estudo e a prática a respeito da “Gestão Escolar”. Não obstante, próximo ao que ocorre ao número de disciplinas, a média de tempo destinada ao estudo dos conhecimentos e conteúdos curriculares sobre o tema central neste momento da análise é de 60 horas. Das 20 (vinte) disciplinas selecionadas para análise, nos 10 (dez) cursos, a metade (10 disciplinas) projeta esse valor de tempo para estudos (60 horas).

No que toca à posição dos componentes curriculares nas matrizes curriculares, percebemos que eles se situam entre o 3º e o 8º semestre de formação docente. As disciplinas de cunho teórico, com ênfase ao estudo em sala de aula nos cursos analisados, ocupam posições no currículo oficial entre o 3º e o 6º semestre de formação. Já as disciplinas que visam às atividades práticas em contextos escolares concretos, como o ‘Estágio Supervisionado’, se situam entre o 7º e o 8º período de curso.

Registramos também que nos cursos (com exceção da UFC) há uma disciplina acerca do ‘Estágio Supervisionado’ na gestão escolar. Esse apontamento pesa nos currículos analisados, uma vez que, como a maioria dos cursos (7 licenciaturas) projeta apenas 2 (duas) disciplinas para o estudo da gestão escolar, sendo uma delas referente à prática de estágio. Ao analisarmos as ementas das disciplinas com foco na gestão escolar, identificamos, em cursos de Pedagogia de universidades públicas do Rio Grande do Norte, que há a intencionalidade de vincular o estudo acerca da gestão escolar, sejam os componentes curriculares de estágio ou não, com a discussão sobre a gestão em espaços educativos não escolares (no âmbito da Educação Não Formal). Observemos as ementas das disciplinas ‘Gestão de Processos Educativos’ e ‘Estágio Supervisionado III’ das Licenciaturas em Pedagogia dos campi de Mossoró e Assú da UERN:

Disciplina: ‘Estágio Supervisionado III’ - 165h

Gestão pedagógica nos espaços escolares e não escolares. Atuação nos sistemas de ensino formal e não formal. Atuação nos espaços escolares e não escolares. Planejamento da gestão pedagógica em espaços formais e não formais (^{UERN, 2019}b, p. 117, grifo do autor).

Disciplina: ‘Gestão de Processos Educativos’ - 60h

A gestão e sua interface com as políticas educacionais nacionais e locais. Gestão Educacional e Escolar. Dimensões da Gestão Escolar (financeira, pedagógica, administrativa, de pessoas e patrimonial). Organização do trabalho pedagógico em espaços escolares e não escolares. Planejamento e Projeto Político Pedagógico (PPP). Gestão por e para resultados (^{UERN, 2019}a, p. 104, grifo do autor).

Em ambas as disciplinas observamos a expressão ‘não escolares’, o que nos possibilita a interpretação inicial de que ela se refere a qualquer espaço educacional não formal além da escola (como as associações e centros comunitários, as cooperativas, os hospitais, os sindicatos, entre outros). No entanto, nossa compreensão se respalda na leitura integral dos documentos curriculares oficiais. Nos Projetos Pedagógicos estudados, a intenção de formar profissionais nas licenciaturas em Pedagogia para atuação no contexto da Educação Não Formal é defendida. Quando a expressão ‘não escolar’ é utilizada, normalmente se encontra associada aos contextos não formais de ensino. Encontramos essa característica nas seções dos documentos curriculares que discorrem sobre os Estágios Supervisionados dos quatro cursos da UERN que fizeram parte da análise.

Na continuidade da análise, afirmamos que, além de pesquisarmos as disciplinas obrigatórias com foco central na gestão escolar, selecionamos para investigação outros componentes curriculares obrigatórios que indicam, apesar de não apontarem ênfase no estudo dos conhecimentos e conteúdos curriculares acerca da gestão de processos educativos escolares, temas à prática da gestão escolar. Dentre eles, estão as disciplinas sobre as políticas educacionais, o planejamento e a avaliação educacional nas instituições educativas, a organização, estrutura e funcionamento dos sistemas educacionais. Entendemos que esse conjunto de disciplinas é importante à formação do profissional que atuará na gestão escolar, haja vista que se associa a temas que perpassam e influenciam no cotidiano da escola e nas diferentes funções que a gestão desenvolve nas instituições escolares. Novamente, registramos a síntese dos nossos achados, organizando-os na Tabela 4.

Os 10 (dez) cursos analisados apresentam disciplinas com conhecimentos e conteúdos curriculares que se associam à gestão escolar. A média é de 02 (dois) componentes curriculares por curso, exceto nas licenciaturas em Pedagogia da UFC e da UFRN, Campus de Natal, que pontificam 03 (três) disciplinas. A carga horária desse composto de componentes curriculares demarca entre 30 e 75 horas. As posições nas matrizes curriculares são variáveis, conferindo do 2º ao 9º período de formação nas graduações.

Em relação aos conhecimentos e conteúdos curriculares que abordam, agrupamo-los em três temas principais. No primeiro, encontram-se os conhecimentos e os conteúdos curriculares sobre a organização, a estrutura e o funcionamento da Educação Básica. A base normativa da Educação Brasileira apresenta-se em todas as disciplinas desse mote curricular. No segundo, estão os conhecimentos e os conteúdos curriculares acerca das Políticas Educacionais e Planejamento da Educação. A relação entre o Estado, a Educação e a Sociedade (algumas vezes articuladas com o trabalho) é prioridade nesse contexto, bem como as diferentes políticas educacionais (em especial, as políticas públicas) locais. As questões das políticas curriculares e as formas de planejamento da educação também se apresentam. No terceiro, estão os conhecimentos e os conteúdos curriculares sobre avaliação e financiamento educacional. Nesse contexto, a discussão a respeito das perspectivas de financiamento da Educação Básica e os diferentes exames de avaliação da Educação, entre outros, se atesta.

Como meio de ilustrar nosso entendimento, exemplificamos com as disciplinas de ‘Estrutura e Organização da Educação Básica’, do Curso da UFCA, ‘Política Educacional’, da Licenciatura da UFC, e ‘Financiamento da Educação’, da graduação da UERN (Campus de Patu).

Disciplina: ‘Estrutura e Organização da Educação Básica’ - 64 horas

A constituição brasileira e suas especificações a respeito da educação básica. O que é a educação básica e quais seus níveis de funcionamento. A atuação do pedagogo na educação básica, de acordo com a política educacional brasileira. Noções básicas da legislação educacional brasileira (LDB, constituição, e emendas constitucionais) (^{UFCA, 2018}, p. 75, grifo do autor).

Disciplina: ‘Política Educacional’ - 64 horas

Conceito de Estado e suas formas de intervenção social (controle e ajustamento). Política social no Estado capitalista. Política educacional como política social. Os condicionantes políticos, econômicos e sociais das reformas educacionais no contexto da globalização da economia e do ideário neoliberal. A reforma educacional brasileira pós 1990: os protagonistas; a tendência neoliberal e conservadora; as formas de financiamento; o significado da ênfase no currículo e na avaliação nacionais (^{UFC, 2013}, p. 36, grifo do autor).

Disciplina: ‘Financiamento da Educação’ - 60 horas

Fontes e recursos públicos para a educação. O financiamento da Educação Básica e a legislação que o regulamenta. Gestão dos recursos públicos. Políticas de financiamento da Educação Básica. Fundos de Manutenção da educação. Orçamento participativo. Acompanhamento dos recursos financeiros pela sociedade através dos conselhos (^{UERN, 2017}, p. 124, grifo do autor).

De modo geral, as disciplinas não discutem, conforme anunciamos, a gestão escolar em si mesma. No entanto, destacam importantes conhecimentos e conteúdos curriculares que influenciam na compreensão do cotidiano da escola e da gestão escolar, seja na direção escolar, na coordenação pedagógica ou em outra função do âmbito da gestão de processos educativos escolares. Consideramos que os conhecimentos e os conteúdos curriculares abordados nesse conjunto de disciplinas se fazem como fundamentos da formação profissional para atuação na gestão escolar. Sua relevância é defendida por diferentes pesquisas na área de Educação. Dentre elas, citamos as investigações de ^{Libâneo (2007}, 2013), de ^{Stremel e Mainardes (2015}), de ^{Pimenta et al. (2017}) que, ao discorrerem acerca da formação dos profissionais da Educação Básica nos cursos de Pedagogia, da organização do trabalho pedagógico na escola, da gestão escolar e da política educacional, entre outros, nos permitem essa compreensão justamente porque são conhecimentos e conteúdos curriculares que demarcam dimensões/campos complexas/os da área educacional que limitam ou possibilitam o trabalho na gestão escolar.

O terceiro eixo temático da análise referente à ‘carga horária destinada ao estudo das disciplinas sobre gestão escolar nos Cursos de Pedagogia’ se organizou validando as disciplinas acerca da gestão escolar e os componentes curriculares que apresentam intenções de estudo a respeito da gestão, mas não de modo central, os quais foram discutidos em momento anterior (disciplinas da formação do profissional da Educação Básica que se associam à Gestão Escolar). A Figura 1 esquematiza os dados apreendidos na pesquisa.

Os 10 (dez) cursos destinam entre 6 e 13% da carga horária total para o estudo dos conhecimentos e dos conteúdos curriculares das disciplinas acerca da gestão escolar ou que se associam a ela. Nessa perspectiva, com o menor tempo se encontra o Curso da UFC (192 horas - 6%) e com o maior número de horas está o Curso da UERN, Campus de Patu (405 horas - 13%). Compreendemos que a carga horária destacada em cada curso é insuficiente, haja vista que as diversas funções na área de gestão escolar exigem conhecimentos para formação profissional sob diferentes enfoques (da coordenação, da supervisão, da organização dos sistemas de ensino, dos tipos de gestão que podem se materializar nas instituições escolares - democrática, participativa, entre outras).

No entanto, temos que ponderar, de acordo com ^{Brzezinski (1996}) e ^{Scheibe (2007}), que o foco da formação nos cursos de Pedagogia condiz, sobretudo, à docência nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Esse aspecto foi defendido durante boa parte da trajetória desses cursos no Brasil. Neste sentido, há a demanda da atuação docente com diferentes disciplinas nesse mesmo contexto (Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, entre outras). Fora isso, há também a intenção de formação docente para a Educação Infantil, para atuação no âmbito da Educação Não Formal (em espaços não escolares), na Educação de Jovens e Adultos, na Educação Especial, entre outros. Se pesarmos as várias dimensões projetadas para atuação do profissional formado nesse curso, acreditamos que a carga horária destinada está compatível com essa perspectiva generalista de formação, a qual concebe esse sujeito como um profissional da Educação e não somente como um pedagogo ou professor.

Sobre essa discussão, há pesquisadores, como ^{Pimenta et al. (2017}) e ^{Libâneo (2007}), que defendem a inviabilidade da formação desse profissional, com enfoque generalista, nos cursos de Pedagogia. A perspectiva generalista de formação conduz, segundo esses autores, a uma má qualidade no trabalho pedagógico exercido na Educação Básica pelos profissionais formados nessas licenciaturas, uma vez que não há condições para o desenvolvimento de uma formação sólida (englobando teoria e prática) durante os processos de formação.

Segundo ^{Pimenta et al. (2017}), não tem se formado nem o pedagogo, tampouco o profissional polivalente elencado nas Diretrizes dessas graduações publicadas no ano de 2006, o qual é defendido pela Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE), entre outras entidades da área de Educação. De nossa parte, como professores formadores na Educação Superior, entendemos que, independentemente da existência de várias pesquisas sobre a formação dos profissionais da Educação Básica nessas licenciaturas - como os estudos de ^{Fiorin e Ferreira (2013}) e ^{Albuquerque, Haas, e Araújo (2013}), entre outros - ainda vemos como essencial o desenvolvimento de novos estudos, principalmente as investigações que se enderecem para a atuação dos profissionais formados por esses cursos na gestão escolar.

Considerações finais

Este estudo teve como objetivo principal analisar as proposições curriculares existentes em 10 (dez) Projetos Pedagógicos de Cursos de Pedagogia de 6 (seis) universidades públicas situadas nos Estados do Ceará e do Rio Grande do Norte. Em resumo, avaliamos as projeções curriculares a respeito da formação do profissional da Educação Básica para atuação na gestão escolar. Como questão norteadora que acompanhou esta investigação, aludimos: o que as Licenciaturas em Pedagogia de universidades públicas dos Estados do Ceará e do Rio Grande do Norte propõem, no âmbito do currículo oficial, aos licenciandos a respeito da gestão escolar?

Seguindo esse raciocínio, a construção e a análise dos dados se organizaram a partir de três eixos temáticos, a saber: a) ‘perfil profissional projetado ao licenciado em Pedagogia para atuação na gestão escolar’; b) ‘disciplinas acerca da gestão escolar nas Licenciaturas em Pedagogia’; e c) ‘carga horária destinada ao estudo das disciplinas sobre gestão escolar nos Cursos de Pedagogia’.

Na pesquisa, vimos que o perfil profissional destacado na maioria dos textos oficiais (sete) não apresenta ênfase direta na área de gestão escolar. A abordagem generalista, focada na gestão educacional, a qual se estende para a atuação na gestão em diferentes domínios do âmbito da Educação, é o que se atesta nos documentos oficiais. Outro aspecto identificado na análise corresponde ao fato de que a maior parte das licenciaturas confere apenas duas disciplinas com relevo para a gestão escolar. Desse número, uma delas se destina ao Estágio Supervisionado no contexto da gestão.

Verificamos, ainda, que há a existência de disciplinas nos currículos oficiais que se encontram associadas à gestão escolar. Na nossa percepção, esses componentes curriculares podem ser concebidos como fundamentos da formação profissional para atuação na gestão. No que convém à carga horária para o estudo da gestão escolar, avaliamos que se atesta com os percentuais que variam de 6 a 13% do valor total projetado à formação do licenciado em Pedagogia nessas instituições.

Postas essas considerações, alertamos para a necessidade de (re)pensar a formação dos profissionais da Educação Básica nos cursos de Pedagogia para atuação na gestão escolar. No nosso ponto de vista, é preciso avançar quanto ao debate e também com novas pesquisas, especialmente no e sobre o contexto profissional dos licenciados. Em razão da realidade apreendida na investigação, ficamos preocupados com essa dimensão da formação nessas licenciaturas, haja vista a complexidade da Educação e os desafios que perpassam as instituições escolares, respingando no trabalho cotidiano de todos que exercem funções na gestão das escolas.