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Acta Scientiarum. Education

Print version ISSN 2178-5198On-line version ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.45  Maringá  2023  Epub Aug 01, 2023

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v45i1.59613 

HISTÓRIA E FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Entre sebos e livrarias: cartografia de um circuito da cultura impressa e da História Intelectual e Cultural de Curitiba

Entre librerías convencionales y de segunda mano: cartografía de un circuito de la cultura impresa y de la Historia Intelectual y Cultural de Curitiba

Evelyn de Almeida Orlando¹  * 
http://orcid.org/0000-0001-5795-943X

Lucas Fíngolo Claras² 
http://orcid.org/0000-0001-5171-7448

Carmen Terezinha Koppe1 
http://orcid.org/0000-0001-8364-8926

1Programa de Pós-graduação em Educação, Escola de Educação e Humanidades, Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Rua Imaculada Conceição, 1155, 81611-970, Curitiba, Paraná, Brasil.

2Secretaria de Educação e do Esporte do Estado do Paraná, São José dos Pinhais, Paraná, Brasil.


RESUMO.

Este trabalho, que se localiza no campo da História da Educação, objetiva traçar um mapeamento de um conjunto de livrarias e sebos de Curitiba, com o intuito de investigar esses espaços como um circuito da cultura impressa da cidade de Curitiba/PR, cidade que tem investido, de diferentes modos, em projetos de difusão da leitura como prática irradiadora de cultura. Como recurso metodológico, foi feito um mapeamento em guias culturais on-line, sites e páginas da internet, a fim de identificar os principais sebos e livrarias da cidade, e assim traçar um mapeamento desses espaços. Ao todo foram encontradas 23 lojas, sendo que 11 são livrarias, 6 desempenham a função de sebo-livraria, e outras 6 atuam como sebos. Além disso, também foi feita uma pesquisa bibliográfica para indicar por onde tem passado as pesquisas sobre sebos e livrarias como possíveis circuitos intelectual e cultural de uma cidade. O diálogo com Aníbal Bragança e Baptistini foi fundamental para pensar a importância desses espaços na cena curitibana. Como resultado da pesquisa, ficou latente a importância dos sebos e livrarias para a vida cultural de Curitiba, como espaços de mediação cultural, e sua relevância para a circulação intelectual e fomento para a construção de sociabilidades. Além disso, verificamos o papel de espaços de memória, desempenhado pelos sebos, que guardam indícios da vida intelectual e cultural de diferentes tempos.

Palavras-chave: sociabilidade; produção e mediação cultural; circuito intelectual; espaços de memória

RESUMEN.

Este trabajo, ubicado en el campo de la Historia de la Educación, tiene como objetivo mapear un conjunto de librerías convencionales y de segunda mano em Curitiba, con la intención de investigar estos espacios como un circuito de la cultura impresa de la ciudad de Curitiba/PR, ciudad que ha invertido de diferentes maneras em proyectos de difusión de la lectura como práctica irradiadora de cultura. Como recurso metodológico, se mapearon guías culturales en línea, en sitios y páginas de internet, con la finalidad de identificar las principales librerías de primera y segunda mano de la ciudad, para construir un mapa de estos espacios. En total fueron encontradas 23 tiendas, siendo que 11 son librerías convencionales, 6 venden libros tanto de primera como de segunda mano, y otras 6 trabajan apenas con libros de segunda mano. Además, también fue hecha una investigación bibliográfica para indicar por donde han pasado las investigaciones sobre librerías como posibles circuitos intelectual y cultural de una ciudad. El diálogo con Aníbal Bragança y Baptistini fue fundamental para pensar en la importancia de estos espacios de mediación cultural y su relevancia para la circulación intelectual y para el fomento de la construcción de sociabilidades. Así mismo, verificamos el rol de espacios de memoria desempeñado por las librerías de segunda mano, pues ellas guardan indicios de la vida intelectual y cultural de diferentes tiempos.

Palabras clave: sociabilidad; producción y mediación cultural; circuito intelectual; espacios de memoria

ABSTRACT.

In Educational History, this paper aims to map a group of bookstores and second-hand bookshops in Curitiba to study these spaces as a printed culture circuit in Curitiba/PR. This city has invested in various projects to spread reading as a practice that radiates culture. As a methodological resource, a mapping was made in online cultural guides, websites, and web pages, to identify the leading second-hand bookshops and bookstores in the city and thus draw a mapping of these spaces. In all, 23 stores were found, 11 of which are bookstores, six function as second-hand bookshops and bookstores, and another 6 act as second-hand bookshops. In addition, bibliographical research was also carried out to indicate how research has been done on these second-hand bookshops and bookstores as possible intellectual and cultural circuits in a city. The dialogue with Aníbal Bragança and Baptistini was fundamental to thinking about the importance of these spaces in the Curitiba scene. As a result of the research, the importance of second-hand bookshops and bookstores to the cultural life of Curitiba as spaces of cultural mediation and their relevance to the intellectual circulation and promotion of the construction of sociabilities became obvious. Furthermore, we verify the role of memory spaces played by second-hand bookshops, which keep evidence of the intellectual and cultural life of different times.

Keywords: sociability; cultural production and mediation; intellectual circuit; memory spaces

Introdução

Esse artigo, produzido no campo da História da Educação, tem como objetivo mapear um conjunto de livrarias e sebos de Curitiba, que são entendidos como um dos circuitos de produção e circulação do conhecimento e da cultura das cidades, além ser um meio de produção e fomentação intelectual. No caso específico dos sebos, estes também são compreendidos como espaços de memória, seja de manutenção seja de produção. O estudo também pretende contribuir com os estudos sobre impressos atentando para os circuitos de produção e de circulação desse tipo de material.

Neste trabalho, entendemos a livraria como um espaço irradiador de diferentes círculos culturais e literários, devido aos diversos perfis de livraria existentes, o que demonstra que a partir delas, como também dos sebos, é possível apreender aspectos da vida cultural, social e intelectual de uma cidade (Bragança, 2009). As livrarias são espaços do circuito cultural, visto que divulgam as produções culturais e se estabelecem como espaço de sociabilidade de uma intelectualidade em potencial, da mesma forma que pode atingir uma miríade de pessoas devido às diversas opções que são oferecidas nos catálogos.

Do ponto de vista metodológico, este trabalho traça um mapeamento a partir de consulta realizada na internet, blogs, redes sociais e guias culturais sobre a cidade de Curitiba. O mapeamento das livrarias e sebos ocorreu com base em diferentes critérios. Para as livrarias, foram mapeadas aquelas que ofertam espaços de debates e palestras para o público - sejam esses eventos pequenos ou grandes -, mas, principalmente, que sirvam como um espaço de fomentação da produção intelectual. No caso dos sebos, por muitos deles não abrirem espaço para debates e eventos como as livrarias, fizemos um levantamento entre os blogs e guias culturais e mapeamos os sebos que são citados em diferentes matérias, o que é um indício da importância desses espaços para os diversos sujeitos que circulam por esse meio.

Além disso, também foi feito um trabalho bibliográfico para identificar por onde tem passado as pesquisas sobre livrarias e sebos, não apenas buscando contribuir para as pesquisas nesse campo como também para estreitar alguns caminhos teóricos fundamentais para a análise do material levantado. À vista disso, o artigo está dividido em duas partes: na primeira, realizamos um mergulho na historiografia educacional buscando fazer um estado da arte1 sobre sebos e livrarias como objetos de estudo no campo; na segunda parte, é feita uma cartografia e um ensaio de análise dos espaços mapeados. Essa cartografia não pretendeu inventariar todos esses espaços na cidade. Foram estabelecidos alguns princípios que orientaram esta pesquisa na busca de se construir um possível circuito a ser investigado mais densamente, alargado, problematizado. Certamente, o resultado é lacunar, mas ele abre caminho para outras investigações nessa direção e provoca outros olhares e leituras sobre a cidades de Curitiba, mas não apenas. Pensamos que esse movimento pode ser estendido a qualquer lugar, afinal, todas as cidades têm seus caminhos da cultura impressa, da leitura, da memória escrita, das redes de sociabilidade intelectual a serem esquadrinhados.

Sebos e livrarias como objetos de pesquisa

Como o artigo é produzido no campo da História da Educação, partimos desse campo para fazer o levantamento bibliográfico. No entanto, as pesquisas que abordam os sebos e as livrarias como objetos ainda são incipientes, assim, apenas dois artigos foram encontrados em revistas da área. Os quais foram ‘A livraria Garnier e a história dos livros infantis no Brasil: gênese e formação de um campo literário (1858-1920)’, de Andréa Bordes Leão (2007), na Revista de História da Educação, da ASPHE, sendo um trabalho que analisa as coleções presentes no catálogo da Livraria Garnier direcionadas ao público infantojuvenil, e como o trabalho desempenhado pelos donos desse espaço ajudaram na educação do gosto literário dos mais jovens; o outro artigo, ‘Os franciscanos na Paraíba: formação religiosa, instrução e livraria conventual (século XVIII e XIX)’, de Carla Mary de Oliveira (2017), na Revista História da Educação, investiga o acervo da livraria da ordem dos franciscanos na Paraíba e a importância das livrarias conventuais para as atividades de docência desempenhadas pelos franciscanos.

Foram pesquisadas as publicações de outros três periódicos, o Cadernos de História da Educação, a Revista Brasileira de História da Educação e a Revista História e Historiografia da Educação, mas nenhum outro trabalho sobre a temática foi encontrado. Também consultamos os Anais dos três últimos Congressos Brasileiros de História da Educação, mas em nenhum deles existe publicação sobre esse assunto.

Em uma consulta ao banco de dissertações e teses da plataforma Capes, utilizando o descritor ‘sebos’, ‘livrarias’ e ‘sebos livrarias’, foram encontradas oito pesquisas que mobilizam sebos e livrarias como objetos de pesquisa em diferentes áreas produzidas nas duas últimas décadas, sendo cinco delas em Educação, duas em Ciências Sociais e uma em História. No campo da educação, o primeiro trabalho é de Santos (2004), intitulado ‘Entre louças, pianos, livros e impressos: A casa livro azul - 1876-1958’, que foi publicado como livro e investiga as formas de anúncio e de propaganda desenvolvidas pela Casa Livro Azul num contexto em que ainda entrava num processo de familiarização com a cultura tipográfica e de livrarias; já Delgado (2007), produziu a dissertação que também se transformou no livro Cartografia sentimental de sebos e livros, trata-se de uma obra que contribui para a História do Livro e da leitura no Brasil, e que traz a história dos sebos e de práticas de sebistas; Segovia (2014), por sua vez, escreveu a dissertação O papel desempenhado pela Livraria Universal na cidade de Pelotas no período de 1887 a 1934, na qual analisou a ação e a relevância da Livraria Universal para a cidade de Pelotas, identificando esse espaço como um centro difusor de leitura na cidade.

A dissertação de Rochetti (2012), Leitores de locadora de livros, não utiliza exatamente os sebos ou livrarias como objetos de pesquisa, mas sim as locadoras de livros. Apesar de fugir um pouco do objeto do trabalho, ainda destacamos a pesquisa da autora por ela investigar práticas de leitura que também são característica de sebos, espaço onde há uma circulação de obras entre as pessoas e o compartilhamento dessas produções culturais. Em outro trabalho de mestrado, Educação não-formal e história oral em mosaico: visões e escutas para o sebo Sapiente, Americana - SP, escrito por Scalisse (2020), o autor pesquisa a educação não-formal e os aspectos educativos presentes num sebo da cidade de Americana/SP e na plataforma digital Padlet. Para atingir seus objetivos, Scalisse (2020) utilizou a metodologia da História Oral com abordagem qualitativa.

O trabalho encontrado na área de História também é uma dissertação que investiga em que medida as experiências dos sebistas da cidade de Fortaleza, atuantes entre os anos 1960 e 2000, impactaram na construção do conhecimento dos consumidores sobre o comércio de livros na cidade. Na pesquisa, são analisadas também as identidades individuais e coletivas dos sebistas. Por fim, os dois trabalhos produzidos na área de Ciências Sociais são duas teses. A primeira, Beco da Lama: formas e cores de uma plástica da vida, foi escrita por Façanha (2014) que pesquisa um lugar conhecido como Beco da Lama, na cidade de Natal/RN, e investiga as produções culturais e os processos artísticos vivenciados no local, o qual conta com diversos bares e sebos que ofertam exposições e outros eventos culturais. A partir daí, o autor investiga como espaços como esse possibilitam uma nova forma de produção e consumo de práticas culturais e artísticas. Por fim, Frederico (2020) investiga em ‘A Rua do Livros: cartografia multissituada do garimpo e comércio literário no Rio de Janeiro’, os livros que são lidos e relidos, comprados e revendidos nas cidades, e os espaços que essas obras percorrem ao longo do caminho. Em sua obra, a autora destaca o papel de sebos, alfarrabistas e livreiros que auxiliam nesse processo.

Há trabalhos da área de História, também de Comunicação, em que esse tema aparece de modo mais presente2, que merecem menção aqui, inclusive por terem se constituído como os aportes teóricos utilizados neste texto, como o livro Pequeno Guia Histórico das Livrarias Brasileiras, de Machado (2008), que mapeia diversas livrarias que existiram no Brasil desde o período colonial até os dias de hoje, e o livro Brasilianas: José Olympio e o Gênese do Marco Editorial Brasileiro, de Sorá (2010), que pesquisa a Editora José Olympio Livraria e demonstra como era a relação dos intelectuais nas décadas de 1930 a 1940 com a editora e livraria. Já Aníbal Bragança (2009), em A Livraria Ideal: do cordel à bibliofilia, fez a análise da trajetória do livreiro italiano, Mônaco Silvestre, cujo trabalho como sebista e livreiro culminou na Livraria Ideal, que se tornou um centro de encontro da intelectualidade de Niterói e um espaço de divulgação e irradiação da cultura na cidade. O autor apresenta a livraria como “[...] um espaço de vivências culturais, rico de sugestões para uma história cultural e da recepção dos textos impressos” (Bragança, 2009, p. 204).

No trabalho de Baptistini (2017), Reminiscências da livraria importadora Leonardo da Vinci na vivência político-cultural da cidade do Rio de Janeiro, é analisada a trajetória da Livraria Leonardo Da Vinci e como o espaço se envolveu com a vida intelectual da cidade e transformou-se em um circuito cultural. Na obra, a autora demonstra como o lugar molda uma identidade, seja sua seja de seus clientes, e como a livraria pode ser considerada um empreendimento cultural de ciclo longo, partindo do conceito de Pierre Bourdieu. Já Pajeú e Sobral (2019), em A ressignificação da praça pública e do sebo como lugares de mediação cultural, pesquisam a Praça do Sebo em Recife, um espaço único na cidade, o qual abriga 19 boxes com a venda de livros usados, novos, raros e antigos. Os sebos e livrarias são espaços de circulação e de fomento à cultura e às produções culturais, tendo em vista que são locais em que intelectuais podem se encontrar e desenvolver suas redes de sociabilidade3 e estabelecer contatos para outros projetos. Os sebos possibilitam o acesso à memória escrita, devido ao fato deles guardarem aquilo que poderia ter-se perdido ao longo dos anos. Desse modo, fica evidente a importância dos sebos para a manutenção e a construção de uma memória escrita, e do acesso à leitura de todo tipo de livro, tanto em lugares fechados quanto abertos, como as praças públicas.

Outras pesquisas destacam a relevância do espaço que sebos e livrarias oferecem para a produção de conhecimento, também promovem debates que fomentam a intelectualidade local, por exemplo, os trabalhos de Silva (2013a, 2013b). Essa autora investiga os sebistas em Natal e os espaços de sociabilidade intelectual, reafirmando a importância de sebos e livrarias para a produção do conhecimento e como espaço de sociabilidade.

As pesquisas encontradas destacam o valor dos sebos e das livrarias como lugares que possibilitaram ao longo dos anos a produção cultural e intelectual da comunidade. Inúmeros intelectuais de variadas gerações passaram por diversas livrarias e sebos em diferentes cidades, tendo esses espaços se constituído como locais de produção intelectual e de circulação de bens culturais onde ocorrem debates e discussões que ajudam no desenvolvimento da cidade.

Dessa forma, esses trabalhos demonstram por onde têm passado as discussões sobre sebos e livrarias como objetos ou fontes de pesquisa histórica, além de permitirem observar o impacto e a importância que eles tiveram na formação da intelectualidade de um determinado lugar, funcionando como espaços de sociabilidade de diferentes gerações. Isso tem sido apontado tanto por Baptistini (2017), que pesquisa uma livraria no Rio de Janeiro, como Silva (2013a), que tem como objeto os espaços de sociabilidade na cidade de Natal. Também indica que, ainda que em diferentes localidades, os sebos e livrarias desempenham um papel relevante para a produção intelectual e a construção de laços e contatos entre os diferentes sujeitos e agentes que agem dentro da sociedade - esses espaços têm sido pouco explorados em nossa historiografia.

Todavia, “[...] no estudo dos intelectuais é preciso voltar-se para os lugares, os meios e as redes de sociabilidade, de modo a tentar-se compreender os intelectuais nas suas circunstâncias de produção e atuação” (Silva, 2013a, p. 2). Compreender esses espaços, as discussões que fomentaram, os sujeitos que ali frequentaram, os autores que colocaram em circulação, pode nos dar pistas da efervescência de determinados movimentos de circulação de ideias que impulsionaram gerações de intelectuais ao longo da história e contribuíram para formar um repertório cultural coletivo.

Sebos e livrarias em Curitiba: espaços de sociabilidade e produção intelectual

Com o mapeamento realizado, ao todo foram catalogados 23 estabelecimentos, sendo seis sebos, seis lojas que funcionam como sebos e livrarias, e onze livrarias, tendo sido produzido a Tabela 1 para facilitar a visualização e a catalogação de cada sebo e livraria ao ser apresentado um breve informativo sobre cada local. As informações sobre cada sebo ou livraria foram levantadas, em 2019, a partir de um contato direto com cada estabelecimento, ou através de matérias de guias culturais na internet em que são referenciadas. Desse modo, chegamos ao seguinte conjunto, conforme consta na Tabela 1.

Tabela 1 Catalogação das livrarias e sebos de Curitiba. 

Nome Data de Abertura Descritivo
Livrarias Curitiba 1963 A rede das Livrarias Curitiba conta com um vasto catálogo que oferece livros, recursos de multimídia, informática, papelaria e outros materiais. Essa rede se estabelece como um espaço de fomentação cultural, sobretudo com as conversas, debates e lançamentos de livros ofertados. Com várias megalojas, a rede se caracteriza como sendo uma das maiores livrarias nacionais.
Livrarias Cultura 1947 A livraria se entende como um centro de entretenimento que dá acesso à informação e às manifestações culturais através de um grande acervo e de eventos culturais e de sociabilidade ofertados, como teatros e publicações exclusivas. A rede Livrarias Cultura também está entre as maiores do país.
Livraria Saraiva 1983 A livraria que comercializa uma série de produtos culturais, como livros, CDs, materiais de papelaria, mídias e afins. Também oferta debates e palestras, funcionando como um fomentador cultural. Assim como as duas anteriores, a Livraria Saraiva é uma das maiores do país, além de também trabalhar como editora.
Livraria do Chain 1970 A livraria, com aspectos de sebo, estabelecido “[...] há 50 anos na cidade, mistura livros novos e ‘já lidos’, como prefere Chain. Tem livros técnicos e em espanhol, francês, inglês e alemão. É também editora e conta com um acervo caprichado de temas relacionados ao estado e escritores paranaenses” (Corrêa, 2016, no original). Localizada à frente da Universidade Federal do Paraná, tem bastante fluxo de alunos há gerações.
Joaquim Livros & Discos 2006 A livraria “[...] que homenageia a revista criada por Dalton Trevisan nos anos 1940 e Machado de Assis (cujo primeiro nome era Joaquim) mescla livros e discos e um pequeno bar. Seu enfoque é fornecer opções menos comuns a estudantes da área de Humanas, além de livros relacionados à música. Também tem produtos usados, mas em menor quantidade. O espaço, no Centro da cidade, também está aberto para lançamentos, pequenas apresentações e grupos de leituras” (Corrêa, 2016).
Itiban Comic Shop 1989 A Itiban é uma livraria que serve de ponto de encontro para fãs de história em quadrinhos em Curitiba. Sendo uma loja especializada em jogos de RPG e de cartas colecionáveis, também desenvolve atividades, como palestras, lançamento de novas produções e pocket shows (Corrêa, 2016).
Espaço Nav 2002 Também conhecida como Navegadores, antigo nome da loja, desde o início é especializada em obras para o público infantil, e de alguns anos para cá também ampliou o atendimento geral ao passar a promover festas de aniversário, brincadeiras e cursos exclusivos para as crianças (Corrêa, 2016).
Arte e Letra 2006 “Editora, café e livraria, a Arte & Letra prima pela seleção refinada de títulos menos frequentes nas grandes lojas, por valorizar os escritores locais contemporâneos e também pelos livros editados por eles mesmos” (Corrêa, 2016).
Túnel do Tempo Livros Usados 2000 Sebo que comercializa livros, revistas, discos e outros artigos. Quando foi feito o contato com os donos da loja, não foram dadas muitas informações que demonstrem as atividades desenvolvidas pelo local, portanto, entendemos que a ação do sebo fica restrita à função de guardar a memória escrita. Destacamos que essa loja fechou recentemente.
Livraria Papirus 1988 A livraria também funciona como sebo, desempenhando assim duas funções diferentes. Contudo, não encontramos outras informações sobre a loja que permita identificar outras atividades que possa desempenhar.
Arcádia Sebo & Café 1997 Com uma referência à arcádia da Grécia Antiga e ao movimento artístico do arcadismo, esse sebo-livraria se identifica como um local de difusão cultural e de educação com a oferta de eventos e palestras com autores e personalidades de destaque do cenário curitibano e nacional.
Livraria Solar do Rosário Express 1992 Solar do Rosário é uma livraria de arte e cultura em Curitiba que busca promover a cidadania através da difusão da arte e da cultura no estado do Paraná. O local também possui um café, galeria de arte, restaurante, casa de chá e jardim de esculturas. Além disso, o espaço oferece diversos cursos, como oficinas e ateliês, além de ser palco de palestras, lançamentos de livros e eventos culturais.
Livraria Vertov 2010 Com forte presença de livros das ciências humanas e artes, a Livraria Vertov oferece mais de 9 mil títulos de diversas áreas, como História, Antropologia, Economia, entre outras. O espaço promove encontros e debates de diferentes grupos e lançamentos de livros, ao passo que resiste e identifica-se como sendo uma livraria independente.
Top Livros Não encontrado A Top Livros é uma livraria com abrangência nacional e oferta milhares de títulos de centenas de editoras. Uma forte característica da livraria é a organização de feiras em diferentes regiões do país, e a comercialização de livros a baixos custos, ofertando livros para as camadas menos privilegiadas da sociedade.
Livraria da Vila 1986 A Livraria da Vila é uma outra grande rede. Ela se tornou uma referência no cenário editorial, sendo um local onde é oferecido palestras, rodas de conversas, entre outros eventos. Também é destacado o fato de existir o café no interior de algumas lojas.
Livraria Dario Vellozo Não informado A Livraria Dario Vellozo é um local que foge das grandes redes de livrarias. Além da oferta de livros para empréstimos e para a realização de pesquisas, o local exerce um papel de fomentação cultural na cidade ao promover a divulgação de novos escritores que são identificados como talentos locais.
Sebo Kapricho 1970 O Sebo Kapricho foi criado em Londrina e era uma banca de revista que também funcionava como sebo. Quando o seu dono se mudou para Curitiba no final da década de 1990, o espaço foi se tornando famoso. Atualmente aparece na lista de vários guias culturais da cidade.
Sebo Líder Não encontrado O sebo se apresenta como especializado na área e identifica-se como um negócio de família, destacando-se como um importante comércio de bens culturais da cidade.
Sebo Livraria RS 1996 O Sebo RS tem uma grande variedade de ofertas em seu catálogo, dispondo tanto de uma loja física como virtual, de modo que atende por encomendas todo o território nacional.
Astral Livraria e Sebo 2013 A Astral Livraria & Sebo funciona tanto como sebo quanto livraria, desse modo possibilita de várias formas a produção intelectual e a circulação de bens culturais na cidade.
Fígaro Livros Usados 1989 “O decano dos sebos de Curitiba é mais do que uma loja de discos e livros usados. Aberta desde 1989, a Fígaro é definida como um ‘ponto de cultura’, pelo funcionário Rafael Ribeiro. ‘As pessoas marcam encontros aqui. A loja virou uma referência’”. Para ele, o diferencial do Fígaro é o cuidado na hora de garimpar os itens. “Nós buscamos um material que tenha dois aspectos: raridade e qualidade. Nosso público sabe que aqui vai encontrar o que não acha em outros lugares”, disse. A figura tem cerca de 30 mil itens entre fotos antigas, cartões postais, obras de arte, artigos colecionáveis como miniaturas, utensílios domésticos antigos, numismática (moedas e cédulas raras de dinheiro de todo o mundo), jornais, mapas, gibis e revistas antigas e milhares de discos de vinil, com ênfase em música erudita, dvds de filmes antigos e livros de literatura, artes, filosofia e história” (Moser, 2019, grifo do autor).
Sebo Só Ler Não informado Apesar de aparecer em diferentes guias culturais como indicação de sebo, não foram encontradas maiores informações que permitam identificar o papel exercido pelo sebo e as ações que possivelmente possa desempenhar.
21 Sebo & Livraria 2005 O Sebo & Livraria apenas comercializa os produtos de seu catálogo e não exerce nenhum tipo de atividade intelectual específica, como a abertura de debates e lançamentos de livros. Recentemente foi anunciado seu fechamento.

Fonte: elaborado pelos autores.

A partir do mapeamento e da catalogação dos sebos e livrarias, a análise será dividida em três momentos, sendo que no primeiro serão analisadas as livrarias e os diferentes perfis existentes em Curitiba; na sequência os sebos-livrarias que são lojas que exercem as duas atividades; e, por fim, os sebos da cidade, que são identificados como espaços de memória.

As primeiras livrarias analisadas são as de presença nacional: Livrarias Curitiba, Livraria Saraiva, Livraria da Vila, Livraria Cultural e Top Livros. No caso da Livraria Saraiva, a rede também desempenha o papel de editora e, salvo o caso de Top Livros, as outras livrarias possuem megalojas com catálogos extensos, indo desde livros e itens de papelaria até produtos eletrônicos e de informática. Apesar dessa característica ser relativamente nova, sendo a prática mais comum do século XXI, o papel dessas livrarias continua o mesmo: a comercialização de produtos e bens culturais.

Novamente, sem contar a Top Livros, as outras quatro livrarias exercem papel semelhante ao da Livraria Da Vinci, estudada por Baptistini (2017), ou a Livraria Ideal pesquisada por Bragança (2009), que eram espaços onde ocorriam debates intelectuais e palestras, caracterizando-se como um lugar de produção de uma intelectualidade local. No caso da Livraria da Vinci, Baptistini (2017) destaca que a livraria ocupa um espaço na memória da intelectualidade da cidade, posição semelhante, talvez, à ocupada pela Livrarias Curitiba na cidade. Já a Top Livros fomenta a produção cultural e intelectual à medida que produz feiras em diferentes locais do país a preços baixos, ajudando assim a democratizar o acesso à informação e aos livros.

Há ainda outras três livrarias que promovem debates e fornecem espaços para eventos que fomentam a produção intelectual e possibilitam a formação de redes de sociabilidade por afinidades ideológicas que são: a Livraria Vertov que oferece palestras, lançamentos de livros e identifica-se como sendo uma livraria independente, marcadamente feminista; a Livraria Dario Vellozo, que é ligada à Prefeitura Municipal de Curitiba, também funciona como um local de empréstimo de livros, além de abrir espaço para lançamentos de livros; e a Livraria Solar do Rosário Express, mais voltada para a Arte, que, como as outras duas, também promove debates e outros eventos culturais. No entanto, em seu caso específico, ela possui um local para se tomar café, como ocorre em outras livrarias, um espaço propício para estimular a formação de redes e trocas culturais e intelectuais, pela ambiência voltada à sociabilidade que propicia.

Dessa forma, apesar da abrangência das redes e da variedade do catálogo dessas diferentes livrarias, elas ainda guardam as características mais básicas de uma livraria, a comercialização de livros e o acesso à leitura, do mesmo modo que ocorria com as livrarias estudadas por Bragança (2009) e Baptistini (2017). Outro elemento característico é que praticamente todas as lojas abrem espaços para debates e palestras, de modo que fomenta a produção intelectual e social local.

Sobre as livrarias que exercem também a função de editora, talvez o principal caso na história do país seja a Livraria José Olympio Editora que é analisada por Sorá (2010), que demonstra a forma como os autores entre as décadas de 1930 e 1940 buscavam publicar e participar do circuito promovido pela José Olympio. Nesse perfil de livraria há três que se enquadram: a Saraiva, a Arte & Letra e a Livraria do Chain. No caso da primeira, ela é parte de uma grande rede que é das Livrarias Saraiva, e tem presença em todo o mercado nacional, enquanto a Arte & Letra tem uma ação voltada para o fomento e a produção de artistas paranaenses, além de oferecer palestras e debates, também dispõe de um café que funciona como sala de leitura e como espaço de sociabilidade, que já se tornou referência na cidade. Essas livrarias além de promoverem a produção e o debate intelectual na cidade, também possibilitam que novos autores surjam e ganhem projeção. A respeito da Livraria do Chain, essa merece certa atenção por conta de sua relação com a cidade de Curitiba. Pode-se dizer que sua história está muito articulada com a própria história da cidade.

Quando Soares (2006) apresenta a livraria José Olympio em sua unidade no Rio de Janeiro, inaugurada em 1934, a autora destaca os intelectuais que frequentavam a livraria e a importância desse espaço de sociabilidade para a intelectualidade da então capital do país. Essa livraria, que também funcionou como editora, era um local onde todos os grandes escritores deveriam publicar suas obras. Dada a devida medida, a Livraria do Chain em Curitiba acaba tendo uma história similar. Desde a sua fundação em 1970 ao lado da Universidade Federal do Paraná, a livraria acompanhou a formação de diversas gerações de intelectuais do estado e, tendo em vista os comentários e depoimentos presentes nas redes sociais da loja, são notórios os laços afetivos e o reconhecimento que seus frequentadores possuem em relação à livraria. Nesse sentido, a Livraria do Chain compara-se, em alguma medida, à Livraria José Olympio, devido ao seu papel dentro da cidade de Curitiba e pelo fato de publicar livros de autores locais. Dada sua ação como sebo-livraria, a Livraria do Chain pode também ser comparada à Livraria Ideal, pesquisada por Bragança (2009), pois, além de guardar livros e ajudar na construção de uma memória escrita, ajuda na divulgação e circulação de obras novas, incentivando a leitura e a produção intelectual local.

Sobre a característica das livrarias como espaços que promovem o encontro dos intelectuais de uma determinada localidade, Silva (2013b, p. 257) afirma que:

[...] diferente da academia dos imortalizados no universo literário brasileiro, os espaços como cafés e livrarias são ambientes que foram eleitos por grupos de intelectuais para servirem de pontos de encontros. Os cafés e as livrarias foram criados, respectivamente, para a venda de cafés e doces e a comercialização de livros. No entanto, tais ambientes foram apropriados como espaços de reunião de grupos de letrados excluídos do centro aglutinador oficial desse conjunto de intelectuais [...].

Portanto, ainda que o destaque de algumas pesquisas possa ser a prática do intelectual e suas ações, também é necessário investigar os espaços que esses sujeitos circularam e frequentaram, pois com isso se torna possível perceber as influências que recebeu, e os laços e contatos que são construídos ao longo das diferentes trajetórias.

Para além das livrarias citadas, há algumas que possuem um perfil definido e um público específico, que são os casos de Itiban Comic Shop, com um catálogo voltado para o universo dos quadrinhos e parte da cultura pop; e a Livraria Nav, como é especializada em literatura infantil, seu catálogo é voltado às crianças. Há ainda a livraria Joaquim Livros & Discos, cujo catálogo é direcionado às Ciências Humanas, e com a oferta de produtos que interessam a esse público específico, além de dispor de um bar em seu interior. Assim, se havia livrarias especializadas em literatura francesa ou alemã em algum momento ao longo do século XX, como Machado (2008) demonstra, atualmente outras marcas culturais vão reconfigurando o perfil das livrarias, pelos seus leitores, indicando nichos de mercado específicos com uma identidade muito bem construída, como podemos perceber nas informações encontradas nos guias culturais.

Já os estabelecimentos que funcionam como sebos-livrarias, esses desempenham uma dupla função, pois tanto agem no sentido de divulgar novas obras e fomentar discussões em seus espaços, como funcionam como locais de memória e de produções escritas. Os sebos-livrarias encontrados foram a já citada Livraria do Chain, a Livraria Papirus, Arcádia Sebo & Café, Astral Livraria e Sebo, 21 Sebo & Livraria e Sebo-Livraria RS. Essas lojas que funcionam como sebo e livraria são possíveis de serem pensadas tal como foi feito com a Livraria do Chain anteriormente, comparando-a à Livraria Ideal, analisada por Bragança (2009), a qual iniciou seus trabalhos como um sebo, o que possibilitou o acesso e a manutenção de obras que poderiam se perder ao longo dos anos. Há um destaque ao Arcádia Sebo & Café, que mantém em sua loja um café e promove eventos e discussões sobre temas culturais, contribuindo para fomentar a produção intelectual e social da cidade, adotando uma característica marcante das livrarias, mas com a diferença de praticar preços módicos, o que amplia a democratização da cultura não apenas pelo acesso ao livro como bem cultural, mas a uma ambiência intelectual mais inclusiva e plural.

Por fim, os sebos mapeados foram o Sebo Só Ler, Fígaro Livros Usados, Sebo Líder, Sebo Kapricho e Túnel do Tempo Livros Usados. Esses locais são entendidos nesse trabalho como espaços de memória como definido por Nora (1993, p. 13):

Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque essas operações não são naturais. É por isso a defesa, pelas minorias, de uma memória refugiada sobre focos privilegiados e enciumadamente guardados nada mais faz do que levar à incandescência a verdade de todos os lugares de memória. Sem vigilância comemorativa, a história depressa os varreria. São bastiões sobre os quais se escora. Mas se o que eles defendem não estivesse ameaçado, não se teria, tampouco, a necessidade de construí-los. Se vivêssemos verdadeiramente as lembranças que eles envolvem, eles seriam inúteis. E se, em compensação, a história não se apoderasse deles para deformá-los, transformá-los, sová-los e petrificá-los eles não se tornariam lugares de memória. É este vai-e-vem que os constitui momentos de história arrancados do movimento da história, mas que lhe são devolvidos. Não mais inteiramente a vida, nem mais inteiramente a morte, como as conchas na praia quando o mar se retira da memória viva.

Os sebos são locais onde fica essa memória. São obras e produtos de uma temporalidade que sobrevivem graças a ação de sujeitos que vivem num outro contexto histórico, mas que trabalham para a manutenção de vestígios e marcas de períodos pretéritos. A ação de se guardar a memória e de permitir que outras gerações tenham o acesso direto daquilo que poderia ter-se perdido ao longo do tempo, mas que permanece guardado e disponível para ser lido e manuseado pelos mais jovens. O mapeamento dos sebos e a problematização do papel desses espaços pode ser pensado a partir do estudo de Bragança (2009, p. 204), que demonstra a constituição dos sebos como “[...] um espaço de vivências culturais, rico de sugestões para uma história cultural e da recepção dos textos impressos”.

Esse papel de memória dos sebos pôde ser considerado durante o levantamento bibliográfico enquanto fazíamos a pesquisa de estado da arte. Na tese de Martinelli (2008), o autor destaca que, para realizar suas pesquisas sobre práticas e formas de leitura, foi realizado um levantamento de livros encontrados em sebos e chama a atenção para a importância desse tipo de acervo que guarda, muitas vezes, pela especificidade do seu produto (livros usados), marcas de usos e apropriações dos leitores.

Com relação ao papel exercido pelos próprios sebistas, Pajeú e Sobral (2019, p. 252) afirmam que “[...] a atividade de um livreiro antiquário vai além do trivial comércio, pois existe responsabilidade com os leitores, a delicadeza com a história do livro, a preocupação com a leitura e um atento cortês com a difusão da informação [...]”, e que, ao lado de livreiros e de bibliotecários, os sebistas também exercem uma função de mediadores culturais em sua prática, pois, afinal, “[...] independente do eixo temático que trabalhe o sebista, ele sempre está indicando, sugerindo, compartilhando experiências, conversando com seu cliente, isto é, também assumindo a identidade de mediador cultural” (Pajeú & Sobral, 2019, p. 250).

Com base em Gomes e Hansen (2016), a prática de mediação cultural é estudada como as ações de produção de bens culturais que ajudam a pensar a realidade e a influenciar na compreensão do mundo de diferentes sujeitos que agem na sociedade. Com essa definição, da mesma forma que sebistas e livreiros podem ser considerados mediadores culturais, as próprias livrarias e sebos podem ser identificadas como espaços de mediação cultural que ocuparam a cena da cidade, marcando a paisagem de modo particular, irradiando uma aura intelectual que contribui para a construção de uma imagem da cidade e de seus habitantes.

Pensando na ocupação desse espaço, tentamos traçar dois mapas buscando apreender as principais partes da cidade onde essas livrarias e sebos se encontram, tentando apreender pistas da circulação do público que as frequentava, como um roteiro possível de muitos encontros e desencontros. Ligando os pontos, e com a ajuda do Google Maps, traçamos o seguinte roteiro das livrarias em Curitiba, conforme Figura 1.

Fonte: Trajeto construído no site Google Maps

Figura 1 Circuito de livrarias em Curitiba 

No circuito traçado, destacamos que a rede Livrarias Curitiba possui sete lojas na cidade, sendo que seis são em Shoppings, segundo informações disponíveis no site institucional; sendo que colocamos no mapa apenas a unidade de rua da rede. Além disso, devemos mencionar que a Top Livros também não integra o mapa porque a rede tem a prática de fazer exposições em diferentes locais, não tendo uma loja física definida.

Portanto, é possível observar que as livrarias se localizam em espaços centrais da cidade e, quando se afastam, permanecem em regiões de médio e alto padrão da cidade, indicando maior presença dentro de um circuito socioeconômico privilegiado, o que sugere o perfil de leitor que buscam.

Já, no mapa apresentado na Figura 2, podemos observar que os sebos e sebos-livrarias se concentram em um circuito próximo, ocupando quase o mesmo perímetro, mas situados fortemente no entorno do centro da cidade. Esta, por ser uma área de alta circulação e se constituir como um espaço mais plural do ponto de vista socioeconômico e cultural, possibilita o acesso a diferentes perfis de leitor. A concentração na região central da cidade configura um circuito que pode facilmente ser percorrido a pé, à exceção de alguns poucos que avançam para áreas mais nobres, um pouco mais distantes, mas sem invalidar o trajeto do público que garimpa esses espaços.

Dessa maneira, fica evidenciado que os sebos, sebos-livrarias e livrarias ocupam a região central de Curitiba, espalhando-se por regiões tradicionais e de médio e alto padrão da cidade, sobretudo aqueles que possuem cafés. E aí se levanta uma questão: esses espaços são destinados às pessoas amantes de leitura ou aos leitores de uma determinada camada social? Essa questão pode ser estendida também às livrarias que se localizam em shoppings, uma vez que estas não economizam em ter uma grande loja, como é mostrado em seus sites.

Talvez, por conta de sua característica de espaço de acesso à memória e de guarda de uma materialidade histórica, além do custo mais acessível e configuração mais plural, os sebos que funcionam em lojas de rua, mesmo quando se localizam em regiões de alto padrão da cidade, permanecem de maneira indiciária como um espaço mais democrático de acesso ao conhecimento.

Sejam como locais de memória, sejam como meios de circulação e divulgação de produções intelectuais, sebos e livrarias ocupam um espaço importante na vida das cidades com o fomento a uma intelectualidade e à construção de conhecimento e de bens culturais, além de serem profícuos espaços de construção de sociabilidades e estreitamento de laços intelectuais.

Fonte: trajeto construído no site Google Maps

Figura 2 Circuito de sebos e sebos-livrarias em Curitiba 

Os espaços investigados ajudam-nos a compreender melhor o circuito de circulação de bens culturais na cidade de Curitiba, como o livro, mas quem são os leitores que cada um desses locais quer construir? Embora esta não seja uma pergunta que possamos responder nos limites deste texto, é relevante deixá-la em aberto para que não percamos de vista os possíveis lugares de formação de quadros intelectuais como fomentadores de ideias e projetos.

Considerações finais

Este artigo buscou traçar um mapeamento de um conjunto de livrarias e sebos de Curitiba, com o intuito de investigar esses espaços como meios de circulação e produção de bens culturais que vêm fomentando a construção de uma parte da intelectualidade local da cidade de Curitiba, estado do Paraná. Em diálogo com autores da História do Livro e da Leitura, atentamos para esses espaços buscando perceber sua importância para a vida cultural de Curitiba, pela mediação que exercem entre os leitores, assim como pelo fomento permanente à vida intelectual da cidade, ou pelos lançamentos, pelas reedições ou pela difusão de obras raras e promoção de espaços que permitam a convivialidade, a troca de ideias e a construção de laços afetivos e ideológicos que funcionam como base para o estabelecimento de redes de sociabilidade.

As livrarias e sebos marcam a paisagem de uma cidade de muitos modos. Reunindo leitores, autores, curiosos, elas vão abrindo um caminho de acesso, manutenção e difusão de saberes pelos livros e/ou outros materiais de leitura por elas veiculados, constituindo-se como verdadeiros centros irradiadores de diversos círculos culturais e intelectuais e um importante circuito da cultura impressa e da vida intelectual da cidade. A formação que ocorre nesses espaços, longe de se constituir no âmbito da formalidade, é indicativa dos diversos caminhos da educação. Todavia, no campo da História da Educação, esses espaços pouco têm figurado como objetos de pesquisa, aparecendo tangencialmente - e de modo mais frequente - nos trabalhos sobre intelectuais e/ou sobre os impressos.

Além disso, no caso dos sebos, verificamos o papel de espaços de memória que desempenham, guardando indícios da vida intelectual e cultural de diferentes tempos, seja nos impressos que resistiram à passagem dos anos seja pela diversidade de objetos que guardam e carregam em si outras tantas histórias. Aí também se configura um nicho interessante de pesquisa pouco explorado. Lugares de guarda, mas também de formação, pela cultura material e imaterial que carregam, os sebos podem ser compreendidos como parte do patrimônio educativo de uma cidade.

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11Nota: Os autores foram responsáveis pela concepção, análise e interpretação dos dados; redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito e ainda, aprovação da versão final a ser publicada

Recebido: 10 de Junho de 2021; Aceito: 14 de Janeiro de 2022

* Autor para correspondência. E-mail: evelynorlando@gmail.com

INFORMAÇÕES SOBRE OS AUTORES Evelyn de Almeida Orlando: Doutora em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Pós-Doutorado pela Universidade de Paris. Professora do Programa de Pós-graduação em Educação e do curso de Pedagogia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em História da Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: História da Educação, Educação Brasileira, Impressos pedagógicos, Pedagogia e educação católica, Intelectuais e mediadores culturais, Gênero. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5795-943X E-mail: evelynorlando@gmail.com

Lucas Fíngolo Claras: Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professor de História da Educação Básica na Secretaria da Educação e do Esporte do Estado do Paraná. Com pesquisa na área de mediação cultural e educação dos sentidos e das sensibilidades. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5171-7448 E-mail: lucas.claras@gmail.com

Carmen Terezinha Koppe: Mestranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professora de Inglês e Português Língua Estrangeira do PUCPR Idiomas. Desenvolve pesquisas sobre mulheres intelectuais. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8364-8926 E-mail: carmen.koppe@gmail.com

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