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História da Educação

Print version ISSN 1414-3518On-line version ISSN 2236-3459

Hist. Educ. vol.27  Santa Maria  2023  Epub Dec 12, 2023

https://doi.org/10.1590/2236-3459/132206 

Seção Especial

MODERNIZAÇÕES, MODERNIDADES E MODERNISMOS NO BRASIL REPUBLICANO DE INÍCIO DO SÉCULO XX

Angela de Castro Gomes* 
http://orcid.org/0000-0002-1911-760X

*Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói/RJ, Brasil.


RESUMO

Este artigo foi escrito como uma conferência de abertura para o II Encontro de Pensamento Social Brasileiro: 100 anos de 1922 e as transformações do Brasil moderno. Nele, destaco o que entendo ser um projeto politico-cultural de modernização do país, através de uma “educação nacional”, que se explicitou nos anos de 1890, permanecendo em pauta nas décadas seguintes. Para tanto, analiso as contribuições de três importantes autores - José Veríssimo, Gonzaga Duque e João Ribeiro - trabalhando com três de seus livros, pouco conhecidos, mas muito representativos do pensamento de boa parte das elites intelectuais da Primeira República. Vendo-se como portadores de uma missão dedicada a vencer o “atraso” do país, relativizavam os determinismos cientificistas (clima e raça), defendendo que uma educação pública e obrigatória era uma possibilidade efetiva de nacionalizar e modernizar o Brasil.

Palavras-chave: Intelectuais; Educação nacional; Modernização

ABSTRACT

This article was written as an opening lecture for the II Encontro de Pensamento Social Brasileiro: 100 years of 1922 and the transformations of modern Brazil. In it, I highlight what I understand to be a political-cultural project of modernization of the country through a “national education," which was explicit in the 1890s, and remained on the agenda in the following decades. For that, I analyze the contributions of three essential authors - José Veríssimo, Gonzaga Duque, and João Ribeiro - working with three of their books, little known but very representative of the thinking of a good part of the intellectual elites of the First Republic. Seeing themselves as bearers of a mission dedicated to overcoming the country's “backwardness," they relativized scientific determinisms (climate and race), defending that public and compulsory education was an effective possibility of nationalizing and modernizing Brazil.

Keywords: Intellectuals; National Education; Modernization

RESUMEN

Este artículo fue escrito como conferencia de apertura del II Encontro de Pensamento Social Brasileiro: 100 años de 1922 y las transformaciones del Brasil moderno. En él, destaco lo que entiendo como un proyecto político-cultural de modernización del país, a través de una “educación nacional”, y que se explicitó en la década de 1890, manteniéndose en la agenda de las décadas siguientes. Para ello, analizo las aportaciones de tres importantes autores –José Veríssimo, Gonzaga Duque y João Ribeiro– trabajando con tres de sus libros, poco conocidos, pero muy representativos del pensamiento de buena parte de las élites intelectuales de la Primera República. Al verse portadores de una misión dedicada a la superación del “atraso” del país, relativizaron los determinismos cientificistas (clima y raza), defendiendo que la educación pública y obligatoria era una posibilidad efectiva de nacionalizar y modernizar Brasil.

Palabras clave: Intelectuales; Educación Nacional; Modernización

RÉSUMÉ

Cet article a été écrit comme conférence d’ouverture pour le II Encontro de Pensamento Social Brasileiro : 100 ans de 1922 et les transformations du Brésil moderne. J’y mets en lumière ce que je comprends être un projet politico-culturel de modernisation du pays, à travers une « éducation nationale », et qui s’est explicité dans les années 1890, restant à l’ordre du jour dans les décennies suivantes. Pour cela, j’analyse les contributions de trois auteurs importants - José Veríssimo, Gonzaga Duque et João Ribeiro - travaillant avec trois de leurs livres, peu connus, mais très représentatifs de la pensée de la plupart des élites intellectuelles de la Première République. Se voyant porteurs d’une mission vouée au dépassement du « retard » du pays, ils relativisent les déterminismes scientistes (climat et race), défendant que l’enseignement public et obligatoire a été une possibilité effective de nationalisation et de modernisation du Brésil.

Mots-clés: Intellectuels; Education nationale; Modernisation

As crianças aprendem, ouvindo e lendo histórias de fadas, que existem certas palavras que têm poder mágico. 1 Quer dizer, que têm o poder de transformar as coisas e as pessoas, realizando seus maiores desejos e tornando o mundo melhor. O problema é que essas palavras são misteriosas, sendo preciso que a pessoa que as pronuncie possua uma série de qualidades e conheça uma série de regras para que seu poder funcione com eficiência. Portanto, é o que as crianças também aprendem, há muita disputa em torno do controle dessas palavras, até porque elas podem mudar de sentido conforme o enredo da história e a atuação dos personagens. Se, para as crianças, a palavra mágica quer mudar o mundo para melhor, ela também pode, usada de forma errada ou por pessoa errada, produzir um enorme estrago. Então, nessa seara, todo cuidado é pouco.

Os adultos, que não leem mais histórias de fadas, com frequência se esquecem de tudo isso e continuam buscando palavras capazes de tornar o mundo melhor (geralmente para eles mesmos) num passe de mágica. Uma delas, com poder certeiro em projetos políticos, é modernização. Ser moderno - estar de acordo com o que é entendido como novo em certo tempo, em geral associado ao que é bom - é sempre uma ambição e uma promessa. O problema é que frequentemente não se presta muita atenção ao fato de que o conteúdo da palavra modernização não tem significado fixo e valor positivo pré-definido. Justamente por isso, há sempre vários ideais de moderno competindo num mesmo contexto histórico. Dependendo de quem, de quando, de para quem e de com que meios se faz um projeto de modernização, poderá haver várias modernidades possíveis e mesmo contraditórias entre si. Assim, é bom lembrar a história, nem tão infantil de Alice no país das maravilhas, quando ela, perdida, pergunta ao coelho: qual é a saída? E ele responde: bem, a saída depende sempre do lugar aonde você quer chegar.

Ciente da advertência feita a Alice, é possível dizer que na história de grupos sociais, entre os quais as nações, existem alguns períodos em que a busca pelo moderno ganha intensidade particular. É como se o “horizonte de expectativas” se expandisse, o que se exprime pela existência de projetos que podem ter a face de mudanças politico-institucionais, de planos econômicos, de propostas de ampla renovação cultural e de um pouco de tudo isso junto e misturado. No caso da sociedade brasileira, um desses momentos foi o da virada do século XIX e das primeiras décadas do XX, impactado por dois grandes eventos: a abolição da escravidão e a proclamação da República. Nesse período, grande destaque costuma ser dado à década de 20, com a Semana de Arte Moderna, o Centenário da Independência do Brasil, os levantes tenentistas, a fundação do Partido Comunista, além de outros acontecimentos, que, em 2022, estamos comemorando, inclusive neste evento.

Sabedora disso e correndo alguns riscos, quero propor um deslocamento dessa consagrada ênfase, para destacar o que pode ser entendido como um projeto politico-cultural de modernização do país, que se explicitou na década de 1890, permanecendo em pauta e produzindo importantes desdobramentos nas décadas seguintes. Envolvendo intelectuais com formações diversas e de diversas partes do país, sua ideia central era que a educação constituía uma questão decisiva para tal modernização, em sentido amplo. Ou seja, quer no significado que se dava à noção de educação (mais do que instrução), quer à sua associação com a noção de “progresso”, naquele contexto político e linguístico. Esses intelectuais certamente eram herdeiros do ideal ilustrado de educação como reforma social, mas avançavam ao concebê-la como objeto de políticas públicas necessárias para se vencer o “atraso” do país. Penso, portanto, que não se deve considerá-los apenas como pensadores ingênuos, porque orientados por uma proposta reformista irrealizável, o que foi percebido e apontado, ainda durante a Primeira República. Sem dúvida, como sempre ocorre, esses intelectuais estão refletindo sobre o Brasil com as margens de liberdade e os constrangimentos próprios a seu contexto histórico. Contudo, estão propondo políticas educacionais em momento chave - o da inauguração da República, da definição das condições da cidadania, das primeiras eleições para a presidente - e conhecendo modelos educacionais de outros países, que então colhiam bons resultados. E eles também logo se deram conta das grandes resistências das elites republicanas à implementação de políticas que ampliassem o acesso à educação pública que defendiam, passando então a ser críticos sistemáticos do novo regime.

Muito mais e melhor do que eles - o que não é vantagem alguma - nós aprendemos que a educação não fez e não fará tudo que dela se esperou. Mas a despeito disso, sabemos que educação importa e muito. Como as eleições em uma República, que igualmente não fizeram e não farão tudo que delas se esperou. Mas eleições também importam e muito. Portanto, foi em um momento muito especial - o do estabelecimento de uma República - que esse ideal de educação, vinculado à cidadania, ganhou fôlego e adesões. Para esses republicanos, o regime significava, não apenas uma nova organização politico-institucional, como também o ponto de partida para a formação de uma nação e um povo brasileiro, já que, finalmente, o país estava livre da escravidão e da monarquia. Nesse contexto, faziam prognósticos de “progresso” baseados em um diagnóstico que sustentava uma visão da história do Brasil, que considerava que somente com a abolição e a república, por conseguinte, só no final do século XIX, estavam estabelecidas as condições para uma “verdadeira independência” e, assim, para uma efetiva modernização, que havia sido bloqueada pelos que se beneficiavam de uma sociedade escravocrata e aristocrática. É por isso que a questão da identidade nacional brasileira se torna incontornável para a intelectualidade, não sendo propriamente uma opção, mas uma imposição para o Brasil poder existir no concerto internacional das nações.

Esse amplo projeto cultural visava iniciar um processo de incorporação de um novo ator político - o povo brasileiro - às condições do exercício da cidadania, porque afinal, era esse povo que dava fundamento político-jurídico à República (um regime sem escravizados e sem súditos). Mas não consideravam o novo regime uma fórmula mágica, que resolveria por si só os imensos problemas do país, entre os quais o da educação, saúde, comunicação etc. Se a república estabelecia que o direito de voto (conforme prática internacional) ficava restrito aos que sabiam ler e escrever (além de não incorporar as mulheres), a maioria absoluta da população, que era analfabeta, estava dele excluída. Esse dado demonstrava o sentido urgente de políticas públicas na área educacional e sua vinculação com o acesso aos direitos políticos. Internacionalmente, experiências republicanas demonstravam como a escola pública e laica era entendida como um recurso estratégico para a formação dos futuros cidadãos; como a escola era uma instituição na qual o povo, esse sujeito abstrato, começava a se concretizar. Ainda um pouco mais, pois também se sabia que, em tais escolas, o ensino de algumas disciplinas - como a geografia, a história e a língua nacional - funcionava como um coração que fazia bater a identidade nacional republicana.

São, assim, muito claros os fortes vínculos que se tecem entre as ideias de república, independência, modernização, educação e cidadania, nessas primeiras décadas do século XX, e porque é o nacionalismo que preside os projetos politico-culturais elaborados e experimentados por boa parte da intelectualidade republicana da época.

Creio que, dito isso, esclareço as razões que me levaram às escolhas que realizei para esta conferência. Elas foram orientadas por princípio muito conhecido: aquele que remete ao homem e a suas circunstâncias. No caso, uma mulher, branca, historiadora da política e dos intelectuais, que é professora há mais de cinquenta anos. As circunstâncias são as das eleições desse ano de 2022, estratégicas e ameaçadoras à republica, à democracia, à educação e ao ensino da história como a disciplina, entre muitas outras ameaças. Vivemos, provavelmente, um dos piores momentos da história republicana do Brasil, no qual a Constituição de 1988, construída com muitas lutas, está com sua arquitetura institucional abalada, pelo fato de ela proteger e promover - ainda que com deficiências - os direitos fundamentais da população brasileira. A escola e a universidade se sobressaem entre as instituições que recebem duros ataques, dirigidos a professores e alunos.

A disciplina da história, feita e ensinada por profissionais (e seus parceiros), enfrenta os negacionismos e um projeto governamental nada inocente, que quer consagrar um tipo de interpretação que é ufanista, teleológica, eurocêntrica, machista, branca, racista e até teológica. Uma interpretação que se apropria, reduzindo e descontextualizando, lugares-comuns que vêm da historiografia do século XIX e, por isso, fazem sentido para uma ampla audiência, em especial pelo uso das mídias digitais. Tal projeto quer combater e, se possível eliminar, uma historiografia que, sobretudo nas últimas décadas, vem se afirmando e defendendo uma visão de história decolonial e multicultural, que incorpora as demandas de diversidade de sujeitos históricos e evidencia suas lutas por direitos na sociedade.

Esse ataque ocorre, sem dúvida, não porque os ideais de república e de educação sejam fórmulas mágicas, mas justamente porque não são. Eles ocorrem porque elas têm avançado no sentido da democratização e da luta por direitos, mais uma vez lembrando a Constituição de 1988, que estabeleceu que a nação brasileira é democrática e multicultural. É essa educação e esse ensino de história - que se baseiam na reflexão científica e crítica e se orientam por valores não mercadológicos e instrumentalistas - que estão em risco. Valores que foram sustentados por uma linhagem de intelectuais da educação que, nos anos 1920/30, teve Anísio Teixeira e nos anos 1950/60 teve Paulo Freire. Essa foi a razão de eu querer, com as inquietações do presente, retomar a leitura de uma vertente de projetos culturais, construídos no momento inicial da república, quando a questão da identidade nacional era central.

Escolhi revisitar as contribuições de três autores ainda pouco conhecidos - José Veríssimo, Gonzaga Duque e João Ribeiro - destacando três de seus livros, talvez menos conhecidos ainda. E, como os intelectuais sempre estão em redes de sociabilidade, é bom notar como os três escrevem na imprensa, então a maia moderna mídia, além de serem professores e autores. Meu desejo é lembrar como esses projetos politico-culturais foram modernos e também contraditórios e inacabados. Aliás, como quase todos os da intelectualidade desse tempo, que se via como portadora de uma missão civilizatória muito elitista, ainda que seus objetivos fossem atingir os privilégios aristocráticos e as hierarquias que grassavam no Brasil. Não por acaso, sua atuação tem a marca da ambiguidade, pois tanto criticavam as mazelas que vieram da monarquia e da república, como reforçavam preconceitos de longa data (como os de cor e de gênero).

Esses três intelectuais são, assim, muito diferentes e muito parecidos entre si. Nascidos em meados do XIX, dois deles morrem na década de 1910 e só João Ribeiro chega até os anos 1930. Como intelectuais foram polígrafos, que viveram na capital federal, participando de um “pequeno mundo intelectual” que se agitou com a possibilidade de um modelo liberal de estado nacional republicano. Para esse Estado, elaboraram projetos educacionais orientados por um pensamento racionalista e laico, que postulava que a república era o único regime que poderia tirar o país do “atraso” a que havia sido condenado, não tanto pelo clima e pela raça (como os determinismos da época tanto propagavam), mas pela exploração colonial portuguesa, seguida por uma monarquia que tornara o Brasil o último país do mundo a abolir a escravidão. Portanto, mesmo sem abandonar completamente os pressupostos cientificistas, reconheciam a força da dimensão histórico-sociológica como fator para o entendimento dos problemas do país. Quanto aos que apostavam no ensino de história, havia a certeza de sua “utilidade” para a formação do povo e também das elites, bem como para a coesão do grupo social nacional, que precisava se reconhecer em um passado comum, o que era especialmente necessário, no caso das nações que viveram experiências coloniais. Esses três intelectuais foram abolicionistas e republicanos, e podem ser entendidos como homens que se dedicaram a pensar o Brasil de sua época. Primeiro, oferecendo contribuições; em seguida, se desencantando com a experiência vivida pela república ainda em seus primeiros anos. Mas vale lembrar que o desencanto foi mais com as elites do regime, do que com o ideal de república, que passava pelo vínculo entre educação e cidadania para se conseguir a verdadeira independência e progresso do país.

Começo por José Verísismo (1857-1916), provavelmente o mais conhecido dos três e, para mim, um dos intelectuais republicanos que mais se dedicou à educação como política de nacionalização e modernização do Brasil. Seu livro, A educação nacional, publicado no Pará em 1890, foi lançado como um verdadeiro manifesto. Escritor, jornalista, estudioso do folclore, também dirigiu o Museu Goeldi, no qual estabeleceu iniciativas para a ampliação do público de visitantes, pois museus deviam ser muito frequentados, sendo instituições vitais para uma educação nacional. No Rio, desde 1891, tornou-se professor e diretor do colégio Pedro II, sendo um dos mais importantes críticos literários de sua época, comparável a Silvio Romero e Araripe Junior. Uma autêntica trindade, capaz de alçar um autor à consagração ou à desgraça, em doses variadas.

O livro pode ser considerado um clássico, e teve duas edições: uma de 1890, que circulou menos, e outra de 1906, bem mais conhecida, 2 lembrando que o autor morreu em 1916. Entre elas, otimismo e ceticismo crescente, o que é visível na apresentação de cada uma das edições. Na de 1890, o texto é definido: “como a mais bela obra de minha obscura vida”, não sendo “seu intuito discutir a nossa instrução pública, porém mostrar como ela é alheia a qualquer ideal superior de educação (...), como absolutamente não merece o nome de educação nacional e, ao mesmo tempo, indicar o que deve ser”. 3 Portanto, o leitor fica sabendo que o livro tem uma clara intenção normativa, já que, se o Brasil possuía alguma instrução pública, não tinha nenhuma educação nacional. Na segunda edição, o que se vê na nova Introdução é um mar de desilusões com um regime que criou e “descriou” um ministério da Educação e, efetivamente, não priorizava um projeto educacional de formação de cidadãos, que o autor entendia como prioritário para a república. Isso porque, para Veríssimo, apesar de no Brasil já existir um “caráter nacional”, advindo da mestiçagem, da língua e da religião, não se desenvolvera um “sentimento nacional”, algo distinto, e que era capaz de dar identidade a um povo, unindo-o e criando assim os “brasileiros”.

As razões para tal ausência eram conhecidas - o tamanho do território, a escravidão, a escassez de população e a difícil comunicação entre os estados, e muito importante, a falta de uma educação nacional. Ora, nem a centralização política imperial tivera resultados nessa questão. No Brasil, até àquele momento, havia pernambucanos, baianos, paulistas etc, o que evidenciava que o sentimento nacional não resultava de um poder central forte, embora, o federalismo republicano pudesse agravar essa falta vínculos entre os estados. Ser brasileiro, portanto, não tinha um significado político-jurídico - daqueles nascidos ou naturalizados no Brasil. Ser brasileiro era algo que se possuía por educação desde a infância, o que demandava tempo e investimento. Ninguém nascia brasileiro; aprendia a ser brasileiro. Daí, a necessidade de uma educação nacional, transmitida por uma instituição escolar pública e laica, conforme exemplo de outros países.

Veríssimo era um patriota, mas sem os excessos e indignidades que tornavam a pátria um ídolo. Em suas palavras, o patriotismo só era uma virtude quando desinteressado e esclarecido, já que sabidamente podia ser o “último reduto do velhaco”. 4 Ele tinha uma visão cosmopolita sobre o que se produzia e experimentava, sobretudo em matéria educacional, em países como Alemanha, França e, principalmente, Estados Unidos. Suas referências, particularmente no caso das metodologias de ensino, eram Montessori, Jules Ferry, Pestalozzi, entre outros. Essa nova pedagogia se orientava por uma fisiologia e psicologia infantis também modernas, que levavam em conta que as crianças não eram pequenos adultos, devendo ser educadas por faixas etárias, cada qual com seus interesses e capacidades, sendo a coeducação bem vinda. O processo de aprendizagem precisava ser agradável e sem medos, sendo a escola a única instituição capaz de oferecer uma educação republicana, pois o ensino particular, religioso ou não, acabava sendo realizado como negócio, e isso, não só no Brasil.

Na segunda edição de seu livro, além da nova Introdução, ele acrescenta um capítulo: “A educação da mulher brasileira”. Portanto, concordava com a demanda das mulheres por instrução, e recriminava, remontando às origens portuguesas, o fato de elas serem praticamente afastadas do acesso à escola. O capítulo é muito útil para se dimensionar as tensões existentes no debate sobre educação feminina. Veríssimo - que discordava “que a almofada e o bastidor eram o melhor livro para as moças” - considerava que para elas bastava não ignorar o que de mais essencial existisse sobre o conhecimento do mundo .5 E era isso. É verdade que abria uma brecha, ao defender a necessidade da formação de professoras primárias pela multiplicação de Escolas Normais. Brecha, que as moças souberam aproveitar muito bem durante a Primeira República e mesmo depois dela. Porém, a leitura do capítulo é pedagógica para termos ideia das dificuldades que a questão de gênero enfrentava nesse terreno.

De toda a forma, para o autor, os caminhos da educação nacional implicavam a criação de escolas, inclusive as Normais. Junto com elas, devia haver medidas voltadas para uma reforma do livro escolar, com destaque o de geografia e de história. No caso da geografia, que se modernizava com modelo vindo da Alemanha, tornando-se uma “psicologia da terra”, o atraso era imenso, limitando-se a uma “decoração bestial”. A situação da história ainda era pior. Havia, no país, um único livro de história do Brasil - a História Geral do Brasil do Visconde de Porto Seguro (Varnhagen), escrita em outra situação histórica, ou seja, durante a monarquia e sob a ótica da monarquia. Veríssimo é tão radical nesse ponto, que chega a sugerir que o governo republicano proibisse a adoção de livros portugueses ou traduzidos de outras línguas nas escolas, para forçar a produção de uma literatura escolar nacional, ou seja, escrita por brasileiros sobre temas brasileiros, assumindo a centralidade dos eventos e figuras nacionais. Queria livros que construíssem um “passado republicano” para a história do Brasil e o divulgassem em uma literatura escolar nacional. Contudo, para se aprender geografia e história era preciso, além de livros, cartas, mapas, gravuras, globos, além de museus e bibliotecas, o que não existia. Também não se cultivava o ensino dessas disciplinas por meio dos contos, cantos e lendas do folclore, portanto, de uma tradição oral do povo brasileiro, que podia ser muito bem aproveitada nas escolas. Uma república de cidadãos, unida pelo “sentimento nacional” - trata-se de criar coesão e solidariedade, para além das diferenças - seria muito difícil, enquanto o povo brasileiro não aprendesse a ler e escrever, o que tornava o combate ao analfabetismo uma questão central, mas inicial, porque o que se buscava era muito mais do que isso: era uma educação nacional.

Com certeza o menos conhecido entre esses três intelectuais é Luiz Gonzaga Duque Estrada (1880-1911) ou apenas, Gonzaga Duque. Há razões para tanto, pois ele, sendo um escritor-jornalista, consagrou-se como crítico de artes plásticas e ficcionista, ligado ao movimento simbolista. Seu livro mais conhecido é Arte Brasileira, de 1888, para os especialistas uma referência incontornável na história da arte no Brasil. O autor é considerado uma espécie de pai fundador da crítica de artes plásticas que poderia ser chamada de moderna. Era carioca e integrante do grupo boêmio que frequentava bares e confeitarias da cidade do Rio de Janeiro, na virada do século XIX para o XX, sendo companheiro de Bastos Tigre, Lima Barreto, Coelho Neto, Olavo Bilac, Raul Pederneiras, Medeiros e Albuquerque, Kalixto, entre outros. Todos escreviam em jornais e revistas, entre as quais, o destaque é a Fon-Fon, criada em 1905 e responsável por um ambiente estético e político de fundo simbolista, que socializou muitos intelectuais da Primeira República.

Gonzaga Duque era um antiacadêmico antes mesmo da fundação da Academia Brasileira de Letras, pois se opunha às imposições da recém batizada Escola Nacional de Belas Artes. Não queria a liderança de Machado de Assis nem a de ninguém e não entrou na ABL. Era um insubmisso, como os personagens de seu romance, Mocidade Morta, de 1899, que levantou debates sobre a possibilidade da existência de uma prosa simbolista, e que, talvez por seu caráter autobiográfico, me leve a pensar em outro livro: Recordações do Escrivão Isaías Caminha de Lima Barreto, de 1909. Como mencionei, Gonzaga Duque era um admirador do movimento simbolista, tornando-se o guardião da obra do grande poeta negro, Cruz e Souza, e cuidando para que seu legado não fosse esquecido, pois o considerava um dos maiores da língua portuguesa.

Como outros intelectuais de seu grupo boêmio, era contrário aos rigores e enquadramentos, artísticos ou políticos, de qualquer espécie, donde seu desamor pelo naturalismo e pelo parnasianismo, e sua admiração pelo verso livre, pelo ritmo na prosa, enfim, pela união entre a literatura e a música. Se o Rio não teve uma vanguarda modernista, nem um evento-chave e demarcador desse movimento estético (como a Semana paulista), para muitos dos intelectuais que conviviam na ambiência cultural da cidade, o simbolismo já era muito moderno. Com sua sensibilidade e liberdade criativas, o simbolismo era uma forma de se tocar nas emoções do público, e uma das saídas - lembrando Alice - para se chegar aos modernismos propostos nos anos 1920, ao menos para alguns intelectuais cariocas, como Ronald de Carvalho, Ribeiro Couto e Álvaro Moreira. Eliseu Visconti pintou um belo retrato de Gonzaga Duque, que hoje está no Museu de Belas Artes.

Mas por que falar aqui de Gonzaga Duque? Justamente para mostrar, com seu exemplo, como foi espraiado esse projeto de independência e modernização do Brasil, que apostou na educação e cultura, nos anos iniciais da República. Esse autor evidencia como intelectuais muito distintos se dedicaram a essa verdadeira causa, e nela militaram por uma história do Brasil que fosse brasileira e que fugisse às rimas conhecidas do ensino monárquico do livro de Varnhagen. Gonzaga Duque quis fazer exatamente isso, quando escreveu um livro escolar de história do Brasil, cuja primeira edição foi de 1898 e a segunda de 1905. Entre essas datas, como José Veríssimo, teve grandes desilusões com o novo regime. O livro chegou a ser adotado nas escolas públicas do Distrito Federal, do estado do Rio de Janeiro e do Paraná, e se chamava Revoluções Brasileiras.6

Revoluções, explica o autor na Advertência da primeira edição, porque o ensino até então existente não contemplava “as sucessivas e sangrentas guerras” que conduziram o Brasil e as nações sul-americanas a instaurar a república: um governo do povo, como era preciso ensinar. Era essa luta do povo pela liberdade, que não podia continuar desconhecida. Revoluções, porque o “portuguesismo”, no qual o termo era pouco corrente - mas influía em nossos hábitos de fala - devia ser definitivamente abandonado. No Brasil, revoluções era uma palavra usual na fala do povo, que a utilizava para chamar, de forma genérica, guerras, conspirações, rebeliões e insurreições. Artur Azevedo, o dramaturgo, na resenha que escreve sobre o livro em O Paiz (26/10/1898) é perspicaz: “É moda agora dizer que o nosso país foi sempre uma espécie de seio de Abraão, e só depois de 15 de novembro vivemos às turras, uns com os outros. Leiam nestas páginas o que houve no Brasil durante o reinado de D. Pedro II, e diabos me levem se as sabinadas, balaiadas, cabanadas e farrapadas não os consolarem de nossas rusgas de hoje.” 7

Revoluções Brasileiras continuava a seguir o conselho de Von Martius: era uma história épica, repleta de heróis, figuras masculinas e brancas, em absoluta maioria, sendo o passado um exemplo para o futuro, na linha da história mestra da vida. O autor utilizava tanto a descrição como a narração, procurando criar um texto com contornos dramáticos e emocionantes, para interessar seus jovens leitores. Mas, como Medeiros e Albuquerque observa em resenha do jornal A Notícia, - e ele era amigo de Gonzaga Duque - faltou simplicidade à linguagem do autor, embora a narração fosse feita com animação e vida. 8 Quer dizer, o livro não era mera listagem de nomes e datas, geralmente de reis e nobres, que acabava em uma “decoreba bestial”, no dizer de Veríssimo. O autor procurava fazer “resumos históricos” em cada capítulo, para desenvolver um programa de “formação cívica” de teor republicano e humanista, o que, naquele contexto político e linguístico, rimava com as palavras liberdade e independência. Tinha 18 capítulos e o último, sem qualquer surpresa, se dedicava à Proclamação da República, o que é mantido na segunda edição, a despeito do desencanto de Gonzaga Duque, que morre em 1911. Portanto, antes da Primeira Guerra Mundial e do boom de nacionalismos que ela produz. No desfecho, Duque assinala o sentido que dá às lutas do povo brasileiro - o da república como regime, mas principalmente, como ideal de liberdade política e cultural.

Ou seja, o livro é uma história do Brasil orientada para o futuro como superação do passado, desejando oferecer uma síntese de nossa “evolução”, dessa feita, seguindo um regime de historicidade moderno. Aliás, o heroísmo nas lutas pela liberdade, que vêm desde o período colonial e que levam (inevitavelmente) à república, será uma tônica na numerosa literatura escolar produzida durante toda a Primeira República, mas que a ultrapassa de muito, chegando à década de 1960. 9 Esse livro, por exemplo, é contemporâneo, ao menos de dois outros, mais conhecidos: A História do Brasil ensinada pela biografia de seus heróis, de Silvio Romero, de 1890 (com prefácio de João Ribeiro e nove edições, até 1913) e Festas Nacionais, de Rodrigo Otávio, de 1893 (com prefácio de Raul Pompeia), ambos adotados nas escolas.

Porém, o que salta aos olhos no livro de Gonzaga Duque é o fato de a história do Brasil - essa nação que precisava ganhar coesão social pela educação - estar sendo narrada pelo encadeamento de uma série lutas, que são chamadas de revoluções. Portanto, essa é uma história de conflitos seculares, embora seja uma história de figuras heroicas, de civismo, de exemplos a seguir. Nela, estão grandes nomes, como D. Pedro I e José Bonifácio, no caso do episódio da Independência. Contudo, os maiores heróis do livro tinham outro perfil. Eles eram homens como Tiradentes e Frei Caneca, que foram tratados como bandidos e traidores, sendo, por isso, enforcados, fuzilados, enfim, derrotados por uma violenta opressão, tanto metropolitana como monárquica. Eram esses eventos coletivos e esses heróis vencidos, que traziam o povo brasileiro para “dentro” da história do país, através de uma luta entre opressão e liberdade, que deslizava para a ideia de república. Eram tais heróis que precisavam ganhar espaço nos livros de história do Brasil, em especial os escolares . E, para o autor, qual era a primeira revolução brasileira? Aquela que inaugurava a história dessa série de lutas pela liberdade? Era Palmares, com a história da longa resistência dos negros que fugiam da escravidão, liderados por Zumbi, nos quilombos que formavam. Vale notar, como observação, que se a luta dos negros escravizados é valorizada, não há menção às lutas dos povos indígenas. Estes estão fora dessa história, de certa forma como ainda continuam a estar, a despeito de termos avançado muito e, não por acaso, por pressão desses mesmos povos indígenas.

Assim, a leitura de Revoluções Brasileiras, me impôs a lembrança do livro e do anti-herói, Macunaíma, de Mário de Andrade, de 1928, uma das obras primas do modernismo; e também da bandeira-poema, criada em 1968, quarenta anos depois, pelo artista plástico Hélio Oiticica. Bandeira famosa pela imagem de um cadáver junto da inscrição: “seja herói, seja marginal”. Aliás, penso que Gonzaga Duque, Lima Barreto, Mário de Andrade e Hélio Oiticica iam adorar se encontrar, num final de tarde, em um café de esquina no centro do Rio de Janeiro, para conversar sobre literatura, artes plásticas, cultura brasileira e até revoluções. Afinal, porque não? Foram quatro intelectuais insubmissos.

Por fim, João Ribeiro, que como mencionei, foi o único que viveu os anos 1920, falecendo em 1934, depois da Revolução de 1930 e da guerra civil de 1932. Sergipano, foi jornalista, escritor, crítico literário de grande prestígio e também professor do colégio Pedro II. Editou o Almanaque Brasileiro Garnier e trabalhou por uma reforma nos estudos de folclore, entendendo que a pesquisa etnográfica devia seguir um método científico rigoroso, que contemplasse a oralidade, vetor de transmissão cultural fundamental no Brasil. Considerava o folclore uma literatura popular riquíssima e variadíssima, no seu cantar, contar, dançar e sentir. A nossa língua tinha, nessa literatura popular, seu berço mais original e ainda muito pouco conhecido e valorado. O que era, para ele, um grande erro. Ribeiro, ao contrário de Gonzaga Duque, entrou na Academia Brasileira de Letras, sendo recebido por Veríssimo, que o exaltou como filólogo e historiador, pois ele também seria membro do IHGB.

É natural que, para nós, historiadores, João Ribeiro seja conhecido por sua contribuição na área do ensino de História do Brasil. Seu manual escolar, cuja primeira edição é de 1900, ano do quarto centenário do Descobrimento do Brasil, foi seu passaporte para o IHGB. Ele teve uma edição voltada para o Curso Médio e Superior e outra para o Curso Primário. Num panteão da literatura escolar, esse livro é, sem dúvida, um clássico, chegando a sua 17a edição, em 1960. Muitas gerações de alunos e professores aprenderam com esse livro. Como Gonzaga Duque, João Ribeiro colocou o povo brasileiro numa história republicana do Brasil, fazendo o país “olhar para dentro” dele mesmo, como Capistrano de Abreu, o novo mestre da disciplina, estava ensinando.

Mas aqui me interessa explorar João Ribeiro como filólogo, autor de gramáticas que foram utilizadas maciçamente nas escolas republicanas, por décadas. A língua era uma das maiores paixões desse polígrafo, que a privilegiou como recurso de luta pela definitiva independência e modernização do Brasil. Militou pelo que chamou de uma língua nacional, totalmente ligada à história e à cultura do povo brasileiro, que, sem ela, simplesmente não existiria. Afinal, a língua era o chão do território de toda nação que se quisesse independente e soberana. Sem uma língua nacional não haveria caminhos, nem fronteiras. Ela era o som, o ritmo, a cor e o sentimento de um povo. Aquilo que mais demarcava o pertencimento de alguém a uma comunidade nacional, lembrando sempre que era esse o grande desafio da intelectualidade da primeira metade do século XX.

O livro que quero destacar se intitula A língua nacional e outros estudos linguísticos, 10 e foi publicado em primeira edição, pela editora de Monteiro Lobato (Ed. Revista do Brasil), em 1921, um ano antes da Semana de Arte Moderna e já no bojo das comemorações do Centenário da Independência do Brasil. Seu conteúdo era fruto de estudos de muito tempo, mas o fato de a ABL ter, em 1915, tornado oficial, no Brasil, o sistema ortográfico lusitano, teve também seu peso. João Ribeiro era contrário a tal medida. Ele defendia que a língua era um trunfo fantástico para “unir” um povo (mais uma vez o vínculo entre identidade e solidariedade). Era uma riqueza cultural enorme e estratégica, politicamente falando.

Nossa língua era o português, mas não o de Portugal. Falar e escrever diferente uma língua, não era falar e escrever errado. Os “portuguesismos”, que incomodavam Gonzaga Duque e Veríssimo, desagradavam demais João Ribeiro, que prezava os “brasileirismos” vindos de nosso processo de formação como nação. Possuíamos um vocabulário e uma prosódia enriquecidos exponencialmente pela cultura dos indígenas e dos negros vindos da África. A língua nacional do Brasil não precisava “pagar tributos” a Portugal, do mesmo modo que os norte-americanos e os falantes de espanhol, nas Américas, não tinham que se curvar às imposições de suas antigas metrópoles. Essas pretensões eram absurdas, como se as nações americanas fossem de “colonos póstumos”. Para esse autor, era incrível que, em um Brasil politicamente independente, ainda conservássemos essa “algema” cultural, sustentada por certos puristas que, ao querer nos “corrigir”, estavam a nos “mutilar”.

Para Ribeiro, nossa língua tinha fatos e expressões característicos que marcavam nossas ideias e nossas maneiras de viver. Os usos dos pronomes e dos diminutivos são bons exemplos para traduzir o que Ribeiro estava defendendo. Enquanto o português dizia - “passe-me o pão”, de forma imperativa, o brasileiro dizia - me passe o pão - com certa suavidade. Também gostávamos de falar em diminutivos: os docinhos, as dancinhas etc. E criávamos palavras novas, como é o caso da “semostração”, que vem de se mostrar (tinha muita gente que gostava disso). Por fim, para o filólogo, o povo era “o maior dos clássicos”. Ele é que ditava a última palavra. E ditava em português abrasileirado, sem a ajuda de puristas que, se fossem realmente sábios, saberiam disso. A língua falada e a língua literária eram uma só língua: uma língua nacional, emancipada, portuguesa na América.

Por isso, a entrevista que ele concedeu ao jornal Estado de São Paulo, em 1926, não nos deve surpreender tanto. Nela, comentava-se outra entrevista, ocorrida em 1924, quando Prudente de Morais Neto e Sérgio Buarque de Holanda, editores da recém-lançada revista modernista Estética, do Rio de Janeiro, o procuraram para falar sobre cultura brasileira. Cito J. Ribeiro: “Aprendi e ensinei. E, não foi coisa somenos, desaprendi também e renovei alguns princípios antiquados. (...) Aos novos aborrecem as coisas velhas... Eu também. Eles querem uma poesia nova... Eu também. Querem uma literatura nacional... Eu também. Uma literatura pau-brasil... Eu também. Enfim, é preciso ficar aqui, para não cair no abismo”. 11

Esses intelectuais do início da República se encantaram e se desencantaram com o novo regime, mas não abandonaram a luta pela educação, pública e laica, vinculada à conquista da cidadania. Naquele contexto, muitos deles estavam convencidos da importância de um ensino de história do Brasil que fosse “patriótico”, o que significava dizer, uma história comprometida com as lutas do povo brasileiro por independência e liberdade, contra todas as opressões. Hoje, em contexto inteiramente distinto, mas no qual os ideais republicanos voltaram a estar em causa, eu também luto por um ensino de história comprometido com valores democráticos e pluriculturais, o que significa dizer, uma história antirracista, antissexista, anti-homofóbica, na qual as lutas dos povos originários estejam presentes, ao lado da luta dos trabalhadores e trabalhadoras. Enfim, é preciso lutar muito, aqui e agora, pelo fortalecimento da democracia, da república, para não cair no abismo. Muito obrigada.

REFERÊNCIAS

CORRÊA, Viriato. História da liberdade no Brasil. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1962 [ Links ]

DUQUE, Gonzaga. Revoluções Brasileiras (organização Francisco Foot Hardman e Vera Lins). São Paulo: Ed. Unesp, Fapesp, 1998. [ Links ]

GOMES, Angela de Castro. A República, a História e o IHGB . Belo Horizonte: Fino Traço Ed., 2009. [ Links ]

OTÁVIO, Rodrigo. Festas nacionais . Rio de Janeiro: F. Briguiet, 1893. [ Links ]

RIBEIRO, João. A língua nacional e outros estudos linguísticos . Petrópolis, Ed. Vozes, 1979. [ Links ]

ROMERO, Silvio. A história do Brasil ensinada pela biografia de seus heróis. Rio de Janeiro: Livraria Alves & Cia, 1890. [ Links ]

VERÍSSIMO, José. A educação nacional (Introdução de José Murilo de Carvalho). Rio de Janeiro: Topbooks; Belo Horizonte: Ed. PUC Minas, 2013 (1a ed. 1906). [ Links ]

1 Este texto foi pronunciado em 2 de maio de 2022, como Conferência de Abertura no II Encontro de Pensamento Social Brasileiro: 100 anos de 1922 e as transformações do Brasil moderno, organizado pela Unesp (Marília), Unespar e UFPR. Foram mantidas as características de forma de uma conferência.

3 Idem, p. 74.

4 Ibidem, p. 60.

5 Capítulo VII, p. 151-185. A citação está na p. 153.

6 DUQUE, Gonzaga. Revoluções Brasileiras (organização Francisco Foot Hardman e Vera Lins), São Paulo: Ed. Unesp, Fapesp, 1998. Sobre o autor ver LINS, Vera. Gonzaga Duque, a estratégia do franco-atirador, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1998.

7 Idem, p. 207.

8 Ibidem, p. 211.

9Um ótimo exemplo é CORRÊA, Viriato, História da liberdade no Brasil, Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1962, sendo que este livro e autor foram o tema do desfile da Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro, no Carnaval de 1967.

10 RIBEIRO, João. A língua nacional e outros estudos linguísticos, Petrópolis, Ed. Vozes, 1979.

11 Idem, p. 38.

Recebido: 30 de Março de 2022; Aceito: 28 de Novembro de 2022

E-mail: angelamariadecastrogomes@gmail.com

ANGELA DE CASTRO GOMES é professora titular da Universidade Federal Fluminense (UFF), professora emérita do Cpdoc da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pesquisadora emérita pela Faperj, no PPGH da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).

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