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Série-Estudos

versión impresa ISSN 1414-5138versión On-line ISSN 2318-1982

Sér.-Estud. vol.28 no.64 Campo Grande set./dic 2023  Epub 05-Ene-2024

https://doi.org/10.20435/serieestudos.v28i64.1827 

Article

Gestão escolar democrática e desafios da interpretação e aplicação da legislação em escolas da rede municipal de Caiçara, Rio Grande do Sul

Democratic school management and challenges of the interpretation and use of legislation in public schools from Caiçara, Rio Grande do Sul

Gestión escolar democrática y retos de la interpretación y aplicación de la legislación en escuelas de la red municipal de Caiçara, Rio Grande do Sul

Fabiana Regina da Silva1 
http://orcid.org/0000-0002-3030-238X

Darciel Pasinato2 
http://orcid.org/0000-0003-4167-2025

Cristiane Medianeira da Silva Reis1 
http://orcid.org/0000-0003-0106-4092

1Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil.

2Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil.


Resumo

Este artigo propõe uma reflexão sobre a gestão escolar democrática e os desafios da nterpretação e da aplicação da legislação em escolas da rede municipal de Caiçara, Rio Grande do Sul, sob a orientação, mantença e gestão da Secretaria Municipal de Educação. Esta pesquisa se justifica pela necessidade de ampliar a produção acerca da temática, especialmente no que tange aos pequenos municípios brasileiros, distantes das capitais, considerando a carência de análises a esse respeito. Para isso, esta investigação se fundamenta na coleta de narrativas de gestoras escolares, com base na abordagem teórica e metodológica do estudo de caso, a partir de questionários contendo questões semiestruturadas. Ao realizar esta pesquisa focando a aplicação da lei de gestão escolar democrática, o processo levou, por exemplo, a estabelecer relações dialógicas com gestoras escolares em atuação, bem como a inteirar-se dos desafios e das realidades distintas, da falta de efetivo conhecimento sobre a legislação e então da não plena aplicação desta em âmbito municipal.

Palavras-chave: gestão escolar democrática; educação básica; gestoras escolares

Abstract

This article proposes a reflection on the democratic school management and challenges of the interpretation and use of legislation in public schools from Caiçara town, in Rio Grande do Sul, under the guidance, maintenance, and management of the Brazilian Educational City Office. This research was carried out due to the need of expanding the production regarding the theme, mainly in Brazilian cities far from the capitals, given the lack of analyses about it. To do so, this investigation collected narratives from school managers, based on the theoretical and methodological approach of the case study, using questionnaires that applied semi-structured questions. By focusing this research on the democratic school management law, the process, for nstance, enabled us to establish dialogical relationships with working school managers, as well as deepen our knowledge of the different challenges and realities, of the lack of effective knowledge on laws and lack of its full use in the city scope.

Keywords: democratic school management; basic education; school managers

Resumen

Este artículo propone una reflexión sobre la gestión escolar democrática y los desafios de la interpretación y aplicación de la legislación en escuelas de la red municipal de Caiçara, Rio Grande do Sul, Brasil, bajo la orientación, manutención y gestión de la Secretaría Municipal de Educación. Esta investigación se justifica a partir de la necesidad de ampliar la producción sobre el tema, especialmente en lo que se refiere a los municipios brasileños, lejos de las capitales, considerando la falta de análisis al respecto. Para tanto, esta investigación se basa en la recolección de narrativas de gestoras escolares, a partir del abordaje teórico y metodológico del estudio de caso, teniendo como punto de partida cuestionarios con preguntas semiestructuradas. Al realizar esta investigación centrándose en la aplicación de la ley de gestión escolar democrática, el proceso llevó, por ejemplo, a establecer relaciones dialógicas con gestoras escolares en acción, así como a conocer mejor los desafios y las diferentes realidades, el escaso conocimiento efectivo de la legislación y la falta de aplicación plena de esta legislación a nive municipal.

Palabras clave: gestión escolar democrática; educación básica; gestoras escolares

1 INTRODUÇÃO

A gestão escolar na perspectiva democrática (desde o embasamento legal fundado com a Constituição Federal de 1988 à reafirmação e clarificação, no campo educacional, com a Lei n. 9.394 (Brasil, 1996), também conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação [LDB]) tem sido uma das questões imprescindíveis para a qualificação do processo de construção da educação nacional, especialmente da educação pública. Tal temática é contemplada amplamente em documentos que norteiam a educação escolar, como o Plano Nacional de Educação (PNE), as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) e, mais atualmente, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e nos debates teóricos, entre eles, Libâneo (2015), Paro (2001, 2008, 2016), Lück (2009), Libâneo, Oliveira e Toschi (2007), Oliveira e Vasques-Menezes (2018). Porém, na prática, percebe-se um contexto nacional ainda assombrado pela jovialidade e fragilidade democrática, o que, no meio educacional escolar, não é diferente.

Tendo como tema a gestão escolar democrática e os desafios da interpretação e da aplicação da legislação, esta pesquisa se justifica pela necessidade de ampliar a produção sobre a temática, especialmente no que tange aos municípios brasileiros, considerando a carência de análises a esse respeito. Embora existam, de fato, as orientações legais, é preciso verificar como tais orientações estão sendo tratadas, compreendidas e efetivadas na prática, além dos desafios concernentes à estrutura, por vezes, verticalizada de gestão educacional.

Dessa forma, propõe-se, a partir de um estudo de caso, refletir sobre a gestão escolar democrática e os desafios da interpretação e da aplicação da legislação em escolas municipais do município de Caiçara, Rio Grande do Sul, sob a orientação, mantença e gestão da Secretaria Municipal de Educação. Para tanto, este artigo, além desta introdução e das considerações finais, divide-se nas seguintes seções: a gestão escolar democrática como caminho possível - o que se desenha no horizonte da escola pública; percurso metodológico; e o desafio da gestão escolar democrática como prática no contexto escolar - análise dos dados e discussão.

2 A GESTÃO ESCOLAR DEMOCRÁTICA COMO CAMINHO POSSÍVEL - O QUE SE DESENHA NO HORIZONTE DA ESCOLA PÚBLICA?

Um dos grandes desafios que o século XXI apresenta para a escola é a aprendizagem inclusiva, caracterizada pela diferença e pela realidade de emergentes contradições sociais, culturais e econômicas, bem como pela premência de outra organização escolar e de outra forma de trabalhar dos professores, promovendo, dessa maneira, um salto de qualidade na educação. Tais questões ficam ainda mais evidentes com o contexto da pandemia de covid-19 e as novas formas de se pensar as práticas educacionais escolares.

Especificamente no cenário brasileiro, depende-se do alcance da qualidade da educação para a melhoria da qualidade de vida e para o desenvolvimento das comunidades e de uma população proativa e cidadã. E a obtenção desses fatores requer mudanças não somente nas práticas pedagógicas, mas também nas concepções orientadoras dessas práticas e nas bases epistemológicas articuladas à práxis, em um processo tecido de maneira participativa.

Nesse processo, segundo a LDB de 1996, a gestão das escolas públicas deve ser democrática, tendo por objetivo promover a participação consciente e comprometida de todos os sujeitos envolvidos - gestores e gestoras, alunos e alunas, professores e professoras, pais e comunidade local - no compartilhamento e na descentralização de responsabilidades, por meio da tomada de decisões coletivas, com mais transparência, inclusão e eficiência.

Desenvolve-se, então, uma distinção entre administração escolar e gestão escolar, originando, em conjunto com a perspectiva democrática, a concepção de gestão que se propõe a abandonar o modelo taylorista-fordista de administração de fábricas. Esse modelo é incorporado às escolas de modo a impor uma estrutura verticalizada e fragmentada, em “[...] uma concepção burocrática, funcionalista, aproximando a organização escolar da organização empresarial” (Libâneo, 2015, p. 69), agora à luz de um contexto de mudanças e lutas sociais e educacionais do século XX, fortalecido na emergência da Carta Magna, quando algumas interfaces são afirmadas como importantes aos processos educacionais escolares e aos sujeitos sociais aí envolvidos. Nesse cenário, a Constituição Federal de 1988, no artigo 206, inciso VI, garante a gestão democrática do ensino público na forma da lei, como resultado da expressiva contribuição do movimento de educadores (Sulzbach, 2012).

Com bases alicerçadas na Carta Magna de 1988 e nos debates em andamento na sociedade civil e em órgãos como o Conselho Nacional de Educação (CNE), elaborou-se a Lei n. 9.394 (Brasil, 1996), a qual, conforme ressalta Ghira ldelli Junior (2009, p. 170), “[...] resultou de intensa luta parlamentar e extraparlamentar”, quando “Entidades da sociedade, com interesses diversos, porém convergentes em relação à defesa do ensino público e gratuito, se reuniram em vários momentos, criando versões de uma LDB de seu agrado”. Ghiraldelli Junior (2009, p. 170) destaca, todavia, que “[...] a LDB resultante não foi esta, mas uma mescla entre o projeto que ouviu os setores da população e o projeto do Senador Darcy Ribeiro. É certo que a influência do segundo projeto sobre o primeiro foi preponderante”.

A nova legislação reiterou a gestão democrática do ensino público (artigo 3.º, inciso VIII) e assegurou a autonomia pedagógica, administrativa e financeira gradativa das unidades de ensino (artigo 15). A partir disso, a elaboração e a execução do projeto político-pedagógico (PPP) de cada escola brasileira passaram a ser uma exigência legal, buscando garantir um dos pilares desse perfil de gestão, cuidando da missão, da identidade e dos valores da escola e orientando a tomada de decisões, documento este que é resultado de uma construção conjunta, enriquecedora e inclusiva.

Tais decisões também estão presentes no PNE 2014-2024 (Brasi l, 2015). Esse documento traz a gestão democrática em seu artigo 2.º, inciso X, junto à difusão dos princípios da equidade e do respeito à diversidade - e a meta 19 do documento evidencia a questão da nomeação comissionada de diretores de escolas vinculada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à participação da comunidade escolar, e não mais à indicação política. Entretanto, essa questão ainda é um grande desafio a ser ultrapassado e encontra ressonância em realidades como a investigada neste estudo. Além do PNE, documento que orienta a efetivação da gestão escolar democrática em até dois anos, a BNCC (Brasil, 2018) reforça tal propósito, evidenciando a necessidade da gestão escolar democrática, da construção coletiva e de uma proposta de conhecimento baseada em igualdade e autonomia.

Com o novo cenário democrático e com as garantias da legislação que vêm sendo desenhadas nas últimas três décadas, surgem, no meio acadêmico e no campo da educação, diferentes pesquisadores e pesquisadoras que passam a tratar teoricamente da gestão escolar, buscando analisar e construir compreensões sobre o conceito.

Oli veira e Vasques-Menezes (2018, p. 879) “[...] identificam este aumento nos estudos teóricos e empíricos brasileiros do campo, a partir dos anos 1990, sendo que, dentre estes estudos, não há unicidade em relação a adoção do termo gestão escolar”. Entre esses estudos, destacam-se as construções teóricas de Paro (2008), que trabalha com a perspectiva de Administração Escolar articulada a partir de uma cooperação mútua entre os atores envolvidos, na busca pelo interesse e pelo trabalho coletivo, voltados exclusivamente para os objetivos educacionais, distinguindo-se do modo de gerir na perspectiva capitalista. Ou seja, apresenta-se um modo coletivo e democrático de organizar os processos escolares.

Lück (2009, p. 23), por sua vez, trata do termo Gestão Escolar também em uma perspectiva democrática e participativa:

A gestão escolar constitui uma das áreas de atuação profissional na educação destinada a realizar o planejamento, a organização, a liderança, a orientação, a mediação, a coordenação, o monitoramento e a avaliação dos processos necessários à efetividade das ações educacionais orientadas para a promoção da aprendizagem e formação dos alunos. Em caráter abrangente, a gestão escolar engloba, de forma associada, o trabalho da direção escolar, da supervisão ou coordenação pedagógica, da orientação educacional e da secretaria da escola, considerados participantes da equipe gestora da escola.

A gestão escolar democrática propõe objetivos, conforme afirma m Libâneo, Oliveira e Toschi (2007, p. 315), “[...] para a educação e a formação de pessoas”, de modo que “seu processo de trabalho tem uma natureza eminentemente inte-rativa, com forte presença das relações interpessoais”, e “[...] o desempenho das práticas educativas implica uma ação coletiva de profissionais”, posto que “[...] o grupo de profissionais tem níveis muito semelhantes de qualificação, perdendo relevância as relações hierárquicas”.

Assim, na gestão escolar, para que a perspectiva democrática de fato seja efetiva, é preciso garantir o funcionamento de distintos mecanismos de diálogo e construção conjunta, além de articulação com entidades externas. A comunidade escolar articula-se acerca do PPP, documento que norteia a prática pedagógica e da gestão, sendo considerado um dos mecanismos imprescindíveis na gestão escolar democrática do ensino público. O PPP torna-se um espaço privilegiado para a escola pública definir sua identidade, seus objetivos, sua organização e sua gestão, garantindo a constituição de uma instituição que responda aos interesses de seu público, pautada nos aportes da legislação e demais documentos norteadores da educação escolar brasileira.

Segundo Souza (2009), a partir da regulamentação, afirma-se, portanto, a obrigatoriedade de que as escolas desenvolvam seus PPPs com a participação de toda a comunidade educacional, garantindo a sua coerência com a realidade socioeconômica local e objetivando propiciar melhores condições de aprendizagem aos alunos. O PPP pode ser entendido como um documento teórico-prático, elaborado de forma coletiva por todos os sujeitos participantes da escola, que sintetiza os fundamentos políticos e filosóficos, define valores, princípios e comportamentos e sinaliza os indicadores de uma boa formação segundo o que a comunidade escolar acredita e deseja praticar (Silva, 2003).

Ainda, segundo Veiga (1995), o projeto é considerado pedagógico por estabelecer ações educacionais necessárias para que os propósitos da escola sejam cumpridos. Desse modo, o político e o pedagógico tornam-se indissociáveis, estabelecendo um processo permanente de reflexão e discussão dos problemas e de alternativas viáveis para efetivação, segundo uma intencionalidade.

Sabe-se que o PPP é concebido “[...] como um instrumento singular para a construção da gestão democrática” (Silva, 2003, p. 299) da escola pública brasileira e está intimamente imbricado à qualificação da educação. Sua realização somente será possível com a participação de professores e professoras, funcionários e funcionárias, gestores e gestoras, alunos e alunas, pais e comunidade local (Souza, 2009), objetivando a interação de todas as pessoas envolvidas desde a decisão, passando pela execução, até a avaliação do que se propõe.

Além do PPP, outros espaços de participação e discussão são importantes para a gestão escolar, a exemplo do Grêmio Estudantil, das assembleias e dos conselhos escolares e das associações de pais e mestres, ampliando a participação nas decisões, nas ideias, nos processos e nas atividades educacionais da instituição. Assim, possibilita-se a criação de espaços de cidadania, corresponsabilidade, cooperação, criticidade, respeito e acolhimento, fortalecidos pela ampliação de canais de comunicação e espaços de diálogo.

Todavia, o cenário permeado pela afirmação da democracia e pelo neolibe-ralismo determinou mudanças na gestão da educação e na autonomia das escolas (Sulzbach, 2012), criando, assim, uma realidade contraditória entre o legislado e as práticas político-educativas. Há uma trajetória de mais de três décadas em que a gestão democrática está sendo colocada como pauta na educação nacional. Embora tenham ocorrido conquistas importantes, tal questão ainda requer atenção, sobretudo se forem levadas em conta as recentes ameaças à democracia perpetradas em discursos populares ou mesmo de representantes públicos. Os cargos de gestão pública e a gestão democrática são instrumentos relevantes a serviço do povo, mas, também, são alvos de barganha, de interesses particulares e de relações de clientelismo. Assim, confirma-se importante ter pesquisas que possam continuar zelando, investigando e buscando maneiras de fortalecer esse debate e a efetividade da lei.

Sarmento, Menegat e Ramirez (2015) mobilizam a noção da gestão escolar como conceito que deve ser pensado na perspectiva democrática, primando pelos aspectos do diálogo, do debate, da participação, da autonomia, da construção conjunta, da não fragmentação e verticalização de decisões, da responsabilidade conjunta e da suavização de relações hierárquicas. No caso das contribuições de Paro (2008), embora ele aborde o tema a partir do conceito de Administração Escolar, e não de gestão escolar, os aspectos de definição alinham-se aos demais citados, no sentido de tratar da prática articulada a processos participativos e com autonomia, quando todos lutam por uma mesma causa, embora traga mais demarcada a questão hierárquica.

3 PERCURSO METODOLÓGICO

Esta pesquisa consiste em um estudo de caso, de abordagem qualitativa, em relação ao conhecimento teórico e à interpretação e aplicação da legislação sobre gestão escolar democrática nas quatro escolas municipais de Caiçara, Rio Grande do Sul, sendo três de Educação Infantil e uma de Ensino Fundamental. A investigação foi realizada entre agosto de 2022 e janeiro de 2023.

Conforme Gil (2009, p. 57-58), o estudo de caso é “[...] caracterizado pelo estudo profundo e exaustivo de um ou de poucos objetos, de maneira a permitir o seu conhecimento amplo e detalhado”. Ainda, de acordo com Yin (2005, p. 32), esse tipo de pesquisa é “[...] um estudo empírico que investiga um fenômeno atual dentro do seu contexto de realidade, quando as fronteiras entre o fenômeno e o contexto não são claramente definidas e no qual são utilizadas várias fontes de evidência”.

O estudo de caso pode ser utilizado em pesquisas tanto exploratórias quanto descritivas e explicativas.

No caso desta investigação, optou-se por coletar narrativas de gestores escolares, com base na abordagem teórica e metodológica do estudo de caso, a partir de questionários contendo questões semiestruturadas. Tais questionários foram respondidos pelas colaboradoras da pesquisa por meio Google Forms, cujo link de acesso foi enviado por e-mail. A opção pelo questionário online ocorreu devido à dificuldade tanto de realizar encontros pessoalmente quanto de dispor de tempo para conversar, uma vez que as pesquisadas possuem 40 horas ou mais de trabalho semanal e residem em cidades vizinhas (duas diretoras são de Frederico Westphalen e uma é de Vicente Dutra), e as localidades das escolas são distantes (rurais e urbanas). Assim, após o contato via WhatsApp, as entrevistadas indicaram a opção do questionário online como uma maneira mais prática, o qual poderia ser respondido em algum momento de folga durante a semana ou fim de semana.

Além disso, este estudo se apoiou na técnica de pesquisa bibliográfica e da legislação. Conforme Gil (2008, p. 44), a pesquisa bibliográfica “[...] é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”. Assim, a pesquisa bibliográfica visou realizar a exploração e o levantamento do que há sobre a temática, direcionando esta investigação para ampliar o conhecimento existente sobre o tema.

A partir do objetivo geral da pesquisa, elaboraram-se as questões para as três gestoras escolares participantes do estudo, buscando contemplar aquilo que, em essência, delineou a busca de respostas possíveis acerca da gestão escolar democrática e da aplicação da lei nas escolas do município de Caiçara, Rio Grande do Sul. Nesse sentido, as questões visavam explorar interfaces como o conhecimento da legislação; as instâncias para a efetivação e o reconhecimento da lei de gestão escolar democrática; a compreensão de gestores escolares da rede municipal do referido município em relação à gestão escolar democrática, a partir das teorias, dos documentos e da legislação vigente; e os desafios e as possibilidades encontradas. Ficaram, assim, configuradas da seguinte forma:

  1. Você conhece, teve acesso ou estudou a lei de gestão democrática?

  2. Como você entende a gestão escolar democrática? O que você acha necessário para que ela seja garantida no contexto escolar?

  3. Como você percebe a maneira de condução ao cargo de gestão escolar utilizada na rede municipal de ensino? Em sua visão, ela reforça ou colabora para a manutenção de princípios da gestão escolar democrática? Explique.

  4. Quanto à prática pedagógica, você acredita que o corpo docente com quem trabalha conhece e busca defender e aplicar os princípios da gestão democrática na escola como um todo, na sala de aula, na relação com os e as estudantes e na condução da gestão de sala de aula?

O município de Caiçara, fundado em 1965 e situado no norte do Rio Grande do Sul, Brasil, possui população estimada em 4.836 habitantes, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2022). Em sua rede municipal de ensino, conta com um total de quatro escolas, sendo três escolas de Educação Infantil e uma de Ensino Fundamental. Na rede estadual, conta com duas escolas de Ensino Fundamental e uma de Ensino Médio.

Caiçara já teve um número maior de escolas, mas, com o passar dos anos e a diminuição da população jovem, algumas instituições escolares do meio rural foram fechadas, ocorrendo nuclearizações. Das quatro escolas municipais existentes atualmente, três foram escolhidas para integrar esta pesquisa, tendo como critério de seleção o contingente maior de discentes e docentes que compõe as comunidades escolares, pensando na perspectiva da gestão escolar democrática e participativa. A quarta escola é uma pequena instituição de Educação Infantil, com uma única turma em efetivo andamento.

Assim, as escolas escolhidas foram: Escola Municipal de Educação Infantil Vô Danilo (EMEI Vô Danilo), situada no espaço urbano e destinada a atender Educação Infantil e creche; Escola Municipal de Educação Infantil Anjo da Guarda (EMEI Anjo da Guarda), também situada no espaço urbano, mas voltada a atender turmas de pré-escola; e Escola Municipal de Ensino Fundamental Santa Catarina (EMEF Santa Catarina), situada no espaço rural, na Linha Mendes, interior do município, centrada em atender desde a Educação Infantil (pré-escola) até o 9º ano do Ensino Fundamental.

4 O DESAFIO DA GESTÃO ESCOLAR DEMOCRÁTICA COMO PRÁTICA NO CONTEXTO ESCOLAR -ANÁLISE DOS DADOS E DISCUSSÃO

Como proposta de análise e discussão, são desdobrados, a seguir, os dados construídos para esta pesquisa a partir das questões respondidas pelas três gestoras escolares municipais de Caiçara. Com base nas respostas, buscou-se contemplar e compreender melhor a problemática deste estudo: em que medida a gestão escolar democrática, conforme previsto na legislação e documentação vigente, tem sido compreendida e efetivada nas gestões escolares do município de Caiçara?

No intuito de preservar as identidades das colaboradoras da pesquisa, optou-se por apresentá-las como gestora A (EMEI Vô Danilo), gestora B (EMEI Anjo da Guarda) e gestora C (EMEF Santa Catarina). Na primeira questão (Você conhece, teve acesso ou estudou a lei de gestão democrática?), as gestoras A e B responderam, respectivamente: “Sim, estou cursando pós-graduação em Gestão Democrática” e “[...] estou cursando pós-graduação em Gestão Escolar”. Já a gestora C respondeu: “Sim, estudei a temática durante a especialização em Gestão Educacional e Escolar, durante o Mestrado em Educação, na LDB e PNE, mas também durante os estudos da BNCC em 2019”.

Cabe ressaltar que a gestora C esteve presente no meio acadêmico por mais tempo, realizando formações de pós-graduação presenciais e saindo desse meio mais recentemente do que as demais gestoras. A formação da gestora C ocorreu em instituição educacional superior pública, enquanto as das demais foram em instituições privadas. A gestora C possui algumas de suas produções acadêmicas e científicas voltadas para a gestão escolar e a educação escolar, o que poderia significar ter clareza sobre o tema e a legislação vigente.

A partir do exposto, entende-se que as gestoras escolares em atuação na educação municipal não só acessaram, em algum momento, como também estão buscando, no atendimento às exigências legais, formação voltada para a gestão escolar e a perspectiva democrática. Importante ressaltar que a existência de formação continuada nesse sentido ainda é recente, assim como a inclusão do tema nas formações em nível de graduação. Tal afirmação parte do fato de que tanto a discussão sobre a aplicação desse perfil de gestão quanto a documentação orientadora e normatizadora foram criações que se concretizaram a partir da Lei n. 9.394 (Brasil, 1996), sendo esmiuçadas no CNE e no meio civil e acadêmico desde então. Contudo, Alves, Alves e Viegas (2020), ao analisarem a gestão educacional nos Planos de Educação em nível nacional, estadual e municipal, concluíram que muitos dos planos estaduais ou municipais não estão alinhados ao PNE no que se refere à gestão democrática da escola.

Essas novas percepções para a educação escolar pública, que saem das perspectivas teóricas da Administração Escolar (centralizadora, verticalizada e estruturada) - portanto, não no sentido do conceito de administração construído por Paro (2008) - e passam para a abordagem da gestão escolar democrática (descentralizadora, horizontalizada e participativa), aos poucos, são levadas para o campo da formação acadêmica e para o espaço escolar.

Na segunda questão (como você entende a gestão escolar democrática? O que você acha necessário para que ela seja garantida no contexto escolar?), as seguintes colocações foram apresentadas pelas colaboradoras da pesquisa:

A gestão democrática envolve toda a comunidade escolar (pais, alunos, professores, direção, funcionários e equipe pedagógica). Para que ela aconteça no ambiente escolar, o gestor deve promover ações com toda a equipe, e que esta esteja envolvida e tenha comprometimento nas melhorias do ensino-aprendizado, onde o aluno possa desenvolver suas habilidades, na formação de cidadãos críticos, social e cultural (Gestora A).

A gestão democrática é a soma de atitudes e ações que aproxima a participação social, ou seja, a comunidade escolar (professores, alunos, pais, direção, equipe pedagógica e demais funcionários), onde ela é considerada sujeito ativo em todo o processo da gestão, participando de todas as decisões da escola. Assim, é imprescindível que cada um destes sujeitos tenha clareza e conhecimento de seu papel enquanto participante da comunidade escolar (Gestora B).

A gestão escolar democrática é uma grande conquista para nossa sociedade, dando maior possibilidade de participação às comunidades escolares, e, com isso, de engajamento coletivo, de conscientização e de fiscalização das ações e aplicações de recursos, incluindo todos os segmentos e representações da comunidade escolar. Para que ela seja garantida na prática, se faz necessário, porém, que questões como a vontade coletiva, as escolhas, os órgãos colegiados e representativos, a autonomia e a liderança estejam presentes e sejam respeitadas e sagradas para os envolvidos - direta ou indiretamente; ainda, que o corpo docente leve a perspectiva democrática para a sua sala de aula (Gestora C).

A gestão escolar democrática faz parte das relevantes construções que resultaram do processo de redemocratização do país, após longos anos de Ditadura Civil-Militar brasileira (1964-1985), cujo passo essencial foi dado com a Constituição Federal de 1988, conferindo novos parâmetros à gestão pública e colocando a participação e a representatividade no centro do processo político nacional.

Na continuidade das questões, buscou-se aprofundar um pouco mais o olhar acerca da gestão pública municipal e da gestão educacional municipal (Secretaria Municipal de Educação [SMEC]). Assim, na terceira questão (como você percebe a maneira de condução ao cargo de gestão escolar utilizada na rede municipal de ensino? Em sua visão, ela reforça ou colabora para a manutenção de princípios da gestão escolar democrática ou não? Explique), as gestoras apresentaram as seguintes respostas:

Num contexto geral acredito que os gestores têm o propósito de desempenhar sua função com ética, respeito e comprometimento com toda a equipe. Os gestores enfrentam vários desafios devido aos meios sociais, econômicos e políticos, dificultando e também impedindo de melhor realizar o trabalho por falta de apoio de seus superiores municipais (Gestora A).

A condução ao cargo de gestão utilizada em nossa rede municipal é por indicação, que, no meu ponto de vista, colabora para uma gestão mais democrática, pois na maioria das vezes é analisado o perfil, a experiência e o currículo do profissional que está sendo indicado e se o mesmo em sua prática pedagógica tem um bom relacionamento com sua equipe de trabalho (Gestora B).

A condução ao cargo de gestão utilizada em nosso município, por meio de indicação, embora esteja de acordo com as possibilidades que a orientação legal oferece, com exceção do PNE (2014-2024), que orienta para não mais haver a indicação política - embora em ambas não deixe totalmente claro, no caso da minha escola que é uma escola maior, que atende turmas de pré-escola ao 9º ano e possui um corpo docente e de funcionários bastante significativo, acredito que ter escolha de direção através de pré-seleção a partir de critérios técnicos (o que já ocorre em parte), somando-se à possibilidade de eleições, seria uma forma interessante de se conseguir maior engajamento coletivo para um projeto coletivo de escola, pois, como nos municípios há disputas político-partidárias muito vivas e presentes no cotidia-no, isso acaba afetando o engajamento coletivo para o projeto educacional escolar (Gestora C).

As gestoras A, B e C demonstraram, desse modo, não ter uma visão unânime em relação ao processo de condução ao cargo. Acredita-se que isso se deva, em grande medida, às suas formações e trajetórias distintas, a realidades escolares diferentes, espaços em que estão atuando (urbano e rural) e as também diversas relações com a gestão pública municipal e com a gestão educacional.

Paro (2008) elenca as formas de chegar à direção escolar: por indicação, eleição direta ou concurso público. Conforme o documento Programa Nacion al de Capacitação de Conselheiros Municipais de Educação, publicado pelo MEC em 2004,

Variadas são as formas e as propostas de acesso à gestão das escolas públicas historicamente utilizadas no sistema educacional brasileiro. Entre elas destacam-se: 1) diretor livremente indicado pelos poderes públicos (estados e municípios); 2) diretor de carreira; 3) diretor aprovado em concurso público; 4) diretor indicado por listas tríplices ou sêxtuplas ou processos mistos; e 5) eleição direta para diretor (Brasil, 2004).

Cada município ou estado escolhe as formas de condução ao cargo de direção, desde que estas sejam condizentes com o que, de fato, pode garantir a gestão escolar democrática, propiciando o envolvimento e o preceito de primazia coletiva na democratização das relações escolares. É necessário ter, além das concepções teóricas e epistemológicas alinhadas a um viés democrático, o efetivo funcionamento nas instituições das instâncias coletivas, democratizadoras e participativas, a exemplo dos conselhos escolares, grêmios estudantis, círculos de pais e mestres e conselhos de classe.

A partir da análise das diferentes modalidades de escolha ou propostas de acesso à gestão das escolas públicas, corroborando a observação da gestora C em relação à indicação pelo poder público, o documento Programa Nacional de Capacitação de Conselheiros Municipais de Educação destaca que

[...] a livre indicação dos diretores pelos poderes públicos se fundamenta na prerrogativa do gestor público em indicar o diretor como um cargo de confiança da administração pública. Historicamente, contudo, essa modalidade parece ter contemplado as formas mais usuais de clientelismo, na medida em que se distinguia pela política do favoritismo e da marginalização das oposições, e o papel do diretor não contava com o respaldo da comunidade escolar. Essa modalidade articulada ao conservadorismo político permitia, portanto, a transformação da escola em um espaço instrumentalizador de práticas autoritárias e mecanismo de barganhas políticas as mais diversas, evidenciando forte ingerência na gestão escolar (Brasil, 2004).

Tal perspectiva coaduna também com o que foi ressaltado sobre o fato de que o provimento do cargo de gestão não necessariamente define sozinho o exercício da função como democrática, mas a efetiva participação de órgãos colegiados e o exercício da cidadania a partir da clareza conjunta em relação ao PPP, aos objetivos e às funções sociais da escola.

No que concerne às práticas clientelistas, tradicionais, conservadoras e impositivas, Paro (2001, p. 65-66) ressalta que

[...] as eleições tiveram um importante papel na diminuição ou eliminação, nos sistemas em que foram adotadas, de sistemática influência dos agentes políticos (vereadores, deputados, prefeitos, cabos eleitorais etc.) na nomeação do diretor. Mas isso não significa que o clientelismo tenha deixado de exercer suas influências na escola.

Mesmo assim, ao observar a Meta 19 do PNE 2014-2024, percebe-se um passo adiante ao alertar que o desejável seria evoluirmos gradualmente para, conforme o documento, “[...] nomeação comissionada de diretores de escola vinculada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à participação da comunidade escolar e não mais indicação política” (Brasil, 2015). Porém, conforme Vieira e Vidal (2015, p. 27-28),

Os dados obtidos por meio do Questionário do Diretor da Prova Brasil 2011 mostram que as formas predominantes de acesso ao cargo são: seleção 9,7%, eleição, 19,9% e seleção mais eleição, 13,2%; e indicação técnica, 11,4%, indicação política, 21,7%, ou outra forma de indicação, 12,8%. Agrupando-os, observa-se que os processos de seleção e/ou eleição totalizam 42,8%, enquanto as diversas formas de indicação somam 45,9%. Nesse sentido, poder-se-ia afirmar que quase a metade das escolas públicas têm seus gestores escolhidos por processos de indicação, o que fere princípios democráticos e republicanos, na medida em que esses procedimentos não envolvem critérios claramente definidos, publicidade e transparência. [...]. Ao desagregarmos por dependência administrativa, constata-se diferenças agudas entre elas, sendo as escolas municipais aquelas que possuem os maiores percentuais de ocupação dos cargos por algum tipo de indicação (59,7%) e as escolas estaduais, as que têm a maioria dos seus cargos ocupados por processo de seleção e/ou eleição (60,7%). Noutras palavras, o princípio da gestão democrática não tem representado obstáculo à indicação política ao cargo de diretor, informação que salta aos olhos no exame dos números absolutos apresentados na tabela 1. A presença de processos de tal natureza, sobretudo na esfera municipal é um indicador da permanência de práticas clientelistas no interior da escola, resquícios de um Estado patrimonial cuja continuidade se mantém.

Na ótica de Oliveira (2021), promover discussões situadas sobre o movimento de escolha para dirigentes escolares, praticadas no município, e suscitar proposições que dialogam com a gestão escolar democrática na forma da lei constituem ações socialmente relevantes. De acordo com Oliveira (2021, p. 2150), “[...] o princípio da gestão democrática tem provocado múltiplas discussões e interpretações”. Ainda,

[...] a eleição de diretores é um mecanismo que contribui para construção da democracia na escola; mas, é uma modalidade que não dispõe de amparo legal no ordenamento jurídico pátrio, ficando a critério ou vontade política dos governantes locais (Oliveira, 2021, p. 2152).

O que se confirma neste estudo.

Na sequência, na quarta questão (quanto à prática pedagógica, você acredita que o corpo docente com quem trabalha conhece e busca defender e aplicar os princípios da gestão escolar democrática na escola como um todo, na sala de aula, na relação com os e as estudantes e na condução da gestão de sala de aula?), buscou-se situar a democratização da prática pedagógica, uma das mais decisivas interfaces do processo de gestão escolar democrática, posto que concede voz e possibilidade participativa e construtiva aos principais interessados nos processos educacionais escolares - os e as estudantes. Nessa questão, as gestoras apresentaram as seguintes respostas:

Quanto à prática pedagógica, tenho ciência de que há conhecimento do corpo docente em democratizar o ambiente de trabalho, apenas existem alguns aspectos que impactam o melhor desempenho do professor diante do ensino-aprendizado, por situações políticas, econômicas e culturais, causando divergências entre o corpo docente (Gestora A).

Em se tratando da prática pedagógica democrática, com certeza, acredito sim muito na minha equipe de trabalho, pois, como é um grupo pequeno de pessoas, facilita muito para que todos estejam em harmonia com a equipe, sempre participando dos planejamentos, ações e metas a serem alcançadas durante o ano letivo visando sempre o objetivo do bem-estar de cada educando para que os mesmos sejam protagonistas da sua história, tenham um excelente aprendizado e se tornem bons cidadãos de valores éticos (Gestora B).

Nem todos os professores partem dos pressupostos democráticos na gestão de sala de aula e na atuação docente enquanto grupo. Muitos ainda possuem formações mais tradicionais e partem de práticas conservadoras, assim vendo o estudante como um mero receptor do conhecimento, alguém incapaz de contribuir num propósito de efetiva construção coletiva. A atualização e atenção necessária ao PPP e seu cumprimento, às vezes, mostram-se frágeis e pouco efetivas, pelo menos em relação à experiência que tive em 2019, quando foi a última atualização, assim como a falta do oferecimento de recuperações periódicas aos estudantes com menor rendimento, especialmente no contexto pós-pandêmico, então fortalecendo disparidades muito grandes dentro de uma mesma turma (Gestora C).

De maneira geral, essa última questão leva a uma reflexão já bastante relembrada como necessária nas formações continuadas, principalmente durante a pandemia, tendo em vista o uso de tecnologias digitais e metodologias mais ativas, voltadas para uma escola mais participativa, na qual se desenvolve a cultura da participação na gestão e construção do conhecimento em sala de aula, em que os e as estudantes são protagonistas e as relações podem ser cada vez mais democráticas. Especificamente em relação à construção do PPP, a gestora C relata que a última vez que os grupos se reuniram para revisar, discutir e reelaborar os documentos foi em 2019, durante os estudos acerca da BNCC.

Outro aspecto a ser debatido, que, embora não presente no questionário, veio à tona em conversa posterior com as gestoras colaboradoras, diz respeito à existência e ao funcionamento dos órgãos colegiados. As três escolas possuem órgãos colegiados como conselho de pais e mestres e conselho escolar. E a EMEF Santa Catarina possuía também o grêmio estudantil, órgão, que, conforme a gestora C, foi encerrado em 2016 devido ao fato de que era visto como uma “[...] maneira de alguns alunos matarem aula”. Nesse sentido, é importante ressaltar que a extinção do grêmio estudantil se relaciona com a época em que a condução de gestores escolares nessa instituição deixou de ocorrer de forma eletiva, passando a depender de indicação como cargo de confiança da gestão municipal, o que pode indicar mudanças de olhares por parte das orientações da gestão educacional do período.

Evidenciam-se, portanto, questões culturais, mas também políticas e ideológicas, nas respostas das gestoras. Essas imbricações impactam e, por vezes, tornam mais difícil a construção de ambientes democráticos e plurais. De modo geral, é necessário, contudo, reforçar a afirmação de que a interpretação e a aplicação da lei de gestão democrática permeiam todo o processo educacional escolar e todas as relações sociais humanas construídas nesses contextos, devendo primar pela diversidade e pelo reconhecimento do outro. Não se trata, assim, de uma questão de estrutura administrativa, referente a formas de condução ou a questões burocráticas, mas de algo mais complexo e que deve ser relembrado e realimentado no cotidiano escolar.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao se analisarem os dados e a partir do objetivo deste texto (que visou a uma reflexão sobre a gestão escolar democrática e os desafios da interpretação e da aplicação da legislação em escolas da rede municipal de Caiçara, Rio Grande do Sul), conclui-se que o município de Caiçara se encontra no caminho para garantir o atendimento às exigências legais voltadas para a gestão escolar e a perspectiva democrática, embora com muito caminho a ser desbravado. Por isso, o objetivo foi trazer elementos da realidade, contribuindo cientificamente para que se possa despertar ainda mais a sociedade brasileira para a qualidade da educação, cumprindo com o que há de direcionamentos legais, diminuindo-se a distância entre o promulgado e a prática.

Nesse sentido, evidenciam-se, nesta pesquisa, passos como: gestoras com formações voltadas para a gestão escolar democrática já finalizadas ou em andamento; formações continuadas para o corpo docente e de funcionários (seminários e encontros anuais); presença de órgãos colegiados nas escolas; e reuniões participativas com as comunidades escolares. No entanto, nota-se um movimento pouco efetivo em relação aos seguintes aspectos: atenção contínua e necessária ao PPP (revisão, elaboração e cumprimento), debate, construção conjunta e continuada a partir de um objetivo comum, sempre reforçado e revisto; qualidade da educação - falta de oferecimento de recuperações periódicas aos e às estudantes com menor rendimento (conforme indica o artigo 13 da LDB, inciso IV); ferimento da autonomia e da transparência quanto à nomeação política/indicação para cargos de gestão escolar, instituindo brechas para o não cumprimento dos objetivos do PNE 2014-2024, cujo prazo inicial, de dois anos, já foi excedido em mais de seis anos.

Durante esse percurso, aprende-se que os desafios a enfrentar são muitos - entre eles, os distintos contextos e realidades educativas, a falta de segurança para a prática docente em condições adversas, os necessários ajustes na didática a partir da práxis, a ausência de recursos diversos enfrentada principalmente pelas escolas públicas, as gestões e os ambientes escolares não democráticos, a falta de comprometimento das famílias e da comunidade escolar, as violências e os assédios e a má valorização salarial. Contudo, aprende-se também que é possível atuar de modo mais aberto e participativo, colaborando na transformação pessoal e social e no compromisso coletivo, por meio da reflexividade, das lutas de classe, da aproximação com as famílias, das adaptações e transposições didáticas e teóricas, de práticas pedagógicas inclusivas e democráticas, da formação continuada e, acima de tudo, da educação pela paz e pela democracia.

A democratização das escolas públicas brasileiras é um árduo caminho a ser trilhado, com desafios, avanços e retrocessos, mas é um caminho sem volta no que tange à qualificação educacional e social. Para além de conhecer e interpretar a legislação, há de se ter o efetivo corpo coletivo em ação na escola, com autonomia e objetivo conjunto.

Ao se falar sobre o tema da gestão democrática, fala-se da transposição para a prática e para a constituição de sentidos necessários no cotidiano pedagógico da sala de aula, com vistas a formar contextos educativos e sociais que são naturalmente plurais, com mais igualdade, equidade, justiça e inclusão. Sabe-se que somos seres sociais, os quais se constituem humanos na socialização, sobretudo quando esta é mediada por relações democráticas. E a escola é uma instituição social que media esse processo.

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Recebido: 28 de Agosto de 2023; Aceito: 16 de Outubro de 2023

Fabiana Regina da Silva: Doutora em História pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Pesquisadora e gestora da educação básica do Rio Grande do Sul. E-mail: fabianareginadasilva@yahoo.com.br, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-3030-238X

Darciel Pasinato: Pós-doutor e Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Doutor em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Pesquisador e professor colaborador do PPGEDU da UNISINOS. E-mail: darcielpasinato1986@gmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0003-4167-2025

Cristiane Medianeira da Silva Reis: Doutora em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Pesquisadora e professora da educação básica do Rio Grande do Sul. E-mail:crysreys@yahoo.com.br, Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0106-4092

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