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Revista Brasileira de Política e Administração da Educação

versão impressa ISSN 1678-166Xversão On-line ISSN 2447-4193

Revista Brasileira de Política e Administração da Educação vol.38 no.1 Goiânia  2022  Epub 02-Out-2023

https://doi.org/10.21573/vol38n002022.119752 

ARTIGOS

Inserção de egressos do ensino técnico federal no mercado de trabalho local

Insertion of federal technical education graduates into the local labour market

Inserción de graduados de educación técnica federal en el mercado laboral local

JOSÉ ROBERTO ABREU DE  CARVALHO JUNIOR
http://orcid.org/0000-0002-6016-3667

THALMO DE PAIVA  COELHO JUNIOR
http://orcid.org/0000-0002-3716-1882

1Universidade Federal de Viçosa Programa de Pós-graduação em Administração Viçosa, MG, Brasil

2Universidade Federal do Espírito Santo Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública Vitória, ES, Brasil


Resumo

O objetivo do artigo foi caracterizar a inserção dos egressos de cursos técnicos de nível médio do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (Ifes) – Campus Guarapari no mercado de trabalho local. Cento e vinte e dois egressos responderam a um questionário eletrônico aplicado em 2018. Os resultados sugerem uma baixa inserção dos egressos no mercado de trabalho local e não atuação na sua área de formação técnica. Os resultados também indicam que o Ifes de Guarapari não acompanha seus egressos após os estudos e não lhes fornece apoio para inserção profissional.

Palavras-Chave: Egressos; Educação profissional; Inserção no mercado de trabalho; Desenvolvimento socioeconômico local; Políticas educacionais

Abstract

The aim of the article was to characterize the insertion of graduates from TVET courses at the Federal Institute of Education, Science, and Technology of Espírito Santo (Ifes) – Campus Guarapari in the local labour market. 122 graduates answered an electronic questionnaire applied in 2018. The results suggest a low insertion of graduates in the local labor market and not acting in their area of technical training. The results also indicate that Ifes of Guarapari does not accompany its graduates after their studies and does not provide them with support for professional insertion.

Key words: Graduates; TVET; Insertion in the labor market; Local socioeconomic development; Educational policies

Resumen

El objetivo del artículo fue caracterizar la inserción de los egresados de los cursos técnicos de bachillerato del Instituto Federal de Educación, Ciencia y Tecnología de Espírito Santo (Ifes) - Campus Guarapari en el mercado laboral local. 122 egresados respondieron un cuestionario electrónico, aplicado en 2018. Los resultados sugieren una baja inserción de egresados en el mercado laboral local y no actuando en su área de formación técnica. Los resultados también indican que Ifes de Guarapari no acompaña a sus egresados después de sus estudios y no les brinda apoyo para la inserción profesional.

Palabras-clave: Graduados; Educación profesional; Inserción en el mercado laboral; Desarrollo socioeconómico local; Políticas educativas

INTRODUÇÃO

A era do conhecimento, estabelecida principalmente nas últimas quatro décadas, pressupõe um mercado de trabalho cada vez mais tecnológico e altamente especializado. Nesse cenário, a qualificação profissional é vista como uma condição necessária para o acesso das pessoas aos melhores empregos e remunerações em um mundo de rápidas transformações na economia e na caracterização do trabalho. No nível individual, a educação é vista pelo sujeito como um requisito para a manutenção ou elevação do seu nível de empregabilidade. No nível social, governos confiam no poder das habilidades cognitivas de trabalhadores qualificados para obterem melhores níveis de competitividade, de desenvolvimento socioeconômico e de qualidade de vida da sua população (HANUSHEK; WOESSMANN, 2008).

É bem conhecido o papel que a educação de nível superior realiza para melhorar a produtividade de trabalhadores (BECKER, 1964; SCHULTZ, 1961), que favorece o processo de inovação em produtos e serviços e aumenta o poder de competitividade de organizações e empresas. Entretanto, menos é conhecido sobre o papel que a qualificação profissional de nível médio e técnico pode desempenhar nesse crescente cenário de valorização de habilidades cognitivas dos trabalhadores. Quando se olha para o contexto brasileiro, percebemos que há uma escassez de trabalhos que relacionem a qualificação profissional de nível médio técnico com o mercado de trabalho.

Em 2008, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (Ifets) foram criados e inseridos em regiões interioranas do país justamente para alavancarem o desenvolvimento socioeconômico local (BRASIL, 2008) por meio da absorção no mercado de trabalho local de profissionais por eles qualificados, especialmente os profissionais de nível médio técnico. A educação profissional de nível médio é o foco da formação oferecida pelos Ifets. Uma das expectativas que se tem com os Ifets é a de que à medida que seus alunos concluíssem os estudos, eles não precisariam se deslocar de suas cidades de origem para grandes centros urbanos em busca de maiores e/ou melhores oportunidades profissionais. Inseridos no mercado de trabalho local, os egressos qualificados teriam a chance de aplicarem o seu conhecimento no trabalho e, assim, contribuírem para o desenvolvimento socioeconômico, transformando a realidade social de seus municípios. Evidências recentes sugerem que a presença dos Ifets realmente pode melhorar a economia local (FAVERI; PETTERINI; BARBOSA, 2018).

A inserção dos egressos no mercado de trabalho local nos parece, portanto, central para o cumprimento dos objetivos esperados com a criação e o investimento feitos nos Ifets. Entretanto pesquisas com inserção profissional de egressos dos Ifets são ainda escassas. O estado da arte sobre o tema nos indica que os trabalhos se caracterizam, na maioria das vezes, como estudos de caso de um Ifet ou de um campus de Ifet, o que inviabiliza generalizações para o Brasil como um todo. Os estudos recentes indicam que, apesar de a educação profissional de nível médio aumentar a probabilidade de o trabalhador conseguir maiores ganhos financeiros e econômicos (DAVIDIS; NOGUEIRA; LEAL, 2020), há constatações de uma baixa inserção no mercado de trabalho dos egressos na sua área de formação (SILVA; BRANDÃO; MENDONÇA; DICK, 2020; SOUSA; ANDRADE, 2017). Há evidências também de que os egressos recebem pouco apoio do Ifet para a sua inserção no mercado de trabalho (VIEIRA; GOMES; SILVA, 2011). Esses resultados, portanto, sugerem preocupação e merecem a atenção de pesquisadores e gestores públicos.

É compreensível que a literatura considere estudos de caso para análise de inserção profissional dos egressos, dadas as disparidades econômicas e de oportunidades no mercado de trabalho entre municípios e regiões do país. Especificamente, o estado do Espírito Santo, o menor da Região Sudeste, carece de estudos com essa temática, muito embora o Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) seja o único Ifet presente em território capixaba com 22 campi. Assim, neste artigo, nós também seguimos a literatura e realizamos um estudo de caso com um campus de Ifet. Nós consideramos o Campus Guarapari do Ifes como unidade de análise em virtude do potencial turístico e econômico que o município apresenta para a sua microrregião. Assim, o objetivo do artigo é caracterizar a inserção dos egressos de cursos técnicos do Ifes Campus Guarapari no mercado de trabalho local.

Ao melhor de nosso conhecimento, até agora, nenhum trabalho considerou a inserção no mercado de trabalho dos egressos desse Campus do Ifes. Essa, portanto, é a contribuição teórica e empírica do artigo. O artigo junta-se aos demais trabalhos da literatura de inserção profissional de egressos dos Ifets brasileiros (DAVIDIS; NOGUEIRA; LEAL, 2020; SILVA; BRANDÃO; MENDONÇA; DICK, 2020; SOUSA; ANDRADE, 2017; VIEIRA; GOMES; SILVA, 2011) para construir um maior conhecimento sistêmico sobre o tema. Como contribuição prática, o artigo fornece um importante retorno aos gestores, práticos, formuladores e avaliadores de políticas públicas sobre a formação oferecida pelo Ifes, podendo eventualmente subsidiar a tomada de decisão na gestão educacional. No Brasil, em geral, e em instituições de ensino federais, em particular, parece existir uma cultura de não acompanhamento da inserção profissional dos seus egressos após a conclusão dos estudos, muito embora pesquisas com egressos se constituam uma fonte rica de informações para eventuais revisões dos processos de ensino e de gestão acadêmica (PAUL, 2015).

Após essa Introdução, na seção 2, nós apresentamos os fundamentos da Teoria do Capital Humano, de um lado, e os contrapontos feitos pela literatura de educação profissional brasileira, de outro, e aprofundamos nas expectativas de desenvolvimento socioeconômico local geradas a partir dos Ifets. Na seção 3, nós apresentamos a metodologia utilizada para o artigo. Na seção 4, nós apresentamos os principais resultados encontrados. Na seção 5, nós discutimos esses resultados oferecendo-lhes possíveis explicações e interpretações. Por fim, na seção 6, nós concluímos sobre o que esses resultados parecem significar e sinalizar, especialmente à luz das políticas públicas federais de educação profissional.

TEORIA DO CAPITAL HUMANO E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL BRASILEIRA

A Teoria do Capital Humano (BECKER, 1964; SCHULTZ, 1961) afirma que a educação é um caminho no qual o indivíduo investe tempo e esforço para adquirir conhecimento com a expectativa de se desenvolver pessoal e profissionalmente e obter uma melhor qualidade de vida. O argumento principal da Teoria do Capital Humano é que quanto maior for o nível de escolaridade do indivíduo, maior tenderá a ser a sua produtividade, e esse processo lhe proporcionará uma maior renda no trabalho e o acesso a melhores oportunidades de emprego. Essa conhecida relação positiva entre escolaridade e renda tende a ser ainda mais impactante em países em desenvolvimento como o Brasil (BECKER, 1964), em virtude das desigualdades educacionais entre a população (ANDREWS, 2014).

A educação profissional é um tipo de qualificação que combina abordagens teóricas e práticas e que tem o mundo do trabalho como orientação predominante. Saviani (2007) afirma que o trabalho faz parte da essência humana. Manfredi (2002) explica que, no imaginário popular, as pessoas acreditam que quanto maior for o seu nível de escolaridade, maior será o acesso a melhores empregos e a profissões mais demandadas, facilitando a sua inserção no mundo do trabalho. Além de ser uma exigência de a economia possuir pessoal qualificado, a qualificação é também uma aspiração da população, que sabe que as pessoas mais instruídas conseguem melhores empregos e melhores rendas (SCHWARTZMAN; CASTRO, 2013). Simões (2010) diz que a escola é utilizada como estratégia das pessoas para superar as suas condições socioeconômicas mais precárias de vida, como também a aquisição de conhecimento e busca de formação. Ciavatta (2012) afirma que educar-se é algo necessário para introduzir a população a todo tipo de transformação social, efetiva, que se pretenda.

Entretanto visões críticas como as de Pais (2005), Ramos (2006) e Frigotto (2008) contestam o argumento da Teoria do Capital Humano de que somente a educação seria capaz de promover mudanças sociais substantivas para os menos privilegiados da população. Essa corrente de pensamento entende que há desigualdades entre a população no acesso aos empregos, e a educação não consegue, por si só, retirar os privilégios de capital social e cultural das classes mais favorecidas economicamente. Pais (2005) pondera que, tacitamente, sabe-se que é preciso contar com um pouco de sorte quando se procura trabalho, apesar do discurso de que com melhores qualificações se torna mais fácil para uma pessoa empregar-se.

Se, durante a fase áurea do capitalismo, especialmente na segunda metade do século XX, a escola preparava o indivíduo para um emprego certo, atualmente ela deve desempenhar um papel de formação do indivíduo para o desemprego (GENTILI, 2008). Ramos (2006) explica que a outrora garantia da relação formação-emprego está posta em questionamento devido à distância existente entre os objetivos econômicos atuais e os recursos que são promovidos através da educação. O discurso propagado é o de que, em um cenário de mercado competitivo e exigente, o emprego se torna uma disputa, em que quem vai ganhá-lo é aquele profissional que apresentar maior capacidade e/ou habilidades (VIEIRA; GOMES; SILVA, 2011).

Del Pino (2008) não concorda com o discurso da empregabilidade, que afirma que através da requalificação se pode chegar ao emprego, pois acredita que não existe no capitalismo a possibilidade concreta de satisfação de empregos. Isto é, não existe geração de empregos suficiente para atendimento de todos. De acordo com o autor, apesar da ideia de que, através dos diferentes tipos de formação profissional, todos se tornarão empregáveis, é ingênuo acreditar que é factível corrigir as distorções do mercado em função da qualificação dos trabalhadores e das trabalhadoras. A crise do emprego não se resolve dentro da escola (DEL PINO, 2008), que tem funcionado como um fator de camuflagem do desemprego, onde se encontram potenciais desempregados (PAIS, 2005). Grabowski e Ribeiro (2010) lembram que, mesmo assim, tem sido alardeado pelo governo federal, através de suas políticas, programas e ações, que o ato de se qualificar profissionalmente e de obter uma formação técnico-profissional são estratégicos para que o Brasil se insira no grupo de nações consideradas desenvolvidas, além de constituir-se como requisito para que o trabalhador possa participar das novas relações sociais de produção.

Frigotto (2010) julga importante que a política pública de formação profissional se vincule às políticas de emprego e renda. Isso ocorre porque, na maneira como a educação básica e formação técnico profissional está configurada atualmente, desvinculada de um projeto democrático e público de desenvolvimento, que contemple os campos econômico, político e cultural com uma clara geração de empregos e renda, ela se reduz, predominantemente, a um invólucro de caráter ideológico (FRIGOTTO, 2008), tornando os esforços de capacitação profissional ineficazes e ineficientes (POCHMANN, 2001). Existem visões idealizadas que superestimam a importância da escola como mecanismo de formação profissional e ingresso no mercado de trabalho, mesmo havendo uma separação entre o que é ensinado no ambiente escolar e os desafios existentes no mundo do trabalho (MANFREDI, 2002).

Supõe-se ser falso ou uma ilusão, e também uma desonestidade, conferir aos pressupostos educativos um peso unilateral de inserção de uma sociedade nos processos de globalização e reestruturação produtiva e, principalmente, como tábua de salvação para aqueles que se veem ameaçados de perder seus empregos ou para os desempregados (FRIGOTTO, 2008). Enquanto houver o desajuste entre as esferas econômica e educacional, continuará a existir o desemprego estrutural no Brasil (POCHMANN, 2008). Isso, porque, conforme Manfredi (2002) explica, a educação, por si só, não gera trabalho nem emprego. Pais (2005) também não acredita que somente a educação irá resolver o problema do desemprego entre os jovens, pois, evidentemente, o desemprego justifica-se majoritariamente pela falta de empregos. Políticas educacionais são então elaboradas buscando alavancar o desenvolvimento socioeconômico e promover uma transformação social por meio de uma maior tentativa de aproximação com o setor econômico. Um exemplo dessas políticas ocorre com os Ifets.

OS IFETS E AS EXPECTATIVAS DE DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO LOCAL

Criados em 2008, os Ifets são instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializadas na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos com as suas práticas pedagógicas (BRASIL, 2008). Os Ifets têm por finalidade orientar sua oferta formativa em benefício da consolidação e fortalecimento dos arranjos produtivos,sociais e culturais locais, identificados com base no mapeamento das potencialidades de desenvolvimento socioeconômico e cultural no seu âmbito de atuação. Um de seus objetivos é estimular e apoiar processos educativos que levem à geração de trabalho e renda e à emancipação do cidadão na perspectiva do desenvolvimento socioeconômico local e regional. Em 2019, havia 599 campi de Ifets distribuídos por todo o território brasileiro, presentes especialmente em regiões interioranas do país (PNP, 2020).

Existe um entendimento na literatura de que instituições de ensino profissional devam manter um relacionamento próximo com a sociedade civil e o mercado de trabalho para melhor responderem às suas demandas sociais e profissionais (OLAZARAN; ALBIZU; OTERO; LAVÍA, 2019; TABBRON; YANG, 1997). Esses autores entendem que, em uma economia que muda rapidamente, o mercado de trabalho necessita de profissionais qualificados para lidarem com o avanço tecnológico e com a solução de problemas cada vez mais complexos. A instituição de ensino profissional surge como mediadora dessa relação ao qualificar os cidadãos para posterior inserção no mercado de trabalho. A lógica é que o desenvolvimento econômico poderia ser alcançado através dessa relação tríplice. Algumas evidências recentes sugerem que os Ifets têm cumprido o seu esperado papel de promoverem o desenvolvimento socioeconômico local (FAVERI; PETTERINI; BARBOSA, 2018).

Um dos aspectos que nos parece central para que os Ifets consigam ser efetivos em promoverem o desenvolvimento socioeconômico local, portanto, diz respeito ao planejamento da oferta de cursos pela instituição e às demandas locais e regionais do mercado de trabalho — aspectos esses que devem ser tratados em seu Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) e em seu Projeto Pedagógico Institucional (PPI). O PDI é o instrumento que serve de guia para a instituição de ensino realizar as suas atividades e alcançar seus objetivos previamente estabelecidos. E o PPI, intimamente ligado ao PDI, diz respeito especificamente ao que a instituição de ensino deseja alcançar no futuro com a preocupação das questões sociais ligadas às suas atividades, como as de gestão, ensino, pesquisa, extensão e mecanismos de inserção regional.

No entanto, evidências sugerem que instituições de ensino públicas brasileiras são alheias ao ambiente ao seu redor quando definem seus PDIs (ARAÚJO, 1996), que os Ifets parecem se articular pouco com a comunidade local (VIEIRA, 2011) e que atividades como formação de redes, participação e engajamento, colaboração e parceria com os atores locais, liderança e visão integrada da gestão pública estão pouco presentes no PDI dos Ifets (CARVALHO JUNIOR; FERREIRA, 2021). Por outro lado, a abertura, o conhecimento e a participação dos atores locais na definição da oferta dos cursos pelos Ifets, o diálogo com a comunidade local e o alinhamento na identificação das reais demandas de qualificação da comunidade local poderiam formar um tipo de governança da educação profissional oferecida nos Ifets que provavelmente resultaria em melhores resultados para todos os atores locais (OLAZARAN; ALBIZU; OTERO; LAVÍA, 2019).

Acreditamos que esse alinhamento no planejamento da oferta e demanda de cursos seria fundamental para os egressos dos Ifets conseguirem boa inserção profissional, uma vez que sua qualificação estaria alinhada com a realidade local, com a expectativa de ser bem absorvida no mercado de trabalho local. Evidências sugerem que as características peculiares do mercado de trabalho local impactam significativamente sobre os ganhos de ocupação e remuneração de egressos altamente qualificados, independentemente do prestígio da instituição de ensino frequentada (MANZONI; STREIB, 2019). Ou seja, essas evidências apontam que mesmo que os egressos recebam uma boa qualificação em uma instituição de esino de excelência e prestígio como são os Ifets, a realidade do mercado de trabalho local pode não contemplar uma demanda por essa qualificação, afetando, assim, os ganhos dos egressos no mercado de trabalho, em relação ao individual, e ao desenvolvimento socioecômico local, em relação ao social.

Esse aspecto demonstra a relevância do papel dos Ifets em planejarem e administrarem sua oferta de cursos alinhada com a realidade local (PEREIRA, 2003). E, sob a ótica da administração pública baseada em evidências e monitoramento contínuo de resultados (MORRA-IMAS; RIST, 2009), faz-se necessário um acompanhamento por parte dos Ifets sobre os resultados provenientes das suas ações, de modo que seja permissível, inclusive, rever a sua oferta de cursos em prol de benefícios para a comunidade local.

Parte da literatura de educação profissional entende que ela pode ir além do aspecto funcional de inserção profissional e desenvolvimento econômico, pois ela também seria capaz de promover nos alunos o seu desenvolvimento humano pleno (MCGRATH, 2012) e a capacidade de almejar novos futuros (POWELL, 2012). A educação profissional teria a capacidade de promover também a inclusão social de grupos minoritários e em desvantagens socialmente, especialmente as mulheres e os jovens (ASADULLAH, 2019; HILAL, 2019). Esses argumentos da literatura são especialmente relevantes para o caso da educação profissional oferecida nos Ifets. Isso ocorre porque dados da Plataforma Nilo Peçanha mostram que, em 2019, praticamente a metade dos alunos dos Ifets era do sexo feminino (49,75%), 60,1% dos alunos que realizaram a declaração de classificação racial se classificaram como negros (de cor preta e parda) e 56,83% possuíam renda bruta familiar per capita mensal de até 1 salário mínimo (PNP, 2020).

Esses dados demonstram que os Ifets atendem uma população de alunos mais vulnerável socioeconomicamente. Historicamente, negros e pobres brasileiros encaram significativas desvantagens nas oportunidades educacionais e, consequentemente, laborais perante os estudantes brancos de famílias ricas (ANDREWS, 2014). Assim, a educação profissional de alta qualidade oferecida nos Ifets (NASCIMENTO; CAVALCANTI; OSTERMANN, 2020; RAMOS,2018) alcança os estudantes menos privilegiados da população e pode, por último, contribuir para diminuir as desigualdades sociais e de renda, características marcantes da sociedade brasileira. No âmbito individual, então, a educação profissional se apresenta como uma oportunidade material para os estudantes, especialmente os menos favorecidos da população. No nível social, a educação profissional é vista como uma estratégia para alavancar o desenvolvimento socioeconômico e tecnológico por meio da absorção de trabalhadores qualificados no mercado de trabalho.

METODOLOGIA

Esta pesquisa se caracteriza como um Survey, do tipo cross-section, com aplicação de questionário eletrônico aos egressos de cursos técnicos de nível médio em Administração e Eletrotécnica (modalidades Concomitante e Integrado) do Ifes Campus Guarapari, formados entre 2011 (ano das primeiras turmas de formandos) e 2017 (ano das últimas turmas de formandos no momento da pesquisa). A coleta de dados se deu entre abril e junho de 2018, num momento anterior à pandemia mundial de covid-19, portanto. A amostra é não probabilística e por conveniência, devido à disponibilização de dados pelo Ifes aos autores. Embora o Ifes também oferte o Curso Técnico em Mecânica, nós não consideramos os egressos desse curso, pois, no momento da coleta de dados, ainda não havia formandos desse curso. Esta pesquisa possui natureza descritiva e, portanto, ela não busca estabelecer relações de causalidade no processo de inserção profissional dos egressos, mas simplesmente caracterizar a sua vida ocupacional após a educação profissional de nível médio técnico.

Guarapari é um município localizado na Região Metropolitana da Grande Vitória, no estado do Espírito Santo, da Região Sudeste do Brasil. Possui uma população estimada em pouco mais de 126 mil habitantes em 20201 e, assim, é considerada uma cidade de porte médio. Guarapari é considerada um dos principais destinos do turismo de verão capixaba e brasileiro. Assim, torna-se relevante estudar a inserção de egressos em um mercado de trabalho local que convive com sazonalidade econômica devido à concentração de atividades em poucas estações do ano.

Nós utilizamos a ferramenta de formulários Google Docs para aplicação do questionário eletrônico. Como maneiras de contactar os egressos, nós utilizamos informações de contato dos mesmos, disponibilizados, a pedido dos autores, pela Coordenadoria de Registros Acadêmicos (CRA) do Ifes, compreendendo endereço de e-mail, número de telefone e endereço residencial. Foi solicitado também o perfil em redes sociais dos egressos, se houvesse, mas não obtivemos tais dados. Assim, foi enviada por e-mail, a cada um dos egressos, uma carta de apresentação explicando os propósitos da pesquisa e convidando-os para participação, disponibilizando um link para preenchimento do questionário. Cabe aqui destacar que muitos e-mails retornaram, especialmente com egressos formados nas primeiras turmas. A tabela 1 apresenta a população dos egressos dos cursos.

Tabela 1 População dos egressos de cursos técnicos do Ifes Campus Guarapari, por curso e modalidade 

Curso Modalidade2 Total
Concomitante Integrado
Administração 431 104 535
Eletrotécnica 79 36 115
Total 510 140 650

Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos resultados da pesquisa.

Dos 650 egressos consultados via e-mail, obtivemos 122 respostas ao questionário, o que representa uma taxa de retorno de 18,77%. Consideramos aceitável esse valor como representativo da população, tendo em vista que, em média, a literatura obtém entre 20 e 25% de respostas na aplicação de questionários. A seguir, apresentamos os resultados e, logo após, discutimos sobre eles.

2 ’Os cursos técnicos de nível médio podem ser em modalidades Concomitante ou Integrado. Modalidade Concomitante é aquela na qual o estudante já concluiu o ensino médio ou se encontra no último ano do ensino médio e deseja cursar a educação profissional de maneira concomitante ao ensino médio geral. Modalidade Integrado é aquela na qual o aluno cursa todo os anos do ensino médio geral de maneira integrada à educação profissional (BRASIL, 2008).

RESULTADOS

73% dos egressos respondentes são do sexo feminino e 27% do sexo masculino, conforme se observa no Gráfico 1.

Fonte: Resultados da pesquisa.

Gráfico 1 Perfil do egresso de Cursos Técnicos do Ifes Campus Guarapari, por sexo 

Esse resultado sugere uma confirmação das tendências na qual as mulheres têm buscado a qualificação e/ou inserção no mercado de trabalho em maior número do que os homens. É um resultado promissor, que pode eventualmente diminuir as desigualdades no mercado de trabalho entre homens e mulheres. Já o Gráfico 2 apresenta a situação ocupacional atual dos egressos.

Fonte: Resultados da pesquisa.

Gráfico 2 Situação ocupacional dos egressos do Ifes Campus Guarapari 

É louvável que quase 90% se encontrem estudando ou trabalhando ou ambos. O percentual daqueles que estudam (67,20%) mostra que os egressos têm dado continuidade aos estudos. No entanto, chama atenção que 43,40% não estejam trabalhando atualmente, visto que são profissionais técnicos e que era de se esperar que pudessem estar inseridos no mercado de trabalho. Dentre os que estão trabalhando, 54,05% trabalham com carteira assinada, 21,62% são estagiários, 6,75% são concursados no serviço público, 6,75% são donos de seu próprio negócio e outros 2,70% trabalham sem carteira assinada. Percebemos, portanto, uma clara predominância de inserção no setor privado do mercado de trabalho. Considerando os egressos que estão trabalhando, observa-se, no Gráfico 3, aqueles que trabalham plenamente, parcialmente ou não trabalham na sua área de formação.

Fonte: Resultados da pesquisa.

Gráfico 3 Relação do trabalho do egresso com a sua área de formação 

Com isso, pode-se admitir que a inserção no mercado de trabalho dos egressos de cursos técnicos do Ifes Campus Guarapari não se dá nas profissões nas quais o Ifes os capacita, pois somente 10% trabalham como técnicos e plenamente na sua área de formação. Um número expressivo (43%) dos egressos não trabalha como técnico e não atua nem parcialmente na sua área de formação. Trabalham em Guarapari-ES 63% dos egressos, mas também há aqueles que trabalham nos municípios próximos. Importante observar que se trata de um percentual entre os egressos que estão trabalhando. Ou seja, se se levasse em conta os egressos que não estão trabalhando, a porcentagem de inserção no mercado de trabalho guarapariense

seria ainda menor. Essa baixa inserção profissional de certa forma contradiz as expectativas dos egressos, pois 30,3% dos egressos disseram que fizeram o curso técnico com o objetivo de conseguir um emprego.

Depois de formados no Ifes, 54,9% dos egressos afirmaram ter procurado emprego como profissional técnico na sua área de formação em Guarapari-ES e 45,1% disseram que não procuraram. Essa informação sugere um certo desinteresse de quase metade dos ex-alunos em atuarem como técnicos no município onde o Ifes está situado. De todo modo, essa situação está também representada no Gráfico 4, quando apenas 43,40% dos egressos gostariam de trabalhar ou continuar trabalhando como profissional técnico em Guarapari. Em outras palavras, após formados, mais da metade não possui interesse em atuar na profissão que o Ifes de Guarapari lhes conferiu.

Fonte: Resultados da pesquisa.

Gráfico 4 Interesse dos egressos em trabalhar como profissional técnico em Guarapari-ES 

A partir do Gráfico 5, podemos visualizar as percepções dos egressos quanto à oferta de vagas de trabalho aos profissionais técnicos da sua área de formação no mercado de trabalho de Guarapari. Se para quase 75% dos egressos não existem, ou existem, mas são poucas as vagas de trabalho disponíveis, questionamos se os cursos técnicos que o Ifes Campus Guarapari atualmente oferece estão realmente de acordo com os arranjos produtivos locais.

Fonte: Resultados da pesquisa.

Gráfico 5 Percepção dos egressos quanto à oferta de vagas de trabalho aos profissionais técnicos de sua área no mercado de trabalho de Guarapari-ES 

Interrogados sobre qual seria a maior dificuldade na oferta de vagas aos profissionais técnicos da sua área de formação no mercado de trabalho de Guarapari, 27,3% dos egressos apontaram o fato de as empresas locais optarem por contratar uma mão de obra mais barata e menos qualificada; 20,7% acreditaram não haver uma política clara de geração de emprego e renda por parte do poder público; para 14%, a sua área de formação técnica não está de acordo com as características do mercado de trabalho guarapariense e 29,8% não souberam dizer. Tal processo de inserção profissional se torna mais difícil quando para 47,5% dos egressos o fato de possuir experiência profissional é essencial para se conseguir um emprego como profissional técnico em Guarapari, e para 37,7% não é essencial, mas ajuda na obtenção de trabalho.

Nesse sentido, está-se diante de um paradoxo, pois as empresas locais não contratam os profissionais técnicos se esses não possuírem experiência profissional; no entanto, existem poucas oportunidades laborais que lhes permitam justamente obter essa experiência profissional. Quanto à avaliação da atuação do Ifes, no suporte aos seus egressos, visando à sua inserção no mercado de trabalho, os ex- alunos responderam conforme se visualiza no Gráfico 6.

Fonte: Resultados da pesquisa.

Gráfico 6 Avaliação dos egressos quanto ao suporte oferecido pelo Ifes para inserção no mercado de trabalho de seus egressos 

Ou seja, na visão de aproximadamente 70% dos egressos, o Ifes não os auxilia para que consigam um emprego. Essa realidade pode comprometer a atuação da instituição, visto que ela poderia manter um diálogo permanente com seus ex-alunos com o objetivo de facilitar seus caminhos, especialmente os caminhos profissionais. Ademais, é esperado que um Instituto Federal dialogue com os atores sociais locais visando ao desenvolvimento socioeconômico daquela localidade.

No que se refere à avaliação da qualidade do curso técnico realizado no Ifes, 64,8% dos egressos consideram-na como excelente e 32% como boa. Outros 1,6% consideram-na como regular e também outros 1,6% disseram ser ruim. Ou seja, quase todos os egressos (96,8%) avaliam o curso que realizaram como tendo sido bom ou excelente. Essa informação confirma uma característica fortemente associada aos Institutos Federais, que é a de possuir um ensino de alta qualidade.

DISCUSSÃO

O principal resultado que encontramos é a constatação de uma baixa inserção dos egressos do Ifes Campus Guarapari no mercado de trabalho local, seja atuando como técnico, seja atuando plenamente na sua área de formação. Ainda que alguns egressos tenham relatado não terem procurado emprego em Guarapari, muitos procuraram, o que sugere que a baixa inserção profissional não é algo necessariamente deliberado pelos egressos. Esse resultado converge com a literatura anterior (SILVA; BRANDÃO; MENDONÇA; DICK, 2020; SOUSA; ANDRADE, 2017), que também identificou uma baixa inserção de egressos de outros Ifets brasileiros no mercado de trabalho local. Juntos, esses resultados sugerem que parece realmente haver uma dificuldade de os egressos se inserirem profissionalmente em economias não tão dinâmicas como são as de municípios de pequeno e médio porte quando comparadas com as de grandes municípios, cujo nível de atividade econômica e desenvolvimento tendem a ser muito maiores.

A principal explicação que oferecemos para esse resultado é que eles confirmamempiricamente os argumentos de autores teóricosdaeducação profissional brasileira e críticos da Teoria do Capital Humano como Manfredi (2002), Pais (2005), Ramos (2006) e Frigotto (2008, 2010). Como relatado pelos egressos, não parecem existir tantas oportunidades de trabalho para eles em Guarapari. Assim, ainda que os egressos aumentem a sua escolaridade, recebendo uma educação de alta qualidade no Ifes (NASCIMENTO; CAVALCANTI; OSTERMANN, 2020; RAMOS,2018), as oportunidades laborais são, aparentemente, escassas. Essa realidade pode inclusive gerar frustrações nos egressos do Ifes, pois pode ir contra o imaginário popular, de que as pessoas frequentemente pensam que o ato da qualificação em si lhes proporcionará o acesso aos melhores empregos (MANFREDI, 2002). Esse cenário só faz reforçar a necessidade de as políticas educacionais estarem atreladas a uma clara política de geração de trabalho, emprego e renda (POCHMANN, 2001, 2008). Acreditamos que somente assim é que farão sentido as propagações feitas pelo governo federal (GRABOWSKI; RIBEIRO, 2010) de que a qualificação profissional é a solução para o desemprego e o desenvolvimento socioeconômico.

A partir dos preocupantes resultados encontrados, é possível dizer que os propósitos das políticas públicas federais de educação profissional de se promover o desenvolvimento socioeconômico local através dos Ifets podem se encontrar ameaçados devidos à qualidade precária da inserção dos egressos no mercado de trabalho local. Sobretudo considerando que, para a grande maioria dos egressos, o Ifes não lhes auxilia a se inserirem no mercado de trabalho local. Essa percepção dos egressos do Ifes converge com o resultado encontrado por Vieira, Gomes e Silva (2011), pois os egressos do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande Norte (IFRN) também relataram pouco apoio do IFRN para sua inserção no mercado de trabalho. Uma explicação para esse resultado é que ele pode ser fruto da cultura de instituições brasileiras de ensino federal não acompanharem os seus egressos após a formação escolar, desconhecendo seus sucessos e insucessos (PAUL, 2015).

Uma segunda explicação para esse resultado é que ele pode também ser devido a uma eventual falta de parcerias do Ifes com o empresariado local e com o poder público municipal, o que pode dificultar o processo de inserção profissional dos egressos. Isso ocorre porque está bem estabelecido pela literatura que quanto mais próximo for o relacionamento da instituição de ensino profissional com os atores do setor produtivo, maior tende a ser a efetividade da política de qualificação profissional e consequentemente o desenvolvimento socioeconômico (OLAZARAN; ALBIZU; OTERO; LAVÍA, 2019; TABBRON; YANG, 1997).

Assim, urge ao Ifes buscar parcerias com os atores locais a fim de se ampliarem as oportunidades laborais para os egressos.

Uma terceira explicação para esse resultado negativo é que, na visão da maioria dos egressos, não existem ou há poucas vagas de trabalho relacionadas à sua área de formação em Guarapari. Assim, nós questionamos se os cursos que o Ifes de Guarapari oferece realmente estão de acordo com os arranjos produtivos locais conforme orienta a política de criação dos Ifets (BRASIL, 2008). Por exemplo, podemos argumentar que Guarapari é um município conhecido pelo seu potencial turístico de verão, sendo referência no estado do Espírito Santo e com certo destaque no Brasil como um todo. Naturalmente, poderíamos esperar a oferta pelo Ifes de cursos técnicos relacionados à área de viagens e turismo, como os de Turismo propriamente dito, Hotelaria, Gastronomia, Eventos etc. Mas, curiosamente, o Ifes não oferta nenhum curso na área. O curso técnico em Administração, talvez o mais próximo da área, não parece ser suficiente para o potencial que o município apresenta. Pelos resultados encontrados, é possível que o Ifes esteja alheio às reais demandas da comunidade local (ARAÚJO, 1996; VIEIRA, 2011) e que esteja agindo unilateralmente no seu cotidiano, sem a participação e o diálogo com os atores locais na sua gestão acadêmica (CARVALHO JUNIOR; FERREIRA, 2021). Esse resultado sugere que mais estudos são necessários para se verificarem se os cursos oferecidos pelos Ifets convergem com a realidade dos arranjos produtivos locais. Conhecer os resultados provenientes da atuação dos Ifets é fundamental para se avaliar a efetividade da atuação do Estado no que diz respeito à condução das políticas públicas federais de educação profissional (MORRA-IMAS; RIST, 2009).

Por outro lado, os demais resultados encontrados se apresentam como positivos e também merecem destaque. Por exemplo, a maioria dos respondentes foram do gênero feminino. Hilal (2019) analisou o potencial que a educação profissional tem para proporcionar trabalho decente, redução de pobreza e empoderamento de grupos marginalizados, especialmente as mulheres e os jovens, no contexto do mercado de trabalho da Palestina. Convergentes à Hilal (2019), nossos resultados sugerem que a educação profissional pode contribuir para um maior papel de destaque feminino também na sociedade brasileira, uma vez que as mulheres foram maioria entre os egressos qualificados do Ifes. Assim, a educação profissional do Ifes parece incluir socialmente os grupos marginalizados da população. Esse resultado confirma o argumento de que a educação profissional realmente pode favorecer a inclusão social dos menos privilegiados da sociedade (ASADULLAH, 2019; HILAL, 2019).

Outro resultado positivo que encontramos foi o desejo dos egressos em continuarem os estudos em nível de ensino superior. Esse resultado converge com a literatura internacional que defende que a educação profissional pode aumentar a capacidade de almejar novos futuros para jovens socioeconomicamente desprivilegiados (POWELL, 2012), promovendo-lhes um desenvolvimento humano pleno (MCGRATH, 2012). É possível que esse resultado seja fruto da qualidade da educação recebida pelos egressos no Ifes. Embora sejam escolas públicas de ensino médio federal, os Ifets são muito diferentes das demais escolas públicas estaduais e municipais. Isso, porque eles são conhecidos por possuírem um ambiente escolar de alta qualidade, com professores altamente qualificados, bem remunerados e que encontram boas condições de trabalho (NASCIMENTO; CAVALCANTI; OSTERMANN, 2020; RAMOS, 2018). Esse processo acumulado resulta em desempenho acadêmico elevado dos alunos, equiparável ao de escolas de ensino médio particular (RAMOS, 2018). De fato, quase todos os egressos avaliaram como boa ou excelente a qualidade do ensino recebida no Ifes. Esse resultado sugere que o Ifes cumpre bem o seu papel de ensino.

CONCLUSÃO

Podemos concluir que é baixa a inserção no mercado de trabalho local dos egressos de cursos técnicos de nível médio do Ifes Campus Guarapari, seja atuando como profissional técnico, seja atuando plenamente na sua área de formação. Isso se deve tanto pela percepção de falta de oportunidades laborais em Guarapari como pela vontade própria dos ex-alunos em não procurarem trabalho na sua área de formação. Em torno de apenas 10% dos egressos trabalham como técnicos atuando plenamente na sua área de formação. Os resultados encontrados sugerem preocupação, pois convergem com a literatura anterior (SILVA; BRANDÃO; MENDONÇA; DICK, 2020; SOUSA; ANDRADE, 2017) que também encontrou baixa inserção no mercado de trabalho de egressos de outros Ifets brasileiros. Juntos, esses resultados sugerem que o desenvolvimento socioeconômico local, imaginado a ser promovido com os Ifets (BRASIL, 2008), pode não ser totalmente alcançado devido à qualidade precária de inserção profissional desses egressos.

Como apontado pelos egressos, verificou-se que o Ifes não lhes oferece um suporte consolidado a fim de ajudá-los a conseguir uma colocação no mercado de trabalho. Constatamos também que o Ifes não possui a cultura de acompanhar a trajetória de vida de seus ex-alunos, pois não realiza monitoramento contínuo da sua vida após a conclusão dos estudos. Além disso, os cursos ofertados pelo Ifes parecem não contemplar plenamente a realidade do mercado de trabalho local, como apontado pelos egressos, e isso parece impactar na qualidade da sua inserção profissional e consequentemente na promoção do desenvolvimento socioeconômico local. O Ifes também parece não ter a cultura de realizar eventos no campus que envolvam egressos, empresariado local e poder público municipal. Esses eventos provavelmente facilitariam o estreitamento de laços entre esses atores, podendo resultar em alinhamento entre oferta e demanda de cursos, maiores parcerias e oportunidades laborais para os egressos. Como ponto positivo, é possível inferir que o Ifes Campus Guarapari oferece um ensino de qualidade aos alunos, que contribui para a formação humana, indo além da mera preparação para o trabalho. O artigo avança no conhecimento ao descrever a inserção no mercado de trabalho local de egressos de cursos técnicos de nível médio Ifes Campus Guarapari, localizado em uma região metropolitana da Região Sudeste do Brasil. São ainda escassos os estudos na literatura brasileira sobre inserção no mercado de trabalho de egressos da educação, em geral, e dos Ifets, em particular. Assim, além de contribuirmos para a literatura de inserção profissional de egressos dos Ifets, nós também contribuímos para a literatura de empregabilidade de egressos em geral, como para a literatura de desenvolvimento socioeconômico local.

O presente artigo possui limitações, principalmente em termos de generalizações. Pesquisas futuras poderiam replicar o nosso estudo considerando outros cursos de outros campi do Ifes e dos demais Ifets brasileiros. Poderiam também verificar se há diferenças na empregabilidade dos egressos em função do seu background familiar, uma vez que é possível que o capital social e cultural dos egressos possa promover ganhos distintos no mercado de trabalho (BOURDIEU, 1986). Sugerimos também estudos que contemplem a gestão dos Ifets sob a ótica da avaliação de suas ações na sociedade ao seu redor, especialmente com foco na vida pessoal e profissional dos seus egressos e na contribuição para o desenvolvimento socioeconômico local.

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1 Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/es/guarapari/panorama. Acesso em: 18 maio 2021.

Recebido: 04 de Novembro de 2021; Aceito: 05 de Dezembro de 2021

José Roberto Abreu de Carvalho Junior Doutorando em Administração pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Administrador do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (Ifes) – Campus Guarapari. E-mail: jose.r.carvalho@ufv.br

Thalmo de Paiva Coelho Junior Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Professor Titular do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (Ifes) e Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). E-mail: thalmo.coelho@gmail.com

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